Tributação e comércio internacional: uma análise do sistema tributário brasileiro em relação aos compromissos do sistema multilateral de comércio

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15/04/2022 às 19:20
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3. Tributação e competitividade dos produtos brasileiros nos mercados internacionais

Os Estados são livres para estabelecer suas alíquotas de tarifas (imposto de importação), desde que observem o teto consolidado na OMC. Comparado com outros membros da OMC, o Brasil apresenta tarifas consolidadas bastante elevadas, principalmente para produtos manufaturados, mesmo que, na prática, aplique tarifas mais baixas (água entre tarifas).

Acerca do valor das tarifas, há vertentes econômicas que defendem tarifas mais elevadas para proteção de certos setores da economia nacional. O Brasil, entretanto, além de tarifas consolidadas elevadas, possui grande heterogeneidade nas suas alíquotas do imposto de importação. Em outros termos, significa que o país opta por diferenciar muito suas tarifas conforme o tipo de produto. Essa opção, provavelmente decorrente de pressões pontuais e desorganizadas dos setores produtivos na formação de alíquotas, torna mais complexa atividade de importação.

Adicionalmente, a pluralidade de tributos indiretos de competência dos diferentes entes federativos torna complexa o processo de ajuste na fronteira, para que os bens importados também paguem esses tributos. Essa mesma característica torna igualmente complexa a busca pela não incidência desses tributos sobre as exportações brasileiras. O resultado é o encarecimento indireto de importações (em prejuízo do consumidor nacional) e a redução da competitividade das exportações brasileiras.

No que concerne à concessão de subsídios, o Brasil precisa estruturar seus programas com a estrita observância das regras multilaterais. Os subsídios não são proibidos na sua integralidade, mas não podem apresentar determinadas características que distorcem sobremaneira o comércio internacional, como, por exemplo, a especificidade e o condicionamento ao desempenho exportador. Programas como Rota 2030 e Inovar-Auto17 (CASTRO e SILVA, 2016), a despeito dos louváveis objetivos de estímulo à inovação tecnológica e sustentabilidade da indústria, mostraram sérias incompatibilidades com as normas multilaterais de comércio.


Conclusões

A relação entre tributação e comércio internacional é relevante sob diversos aspectos. Neste artigo, o objetivo do autor foi identificar e analisar os principais pontos de convergência entre esses dois ramos do direito.

Na primeira parte, abordaram-se as regras do sistema multilateral de comércio, enfatizando os dispositivos jurídicos dotados de condições efetivas e potenciais de repercutirem sobre os sistemas tributários nacionais. Destacaram-se três tipos de limitações: vedação da discriminação entre parceiros comerciais, limitação no uso de tributos com fins de protecionismo e restrição no uso de subsídios.

Em seguida, deslocou-se a perspectiva para o direito tributário brasileiro, buscando ressaltar de que forma os compromissos internacionais de comércio afetam direta ou reflexamente o direito soberano de tributar do Estado, com destaque a aplicação do imposto de importação e para a prerrogativa de criação de tributos indiretos.

Na terceira parte, foram analisados aspectos específicos acerca relação entre tributação e competitividade dos produtos brasileiros no comércio internacional. Como conclusão, verificou-se que a complexidade do desenho tributário brasileiro e a forma de institucionalização dos programas de ajuda governamental precisam ser repensados de forma a oferecerem reais incentivos à produção e condições mais competitivas aos produtos brasileiros no mercado interno e principalmente no exterior.


Referências

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BUISSA, Leonardo e BEVULACQUA, Lucas. Aplicação dos acordos multilaterais de comércio (GATT/OMC) no sistema tributário nacional. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2017/06/Leonardo-Buissa-e-Lucas-Bevilacqua.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

CALIENDO, Paulo. Princípio da Igualdade de Tratamento entre Nacionais e Estrangeiros em Direito Tributário. In: TORRES, Heleno T. Direito Tributário Internacional Aplicado Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

CASTRO, André Fernando Vasconcelos de. A imunidade tributária do ICMS nas exportações. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-24/andre-castro-imunidade-tributaria-icms-exportacoes#fn1. Consulta em 20 de fevereiro de 2022.

CASTRO E SILVA, Eric Moraes. Os benefícios tributários do programa INOVARAUTO e os princípios da nação mais favorecida e do tratamento nacional: uma análise dos argumentos dos painéis atualmente em curso contra o Brasil no órgão de solução de controvérsias da OMC. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 3, 2016, p. 210-234.

DAVEY, William J.; PAUWELYN, Joost. MFN Unconditionality: A legal analysis of the Concept in view of its evolution in the GATT/WTO Jurisprudence with particular reference to the issue of like product. In: COTTIER, Thomas; MAVROIDIS, Petros C (coord.) Regulatory barriers and the principle of non-discrimination in World Trade Law. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2000.

LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.


Notas

  1. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2017/06/Leonardo-Buissa-e-Lucas-Bevilacqua.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

  2. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2017/06/Leonardo-Buissa-e-Lucas-Bevilacqua.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

  3. Artigo I. Tratamento geral de nação mais favorecida. 1. Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma Parte Contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produtor similar, originário do território de cada uma das outras Partes Contratantes ou ao mesmo destinado. Este dispositivo se refere aos direitos aduaneiros e encargos de toda a natureza que gravem a importação ou a exportação, ou a elas se relacionem, aos que recaiam sobre as transferências internacionais de fundos para pagamento de importações e exportações, digam respeito ao método de arrecadação desses direitos e encargos ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com a importação e exportação bem como aos assuntos incluídos nos §§ 2 e 4 do art. III.

  4. Artigo III. Tratamento nacional no tocante a tributação e regulamentação internas. 1. As Partes Contratantes reconhecem que os impostos e outros tributos internos, assim como leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização de produtos no mercado interno e as regulamentações sobre medidas quantitativas internas que exijam a mistura, a transformação ou utilização de produtos, em quantidade e proporções especificadas, não devem ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produção nacional.

  5. O art. 3. do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias tem o seguinte texto: Com exceção do disposto no Acordo sobre Agricultura, serão proibidos os seguintes subsídios, conforme definidos no Artigo 1: (a) subsídios vinculados de fato ou de direito ao desempenho exportador, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições, inclusive aqueles indicados a título de exemplo no Anexo I 5 ; (b) subsídios vinculados de fato ou de direito ao uso preferencial de produtos nacionais em detrimento de produtos estrangeiros, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições.

  6. O art. 19. do CTN prevê a seguinte hipótese de incidência para o imposto de importação: o imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. O art. 23. do CTN Art. 23. O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.

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  7. No passado, esses tributos tinham grande importância arrecadatória. Principalmente no momento de consolidação das estruturas fiscais, os Estados dependiam do imposto de importação, cuja cobrança era mais simples.

  8. Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros.

  9. O art. 150. da CF estabelece: sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. O CTN, no art. 97, determina: Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção.

  10. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

  11. O ICMS, imposto estadual, é previsto no inciso II do art. 155. da CF e na Lei Complementar 87/1996 (conhecida como Lei Kandir, em razão de seu propositor, Antônio Kandir, à época ministro do Planejamento do Governo Fernando Henrique Cardoso.

  12. O IPI, imposto de competência da União, está previsto no inciso IV do art. 153. da CF e no Decreto 7.212/2010.

  13. O ISS, tributo municipal, está previsto no Art.156, III, da CF. A regulação nacional do ISS está na Lei Complementar 116/2016.

  14. A CIDE está prevista no art. 149. da CF. Foi instituída pela Lei 10.336/2001.

  15. A Lei Complementar 87/1996 prevê a incidência do ICMS no inciso I do parágrafo 1º do art. 2º. A incidência do IPI sobre manufaturados estrangeiros está mencionada no art. do Decreto 7.212/2010.

  16. A imunidade das exportações em relação ao ICMS está prevista no art. 155, §2º, X, a, da CF. Para uma análise doutrinária do assunto, ver: https://www.conjur.com.br/2020-jul-24/andre-castro-imunidade-tributaria-icms-exportacoes#fn1. Acesso em 20 de fevereiro de 2022. A imunidade das exportações em relação ao IPI está prevista no art. 153, § 3º, inciso III, da CF. As Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 isentam as receitas de exportações da incidência das contribuições sociais.

  17. Com relação à classificação do Programa Inovar-Auto como um subsídio proibido nos termos do Art. 3.1. (b) do Acordo de SCM, entendeu-se que (i) os requisitos de credenciamento que requerem a utilização infraestrutura específica de fabricação e engenharia no Brasil para obtenção dos benefícios fiscais configuram-se como requisitos de conteúdo local; (ii) a metodologia de cálculo para o acúmulo de crédito do INOVAR AUTO configura-se como requisito de conteúdo local e (iii) os requisitos de pesquisa e desenvolvimento que requerem a utilização de equipamentos laboratoriais domésticos à importados configura-se como requisito de conteúdo local. Ver https://nasser.adv.br/informativo-de-jurisprudencia-internacional/2018/03/07/as-conclusoes-do-painel-da-omc-no-caso-brazil-taxation-parte-3-o-programa-inovar-auto/. Acesso em 15 de abril de 2022.


Abstract: The relationship between taxation and international trade is relevant in several aspects. In this article, the author's objective is to identify and analyze the main points of convergence between these two branches of law. In the first part, the rules of the multilateral trading system will be addressed, emphasizing the legal provisions endowed with effective and potential conditions to have an impact on national tax systems. Then, the perspective will shift to Brazilian tax law, seeking to highlight how international trade commitments directly or reflexively affect the sovereign right to tax the State, with emphasis on the prerogative of creating indirect taxes. In the third part, specific aspects about the relationship between taxation and competitiveness of Brazilian products in international trade will be analyzed.

Sobre o autor
Mauro Kiithi Arima Junior

Bacharel em Direito e Relações Internacionais pela USP. Especialista em Direito Político, Administrativo e Financeiro pela FD USP. Especialista em Política Internacional pela FESPSP. Mestre em Direito Internacional pela USP. Doutor em Direito Internacional pela USP. Advogado, professor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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