As Redes Sociais e a Arena Pública

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RESUMO

Trata-se de uma reflexão crítica sobre o alcance político das redes sociais, com base na definição de arena pública do teórico Daniel Cefaï. O estudo traz implicitamente o questionamento chave: podem as redes sociais ser consideradas arenas públicas? Para elaboração do trabalho utilizou-se a pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa. E da reflexão concluiu-se que as redes sociais se apresentam como arenas sociais, com potencial para tornar-se uma arena pública na medida em que suas atuações amadurecerem no sentido do agir, sentir e do falar público.

Palavras-chave: Redes sociais; Arena pública; Daniel Cefaï.


Este ensaio é uma breve análise do papel das redes sociais digitais como arena pública e no seu alcance para a formação de agendas públicas. Os argumentos foram construídos com base na definição de arena pública trabalhada por Daniel Cefaï que, numa lógica democrática e republicana, nos mostra como as várias formas de opiniões e ações públicas não param de se instituir, se fazendo por invenção de todo tipo de ferramenta com produção de atores individuais e coletivos, em que as identidades não precisam ser conhecidas, mas se modulam durante suas intervenções e suas interações.

As redes sociais horizontalizaram a relação cidadãos e autoridades políticas, permitindo um novo patamar de interação com possibilidades de troca de ideias, mas como é complexa qualquer dinâmica entre múltiplos atores e públicos, o espaço digital também é marcado por consensos e divergências. Assim, a temática torna-se relevante na medida em que se busca compreender como os atores sociais comuns contribuem para a resolução de problemas públicos e fortalecimento da democracia. 

  A internet e as redes sociais marcaram uma verdadeira revolução no que diz respeito à democracia e resolução de problemas, já que a sociedade tem acesso às informações produzidas pelo/do poder público e seus atos praticados. As redes não são, em si, boas ou más. O uso e o comportamento dos usuários é que definem a qualidade da informação e da comunicação produzida e compartilhada, podendo ser instrumentos poderosos na reinvenção da democracia. Não é impossível imaginar, daqui a algumas décadas, o exercício de uma democracia virtual direta (CORBÔ; GONÇALVES, 2015).

Mas, para que as redes cumpram um papel positivo, é preciso amadurecer uma postura coletiva dos usuários, pois, mais do que apenas um novo modo tecnológico de comunicação, a internet, hoje, se tornou o principal meio de interação social e uma nova forma de se expressar, se comunicar. A sociedade utiliza-se da internet para expressar sentimentos, ideias, pensamentos, para conectar-se com o mundo através de concepções e ideias similares ou não, se configurando como redes de comunicação/publicação de conteúdos/informação e tomadas de posição.

Através dessa nova forma de se comunicar e se expressar, a sociedade vem utilizando-se das redes sociais de forma mais versátil e não apenas se limitando a relacionamentos, mas também como fonte de pesquisa e notícias, tendo como atributos a interatividade e participação, possibilitando não apenas o acesso à informação, mas a capacidade de produzi-la. 

Contudo, toda essa interatividade tecnológica tem seu impacto. Tomam grandes proporções os conteúdos e as opiniões formuladas na rede, a partir de dados e de informações coletadas aleatoriamente. E os conteúdos postados nas redes sociais podem influenciar não apenas a moda, criando novos estilos e comportamentos, mas também impactar em novos valores e novas culturas para as gerações futuras.

A internet e as redes sociais estão atuando como agentes transformadores do comportamento social. Há uma alteração comportamental em curso, uma tendência a se utilizar de informações, muitas vezes impensadas e irresponsáveis, para tomar decisões, formar opiniões, ou ludibriar, pois as redes sociais influenciam nosso modus operandi, altera os nossos valores e interfere em nossas práticas cotidianas.

Hoje, temos muito mais acesso à informação e sabemos instantaneamente o que acontece, e, consequentemente, nos expomos mais também. Pesquisamos uma informação em uma rede cibernética, e com essa prática passamos a ser "pesquisados" pelo sistema, que avalia integralmente nossas práticas digitais: onde clicamos, aonde vamos, o aplicativo que usamos,  se compramos algo e quais são os nossos sonhos ou, pelo menos, os sonhos que constituímos a partir de nossas publicações nas redes sociais, fazendo com que o sistema nos induza a receber informações que sejam aptas ao nosso perfil, nos influenciando diretamente com a triagem de informações que nos são compartilhadas (CORBÔ; GONÇALVES, 2015).

  As redes sociais têm propiciado diversas interferências no sistema político tradicional. Para Marco Ruediger, diretor de análise de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a política será cada vez mais suscetível à pressão das redes sociais como parte de um processo de modernização considerado irreversível (RUEDIGER apud SILVA, 2019).

Representando um espaço de instabilidade e tensão, as redes sociais são palco de polarização política, disseminação de notícias falsas e intolerâncias, fatos que levantam questões relevantes a respeito das redes sociais poderem ser ou não consideradas arenas públicas. Como pensar a democracia em tempos de algoritmos? E as redes sociais são de fato espaço público?

Cefaï (2017) coloca: uma arena pública é uma arena social cujos atores visam bens públicos, referem-se ao interesse público, definem seus problemas como públicos e sentem, agem e falam em consequência disso. Diz também que, uma arena reúne três diferentes lógicas na realização de uma ecologia dos problemas públicos: a de mercado (lógica do lucro por meio da troca),  a de campo (lógica de dominação entre grupos sociais) e a da ágora (lógica da argumentação e da deliberação). A partir desses conceitos, podemos fazer uma análise sobre qual o limite das redes sociais enquanto arena. É uma arena pública ou apenas uma arena social por falta da consciência coletiva?

A lógica de mercado é determinada pela lei da oferta e da procura. A procura dos consumidores que formulam um problema e a oferta dos proprietários dos meios de produção de bens, serviços e informações que, vendo uma oportunidade de lucro, reconhecem a existência de um problema ou pressentindo custos e perdas ignoram ou abafam um problema.  Assim, nos espaços midiáticos como nas redes sociais, a informação rentável para se vender, é que é explorada. 

Na lógica de campo, de um lado temos os dominados, despossuídos de capitais que penam para serem ouvidos; do outro lado os dominantes, que controlam o jogo, detêm os meios de pesquisar e informar, ocupam os postos de decisão política e têm o necessário poder de fogo para mobilizar. 

Apesar de uma cumplicidade entre as elites dos diversos setores, podem existir tensões entre elas; mas continuam ditando a natureza dos problemas e das soluções. O exemplo clássico é a grande imprensa que gira em circuito fechado, com estratégias de reprodução das informações e demarcação de seus concorrentes diretos. Temos também nas redes sociais, assim como na lógica de campo das arenas públicas, as grandes plataformas de dados, Facebook, Instagram, Twitter, que se apropriam das nossas informações e controlam boa parte das nossas decisões a seu interesse.

O fato é que são mínimas as chances dos desprovidos de capital terem suas insatisfações ouvidas ou seus interesses defendidos. Eles não dispõem dos meios materiais para isso, por mais que tenham adquirido capitais educacionais ou militantes na ação, geralmente, todo seu tempo está empregado nas estratégias de sobrevivência. E a solução tem sido a representação. Dominados põem seu destino nas mãos dos profissionais da política e dos empresários de movimentos sociais que têm capacidade de dar forma às reivindicações e tempo de fazê-lo, porque se profissionalizaram. 

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Na lógica da ágora a arena pública é um lugar de deliberações. Então, saímos da visão de troca e dominação e adotamos a visão da razão pública. Indivíduos que se esforçam para ser racionais e sensatos, aderindo a concepções de valor universal. 

São promovidas discussões a respeito de problemas sociais em espaços públicos autônomos, independentemente dos agentes de programação e de regulação da ordem pública e dos agentes de fabricação de consentimento por órgãos de comunicação política. A arena pública é coproduzida como um fórum de discussões onde os indivíduos exigem explicações, tomam posições, respondem às críticas e trocam argumentos conforme o interesse público. E nesse ponto reside a maior fragilidade na atuação das redes sociais como arena pública, por ser latente a carência da razão pública.

No entanto, conforme Cefaï (2017), uma arena pública não é redutível a uma ágora, um campo ou um mercado. Esses modelos são subespécies da arena, captam apenas uma dimensão de um processo complexo, interativo e generativo.

Assim, uma arena pública é composta por diversos ambientes institucionais ou mundos sociais nos quais o problema é encenado e argumentado por vastos auditórios. A arena faz nascer novas possibilidades morais, mina a força do direito, a autoridade dos saberes e a legitimidade dos poderes; reconhece a pluralidade de crenças, opiniões e identidades. E o faz forjando novos ambientes e hábitos civis e institucionais que mudam graças ao processo de publicização.

Portanto, apesar das deficiências e das fragilidades externadas nas discussões desenvolvidas no âmbito das redes sociais, de acordo com as definições e características esboçadas nos textos de Cefaï sobre a arena pública, nos faz crer que as redes sociais se apresentam como arenas sociais, com potencial para tornar-se uma arena pública na medida em que suas atuações amadurecerem no sentido do agir, sentir e do falar público. Concordamos que muitos dos discursos veiculados ainda carecem de consciência crítica e interesse coletivo, mas coadunamos com a opinião de que, inevitavelmente, as redes caminham a passos largos para o status de lugar de deliberações e suas demandas potencialmente comporão as agendas públicas.  

REFERÊNCIAS

CEFAI, Daniel. Públicos, problemas públicos e arenas públicas... O que nos ensina o pragmatismo (Parte 1) tradução de Rosa Freire dAguiar. Novo Estudos CEBRAP. São Paulo, v. 36., n 01, p.187-213, mar. 2017.

CÔRBO, Dayo de Araújo Silva,  GONÇALVES, Márcio. Redes Sociais Digitais na Esfera Pública Política: Exercícios de Cidadania. Revista do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano. Artigo. Seção Dossiê Mídia e Cidade. UFF. Rio de Janeiro. v. 6. p.152-168. Julho 2015.

SILVA, Rafael Rodrigues da. "Redes sociais se tornaram o 5º poder da política no Brasil", diz pesquisador. 2019. Disponível em:

https://br.financas.yahoo.com/noticias/redes-sociais-se-tornaram-o-172200881.html. Acesso em: dez/2020.

Sobre as autoras
Elaine Silva Cordeiro

Mestra em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Servidora pública da Prefeitura Municipal de São Sebastião do Passé, Bahia.

Lilian Almeida dos Santos Miranda

Mestranda em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Servidora pública da Câmara Municipal de Camaçari, Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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