Meus pais faleceram; eu sou obrigada a receber herança? E se eu não quiser? Como fica?

04/04/2022 às 09:41

Resumo:


  • A herança é transmitida aos herdeiros imediatamente após a morte do indivíduo, conforme o artigo 1.784 do Código Civil Brasileiro, num processo chamado "saisine".

  • Herdeiros podem renunciar à herança, o que deve ser feito de forma expressa por meio de instrumento público ou termo judicial, conforme o artigo 1.806 do Código Civil.

  • A renúncia é irrevogável e não deve ser confundida com cessão de direitos hereditários, sendo a renúncia pura feita em favor do monte e não de um beneficiário específico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RECEBER HERANÇA quase sempre é visto como uma excelente coisa, afinal de contas, representa um acréscimo patrimonial: quem não quer aumentar seu patrimônio, não é verdade? Pode não ser.... o herdeiro pode sim manifestar sua vontade em NÃO RECEBER a herança. A bem da verdade, como sempre falamos aqui, a transmissão já ocorre na hora que a "pessoa" se torna "defunto": parou de respirar, cessadas as funções vitais, estabelecida a morte, por força de Lei, teremos a transmissão ocorrida pela SAISINE, nos termos do art. 1.784 do CCB/2002:

"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários" .

A SAISINE é necessária para não haver um só momento em que a herança fique "sem titularidade". Pura ficção legal que, necessária, pode ser refutada caso, por exemplo, algum dos herdeiros RENUNCIE à herança. A renúncia à herança pode se dar por diversos motivos, dentre eles, o fato de que efetivamente um do herdeiros não querer mesmo ser contemplado com a herança e muito menos suportar todas as etapas de um desgastante INVENTÁRIO, recolher o IMPOSTO CAUSA MORTIS devido, dentre outros. Importa ressaltar que a RENÚNCIA pode ser operada por TERMO NOS AUTOS ou ESCRITURA PÚBLICA, conforme regras do art. 1.806 do CCB:

"Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial".

Na via judicial costumeiramente ela se opera por TERMO NOS AUTOS, podendo também ser manifestada por Escritura Pública. Na via EXTRAJUDICIAL não existe "Termo nos Autos", então o repúdio à herança é materializado por ESCRITURA PÚBLICA que pode ser feita em separado ou na mesma Escritura onde for realizado o Inventário (o que não recomendamos, embora não seja proibido) por conta dos efeitos da RENÚNCIA - sim, são importantíssimos os efeitos da RENÚNCIA já que ela é IRREVOGÁVEL (art. 1.812) e, dependendo do contexto sobre o qual ela é operada, a destinação desejada pode não ser alcançada, como esclarece a regra do art. 1.811:

"Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça" .

Cabe esclarecer que RENÚNCIA pura não se confunde com a chamada "RENÚNCIA TRANSLATIVA" que na verdade, nem deveria ser chamada de "renúncia". Ela traveste na verdade uma Cessão de Direitos Hereditários e com isso acaba por desvirtuar o instituto. Quem renuncia REPUDIA à herança, devolvendo ao MONTE e JAMAIS transferindo para pessoa certa e determinada (embora, em muitos casos, esse possa ser o resultado final, inclusive). A recomendada doutrina do Desembargador Aposentado do TJSP, hoje Advogado, Dr. ROBERTO GONÇALVES (Direito Civil Brasileiro. 2020) esclarece:

"(...) O herdeiro que renuncia em favor de determinada pessoa, citada nominalmente, está praticando dupla ação: aceitando tacitamente a herança e, em seguida, doando-a. Alguns entendem que, neste último caso, não há renúncia ou repúdio, mas sim cessão ou desistência da herança. Outros, no entanto, preferem denominar o ato renúncia translativa, que pode ocorrer, também, mesmo quando pura e simples, se manifestada depois da prática de atos que importem aceitação, como a habilitação no inventário, manifestação sobre a avaliação, sobre as primeiras e últimas declarações etc. Preleciona a propósito Alberto Trabucchi que a verdadeira renúncia é a abdicativa, feita gratuita e genericamente em favor de todos os coerdeiros. Só produzirá efeitos se observada a forma solene. Coisa diversa é a renúncia translativa, que implica aceitação e transferência posterior dos direitos hereditários".

Decisão do TJRS com acerto faz as devidas distinções:

"TJRS. 70063758759/RS. J. em: 02/03/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. A RENÚNCIA DA HERANÇA HÁ DE SER EXPRESSA E FORMALIZADA ATRAVÉS DE TERMO JUDICIAL OU ESCRITURA PÚBLICA. A RENÚNCIA PROPRIAMENTE DITA É A ABDICATIVA, TAMBÉM CHAMADA DE PURA E SIMPLES, E É AQUELA EM FAVOR DO MONTE. A RENÚNCIA DITA TRANSLATIVA EQUIVALE À VERDADEIRA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. NEGADO SEGUIMENTO".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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