Adoção: Desistência durante o processo e seus efeitos

04/04/2022 às 17:49

Resumo:


  • A adoção é um processo que visa garantir o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar, sendo irrevogável após o trânsito em julgado da sentença.

  • A desistência da adoção durante o estágio de convivência pode ser legítima, mas a devolução imotivada e imprudente pode causar danos emocionais e psicológicos, configurando ato ilícito passível de responsabilização civil.

  • Existem divergências na jurisprudência sobre a responsabilização civil por desistência da adoção, mas há casos em que os tribunais reconhecem o dever de reparação pelos danos causados à criança ou adolescente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente trabalho consiste na análise de motivos para a desistência da adoção, bem como seus efeitos e possibilidade de responsabilidade civil para estes adotantes. A metodologia de pesquisa utilizada foi a realização de pesquisas em livros, jurisprudências atuais, doutrinas, legislação e revistas jurídicas. O primeiro capítulo abordará a evolução da adoção, conceito e aspectos jurídicos. O segundo capítulo trará o estudo referente a responsabilidade civil pela desistência da adoção, os motivos pelos quais os adotantes desistem da adoção, a desistência pela própria criança e a sua devolução, como funciona esse processo, qual é a penalidade para tal prática, visto que a adoção é um ato irrevogável e irrenunciável. E por fim, no terceiro capítulo, qual é a visão do judiciário a respeito do tema.

Palavras-chave: Adoção. Desistência. Devolução. Responsabilidade.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho discorre sobre a desistência da adoção e a devolução infundada de crianças e adolescentes às casas de acolhimento durante o estágio de convivência e a possibilidade de responsabilidade civil (indenização por dano moral). O conteúdo principal é vislumbrar o desrespeito aos princípios do direito à convivência familiar e a dignidade da pessoa humana, dispostos na Constituição Federal, visto que a experiência de uma nova separação familiar reimprime o sentimento de tristeza dos abandonos anteriores.

A adoção é concretizada e passa a ter condição irrevogável após o trânsito em julgado da sentença, de forma que a desistência da adoção no estágio de convivência é possível. Mesmo que não exista uma vedação legal, o estágio de convivência não pode servir como justificativa legítima para a causa de prejuízo psicológico ou emocional às crianças e adolescentes, uma vez que devem ter seus direitos fundamentais resguardados e gozam de proteção integral.

É pertinente a análise da possibilidade de responsabilizar civilmente os pretendentes à adoção, tendo em vista o desdém com os sentimentos da criança, além de configurar ofensa grave a sua dignidade.

O objetivo deste trabalho é encontrar uma solução que desencoraje a prática por parte dos pretendentes, bem como conscientizá-los de que a adoção é uma forma de família substituta e que serve para que o menor possa ter o seu direito à convivência em um seio familiar garantido, visa primeiramente atender aos interesses das crianças e adolescentes e não aos objetivos dos adultos que idealizam a família adotiva.

Ao incluir uma criança ou adolescente em uma família substituta, espera-se que esse novo seio familiar seja capaz de proporcionar-lhe um ambiente saudável e propício para o seu desenvolvimento, amenizando o histórico de rejeição anteriormente vivenciado. Para saber se o menor está se adaptando ao novo seio familiar e se este ambiente será favorável para seu crescimento e desenvolvimento é necessário que exista o estágio de convivência, não pensando primeiramente nos adotantes.

Desta forma, quando o menor está sob a guarda de seus guardiões, é realizado um acompanhamento por assistente social, qual dará o seu parecer e dirá se os candidatos a adoção estão aptos ou não para receber o menor em sua residência e em seu seio familiar.

Sendo assim, visando à melhor compreensão desta temática e para que o objetivo do trabalho fosse alcançado, a metodologia de estudo utilizada foi o de realização de pesquisas em livros, jurisprudências, doutrinas, legislação e revistas jurídicas, concluindo em três capítulos.

Nesta linha, buscou-se no primeiro capítulo analisar a evolução da adoção; conceito, uma vez que a adoção é um ato solene que uma pessoa é inserida em uma família na qualidade de filho; e os aspectos jurídicos, leis e artigos que fundamentam legalmente a adoção.

O segundo capítulo versará sobre a responsabilidade civil pela desistência da adoção, a dificuldade de relacionamento e adaptação entre as partes, bem como os motivos de arrependimento em ter adotado uma criança ou adolescente quais os guardiões já sabiam do histórico e mesmo assim responsabilizaram-se em ofertar amor, educação e condições dignas para o desenvolvimento do menor adotado. A desistência da adoção pela própria criança, bem como a tentativa de devolução da criança ou adolescente as instituições de acolhimento.

E por fim, a visão do judiciário a respeito da responsabilidade civil para os adotantes desistentes e ao quantum indenizatório.

2 EVOLUÇÃO DA ADOÇÃO

O código civil de 1916 tratava a adoção como um contrato, como um negócio jurídico bilateral e solene, visto que era realizado através de escritura pública e mediante o consentimento das duas partes, sem interferência do magistrado. Caso o adotado fosse maior e capaz, comparecia em pessoa; se incapaz, havia representação por parte de seu pai, ou tutor, ou curador.

A adoção comum ou civil era regulada pelos artigos 368 a 378, continuaram em vigor para as adoções não regulamentadas pelo ECA. Disciplinava a adoção de menores de 18 anos, bem como, por exceção, ao completar 18 anos, o adotando já estivesse sob guarda ou tutela dos adotantes (que eram o foco principal, ficando o adotando em segundo plano, critério que atualmente não é mais admitido).

O Código apresenta a adoção como uma instituição destinada a dar prole a quem não tinha e não poderia ter filhos. A adoção somente era concedida a adotantes na idade de 50 anos. A grande atualização legislativa é iniciada com a Lei n. 3.133/1957 que reduziu para 30 (trinta) anos a idade do adotante e para 16 (dezesseis) anos a diferença etária entre adotante e adotado, exigindo também, a existência de constituição matrimonial a partir de 5 anos. A lei mencionada determinou no art. 377, que nos casos em que o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolveria a sucessão hereditária. Este preceito esteve vigente até a Constituição de 1988, pois o artigo 227, §6º, equiparou os filhos de qualquer natureza, para todos os fins.

A adoção era consumada apenas com a averbação de escritura pública no registro civil. Não era necessário que houvesse intervenção judicial, a adoção não podia ser subordinada a condição ou termo.[1]

No antigo Código civil, a adoção continuou aplicável para quem tivesse mais de18 anos. O artigo 377, referente aos direitos sucessórios, foi revogado pela carta constitucional de 1988, igualando os direitos de filiação, independentemente de sua natureza. Rara foi à utilização do instituto da adoção para os maiores de idade.

A partir da constituição de 1988, a adoção passa a ter um ato complexo, exigindo sentença judicial, prevendo-a expressamente o artigo 47 do ECA e o artigo 1.619 do CC de 2002. A adoção não apresenta mais o caráter contratualista no ato praticado entre o adotante e o adotado. De acordo com a recomendação constitucional mencionada, o legislador ordinário é quem ditará às regras as quais o Poder Público dará assistência aos atos de adoção, podem ser observados dois aspectos na adoção: formação, um ato de vontade, submetido a requisitos e o status que gera, preponderantemente de natureza institucional. No atual conceito de adoção, deve ser observado o princípio do melhor interesse da criança.[2]

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 legitimou os filhos adotivos, bem como os naturais para que recebam tratamento igual, utilizando a introdução ao princípio da isonomia. Conforme expresso no artigo 227, § 6°: os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Enquanto o artigo 227, §5º dispõe que a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte dos estrangeiros.

Portanto, os princípios basilares assecuratórios à criança e ao adolescente no que tange a adoção referem-se, entre outros, a fiscalização pelo Poder Público das condições para a efetivação da colocação da criança ou do adolescente em uma família substituta na modalidade da adoção, objetivando, por conseguinte, entre outros, evitar o tráfico de infanto-juvenis. Além disso, o legislador constitucional, em consonância com a tendência universal, proíbe expressamente quaisquer espécies de discriminações face à filiação adotiva, no que diz respeito aos direitos alimentícios, sucessórios, ao nome etc., salvo os impedimentos matrimoniais.

Atualmente, a adoção de crianças e adolescentes é regida pela Lei 12.010/09. Com apenas 7 artigos, a lei introduziu diversas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente e revogou 10 artigos referentes a adoção no Código Civil e deu nova redação aos artigos 1.618 e 1.619, corrigiu a redação do artigo 1.734 e acrescentou dois parágrafos a Lei nº 8.560/92, qual regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.

A Lei Nacional de Adoção estabelece prazos para que haja rapidez nos processos de adoção, cria um cadastro nacional para facilitar o encontro entre pessoas habilitadas para adotar e crianças e adolescentes em condições de serem adotados, limitando em dois anos a permanência do menor em abrigo, podendo ser prorrogado em caso de necessidade.

2.1 CONCEITO DE ADOÇÃO

A adoção é um ato jurídico que solenemente, uma pessoa recebe em sua família alguém estranho na qualidade de filho. Trata-se de filiação civil, segundo Silvio de Salvo Venosa, visto que é resultado de uma manifestação de vontade e não de relação biológica.[3]

É uma modalidade de filiação artificial, levando em consideração que tal ato visa imitar a filiação natural, não devendo constar observação no registro de nascimento do adotado sobre a sua origem. O registro anterior é cancelado. (ECA 47 §4º). O sobrenome que o adotado carregará consigo será o do adotante, sendo obrigatória esta alteração. Pode haver também a alteração do nome, se for o desejo do adotado e do adotante, porém deve-se respeitar a vontade da criança ou adolescente. Com a Lei da Adoção, o ECA ganhou nova redação em vários de seus artigos, admitindo a possibilidade do adotado, após os 18 anos de idade, obter informações quanto a sua origem biológica, bem como ter acesso irrestrito ao seu processo de adoção.[4]

A adoção atualmente não deixa de ser um negócio jurídico ou ato capaz de criar relação de paternidade e filiação entre duas pessoas. Independentemente de não haver um vínculo biológico, através da adoção o indivíduo passa a estar no estado de filho do adotante.

É de interesse do Estado à inserção do menor carente ou em estado de abandono em uma família que apresente um ambiente homogêneo e afetivo. Primeiramente é analisado o princípio do melhor interesse da criança, conforme expresso no artigo 227, caput, da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.[5]

Antes dos interesses dos adotantes, deve-se priorizar o bem-estar e a pessoa do adotado.[6]

No atual conceito de adoção, deve-se destacar o princípio do melhor interesse da criança, no parágrafo único do artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente proclama que são também princípios que regem a aplicação das medidas de proteção, dentre outros, o IV interesse superior da criança e do adolescente, que reitera o conteúdo do artigo 1.625 do CC de 2002, já revogado, qual constava que somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando.

No sistema do código de 1916, era notório o caráter contratual do instituto. Tratava-se de um negócio jurídico bilateral e solene, uma vez que era realizado através de escritura pública e mediante o consentimento das duas partes. Se o adotado fosse maior e capaz, comparecia em pessoa; se incapaz, era representado pelo pai, ou tutor, ou curador. Era admitida a dissolução do vínculo, sendo as partes maiores, pelo acordo de vontades.

A partir da Constituição de 1988 a adoção passou a exigir sentença judicial e a constituir-se por um ato complexo. Deixou de possuir um caráter contratualista como ato praticado entre adotante e adotado, o legislador ordinário é quem ditará as regras segundo as quais o Poder Público dará assistência aos atos de adoção.[7]

2.2 ASPECTOS JURÍDICOS DA ADOÇÃO

O artigo 19 do ECA ressalta a transitoriedade da medida de abrigar, fixando o prazo de seis meses para a reavaliação de toda criança ou adolescente que estiver inserido no programa de acolhimento familiar ou institucional.

A perda do poder familiar deverá ser decretada em no máximo em 120 dias após o encaminhamento do processo a autoridade judicial. Quando houver recurso, nos procedimentos de adoção, o processo deverá ser julgado em 60 dias, sendo o prazo máximo. O adotado tem o direito de conhecer sua origem biológica e caso tenha interesse, acesso irrestrito ao processo que resultou sua adoção. Direito este que se estende aos seus descendentes que queiram conhecer a história familiar, conforme disposto nos Artigos 163 e 199 D, ECA.

Resta claro que a preferência da adoção é por brasileiros. A adoção por estrangeiros está condicionada ao caso de não haver brasileiros habilitados interessados, exigindo que haja o prazo mínimo de 30 dias para convivência, estágio a ser cumprido no Brasil, independentemente da idade da criança ou adolescente. É reforçado o direito que a criança tem de ser criada pela sua família biológica, devendo-se considerar a adoção como uma medida excepcional a ser utilizada somente quando os recursos de manutenção na sua família natural ou extensa tenham sido esgotados, conforme disposto no art. 25, parágrafo único, ECA.

No tocante à adoção dos maiores de 18 anos de idade, dispõe o Código Civil de 2002, artigo 1.619, que a adoção dos que já completaram a maioridade também deverá passar pelo crivo do Judiciário.

Percebe-se, por conseguinte, que ambas as legislações coexistem no ordenamento jurídico em harmonia naquilo em que não contradizem. É nítida a simultaneidade e a complementaridade dos dois estatutos, observam-se nos artigos 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 1.621 do Código Civil de 2002, uma vez que no primeiro postulado somente menciona o consentimento dos genitores biológicos ou do representante legal do adotando, enquanto no Código Civil de 2002 foi mais além, dispondo que o consentimento manifestado pode ser revogado até o pronunciamento da sentença. Faculta o § 2º do art. 1.621, que os pais ou os representantes do adotando revoguem consentimento. Não está assinalada a necessidade de motivar a mudança de posição. No entanto, parece normal que haja justificação, sob pena de já não atender o interesse do menor, que possui o interesse último da adoção, de acordo com o art. 1.625.[8]

Inovação trazida pelo Código Civil de 2002, e de grande relevância no procedimento da adoção, como já mencionado acima, é a possibilidade de revogação da aquiescência dos genitores ou responsáveis até o momento da sentença constitutiva da adoção.

O Código Civil, no art. 1.620, conservou o mesmo princípio do art. 371 do Código Civil anterior e do art. 44 do ECA, autorizando a adoção por tutor ou curador. Assim, enquanto não der contas de sua administração e não saldar o débito, não poderá o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.

A adoção será deferida para os maiores de dezoito anos, independentemente do estado civil, e, no tocante aos casais unidos pelo matrimônio ou pela união estável, hoje comparado ao casamento, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil, ou simplesmente se fora solteiro, formando a conhecida família mono parental. Observa-se, no entanto, o artigo 1.622 do Código Civil de 2002 dispõe que ninguém poderá ser adotado por duas pessoas diferentes, ressalvados marido e mulher ou companheiros.

Vale ressaltar, seja no Código Civil de 2002, seja no Estatuto da Criança e do Adolescente, é a aplicabilidade conjunta dos dois postulados, tendo como finalidade principal o melhor interesse da criança.[9]

3 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO

Há situações em que o adotante opta pela desistência do processo de adoção, desta forma, é necessário analisar acerca da responsabilidade civil que tal ato provoca.

A grande maioria dos casos de devolução ocorre quando o adotante possui a guarda provisória e o processo de adoção não está finalizado. Depois de encerrado o processo, ela também pode acontecer, ainda que raras às vezes. Sendo assim, cabe a justiça buscar parentes da família adotiva que estejam interessados em possui ir à guarda provisória da criança. Em último caso, a alternativa é o traumático retorno da criança a um abrigo.[10]

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Há que se questionar sobre a responsabilidade civil dos adotantes em caso de desistência do ato, Silvio de Salvo Venosa em sua doutrina, ensina que:

Em princípio, toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. Haverá, por vezes, excludentes, que impedem a indenização, como veremos. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar [11]

A atual legislação e os princípios da responsabilidade civil visam ampliar cada vez mais a ideia sobre o dever de indenizar, fazendo com que existam cada vez menos, danos que não sejam ressarcidos.

Desta forma, os pressupostos da responsabilidade civil também devem ser analisados para que haja um melhor entendimento do embasamento referente a responsabilidade gerada pelo ato de devolução ou desistência da adoção; O nexo de causalidade é um dos elementos mais importantes, pois é a ligação entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima. É necessário que o dano tenha sido causado por conduta ilícita do agente e que exista entre ambos uma relação de causa e efeito; A culpa, no caso em estudo é em sentindo estrito, o agente não tem a vontade de prejudicar outrem, sendo assim o resultado não é voluntário. Porém há o dano, a vítima sofre prejuízo, podendo assim afetar bens psíquicos, físicos, morais ou materiais. O dano é um requisito primordial para a responsabilidade civil, sem ele não haveria a possibilidade de indenização das vítimas. O conjunto destes três pressupostos da responsabilidade civil são fatores que geram o dever de indenizar.[12]

Apesar do lapso temporal de convivência entre os pretendentes e o adotando ser curto, ele é suficiente para que haja formação de vínculos de afinidade e afeto, de tal forma que a desistência trará a ideia de abandono, ou no mínimo, uma forma de violência psicológica contra a criança.

Observando a conexão entre responsabilidade civil e as relações familiares, há o que se falar cabimento de indenização referente aos danos originados pelas devoluções de crianças e adolescentes em processo de adoção ou com a adoção já consumada.

A indenização não tem apenas caráter compensatório, mas também um caráter pedagógico, à luz da função social da responsabilidade civil.

Se ocorrer a desistência dentro da fase de estágio de convivência (ECA, art. 46), não há o que se falar em responsabilidade civil, uma vez que o ato de desistência é legítimo e não abusivo.

Caso ocorra após o estágio de convivência, durante o período de guarda provisória e antes da sentença transitada de adoção, pode ser configurado o abuso do direito de desistir, conforme disposto no art. 187 do CC, surgindo então a responsabilidade civil.

Após transitada em julgado a sentença de adoção, é juridicamente impossível, a devolução, configurando ato ilícito civil (e dependendo da situação, também, ilícito penal, por abandono de incapaz - art. 133, CP). Insta salientar que o juiz pode proferir uma sentença de rejeição do pedido de devolução, sem citar o réu (hipótese atípica de improcedência liminar do pedido - art. 332, CPC).[13]

3.1 MOTIVOS DA DESISTÊNCIA

Muitos são os motivos que podem ocasionar a devolução ou a desistência de continuar com aquele filho, geralmente é devido a falta de compreensão e dedicação dos adultos. A paternidade/maternidade afetiva depende da maturidade de ambos e da maturidade como casal.

A falta de preparo dos adotantes, a falta de convívio adequado com o futuro adotado, buscar conhecê-lo e dar a devida atenção a suas manifestações, bem como realizar o acompanhamento pós-adoção e vencer o desafio de conquistá-lo, são passos importantes para que a adoção reste exitosa e gere menos problemas após sua consumação.

Um dos problemas mais comuns são as devoluções em adoções tardias e quando o filho adotivo alcança a adolescência. Os motivos para o surgimento das dificuldades são inúmeros, pode ser pela história pregressa da criança, pela sua idade, pelo seu comportamento, pelas dificuldades encontradas pelos candidatos a adoção.

Há três distintas situações as quais pode vir a ocorrer a desistência: primeiramente e mais comum, durante o estágio de convivência, qual a adoção definitiva ainda não foi consumada e os adotantes confiam no fato de que a desistência da adoção durante o estágio de convivência é uma prática prevista legalmente, depois, quando já formalizada adoção ou quando a família já possui a guarda da criança.

Alguns pretendentes acabam ficando desanimados com a demora no processo de adoção de uma criança pequena, dessa forma acabam por mudar o perfil do adotado que desejam e aceitam as crianças maiores ou adolescentes, substituindo a ideia de um filho ideal, por um filho com imperfeições.

O perfil de crianças e adolescentes que podem ser adotados, na maioria das vezes é: crescidos, os que têm problemas de saúde tratáveis ou graves (HIV), os que pertencem a um grupo de irmãos, os que são especiais ou que tem a cor de sua pele resultante da miscigenação racial. De acordo com esses dados, se o histórico da criança maior ou adolescente indica que os pais deverão estar prontos para aceitar desafios, por que aceitam e depois desistem?

As casas de acolhimento e o judiciário são muito abertos em relação à real situação do futuro adotado, exatamente para evitar uma possível rejeição.

Legalmente, é possível durante o estágio de convivência a desistência da adoção. Dos casos que possuem registros, os principais motivos alegados são a falta de adaptação de ambos durante o processo, envolvendo o cotidiano com a família, a dificuldade de socialização na escola e outros núcleos sociais.[14]

3.2 DESISTÊNCIA PELA PRÓPRIA CRIANÇA

A Instituição de Acolhimento é como um porto seguro, já conhecido e confiável. A Instituição foi o lugar onde recebeu apoio às suas necessidades básicas e se recusa enfrentar uma nova situação. Formou vínculos com o ambiente, com as pessoas e até com o espaço físico com o qual tem intimidade e domínio.

Para voltar para a sua casa (a instituição), passa a desacatar, enfrentar, desobedecer aos novos pais. Fazem bagunça, xingam, roubam, fogem, choram, brigam, acabam apanhando e se revoltam ainda mais. Não quer ficar. Não aceita a família, não aceita ser adotado.

Isto é mais comum ocorrer com crianças maiores, que preservam lembranças e experiências vividas em sua família de origem. Negam a possibilidade de encontrar conforto e alegria em um novo lar devido a marcas do seu passado.[15]

Alguns acreditam que seus pais biológicos voltarão e se não estiver no lugar em que foi deixado não será encontrado. Permanece esperando estes pais, pois com eles demonstra ligação emocional e não se permite pertencer a outra família. E seu futuro permanecerá incerto.[16]

A crianças maiores que não se adaptam na tentativa de entrar numa família substituta são ouvidos por profissionais da Justiça para definir sua situação. Crescem e passam a viver em repúblicas administradas por eles mesmos.

3.3 DEVOLUÇÃO

Para que dê certo uma adoção, além de uma preparação prévia dos adotantes, e do futuro filho, os pais deverão possuir uma motivação adequada, pois é daí que dependerá o sucesso da adoção. Motivação é um dos motivos que nos conduz a realizar uma ação, neste caso, seria exercitar a maternidade/paternidade consciente e responsável. São sentimentos que conduzem a um desejo, a uma conquista, uma meta e ajuda na realização de um sonho. É necessário que haja uma disponibilidade por parte dos adotantes para receber, compreender e atender uma criança crescida, com vontades próprias e aceitá-la como ela é.[17]

No caso da adoção, esperam o filho como se estivessem o gerando, mas a justiça não tem como fabricar o filho tão sonhado pelos pretendentes. Quando indicado uma criança para adoção, é apresentado aos adotantes o seu histórico completo, comportamento demonstrado pela criança ou adolescente, o tempo e o motivo pelo qual está abrigado e detalhes sobre a sua saúde.

Após esse procedimento, inicia o estágio de convivência, dando início a aproximação com a criança ou adolescente, servindo para que o candidato a adotante constate se está satisfeito e empenhado em amar, cuidar e fornecer o que menor precisa e se este está sendo receptivo e interagindo com os futuros pais.[18]

Ocorre que nem sempre as coisas andam conforme o planejado, pode acontecer dos adotantes não se adaptarem com a criança ou adolescente ou o contrário, o adotado não se adaptar com a família. Nestes casos, ocorre as tão temidas devoluções as instituições de acolhimento.

Conforme mencionado, a adoção após sua conclusão é irreversível, visto que no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, art 39, §1 e art 46) está disposto um período de adaptação exatamente para que seja estabelecido o contato entre as partes, sendo avaliada a afinidade, precavendo que futuramente haja arrependimento, por parte dos pais adotivos ou da criança.

Nós vemos no outro somente aquilo que está de acordo com nosso estado mental. Assim será em relação ao filho que será entregue aos pretendentes. O pai vê os aspectos da criança de uma forma, a mãe de outra e o restante da família com outro olhar. Os julgamentos se cruzam e é onde ocorre a devolução do filho.

Não há dados oficiais sobre as adoções sem final feliz. Contudo, especialistas consultados por VEJA.com, afirmam que a ação de devolver uma criança é mais comum do que se imagina. Eles dizem que isso acontece, principalmente, no período de convivência quando o adotante detém a guarda provisória, mas o processo de adoção ainda não está concluído. Durante esse período, a família é avaliada e monitorada por técnicos do Juizado de Menores. No entanto, apesar de rara, a devolução depois de encerrado o processo de adoção também pode acontecer.

As razões que levam à desistência de uma adoção são variadas, diz Denise Mondejar Molino, psicoterapeuta infantil. Em geral os problemas começam com a convivência real e os problemas diários. A adoção começa com a fantasia de um filho ideal, mas a criança é real, cheia de hábitos e costumes, principalmente as mais velhas, explica Molino. O que se percebe, segundo ela, é a dificuldade de construção de um relacionamento sincero e duradouro. Nestes casos, o despreparo dos futuros pais pode minar a adoção[19]

Sem dúvidas ficarão sequelas na criança ou adolescente que passa pela devolução. Haverá queda de autoestima, confusão mental, sentimento de rejeição, sofrimento e dor emocional. O sentimento de estar perdida, por ter sido vítima da imprudência, do despreparo e da falta de maturidade e irresponsabilidade dos adultos que a vida colocou em seu caminho.[20]

Justiça  O promotor Epaminondas da Costa, da Vara da Infância e Juventude de Uberlândia (MG), acompanhou de perto dois casos de devolução e conseguiu algo até então inédito no país: ele propôs no ano passado uma Ação Civil Pública contra um casal que devolveu uma menina de 8 anos cujo pedido de adoção já havia sido protocolado e a guarda provisória já havia sido concedida.

Porém, no dia em que seria realizada a audiência final de adoção, oito meses depois de concedida a guarda provisória, o casal devolveu a criança sem dar maiores explicações aos profissionais da Vara. O processo ainda está em andamento e Costa exige uma pensão para que sejam pagos os tratamentos psicológicos da menina.[21]

No caso em questão, pode-se considerar que a devolução não implica em uma conduta culposa, excluindo a responsabilidade civil dos pretendentes. Isso ocorre, pois não existe vedação ou uma previsão da ilegalidade jurídica do ato de devolução de uma criança ou mesmo de desistir de adotá-la, durante o estágio de convivência, visto que o ato é irrevogável e irrenunciável, após o trânsito em julgado da adoção, conforme disposto no §1º, do artigo 39, do ECA.[22]

Apesar de inexistir norma que proíba a devolução, a conduta culposa, que reproduz prejuízo à terceiro, é indiscutível ante a violência psicológica que acarretará à criança/adolescente devolvido.

A devolução pode se dar por incapacidade dos adotantes, mas será a criança que terá crises, punindo-se, com vergonha e isolando-se do restante dos acolhidos. A criança devolvida perde a esperança e desta forma acaba por não desenvolver o apego. Devido a esta falta de apego, não cuida de seus pertences e nem de si mesmo.[23]

Uma das situações mais delicadas as quais a Defensoria lida é a devolução de crianças e adolescentes pelos adotantes, que acontece antes do trânsito em julgado do processo de adoção. Apesar de serem raros os casos, as devoluções existem, principalmente nas adoções tardias, o que confirma a intenção dos candidatos a adoção a fazer uma espécie de experiência de convívio com as crianças.[24]

Isso, para mim, é uma frustração enquanto pessoa, pois percebo a falta de vinculação dos pais, que resolvem devolver o adotando com a justificativa da não submissão do adolescente a regras literais dos adotantes, por exemplo. Eles devolvem sob o álibi da não adaptação, afirma Domingos.[25]

Trata-se de uma triste realidade, em que dificilmente todos os envolvidos não sofram intensamente, mais ainda, as crianças e adolescentes, que vivenciaram diversas violações de seus direitos em sua, ainda pequena, trajetória de vida.

É necessária a compreensão de que a construção de um vínculo de filiação não é fácil e nem será concluído com a finalização do processo judicial. É um longo caminho a ser percorrido, e exige que os adultos dispostos a adotar adquiram um preparo específico para adoção, maturidade emocional, superação das próprias carências afetivas para que não haja com impulso no momento da decisão de consumar uma adoção, e intensa disponibilidade emocional para aceitação e compreensão do menor, respeitando sua história.

4 VISÃO DO JUDICIÁRIO (Análise Jurisprudencial).

A possibilidade de responsabilizar civilmente os adotantes que praticam a devolução imotivada vem adquirindo espaço, visto que muitos Tribunais brasileiros reconhecem o dever de reparação aos prejuízos causados à criança ou adolescente.

Todavia, há divergências sobre o tema na jurisprudência, visto que alguns Tribunais possuem ainda o entendimento de que desistir da adoção durante o estágio de convivência não caracteriza ato ilícito, tendo em vista a ausência de previsão legal que vede tal prática.

Passa-se a análise da decisão do Tribunal

O próximo caso é um exemplo de que a adoção foi deferida ao casal Carlos e Tatiane, porém, Carlos antes mesmo de ter sido intimado a respeito da proferimento da sentença comunicou ao juízo que não possuía mais interesse em dar seguimento ao processo de adoção, pois estava separado de fato de Tatiane.

APELAÇÃO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. REJEIÇÃO. ADOÇÃO. DESISTÊNCIA. POSSIBILIDADE. Cabe apelo contra sentença que deferiu adoção. E no caso, o apelo interposto é perfeitamente tempestivo. Logo, inexiste razão para não conhecer do apelo. Ao adotante é viável desistir da adoção, antes do trânsito em julgado da sentença que a defere. Inteligência do artigo 47, § 7º, do ECA. Precedentes doutrinários. REJEITADA A PRELIMINAR, DERAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70047418082, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2012)

(TJ-RS - AC: 70047418082 RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 13/12/2012, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/12/2012) [26]

O apelo interposto foi considerado tempestivo e desta forma houve seu provimento, uma vez que interposto antes do trânsito em julgado da sentença que defere a adoção. Não houve o que se falar em pagamento de quantum indenizatório a esse menor, visto que ele possuía apenas um ano de idade e não chegou a estabelecer vínculos afetivos com os adotantes.

Mesmo que o ordenamento jurídico seja incisivo quando estabelece a irrenunciabilidade e a irrevogabilidade da adoção após a conclusão com o trânsito em julgado da sentença, de acordo com os artigos 39, §1º e 41 do ECA, muitos adotantes se esquivam da sua responsabilidade e compromisso de pais, ao procurar o judiciário para efetuar a devolução de seus filhos adotivos.

A próxima jurisprudência colacionada diz respeito à falta do interesse do adotado a permanecer na família pela falta de entrosamento entre as partes, bem como o prazo de convivência de 2 (dois) anos não foi suficiente para fazer com que o menor se desvinculasse de sua família biológica, tendo em vista que o menor ainda estava no convívio de sua família biológica quando começaram as visitas do casal candidato a adotá-lo.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. ADOÇÃO. DESISTÊNCIA DO PEDIDO. ALIMENTOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. I - O reconhecimento da paternidade socioafetiva requer apuração do vínculo de afetividade no âmbito social, além da posse de estado de filho. No entanto, demonstrada a renúncia expressa quanto ao desejo de serem os pais da criança, tendo os demandados desistido da adoção ainda quando tramitava o processo (fl. 110), aliada à ausência de vínculo afetivo entre eles, não há que se falar em reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetiva. II - Igualmente, antes da sentença, não há lei que imponha obrigação alimentar aos demandados, que não concluíram o processo de adoção da criança. III - No caso, por mais triste e complexo que seja a situação, inexistindo efetivo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico, causando aflição e desequilíbrio em seu bem-estar, indefere-se o pedido de indenização por danos morais. RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO, E PROVIDO O DOS DEMANDADOS. (Apelação Cível Nº 70070484878, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 31/08/2016)[27]

O menino, representado por sua guardiã, que no caso é sua irmã biológica, postula que seja mantido seu nome de nascença, por não possuir mais vínculos com os demandantes.

Ainda que tenha ocorrido a convivência entre as partes, que o menor e o casal tenham tentado a adaptação, não foram criados fortes vínculos capazes de se questionar a respeito da desistência. Desde o início da convivência os conflitos existiram e foi necessária a intermediação por uma psicóloga.

Conforme já mencionado nas demais jurisprudências analisadas, não existe uma vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da criança, pois o ato de adoção somente se concretiza e produz efeitos a partir da sentença judicial, conforme previsto dos arts. 47 e 199-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desta forma, antes da sentença, não há lei que determine a obrigação alimentar aos demandados, que não concluíram o processo de adoção da criança.

Entretanto, por mais complexo e triste que seja a situação, e visto que inexiste o efetivo prejuízo à integridade psicológica do menor, que interfira intensamente no seu comportamento psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem-estar, o seu pedido de indenização a título de danos morais foi indeferido.

Isso não significa que o menor José não tenha sofrido um abalo emocional. Certamente que sim, mas esse abalo não ocasionou desequilíbrio em seu bem-estar ou na sua integridade, tanto é que ele foi a juízo e tranquilamente respondeu as indagações que lhe foram feitas, demonstrando estar bem querendo de continuar sob a guarda de sua irmã, chegando a relatar fatos ocorridos em sua convivência com os demandados, relatando ser mais ligado à Valquíria, pois não mantinha boa relação com Delmar.

Sendo assim, não há o que se falar em quantum indenizatório, visto que o menor não sofreu danos irreparáveis e disse não lhe faltar nada na casa de sua irmã.

O caso a seguir refere-se a mais uma situação qual a criança estava sob a guarda dos adotantes, no período de estágio de convivência. Foi realizada entrevista com os candidatos a adoção e visita domiciliar, qual foi constatada que a residência dos mesmos possuía apenas 3 (três) cômodos. Diante deste fato, a assistente social sugeriu que dentro de 6 (seis) meses fosse realizada uma nova sindicância para avaliar novamente as condições de moradia do casal. Pelo ponto de vista técnico, foi constatado que a menor estava bem assistida e que os futuros pais estavam se empenhando em realizar o seu papel.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - I. ADOÇÃO - GUARDA PROVISÓRIA - DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO DE FORMA IMPRUDENTE - DESCUMPRIMENTO DAS DISPOSIÇÕES DO ART. 33 DO ECA - REVITIMIZAÇÃO DA CRIANÇA - ABUSO SEXUAL - DANOS MORAIS CONSTATADOS - ART. 186 C/C ART. 927 DO CÓDIGO CIVIL - REPARAÇÃO DEVIDA - AÇÃO PROCEDENTE - II - DANOS MATERIAIS - SUSTENTO REALIZADO PELO ESTADO - AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DOS REQUERIDOS - CONDENAÇÃO INDEVIDA - III. DANOS MORAIS - O QUANTUM INDENIZATÓRIO - RECURSOS PARCOS DOS REQUERIDOS - CONDENAÇÃO INEXEQUÍVEL - MINORAÇÃO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. - A condenação por danos morais daqueles que desistiram do processo de adoção, que estava em fase de guarda, de forma abrupta e causando sérios prejuízos à criança, encontra guarida em nosso direito pátrio, precisamente nos art. 186 c/c arts. 187 e 927 do Código Civil. A previsão de revogação da guarda a qualquer tempo, art. 35 do ECA, é medida que visa precipuamente proteger e resguardar os interesses da criança, para livrá-la de eventuais maus tratos ou falta de adaptação com a família, por exemplo, mas não para proteger aqueles maiores e capazes que se propuserem à guarda e depois se arrependeram. - O ressarcimento civil é devido face à clara afronta aos direitos fundamentais da criança e ao que está disposto no art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A situação foi agravada, visto que a criança foi obrigada a presenciar cenas de conjunção carnal e atos libidinosos entre aqueles que teriam o dever de protegê-la e as provas constantes nos autos indicam que o requerido praticava inclusive atos libidinosos com a própria menor. Deve ser ressaltado que também foi constatada a omissão do Estado, que deveria ter acompanhado melhor o convívio, realizando estudos psicossociais com frequencia, e não apenas uma vez nos quase 02 (dois) anos. Ainda assim, a omissão não neutraliza a conduta dos requeridos que tinham o papel de cuidar da infante e a submeteram a lamentáveis situações.

(TJ-MG - AC: 10024110491578002 MG, Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Data de Julgamento: 15/04/2014, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/04/2014)[28]

Após algum tempo, o guardião da menor manifestou o interesse em devolvê-la, dizendo ser impossível a convivência com ela, alegando que a relação da menor com a guardiã estava ruim e que por enfrentar diversos problemas de saúde, foi orientada pela médica a devolver a criança, desistindo da adoção.

Em exame ginecológico realizado na menor, não houve constatação de anormalidade sinalizadora de abuso sexual por meio de penetração, porém, em consulta a psicóloga, foi possível constatar que a mesma, com apenas 6 (seis) anos de idade, foi vítima de atos libidinosos e deixou claro o desejo em ter uma mãe que não a abandone.

Insta salientar que o ato ilícito que gerador de reparação não foi o ato de desistir da adoção, mas o modus operandi, a forma irresponsável com que os requeridos conduziram o ato, bem como as atrocidades as quais submeterem a criança no tempo que estavam com sua guarda, afrontando aos direitos fundamentais da criança.

Quanto à condenação por danos morais, ainda que o caso dos autos realmente enseje uma condenação alta em face da gravidade, deve ser sopesado que os requeridos têm rendimentos parcos, possuem uma casa com apenas três cômodos (quarto, banheiro e cozinha) e, ao que tudo indica, não auferem mais de 2 (dois) salários-mínimos mensais. Assim, condená-los ao pagamento de 100 (cem) salários-mínimos, seria gravame insuportável, o que não podemos deixar que prospere, embora a conduta seja amplamente reprovável. Portanto, entende-se que o valor de R$3.000,00 (três mil reais) é mais condizente com a realidade financeira dos apelantes, não deixando de ser um valor alto para o padrão de vida deles, mas sem que se torne insuportável a ponto de inviabilizar o pagamento, o que não pode ser a intenção do juízo. 

Comprovada a falta de condições dos requeridos, ficou fixado em R$3.000,00 o valor referente ao quantum indenizatório por danos morais. Os requeridos, ao que tudo indica referente à guarda provisória, abusaram do direito que possuíam como guardiões e não tomaram os devidos cuidados para realizar a fiel prestação de assistência material, moral e educacional a esta criança, qual já vinha de uma família conturbada, tendo em vista que sua mãe era presidiária e a mesma em seus primeiros meses de vida residiu com a mãe na penitenciária, depois passando a viver por pouco tempo com sua avó materna, qual bebia muito e acabou por perder a guarda da menor e de seus irmãos.

5 CONCLUSÃO

A adoção surgiu como uma maneira de assegurar o direito da criança e do adolescente à convivência em um seio familiar, sendo este um direito fundamental apoiado a dignidade da pessoa humana, fazer com que este direito seja efetivado cabe ao Estado, pois é algo indispensável para o desenvolvimento do ser humano, e pode acarretar danos à personalidade a negativa deste convívio.

Ainda sob essa perspectiva, é aceitável que a desistência da prática de adoção e a devolução das crianças e adolescentes às casas de acolhimento, ofendam o direito a conviver em um seio familiar assegurado pela constituição. Mesmo que não haja uma vedação legal impedindo a desistência da medida durante o estágio de convivência, pois a adoção é irrevogável somente após trânsito em julgado, não é uma justificativa plausível para que cause abalos emocionais ao menor.

Visto que a adoção é um ato irrevogável e irrenunciável, insta salientar que em casos os quais já houve o trânsito em julgado da sentença e mesmo assim os adotantes resolvem por desistir da adoção, cabe a justiça buscar parentes dentro da família adotiva que tenha interesse em possuir a guarda provisória do menor, porém, em último caso, essa criança ou adolescente deverá retornar as instituições de acolhimento. O mesmo ocorre em caso de morte do adotante.

A criança e o adolescente necessitam de proteção integral e diferenciada, tendo em vista que são sujeitos de direitos e por estarem em uma específica condição de desenvolvimento, de forma em que a legislação deve ser executada a seu favor, visando a proteção desses direitos que são garantidos tanto pela Constituição, quanto por normas infraconstitucionais. O estágio de convivência foi incluso no Estatuto da Criança e do Adolescente a benefício dos infantes, com o principal objetivo de avaliar a adaptação deste ao ambiente familiar dos adotantes, medida que não pode interessar aos pais adotivos como um período experimental, que quando ocorrem às primeiras dificuldades desistem de adotar a criança, o que incide na coisificação do menor.

As devoluções das crianças e adolescentes às casas de acolhimento, independente se ocorrem antes ou até mesmo depois do deferimento da adoção, causa abalos psíquicos e emocionais a estes, visto que a experiência de uma nova separação familiar reimprime o sentimento de tristeza dos abandonos anteriores, lesando o seu desenvolvimento e o reconhecimento de sua identidade, situação que vai além de um simples incômodo, caracterizando o dano moral. O estágio de convivência, mesmo que ocorra anteriormente à sentença desperta na criança e/ou adolescente a esperança de que a tão sonhada adoção irá se concretizar, visto que muitas vezes é apenas um procedimento burocrático, qual os pais adotivos passam a ideia de que estão apenas aguardando o deferimento da sentença. A desistência de forma imotivada e imprudente desfaz de forma abrupta o vínculo familiar e ocasiona o rompimento de confiança, fazendo com que o menor enfrente mais uma vez a situação de rejeição e abandono.

Diante do exposto, a atitude dos adotantes excede o marco estabelecido pela boa fé objetiva, o que resulta na prática de um ato ilícito, com o dever de reparação conforme disposto no artigo 187 do Código Civil. O objetivo de responsabilizar civilmente não é para proibir que os futuros pais desistam da adoção, visto que iria contra o princípio do melhor interesse da criança, pois se não há mais o desejo de permanecer com ela, a família não irá transmitir um ambiente saudável e propício para o desenvolvimento dessa criança. O objetivo nada mais é do que de desencorajar os adotantes a realizar esse tipo de conduta, fazendo com que as pessoas que pretendem adotar pensem e amadureçam bem a ideia, encarando o procedimento de adoção com maior seriedade, de forma que o pagamento de indenização por danos morais seja uma forma de puni-las, pois não se pode permitir que crianças e adolescentes sejam vítimas dos atos irresponsáveis dos pretendentes a adoção.

Evidentemente que a indenização por danos morais não irá resolver os problemas psicológicos desenvolvidos nas crianças em virtude das circunstâncias as quais foram submetidos, entretanto, para que os traumas sejam amenizados ou até mesmo superados, a indenização poderá servir para custear um tratamento especializado.

Conscientizar os futuros pais a respeito da seriedade do processo de adoção é necessário, pois se deve prevenir a prática de desistência imotivada, devendo existir um trabalho em conjunto da equipe interprofissional do Juízo e famílias substitutas orientando-as a respeito da responsabilidade que é uma adoção. A adoção deve ser vista pelos adotantes como uma forma de acolhimento de uma criança que passou por uma quebra de vínculo com sua família primária, e não como uma forma de atender as expectativas dos adotantes. Devem estes estarem cientes de que muitas vezes a bagagem de histórias na vida dessas crianças e adolescentes nem sempre são de momentos felizes, devem os adotantes ter muita tolerância e paciência para entender certas atitudes do adotado, inclusive quando ele possui dificuldades de se relacionar.

Os futuros pais devem se desprender das fantasias que constroem sobre o infante, se fosse um filho gerado dentro dos meios naturais da vida igualmente os adotantes não poderiam escolher suas características. Sendo assim, devem propiciar ao adotado um ambiente familiar que lhe passe segurança, para que essa criança possua condições propícias para reconstruir a sua frágil autoestima.

Desta forma, conclui-se que a responsabilização civil dos adotantes em casos de desistência da adoção se faz necessária, pois é uma forma de punir aquele que pratica o ato de devolução do menor, servindo também em caráter pedagógico, não somente para aquele que foi autor do dano, mas também para as demais pessoas, evitando que tal prática se repita.

REFERÊNCIAS

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RIZZARDO, Arnaldo, 1942. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002 Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SANTA MARIA, José Serpa de. Curso de Direito Civil: Direito de Família, vol. VIII 1ª Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. O olhar dos atores jurídicos sobre adoção. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2017/junho/o-olhar-dos-atores-juridicos-sobre-adocao>

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família 6. Ed. São Paulo: Atlas 2006. (Coleção de direito civil; v.6).

ADOPTION: WITHDRAWAL DURING THE PROCESS AND ITS EFFECTS

ABSTRACT

The present work consists in the analysis of reasons for giving up the adoption, as well as its effects and civil liability capacity for these adopters. The research methodology used was to carry out research in books, current jurisprudence, doctrines, legislation and legal journals. The first chapter will address the evolution of adoption, concept and legal aspects. The second chapter will bring the study regarding civil liability for giving up adoption, the reasons why adopters give up the adoption, giving up by the child and their return, how this process works, what is the penalty for such practice, since adoption is an irrevocable and irrevocable act. And finally, in the third chapter, what is the view of the judiciary on the subject.

Keywords: Adoption. Waiver. Devolution. Responsibility.

  1. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família 6. Ed. São Paulo: Atlas 2006. (Coleção de direito civil; v.6), p. 284-287

  2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 6: Direito de Família 11 Ed São Paulo: Saraiva, 2014, p. 381-383.

  3. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família 6. ed. São Paulo: Atlas 2006. (Coleção de direito civil; v.6), p 315.

  4. DIAS, Maria Berenice Manual de direito das famílias - 10. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p 125.

  5. BRASIL. Constituição Federal. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>Acesso em 02/08/2021.

  6. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família 6. Ed. São Paulo: Atlas 2006. (Coleção de direito civil; v.6), p. 279.

  7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 6: direito de família 11 ed São Paulo: Saraiva, 2014, p 382 e 383.

  8. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família 6. ed. São Paulo: Atlas 2006. (Coleção de direito civil; v.6), p. 311-314.

  9. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 6: Direito de Família 11 Ed São Paulo: Saraiva, 2014, p. 383 a 384

  10. Senado; Adoção: Mudar um destino. Revista: Em discussão! - Ano 4 Nº 15 maio de 2013, p 21.

  11. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 01

  12. Pressupostos da responsabilidade civil. Disponível em: https://andreluisadvogados.adv.br/pressupostos-da-responsabilidade-civil/ Acesso em 123/10/2021.

  13. Responsabilidade civil pela desistência na adoção. Disponível em:https://ibdfam.org.br/artigos/1513/Responsabilidade+civil+pela+desist%C3%AAncia+na+ado%C3%A7%C3%A3o Acesso em 06/09/2021

  14. DE SOUZA, Hália Pauliv, Adoção Tardia Devolução ou Desistência de um Filho? Juruá Editora, 2012, pgs 23 a 25.

  15. DE SOUZA, Hália Pauliv, Adoção Tardia Devolução ou Desistência de um Filho? Juruá Editora, 2012, pg 75.

  16. Ibidem

  17. DE SOUZA, Hália Pauliv, Adoção Tardia Devolução ou Desistência de um Filho? Juruá Editora, 2012, p 53.

  18. DE SOUZA, Hália Pauliv, Adoção Tardia Devolução ou Desistência de um Filho? Juruá Editora, 2012, p 54

  19. GOULART, Nathália. Devolução de crianças adotadas é mais comum do que se imagina. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/devolucao-de-criancas-adotadas-e-mais-comum-do-que-se-imagina/> Acesso em: 20/09/2021.

  20. DE SOUZA, Hália Pauliv, Adoção Tardia Devolução ou Desistência de um Filho? Juruá Editora, 2012, p 38.

  21. GOULART, Nathália. Devolução de crianças adotadas é mais comum do que se imagina. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/devolucao-de-criancas-adotadas-e-mais-comum-do-que-se-imagina/> Acesso em: 20/09/2021.

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