Síndico, seus deveres e sua responsabilidade civil – Parte 2

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Na primeira parte deste artigo, iniciamos a análise dos deveres do síndico.  Tratamos da obrigação em prestar contas à assembleia geral, bem como a de informar a existência de procedimentos administrativos ou judicias de interesse do condomínio.

 Relembrando que, nos casos das ações judiciais movidas pelo condomínio, excetuando as ações de cobrança de inadimplentes, é necessária a prévia aprovação pela assembleia, para a propositura de demandas que possam gerar eventuais passivos financeiros ao condomínio. Tal se justifica, pois os custos para a propositura de tais ações têm nitidamente caráter extraordinário. Ademais, eventual condenação sucumbencial terá impacto em toda a coletividade condominial.

Nesta segunda parte, abordaremos a obrigação do síndico em cumprir e fazer cumprir as normas condominiais (Convenção e Regimento Interno) e as deliberações assembleares, além do dever de conservação das partes comuns.

Podemos dizer que o síndico é o fiscal das normas condominiais. Além de administrar e representar o condomínio, a lei impõe a ele o dever de fazer cumprir a Convenção e o Regimento Interno. Assim, toda vez que algum condômino, morador ou frequentador infringir as normas de convivência, é obrigação do síndico reprimir tal conduta, seja através de advertências ou da aplicação de multas, as quais devem estar expressamente previstas na Convenção de Condomínio.

 Não fosse assim, os condomínios seriam ilhas anárquicas, onde reinaria a desordem e o caos.

O síndico deve atuar sob o pálio da Convenção e do Regimento Interno e, evidentemente, da lei. Suas decisões devem se pautar pelo princípio da impessoalidade, para que o interesse da coletividade condominial possa prevalecer.

Como já dissemos alhures, a Convenção tem caráter institucional-normativa, obrigando a todos os condôminos, ocupantes (permanentes ou ocasionais) e frequentadores. Sendo assim, cabe ao síndico não apenas velar pela observância da Convenção, como também a ela se submeter. O mesmo vale para o Regimento Interno e para as decisões deliberadas em assembleia de condôminos. A  verdade é que não há espaço para grandes discricionariedades na gestão condominial.

 E assim deve ser para que não sobrevenham decisões arbitrárias por parte daquele que representa a coletividade condominial e para que as decisões da maioria sejam respeitadas.

Em julgamento proferido pelo Tribunal do Justiça do Paraná, que entendeu ser indevida multa aplicada por um síndico a um condômino que estacionava um de seus veículos na rua do condomínio (horizontal).  Ocorre que, o Regimento Interno proibia o estacionamento de veículos nas ruas do condomínio, caso estes obstruíssem a circulação das vias. O condômino conseguiu comprovar que estacionava o seu veículo na rua do condomínio, sem, no entanto, atrapalhar a circulação da via. Também ficou demonstrado que outros condôminos agiam da mesma forma.[1]

O síndico que atua em desacordo com a convenção (ou com a lei) responde pessoalmente pelos prejuízos causados ao condomínio. Cite-se como exemplo, o síndico que deixa de recolher os impostos devidos à Receita Federal, ao INSS e ao FGTS.[2]

É importante registrar que a responsabilização pessoal do síndico pode transbordar a esfera cível, desaguando na criminal, nos casos, por exemplo, de apropriação indébita, que nada mais é do que o desvio de recursos do condomínio para proveito pessoal.[3]

Como representante dos interesses da coletividade condominial, o síndico não pode extrapolar os limites impostos pela lei ou pela convenção e tampouco contrariar as decisões assembleares. O síndico não atua em nome próprio. É mandatário do condomínio, não podendo exceder os limites do mandato

Outro dever legal imposto ao síndico é o de conservar as áreas comuns do condomínio.

 Ora, se a lei determina que o síndico diligencie a conservação e a guarda das partes comuns[4], não pode a assembleia deliberar de forma diversa, tendo em vista o caráter cogente da norma.

Assim, constatada a deterioração das partes comuns do condomínio edilício, o síndico deverá realizar a concorrência entre os prestadores de serviços, a fim de que a assembleia delibere sobre a escolha do empreiteiro, o cronograma de obras e a forma de pagamento. Porém, não pode a assembleia deliberar pela não realização das obras que importem a conservação da área comum.

Tão importantes são as obras de conservação do condomínio, que a lei determina que as obras ou reparações necessárias podem ser realizadas pelo síndico (ou qualquer condômino), independentemente de autorização assemblear[5].

 Tratando do tema com o brilhantismo que lhe é peculiar, o Professor Luiz Antonio Scavone[6] assim resume a questão:

"a)   O síndico deve conservar o edifício sob pena de omissão, responsabilidade civil e destituição (Código Civil, arts. 1.348, V, e 1.349).

b)   Se a despesa com a conservação for de pequena monta, não há, sequer, a necessidade de assembleia (Código Civil, art. 1.341, § 1º).

c)   Se a despesa com a conservação for excessiva e a obra urgente, o síndico realiza de qualquer forma e, ao depois, dá ciência à assembleia, não havendo necessidade de prévia aprovação, como pode ocorrer, por exemplo, com o rompimento da coluna de água (Código Civil, art. 1.341, § 2º).

d)   Se a despesa com a conservação for excessiva e a obra não for urgente (Código Civil, art. 1.341, § 3º), o síndico providencia orçamentos e os submete à assembleia que apenas decidirá de que forma será feita a conservação e qual dos orçamentos será aprovado, jamais se a obra que é um dever seu será ou não realizada. O exemplo é a pintura ou a recuperação da fachada. Portanto, em razão do dever de  conservação imposto ao síndico, mesmo que a obra não seja urgente, a assembleia não pode mais decidir pela não realização da despesa que for destinada a conservar o edifício. Poderá, apenas, decidir como será feita a conservação."

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Deflui daí, que o síndico omisso, que permite a deterioração das áreas que são de propriedade comum, pode ser responsabilizado pessoalmente por sua inércia, estando sujeito à destituição, nos termos do art. 1.349 do Código Civil, sem prejuízo de sua responsabilidade civil pelo danos advindos de sua omissão.

 Neste sentido:

 Direito civil e processual civil. Cobrança. Responsabilidade civil de síndico. Irregularidade na administração do condomínio. Dever de ressarcimento. Sentença mantida. 1. Aquele que administra bens ou interesses alheios tem o dever de prestar contas de sua gestão em favor de quem se deu a referida administração.  2. É ônus do réu provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, conforme artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil. 3. Não demonstrando o demandado (ex-síndico) que executou os serviços contratados conforme as notas fiscais, bem como restando caracterizado que não obedeceu às normas legais e da convenção de condomínio, deve ser responsabilizado pessoalmente pelas irregularidades na administração dos recursos do condomínio. 4. Recurso conhecido e desprovido.  (TJDF -APC: 20130111009823, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 02/09/2015, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 14/09/2015 (GRIFOS E DESTAQUES MEUS)

 Na terceira e última  deste artigo abordaremos a possibilidade do síndico transferir os poderes de representação do condomínio a terceiros. Concluiremos, também, a análise da responsabilidade pessoal do síndico.


[1] TJPR RI: 00093097220208160018 Relator Des. Fernando Swain Ganem Data do julgamento 02/08/2021

[2] TJRJ Apel. 00129891120118190208 5ª Câm. Cível - Relator Des. Heleno Ribeiro Pereira Nunes Data do julgamento 09/10/2014

[3] TJDF 1ª Turma Criminal - 00042688020188070007 Relator Des. George Lopes Data do julgamento 20/08/2020

[4] Código Civil, art. 1.347, V

[5] Código Civil,  § 1º do art. 1.341 do

[6] Scavone Jr., Luiz Antônio Direito Imobiliário Teoria e Prática Ed. Forense, 9ª Ed. Pág. 1.465

Sobre o autor
Rodrigo Otávio Coelho de Souza

Advogado - Especialista em Direito Imobiliário e Contratual Pós Graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC Pós Graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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