RESUMO
Estabelecimento comercial é o conjunto de bens, materiais e imateriais que tem como finalidade o desenvolvimento da atividade econômica exercida pelo empresário individual ou sociedade empresaria. A alienação do estabelecimento, como um todo, é possível por um contrato que a doutrina nomina de trespasse. O contrato de trespasse visa à alienação de todo fundo de comercio, ou seja, de todo o conjunto de bens usado para exercer a atividade empresarial. Nos termos desse contrato não há a possibilidade de se alienar bens separadamente. Para se constituir um negocio jurídico de tal amplitude, é necessário ser zeloso, no sentido de que muitas obrigações serão transmitidas automaticamente ao adquirente, podendo ser favoráveis ou não.
Palavras chaves: Estabelecimento comercial. Contrato de alienação do estabelecimento. Trespasse. Transmissão de obrigações no trespasse.
ABSTRACT
Commercial Establishment is the set of goods, materials and immaterial that aims to develop the economic activity exerted by the individual entrepreneur or company. The alienation of the establishment, as a whole, is possible by a contract that the doctrine Nomina of Trespasse. The contract of sale is aimed at the alienation of the entire trade fund, that is, of the entire set of goods used to carry out business activity. Under this contract there is no possibility of alienating goods separately. To constitute a legal business of such breadth, it is necessary to be zealous, in the sense that many obligations will be transmitted automatically to the acquirer, and may be favorable or not.
Keywords: Commercial establishment. Sale agreement of the establishment. trespasser. Transmission of obligations on trespasser.
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INTRODUÇÃO
Diz-se empresário quem exerce profissionalmente, atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, na forma do artigo 966 do Código Civil de 2002. Desfragmentando tal artigo é possível facilitar o entendimento do mesmo, isto é, observa-se que para se considerar empresário no âmbito jurídico brasileiro, é necessário desde já, que se exerça atividade econômica, melhor dizendo, visando o lucro, de forma organizada, com profissionalismo, ou seja, de modo habitual e pessoal, com o fim de produção ou circulação de bens ou serviços. Como discorre Maria Helena Diniz (2014, p.38) de um modo mais preciso, empresa é instituição jurídica despersonalizada e caracterizada pela atividade econômica organizada, destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços.
É sabido que empresa é uma atividade e empresário é uma determinada pessoa, jurídica ou física, que exerce tal atividade e que para o exercício regular da mesma, é necessário o devido registro na junta comercial estadual como prevê o artigo 967 do CC de 2002. Da mesma forma, há de ser conhecido o estabelecimento comercial, que como disserta o Código Civil em seu artigo 1.142: considera-se, estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresaria. Maria Helena Diniz trata do estabelecimento empresarial como elemento essencial da empresa, ou seja, como forma de o empresário exercer determinada atividade.
É comum a alienação de determinado estabelecimento comercial no Brasil, tal alienação não diz respeito a um único bem isoladamente, mas sim a o conjunto de bens, ou como a doutrina trata uma universalidade de fato, que diz respeito a sua própria natureza jurídica. Esse procedimento é chamado de TRESPASSE, que sumarizando, é a venda do estabelecimento comercial.
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DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Entende-se por estabelecimento comercial o conjunto de bens reunido pelo empresário para o exercício de sua atividade. Tomazzete (2014, p.101) discorre que o estabelecimento é um conjunto de bens ligados pela destinação comum de constituir o instrumento da atividade empresarial. Tal ligação entre esses bens faz com que o estabelecimento seja tratado como um bem unitário, tanto que a doutrina define sua natureza jurídica como uma universalidade de fato. Para Orlando Gomes (2000, p. 227) universalidade de fato é o conjunto de coisas singulares, simples ou compostas, agrupadas pela vontade da pessoa, tendo destinação comum.
É sabido que o estabelecimento é composto por um conjunto de bens, mas que tipos de bens seriam esses? A doutrina divide em bens materiais e imateriais. Bens materiais seriam, por exemplo, a mercadoria, estoque, máquinas, veículos, equipamentos entre outros. Já bens imateriais seriam a marca nome empresarial, ponto empresarial, expressões e sinais de propaganda, desenhos industriais, invenções, formulas, patentes etc.
É relevante enfatizar, que o estabelecimento não é titular desses bens, pelo fato de não ser sujeito de direitos. Quem de fato é titular desses elementos do fundo de comercio, é o empresário ou a sociedade empresaria que os reúne como um todo, de forma unitária, para determinada atividade empresarial.
O imóvel, local físico onde é exercida a atividade empresarial não se confunde com estabelecimento comercial, pois o imóvel é somente parte integrante do estabelecimento. Cabe ressaltar que o imóvel em si só será parte integrante se for de propriedade do empresário, nos casos de locação, o que integraria o estabelecimento seria o direito de uso sobre o imóvel. O ponto comercial, de algum modo, está diretamente ligado ao imóvel, porém, não se confunde com este.
Como discorre Maria Helena Diniz (2014, p. 815) ponto é o local do exercício da empresa onde se concentra o estabelecimento, por isso a escolha desse local é primordial para o bom êxito da empresa. Exemplo, a pessoa que abre um restaurante em um centro comercial movimentado, logo, é certo afirmar que o êxito de tal restaurante será bom. O local assume um papel de grande importância na atividade empresarial, sendo considerado um bem incorpóreo que integra o estabelecimento.
Quanto à proteção do ponto comercial, se o imóvel for de propriedade do empresário, a proteção decorrerá da própria proteção da propriedade do imóvel. No mesmo sentido, o ponto em casos de imóvel locado é protegido e reconhecido como bem integrante do estabelecimento empresarial. Um exemplo disso é que o empresário em determinadas hipóteses legais, tem direito a renovação compulsória da locação, e se a caso tal renovação não se efetive, o mesmo tem direito à indenização.
Segundo Tomazzeti (2014, p. 109), o estabelecimento comercial possui um sobrevalor em relação à reunião total de bens que o compõe, relacionado a uma expectativa de lucros futuros, a sua capacidade de trazer proveitos. Esse sobrevalor é que se denomina aviamento. O aviamento é uma qualidade do estabelecimento. A clientela, por exemplo, é um modo de medi-lo, quanto mais clientes, maior será o valor do aviamento. Acentua-se que o aviamento goza de proteção no nosso ordenamento jurídico, tanto que, na indenização devida ao locatário, no caso de não renovação de contrato ele é levando em conta.
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DA TRANSFERÊNCIA DO ESTABELECIMENTO
O estabelecimento empresarial, como um complexo de bens unidos pela finalidade comum do exercício da atividade, pode ser objeto de cessão, como prevê o art. 1.143 do código civil de 2002. Esse contrato recebe o nome de trespasse.
O trespasse é um negócio jurídico pelo qual o empresário, seja ele individual ou coletivo vende todo seu estabelecimento comercial (alienante ou trespassante) a um terceiro (adquirente ou trespassário), que pagará conforme o valor estipulado. É um contrato bilateral, oneroso, consensual e comutativo.
A eficácia do referido contrato perante terceiros (erga omnes) requer a devida averbação do mesmo à margem do registro do empresário, seja individual ou coletivo e sua publicação na imprensa oficial, assim discorre o artigo 1.144 do Código Civil.
Quanto à validade do contrato de trespasse, não depende de forma especial como prevê o enunciado n. 393 do CJF, aprovado na IV jornada de direito civil. Entretanto observar-se-á o regime jurídico de cada bem, por exemplo, a transferência no caso de bens moveis, far-se-á mediante a tradição, e no caso de bens imóveis mediante averbação no competente registro e em caso e propriedade industrial é necessário a transferência de titularidade perante o instituto nacional de propriedade industrial.
3.1 DO VALOR DO ESTABECIMENTO COMERCIAL
Na alienação do estabelecimento comercial, não se aprecia somente os bens materiais, mas sim, igualmente, os bens imateriais. Devem ser levados em conta todos os creditos futuros decorrentes de títulos de crédito, bem como o potencial de clientela que o comercio gerou, como também, levar em consideração todos os débitos, como multas ambientais, débitos tributários, e eventuais débitos em discussão judicial.
Por isso, nesse tipo de contrato, é necessária a abertura de uma espécie de inventário, especificando com exatidão cada bem que faz parte do estabelecimento, assim garantindo segurança entre as partes.
3.2 DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES
Com o trespasse, o estabelecimento passa a integrar o patrimônio do adquirente, Maria Helena Diniz (2014, p. 839) alude que a negociação do estabelecimento não poderá causar danos a terceiros, ou seja, aos credores do titular do estabelecimento. Por tal razão, na forma do artigo 1.145 do CC, o empresário ou sociedade empresaria que não possuir bens suficientes para cobrir seu passivo só poderá alienar com eficácia o seu estabelecimento se pagar todos os credores ou obter o consentimento unânime, expresso ou tacito de seus credores no prazo de 30 dias, contados da notificação. Essa notificação pode ser tanto judicial quanto extrajudicial, sendo imprescindível para que os credores possam de manifestar sobre o contrato de trespasse. Ressaltasse que tal notificação somente é necessária no caso de não pagamento dos credores em questão.
Quanto às dividas contraídas antes da transferência do estabelecimento, a luz do artigo 1.146 do CC, o adquirente responde, porém, com uma ressalva, desde que a divida esteja regularmente contabilizada. O mesmo artigo discorre sobre a responsabilidade solidaria quem tem o devedor primitivo sobre as dividas contraídas antes da transferência. O alienante responde solidariamente pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento. (Art. 1.146 do CC de 2002). A regra não se aplica a divida trabalhista e nem tributárias, artigo 10 e 448 da CLT, artigo 133 do Código Tributário, respectivamente.
No que tange a dívidas tributárias, o adquirente responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato. Responderá o adquirente integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade, ou subsidiariamente se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão, assim disserta o art. 133 do Código Tributário.
Quanto aos contratos de trabalho, e verbas devidas aos empregados esses não serão afetados pela alienação ou alteração jurídica do estabelecimento. As obrigações trabalhistas serão de responsabilidade do adquirente, mesmo aquelas contraídas antes do trespasse. Assim, tendo em vista o exposto, depreende-se que, a luz, da CLT art. 10 e 448 e do CC art.1.148 o legislador apenas quis proteger a função empresarial, considerando-se que tanto os trabalhadores quanto outros eventuais contratos são necessários para o potencial produtivo da empesa.
Os créditos relativos ao exercício da atividade empresarial compõem o estabelecimento, portanto com a transferência do estabelecimento os créditos são transferidos juntos. Para que os devedores tomem conhecimento do trespasse, é necessária a publicação informando o negocio jurídico no órgão oficial, após a publicação, presumir-se-á que os devedores tomaram conhecimento do negócio. Apesar disso, grande parte da doutrina entende que não seria razoável exigir do devedor que tome conhecimento do trespasse. Assim se o devedor paga o alienante de boa fé, sua obrigação será exonerada, porém, o adquirente do estabelecimento poderá exigir do alienante o recebimento do crédito (art. 1.149 do CC de 2002).
3.2.1 DA CONCORRÊNCIA
É no contrato de trespasse que será definido a possibilidade de concorrência ou não, e quando o mesmo for omisso a isso, aplicar-se-á a regra do art. 1.147 do Código Civil, que diz:
Caput- Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência.
Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.
Isto é, se houver autorização expressa no contrato de trespasse, clausula de não concorrência durante três anos, é o que vigorará, somente em caso de omissão é que será aplicada tal regra. Importante frisar que nos contratos quem contenham clausula de não concorrência estipulando superior a cinco anos, pode ser revista judicialmente, se abusiva (enunciado n. 489 do conselho da Justiça Federal, aprovado na V Jornada de Direito Civil).
3.3 DA SUB-ROGAÇÃO DOS CONTRATOS DE EXPLORAÇÃO
Realizada a transferência do estabelecimento comercial, não havendo estipulação em contrário, sub-rogar-se-á em todos os direitos e deveres os contratos para exploração do estabelecimento, exemplo, prestação de serviços, arrendamento de equipamentos, compra e venda de mercadoria etc. desde que não tenha caráter pessoal (personalíssimos) podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante. Essa é a previsão legal do art. 1.148 do Código Civil.
No caso do contrato de locação, este não se transmite automaticamente para o adquirente no trespasse, já que há vedação legal pelo art. 13 da lei nº 8.245/91 que prevê condições especiais para a transferência. E também enunciado n. 234 do conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, que dispõe:
Quando do trespasse do estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite automaticamente ao adquirente.
Em suma, a cessão de locação depende do consentimento prévio e escrito do locador, não se transmitindo automaticamente como os demais contratos sob pena de anulabilidade.
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CONCLUSÕES/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem qualquer dúvida, a venda de estabelecimento comercial no Brasil é muito comum, um negócio jurídico bilateral, oneroso, em que se aliena o estabelecimento, ou seja, o conjunto de bens ligados pela destinação comum com uma finalidade.
O código civil regula com precisão a transmissão das obrigações. No tocante as dívidas de natureza civil, o art. 1.146 regula que o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizado, entretanto, o alienante continua solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento. Não obstante, os débitos de natureza tributária e trabalhistas não seguem a mesma regra, observado, portanto, o art. 10 e 448 da CLT e o art. 133 do CTN.
O Código Civil estabelece que o contrato de trespasse só produzira efeitos após a averbação à margem da inscrição do empresário e sua posterior publicação na imprensa oficial. Posteriormente o art. 1.145 do CC, elucida que a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.
Como uma forma de proteção da atividade empresarial, exercida por meio do estabelecimento, o Código Civil alude, em seu art. 1.148 que a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, desde que os mesmos não tenham caráter pessoal. No que diz respeito ao contrato de locação, este não transmite automaticamente, em razão do art. 13 da lei 8.245/91 que dispõe que a cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.
Por fim, cabe salientar, que a transmissão do estabelecimento comercial deve ser minuciosa, detalhada. Os débitos não compõem o estabelecimento pois são uma divida, ou seja, uma obrigação, porém como já supracitado, o adquirente sucede o alienante nas obrigações contabilizadas, por isso, é de extrema importância requerer a exibição integral dos livros do alienante antes de comprar o estabelecimento.
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REFERÊNCIAS
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TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito empresarial: teoria geral do Direito societário. São Paulo: Atlas, 2014.
COSTA, R.I.;RODRIGUES, V.A. Teoria Geral Da Empresa. Londrina: Editora e distribuidora educacional S.A, 2016, p. 33-53.
Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 set. 2019.
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Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm> acesso em: 14 set. 2019.