Rejeição do STF pelo arquivamento no caso Covaxin

08/04/2022 às 16:02
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I - INTRODUÇÃO

Na data de 29/03/2022, a ministra Rosa Weber do STF, negou o pedido da PGR para arquivar o inquérito que apura a suposta acusação do crime de prevaricação pelo Presidente Jair Bolsonaro, durante a negociação para a compra da vacina indiana Covaxin.

É cediço que a investigação foi instaurada por solicitação da CPI da Covid-19, logo depois que o deputado federal Luís Miranda (Republicanos-DF), informou aos membros da CPI de haver avisado ao Presidente Bolsonaro, em torno de pressões e irregularidades no Ministério da Saúde, durante a tramitação da negociação, visando a compra do imunizante Covaxin, que na verdade sequer foi efetivamente adquirido pelo Governo Federal.

II DECISUM JUDICIAL

Em sua decisão, a ministra Rosa Weber, fez uso de uma exceção na jurisprudência predominante do STF.

De acordo com a previsão do artigo 28 do CPP, Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. (Lei nº 13.964, de 24/12/2019, vigência da nova redação dada ao artigo em 23/01/2020).

Neste caso, o Chefe do MPF solicita ao STF o final de uma investigação contra uma autoridade com foro privilegiado, e de conformidade com a previsão do artigo 28 do CPP, como de estilo leva os ministros do STF a acatar o pedido, sem sequer ingressar no mérito da questão.

Ora, de acordo com a própria Decisum do ex-ministro Celso de Mello, acatada e citada em outros julgamentos da Corte, Se o Procurador-Geral da República requer o arquivamento de inquérito policial, de peças de informação ou de expedientes consubstanciador de notitia criminis, motivado pela ausência de elementos que lhe permitam formar a opinio delicti, por não vislumbrar a existência de infração penal (ou de elementos que a caracterizem) essa promoção não pode deixar de ser acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, pois, em tal hipótese, o pedido emanado do Chefe do Ministério Público da União é de atendimento irrecusável. (Grifei).

Vale ressaltar que, de acordo com a reportagem, em uma pesquisa no sistema processual do STF, foram encontradas várias decisões recentes de ministros, inclusive da ministra Rosa Weber, arquivando as investigações contra senadores e deputados, por solicitação da PGR, com base nesse fundamento.

III PEDIDOS DE ARQUIVAMENTO PELA PGR E PELA POLÍCIA FEDERAL

No pertinente ao caso do Presidente Jair Bolsonaro, o PGR pediu o arquivamento do inquérito, considerando que não faz parte da função, tampouco é obrigação do Presidente da República acionar órgãos de investigação, quando tomar conhecimento de suposta irregularidade, no caso uma suposta pressão incomum no âmbito do Ministério da Saúde, fato ocorrido em 2021, na compra da vacina indiana Covaxin.

Neste sentido, o Presidente Bolsonaro passou a ser investigado, pela suposta prática do crime de prevaricação, consistente em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, cuja sanção é de 3 meses a 1 ano de detenção, além de multa.

Na mesma inteligência, a Polícia Federal também chegou à conclusão de não ter havido o ato delituoso de prevaricação, uma vez que dentre as atribuições constantes do artigo 84 da CF/88, não há o dever de comunicar irregularidades. Segundo o PGR, neste caso, há discricionariedade na escolha da conduta a tomar.

IV ENTENDIMENTO DA MINISTRA ROSA WEBER

No entanto, entendeu a ministra Rosa Weber que, em regra, o pedido de arquivamento solicitado pela PGR é irrecusável por parte de um ministro do STF. Contudo, segundo a ministra, isso só é válido quando, no curso da investigação, a polícia ou o próprio Ministério Público não conseguem juntar provas ou de indícios veementes que possam demonstrar, minimamente, que ocorreu algum crime ou que a autoridade investigada esteja nele envolvida, ou seja, em casos que não haveria base empírica para uma acusação. Base empírica significa: quando uma pessoa se baseia em fatos empíricos, que se tratam de fatos que vem da experiência da pessoa, nada daquilo é comprovado cientificamente.

Ademais, Rosa Weber afirmou que o arquivamento não é obrigatório, e por conseguinte, pode ser negado pelo STF, em duas situações: quando há prescrição ou quando o magistrado não concorda com a análise produzida pelo MP, no pertinente à atipicidade da conduta. Assim, segundo a ministra foi negado o pedido de arquivamento do inquérito contra o Presidente Bolsonaro, por entender basicamente, que incumbia ao Presidente, ao revés do entendimento da PGR, de acionar órgãos de investigação ao tomar conhecimento da pressão na Saúde em prol da Covaxin. A ministra afirmou, ainda que, como chefe da administração pública federal, recairia sobre Bolsonaro a função disciplinar para punir integrantes da administração direta, nos termos decisivos seguintes:

Não há espaço para a inércia ou a liberdade de não agir, quando em pauta o exercício do controle da legalidade de atos administrativos, ou mais especificamente, do poder-dever de anular atos contrários ao ordenamento jurídico e do poder disciplinar em face de desvios funcionais.

Além de tudo isso, a ministra afirmou que, pelo próprio texto da Constituição e da lei do impeachment, constitui crime de responsabilidade, punível com a perda do mandato, atentar contra probidade na administração, ao não tomar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição.

Em sua decisão, a ministra aponta o modelo acusatório, previsto na CF/88, sobre a exclusividade do MP do papel de formular a acusação e denunciar à Justiça os suspeitos de crimes em ações penais públicas, não significando que o órgão é o interprete definitivo das leis penais.

Ainda da decisão, a ministra afirmou que, Mesmo no domínio penal, compete ao Judiciário em geral e a esta Suprema Corte em particular a última palavra sobre o conteúdo normativo dos preceitos primários de incriminação, máxime quando em pauta, como no caso, discussão sobre o significado e o alcance de cláusulas constitucionais, a exemplo daquelas hospedadas no art. 84 da CF, invocado pelo Ministério Público como fator inibitório à caracterização típica do crime de prevaricação, na presente hipótese.

Diante de sua sustentação para a recusa do arquivamento, Rosa Weber, fez a citação de um precedente de 1992, do então ministro Sepúlveda Pertence, quando afirmou que se o MP entender que um fato não constitui crime, há de o juiz decidir a respeito. Ademais, em 2007, o ministro Gilmar Mendes, reafirmou o entendimento de que apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e extinção da punibilidade, incumbirá o tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo PGR.

Nesse caso, segundo a ministra, a razão para essa diferenciação, é quando a PGR pede arquivamento de um inquérito por falta de provas, nada impede que a investigação seja reaberta, na hipótese de que sejam encontrados novos elementos que possam resgatar a hipótese criminal. Quando ocorre o arquivamento por atipicidade ou prescrição, acaba a possibilidade de se investigar o caso novamente.

De conformidade com o entendimento do Procurador da República, André Estima, estudioso no modelo acusatório, no inquérito contra o Presidente Bolsonaro, onde a Polícia Federal e a PGR, responsáveis pela investigação, afirmaram que não houve crime, não há possibilidade de um juiz ou ministro do STF forçar o MPF ou a Polícia Federal a imputar crime a alguma pessoa, afirmando que, Um dos fundamentos do sistema acusatório é separar radicalmente a atividade do juiz da atividade de acusação. No passado, era uma coisa só: juiz investigava, mandava prender sem ouvir ninguém, abria processo, era um inquisidor. No mundo inteiro, isso evoluiu para retirar do juiz essa atribuição. Alguns juízes se ressentem um pouco da própria existência do Ministério Público, porque significa uma redução do poder do juiz. Então, a gente sente na prática, principalmente no primeiro grau, e agora mais fortemente no Supremo, que alguns não querem largar, tentam reinstaurar uma ordem extinta na maior parte do mundo.

No entender do precitado Procurador da República, mesmo no STF, o arquivamento a pedido do MP nunca foi algo polêmico. A diferença para o caso atual, reconhece o Procurador, é porque a divergência se dá por uma questão de direito e não de fato, o Judiciário e o MP reconhecem a ocorrência de um episódio concreto, mas divergem quanto à existência de crime no caso. Mas, mesmo nesse caso, o juiz não pode determinar o que deve fazer o MP, e qual a saída? Uma possibilidade é de o procurador-geral recorrer ao plenário do STF, é o que já cogita Augusto Aras no caso do Presidente Bolsonaro, valendo-se do entendimento mais comum na Corte. Uma segunda solução é utilizar outro fundamento, para pedir à própria ministra o arquivamento.

E, continua,

Outra opção, ainda não cogitada e não testada, seria de submeter a questão a outro membro ou órgão do MP, possibilidade já existente em casos que tramitam nas instâncias inferiores. Neste caso, quando um promotor tem o entendimento de que o caso deve ser arquivado, por falta de provas da ocorrência de crime ou de envolvimento do suspeito, seja por atipicidade da conduta, é cabível que a câmara de revisão, órgão colegiado superior no âmbito do próprio MP, reexamine o caso e entendendo que se faz necessário o prosseguimento do inquérito, solicite ao juiz que mantenha em curso a investigação por meio de outro promotor.

Contudo, no pertinente aos pedidos de arquivamento através do PGR, essa precitada orientação não pode ocorrer, uma vez que o PGR já ocupa a chefia do MPF, e por não haver um órgão colegiado para revisar suas decisões.

Por outro lado, no âmbito do STF e do Congresso Nacional, há uma medida de submeter os pedidos de arquivamento ao Conselho Superior do MPF, órgão da cúpula formado pelo PGR e outros 9 subprocuradores. Na sua composição atual, a maioria dos membros são opositores de Aras.

Segundo, ainda, o procurador, A melhor solução seria essa. Porque valoriza o Ministério Público, uma vez que a decisão é interna e não externa. E não coloca o procurador-geral sob uma câmara pequena, mas sob o conselho superior, que é um órgão que tem atribuições inclusive para além do PGR em algumas matérias.

No âmbito do STF, existem manifestações de associações de procuradores, solicitando uma interpretação que possibilite ao Conselho Superior do MPF, de rever pedidos de arquivamentos pelo PGR. Ademais, há proposta no Congresso em tramitação, para adotar do mesmo procedimento. Contudo, nem o STF e tampouco o Poder Legislativo há acordo e deliberação em torno do questionamento.

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V LEVANTAMENTO JURISPRUDENCIAL DO STF

Segundo levantamento na jurisprudência do STF, demonstra que é bastante comum o arquivamento de inquéritos, a pedido da PGR, quando a investigação não encontra provas, para caracterizar um fato como crime ou do envolvimento da pessoa investigada, senão vejamos abaixo:

1 - Em fevereiro de 2019, a ministra Rosa Weber, acatou o pedido da ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para o arquivamento do inquérito instaurado contra o atual Ministro das Comunicações, Fábio Faria, quando executivos da empresa Odebrecht declararam, em delação premiada, doações não declaradas (caixa 2), para sua campanha a deputado federal em 2010, em troca de apoio a projetos da construtora no Rio Grande do Norte.

Em seu parecer, a Procuradora Raquel Dodge, manifestou-se dizendo que, apesar dos fortes indícios do crime, não havia elementos suficientes para o oferecimento da denúncia, e que era inviável a continuidade das investigações. Porquanto, ao arquivar o caso, a ministra Rosa Weber, afirmou que, A jurisprudência desta Suprema Corte é firme no sentido de que inviável a recusa a pedido de arquivamento de inquérito ou de peças de informação deduzido pelo próprio Chefe do Ministério Público quando ancorado em ausência de elementos à formação da necessária opinio delicti. Em tal caso impõe-se o acolhimento de promoção da Procuradora- Geral da República. É o norte que emerge de reiterados precedentes.

2 Em 2018, o ministro Dias Toffoli decidiu arquivar o inquérito instaurado contra o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), sob o qual pesava suspeita da prática de corrupção e lavagem de dinheiro, haja vista que executivos da empresa Odebrecht declararam que transferiram, a pedido de Paulinho, em torno de R$ 200 mil reais para sua campanha eleitoral de 2010, por meio da forma não declarada (Caixa 2), e em troca Paulinho atuaria contra greves em obras da empreiteira e iria favorecer com recursos do FGTS.

Neste caso, a procuradora, Raquel Dodge, pediu o arquivamento afirmando que não se logrou êxito na coleta de dados concretos e elementos aptos de comprovação. No que pertine ao STF, o ministro Dias Toffoli arquivou o inquérito alegando que, A jurisprudência desta Corte assentou que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação, deduzida pelo titular da ação penal.

3 Em 2016, na mesma inteligência em atender o pedido da PGR, a ministra Cármen Lúcia, acatou o arquivamento do inquérito instaurado conta o senador, Fernando Bezerra (MDB-PE), que estava sendo investigado por supostas irregularidades, na aplicação de recursos federais, destinados a obras em um hospital de Petrolina (PE), no período de 2002 a 2003, quando Fernando Bezerra era o então prefeito da cidade.

4 Em 2015, Rodrigo Janot, então Procurador-Geral da República, pediu o arquivamento do inquérito policial, sob a alegação de que não existiam indícios de autoria e materialidade da prática de desvio de verbas pública, tampouco de recebimento de dinheiro em suas contas.

Na decisão da ministra Cármen Lúcia, manifestou-se dizendo que A jurisprudência deste Supremo Tribunal se consolidou no sentido de ser irrecusável o pedido de arquivamento do Procurador-Geral da República, quando falta base empírica para a denúncia.

Na decisão, Cármen Lúcia disse que a jurisprudência deste Supremo Tribunal se consolidou no sentido de ser irrecusável o pedido de arquivamento do Procurador-Geral da República, quando falta base empírica para a denúncia.

VI ANÁLISE JUIRÍDICA DA DECISÃO JUDICIAL

A um exame perfunctório da decisum da ministra, Rosa Weber do STF, no sentido de não acatar o arquivamento do inquérito policial, instaurado para apurar a prática de suposto crime de prevaricação, imputado ao Presidente Jair Bolsonaro, observa-se, preliminarmente, que a ministra relatora, além de afastar-se da própria jurisprudência dominante do STF, conforme acima noticiadas, delineia-se equivocada em outras imprópria alegações, que serão manifestadas oportunamente.

Porquanto, diante de tal contexto, onde se percebe a inarredável divergência intramuros, a duplicidade de entendimento jurisdicional, no pertinente a este questionamento que se infunde em manifesta insegurança jurídica. Quando na realidade, é cediço que a harmonia dos precedentes judiciais, além de se constituir em importante elemento de confiança no Poder Judiciário, impõe-se grandiosa repercussão no âmbito da sociedade, uma vez que a conduta uniforme de julgar, confere maior estabilidade aos conceitos e às relações jurídicas. E, neste sentido, inexiste conspiração maior em desfavor da previsibilidade e a segurança do direito, do que as reiteradas e inusitadas modificações jurisprudenciais.

O aspecto jurídico posto em destaque, leva ter em vista desde logo, a necessidade de compilar a opinião atributiva jurisprudencial do Ministro Humberto Gomes de Barros, afirmando que, O STJ foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em ocorreu em relação ao STF, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a Justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço às nossas instituições. Se nós, os integrantes da corte, não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência da corte. Melhor será extingui-la. (AgrReg nos EmbDiv no REsp nº 228.432-RS Corte Especial).

No que diz respeito à desobediência ao preceito do artigo 28 do CPP, renovado por meio da Lei nº 13.964, de 2019 que, embora haja ressalva quanto as pessoas que possuem foro privilegiado, cujo direito está respaldado em relação ao processamento e julgamento de infrações penais comuns, na hipótese de cometimento por parte do Presidente da República, nos termos do inciso I, alínea b, da CF/88.

Neste sentido, observa-se que a Carta Fundamental de 1988, dispõe, tão somente, que compete ao STF o processamento e julgamento de infrações penais comuns, praticadas pelo Presidente da República e de outros entes, não fazendo referência a instauração de inquéritos, que na realidade compete privativamente a Polícia Judiciária Federal da União, nos termos do § 1º, inciso I, do artigo 144, da CF/88, e não ao Supremo Tribunal Federal (STF). Assim sendo, o pedido de arquivamento de inquérito policial é da atribuição da Polícia Federal, em conjuminância com o Ministério Público Federal.

Quanto a alegação judicial, relativa à manifestação do PGR respaldando o pedido de arquivamento do inquérito policial, com base nas atribuições constitucionais do Presidente da República, prevista no artigo 84, incisos I usque XXVII e seu parágrafo único, onde a conduta típica do crime de prevaricação não coaduna com as atribuições constitucionais do Presidente da República, inseridas no precitado Diploma Legal, de que compete ao Poder Judiciário e em particular ao STF, a última palavra sobre o conteúdo normativo dos preceitos primários de incriminação, sobre o caso em discussão sobre o significado e o alcance de cláusulas constitucionais, a exemplo daquelas hospedadas no art. 84 da CF, invocado pelo MP como fato inibitório a caracterização típica do crime de prevaricação (...).

É cediço que são delegados aos Juízes os poderes de polícia e jurisdicional, conforme demonstrados em nosso artigo Instrumentos que Combatem a Morosidade, publicado no Jornal Jurid, edição de 03/08/2011, onde tais poderes são denominados de ordinatórios e decisórios, previsto no artigo 139, incisos I a X e seu parágrafo único, do CPC/2015.

No pertinente aos poderes de polícia exercidos pelo Juiz, que atua não na qualidade de autoridade judicante, mas singelamente como autoridade, estão avistáveis no artigo 360, incisos I a V, do CPC/2015.

Por conseguinte, em nenhum dos precitados preceitos legais apontados, há concessão no âmbito da atividade jurisdicional, para que o magistrado atue diferentemente do previsto na norma abstrata, adequando-a ao caso in concreto ao seu alvedrio. Porquanto, releva consignar que, segundo a jurisprudência dos tribunais pátrios, O juiz não pode inovar no processo, não havendo o que se modificar no decisum, existindo meios legais para a correção da situação.

Em seguida, a ministra Rosa Weber, manifestou-se afirmando que, somente nas hipóteses de atipicidade da conduta e da extinção de punibilidade, incumbirá ao STF examinar o mérito da manifestação do PGR. Neste caso, observa-se que a ministra relatora, respaldou-se exclusivamente em manifestações pessoais de seus pares, ministros do STF, quando passou a fazer citação de um precedente no ano de 1992, por parte do então ministro Sepúlveda Pertence, afirmando que Se o MP entender que um fato não constitui crime, há de o juiz decidir a respeito. No mesmo sentido, a reafirmação do ministro Gilmar Mendes, dizendo que apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e extinção de punibilidade, incumbirá o tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo PGR.

Vislumbra-se, portanto, que se tratam de citações pessoais de dois ministros do STF, sem que fosse apontado o enquadramento típico, avistável nas leis infraconstitucionais, para justificar os empregos das citações precitadas.

Porquanto, quando a ministra relatora mencionou a salvante condição da previsão de atipicidade da conduta, para ingressar no mérito do parecer da PGR, demonstrou preocupação por presumir de que, na realidade fática e jurídica, a conduta do Presidente da República não tipifica o crime de prevaricação, uma vez que, o Presidente da República é um agente político e não um servidor público concursado e de carreira. E, segundo a doutrina dominante o crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do CP, é classificado como um crime próprio, imputado tão somente a servidores públicos.

De efeito, necessário se faz que o Princípio da Anterioridade da Lei, in casu, seja respeitada, nos termos da previsão do artigo 1º do CPB, infra:

Não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209 de 1984).

Trata-se, no entanto, do Princípio da Irretroatividade que é um dogma fundamental do Direito Penal, aliado ao Princípio da Legalidade (nullum crimen nulla poema sine legge), cuja expressão é avistável no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Fundamental de 1988, preceituando que, Não há crime sem lei anterior eu o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Por conseguinte, nenhuma conduta pode ser considerada como crime, sem uma lei anterior que defina sua prática, salvante à regra quando for para beneficiar o réu, nos termos do inciso XL, do artigo 5º, da CF/88, dispondo que, A lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Na mesma inteligência, vislumbra-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, por meio do Decreto nº 678 de 06/11/1992, onde em seu artigo 9º, estabelece os princípios da legalidade e da retroatividade, dispondo que, ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco só pode impor pena naus grave que a aplicável no momento da perpetração do direito. Se depois da perpetração do direito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.

O aludido documento tem como esteio estabelecer os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros similares. Ademais, a Convenção coíbe a escravidão e a servidão humana, trata das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção a família. Assim, o pacto tem uma influência marcante da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que compreende o ideal do ser humano livre, isento de temor e da miséria e sob condições que lhe permitam gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos.

Porquanto, como já acima mencionado, no momento em que o Presidente da República, informalmente ouve a suposta notitia criminis da parte de um servidor público, lotado no Ministério da Saúde, sem saber se a notícia é verídica ou não, não está obrigado a tomar providência imediata, que o caso possa merecer, uma vez que, na condição de Chefe Supremo da Nação brasileira, têm afazeres de maior monta como as constantes demonstradas em alhures, não lhe cabendo perquirir sobre uma atividade alheia a sua competência funcional constitucional. Ademais, como já acentuado, a responsabilidade pela omissão, constituindo-se na prática do crime de prevaricação, deve ser imputada a Luís Ricardo Miranda, servidor público federal concursado, lotado no Ministério da Saúde, autor da notícia, que tinha a obrigação de informar a notitia criminis, em primeiro lugar ao seu chefe imediato do Ministério da Saúde, e não ao seu irmão, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) e, tampouco ao Presidente da República, conforme determina o inciso VI, do artigo 116, da Lei nº 8.112, de 1990, in verbis:

Art. 116. São deveres do servidor:

VI levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo.

Por conseguinte, todo servidor público tem o dever de comunicar e representar contra atos ilegais em seu ambiente funcional, enquanto que a Administração tem o dever de apurar as comunicações de supostas irregularidades, que chegam ao seu conhecimento. Contudo, isso não está a significar que toda denúncia ou notitia criminis deva redundar em um procedimento administrativo (sindicância e processo), uma vez que incumbirá à Corregedoria de cada órgão federal, perquirir sobre o juízo de admissibilidade de quaisquer denúncias recebidas.

Neste sentido, preliminarmente, em nível de juízo de admissibilidade, impõe-se a análise da denúncia, no que pertine ao preenchimento dos requisitos básicos fundamentais, para que seja levada em consideração. Em outras palavras, se o conteúdo versar em torno de generalidades, sem a descrição concreta de alguma ação ou omissão que tenha relevância jurídica, a denúncia não deverá se prestar para a instauração de procedimento administrativo.

De acordo com a Lei nº 8.112, de 1990, dispõe que, para que uma denúncia seja acatada pelo setor correicional do órgão, deverá apresentar uma identificação completa do denunciante, não significante que as denúncias anônimas sejam desprezadas. Portanto, nestes casos que, apesar do anonimato, a denúncia contiver plausibilidade, a Corregedoria do órgão incumbirá designar um servidor para realizar uma investigação preliminar, objetivando coletar indícios veementes de autoria e materialidade, de conformidade com o caso concreto, a fim de que possa ser instaurada a persecução administrativa.

De efeito, quando do término do juízo de admissibilidade, a Corregedoria deverá emitir um parecer motivado, optando pela instauração do procedimento cabível (Sindicância ou Processo Disciplinar), ou pelo arquivamento da denúncia. Tratando-se dos procedimentos acusatórios, estes estão previstos na Lei nº 8.112, de 1990 e na IN nº 14-CGU, de 2018, nos casos, o Processo Administrativo Disciplinar, o PAD sumário e a Sindicância Administrativa.

Destarte, é dever da Administração apurar denúncias de irregularidades, assim como é dever do servidor público levar as irregularidades de que tiver conhecimento, em razão do cargo, ao conhecimento da autoridade superior, ou seja, ao seu chefe imediato, mesmo que a suspeita recaia sobre este ou de qualquer outra autoridade, levar ao conhecimento de outra autoridade competente, representando contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder, conforme estabelecido no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. Ademais, a legislação determina que a representação prevista no inciso XII, deverá ser encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual está sendo formulada, assegurando-lhe a ampla defesa, nos termos do parágrafo único do artigo 116, do mesmo Diploma legal.

De efeito, vislumbra-se que é possível observar que a lei traça diretrizes ao servidor público, em torno dos caminhos que este dever utilizar, com o fim de levar ao conhecimento da Administração os fatos irregulares a serem apurados. Porquanto, o servidor público denunciante era totalmente cônscio de sua obrigação de informar, preliminarmente, a seu chefe imediato do Ministério da Saúde, desde que este não estivesse envolvido no caso. E, nesta hipótese, o caso deveria ser levado a outra autoridade hierarquicamente superior no âmbito do Ministério da Saúde. Porquanto, presume-se que a opção abraçada pelo servidor Luís Ricardo Miranda de informar a irregularidade, em primeiro lugar a seu irmão Luís Miranda, deputado federal para, juntos noticiarem os substratos fáticos ao Presidente da República, tenha conotação de impor qualquer tipo de responsabilidade em desfavor do Presidente da República, mormente do modo como a irregularidade foi produzida, ou seja, oralmente e desprovida das formalidades legais.

Em outra alegação judicial, a relatora menciona que faz parte das atribuições do Presidente da República, atuar na função disciplinar, punindo integrantes da Administração Federal.

Neste sentido, de acordo com a previsão do artigo 141 da Lei nº 8.112, de 1990, as competências para os julgamentos dos procedimentos disciplinares, devem ser atribuídas de conformidade com as sanções aplicadas. Assim sendo, quanto maior a gravidade da penalidade imposta, bem maior é o grau da competência exigida da autoridade administrativa, que deverá proferir o julgamento, senão vejamos:

Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:

I pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão ou entidade. (Grifei).

Por conseguinte, a única participação do Presidente da República em procedimento disciplinar, na esfera da Administração Pública Federal, é no julgamento de processos que cuidam das penalidades de demissão e de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, tão somente. Ademais, por meio do Decreto nº 3.035, de 1999, há delegação aos ministros de Estado de cada pasta, além do Advogado-Geral da União, sendo vedada a subdelegação, da competência para a aplicação das penas de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade do servidor público apenado.

E, finalmente a decisão da ministra Rosa Weber, alegando que pelo próprio texto da Constituição e da Lei do impeachment, constitui a prática do crime de responsabilidade, punível com a perda do mandato, imputada ao Presidente da República, por atentar contra a probidade administrativa, quando não tomou a efetiva responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Carta Fundamental de 1988.

Ora, analisando o termo probidade, originado do latim probus, cujo significado é daquilo que brota bem, ou seja, indicando algo de boa qualidade. Ressalte-se que o ordenamento jurídico brasileiro não possui a definição exata da palavra probidade, cuja conceituação ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência, daí a presença da controversa sobre a figura da probidade.

Por outro lado, a coibição a prática da improbidade administrativa tem sua previsibilidade no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal em vigor, sendo regulamentada pelas Leis 4.717 de 1965 e 8.429 de 1992, respectivamente. Assim sendo julgados do STJ têm associado a prática da improbidade administrativa a atos desonesto e à imoralidade qualificada. (Grifei).

Na mesma inteligência, vislumbrando-se os textos recentes da Lei nº 8.429, de 1992, no seu artigo 1º, § 1º, relaciona os atos de improbidade administrativa, inseridos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei, cujos preceitos não configuram a suposta conduta do Presidente da República. Enquanto que o § 3º, do artigo 1º, do mesmo Diploma Legal, prevê que O mero exercício da função ou desrespeito de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com o fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (Grifos nossos).

Destarte, diante de todo o exposto, e da manifestação do Procurador da República, André Estima, relacionada ao inquérito instaurado contra o Presidente da República, afirmando que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República são os legítimos responsáveis pelos atos investigatórios (por se tratarem da Polícia Judiciária da União e da titularidade da ação penal pública incondicionada, respectivamente), os quais afirmaram sobre a inexistência de crime. E, sendo assim, não há possibilidade de um juiz ou ministro de o STF forçar o MPF ou a Polícia Federal a imputar crime a alguma pessoa, uma vez que, Um dos fundamentos do sistema acusatório é separar radicalmente a atividade do juiz da atividade de acusação. (...). (Grifei).

Por outra monta, vale ressaltar sobre uma das situações mais criticadas do CPP, é a previsão do artigo 156, concedendo a gestão da prova ao Juiz, uma vez que o inciso I há previsão da produção antecipada de provas de ofício, inclusive antes mesmo da ação penal, violando a não mais poder a imparcialidade do julgador. Neste ponto, perquire-se: como um Juiz poderia ser imparcial, preocupando-se com a gestão da prova, antes mesmo do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público? (Grifei).

Na mesma inteligência, o artigo 156, inciso II, do CPP, dispõe sobre a possibilidade de o Juiz determinar a realização de diligências, visando dirimir dúvidas sobre uma questão relevante. Neste caso, na hipótese de dúvida, a absolvição é impositiva, nos termos do artigo 386, inciso VII, do CPP. Ademais, em face do princípio da presunção de inocência, na hipótese de o Juiz determinar a produção de provas, visando dirimir dúvidas, estará o magistrado, de algum modo, tentando desconstituir a presunção de inocência. (Grifos nossos).

Em suma, vale relevar o entendimento do PGR e da Autoridade Policial, cujo relato, como já ressaltado alhures, de que o Presidente da República, na vigência do seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos a ao exercícios de suas funções, de acordo com a previsão do § 4º, do artigo 86 da CF/88, onde tal imposição constitucional já era motivação suficiente para o não acatamento da decisão da ministra Rosa Weber.

Ademais, conforme prevê a tendência doutrinária de que o crime de prevaricação (art. 319, CP), a concussão (art. 316, CP) e a corrupção passiva (art. 317, CP), são considerados crimes próprios e somente podem ser praticados por servidores públicos de carreira, aprovados em concurso público.

Por outro lado, quem deveria ser responsabilizado pela prática do crime de prevaricação, seria o servidor público lotado no Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, que deixou de comunicar, em primeiro lugar, os substratos fáticos ao seu chefe imediato, conforme determina a legislação administrativa, optando irregularmente de noticiá-los a seu irmão deputado federal, Luís Cláudio Fernandes Miranda.

Jacinto Sousa Neto Advogado Consultor Jurídico e Escritor

Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

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