Muito se tem discutido, em especial pelo viés político, sobre a obrigatoriedade ou discricionariedade de pagamento do piso salarial nacional para os profissionais da área educacional pelos entes federativos brasileiros.
Qualquer discussão sobre o assunto deve ser vista sob o ponto de vista jurídico.
Partindo-se da premissa anterior, inaceitável qualquer manifestação contrária ao pagamento do piso remuneratório para os profissionais da rede pública de educação das esferas administrativas brasileiras.
Previsto incialmente no inciso III do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a Constituição Federal de 1988 (art. 206, VIII EC 53/2006 e art.212-A EC n. 108/2020) expressamente prevê a fixação de piso salarial para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
Regulamentado o inciso VIII do artigo 206 da Constituição Federal de 1988, a Lei Federal n. 11.738, de 16 de julho de 2008, arregimentou que o piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica é destinado àquele profissional que desempenha atividades de docência ou de suporte pedagógico à docência, no âmbito das unidades escolares de educação básica (ensino infantil, fundamental e médio), incluindo quem atua com direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacional.
Prosseguindo, registre-se que o valor do piso do magistério é calculado com base na comparação do valor aluno-ano do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) dos dois últimos anos.
O valor aluno-ano é o valor mínimo estabelecido para repasse do FUNDEB para cada matrícula de aluno na educação básica por ano: em 2021 o valor aluno-ano foi de R$ 4.462,83 e em 2020 de R$ 3.349,56. A diferença percentual entre os dois valores é de 33,23%, exatamente o percentual de reajuste anunciado pelo governo federal no ano de 2022, sendo o piso salarial do magistério no importe de R$ 3.845,63.
Como se vê, sem quaisquer dúvidas, o pagamento do piso salarial dos profissionais da área de educação é direito da categoria, devendo o aumento ser concedido automaticamente e, não sendo possível, de forma retroativa.
Ainda que seja direito dos profissionais, não se pode negar que o reajuste anunciado pelo governo federal (de 33,23%) tem impacto financeiro para estados e municípios, argumentando os gestores públicos, em síntese, que não possuem recursos financeiros para a concessão do reajuste e de que sua concessão extrapolaria os limites de gastos com pessoal estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Federal n. 101, de 14 de maio de 2000).
Ainda que válidas, as argumentações não devem prosperar.
A falta ou insuficiência de recursos não pode ser utilizada como fundamento para o não pagamento do piso salarial mínimo dos profissionais da rede pública de educação, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF), por diversas vezes, atestado que a ausência de previsão orçamentária para seu pagamento não prospera tendo em vista que a Administração Pública tem tempo suficiente para se organizar diante das normas legais previstas na Lei Federal n. 11.738/2008 (STF - SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 5.246 PÁGINA 144 1º/3/2019).
Demais disso, a própria Lei Federal n. 11.738/2008 estabelece soluções para o suprimento da ausência ou insuficiência de recursos pelos entes federativos para a concretização do pagamento do piso salarial mínimo dos profissionais da rede pública de educação.
Na Lei Federal n. 11.738/2008, precisamente no artigo 4º, consta expressamente que a União deverá complementar a integralização do valor devido aos profissionais da educação, nos casos em que o ente federativo não tenha disponibilidade orçamentária para cumprir com a obrigação, exigindo a lei que o ente federativo justifique sua necessidade e incapacidade, enviando ao Ministério da Educação solicitação fundamentada, acompanhada de planilha de custos comprovando a necessidade da complementação.
Dificuldades orçamentárias e financeiras não eximem os entes federativos (estados e municípios) do dever legal de efetuar o reajuste e adequação do piso salarial dos profissionais da educação pública fixados na Constituição Federal e na Lei Federal n. 11.738/2008.
Igualmente não prospera a recusa de pagamento por infringência a Lei Federal n. 101/2000.
Certo que estados e municípios enfrentam sérias dificuldades para cumprir, simultaneamente, a exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (gasto mínimo com pessoal) e o aumento da remuneração dos profissionais da rede pública de educação.
Os gastos com pessoal, estabelecidos na Lei Federal n. 101/2000, não podem ser utilizados como argumento para o não pagamento do piso salarial mínimo aos profissionais da educação pública, expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
A própria Lei de Responsabilidade Fiscal rechaça argumentação em contrário.
O inciso I do parágrafo único do artigo 22 da Lei Federal n. 101/2000 permite, no caso de extrapolação dos limites de gastos com pessoal, a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título que seja derivado de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual.
O reajuste do piso salarial mínimo de profissionais da educação pública é proveniente de lei, inexistindo qualquer óbice para sua concessão, ainda que o ente público esteja com seus gastos com pessoal acima do mínimo legal.
A corroborar as afirmativas anteriores, traga-se a colação, por pertinente, decisão do Tribunal de Contas do Estado do Acre (TCE/AC), em consulta formulada pelo Governo do Estado do Acre e sob a tutela da eminente conselheira de contas Naluh Gouveia, que estabeleceu que o pagamento do piso salarial dos profissionais da educação é direito constitucional dos trabalhadores, não podendo a Lei de Responsabilidade Fiscal (complementar, de índole infraconstitucional) inibir o seu pagamento, ainda que o Estado do Acre esteja com os gastos acima do teto estabelecido em lei.
Na trilha da decisão da Corte de Contas Acreana, o Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Consulta n. 43475-4/18), via do Acórdão n. 3864/19 e Acórdão n. 1294/19, firmou entendimento no sentido de que, nos termos do inciso I do artigo 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o município que atingir o limite prudencial está autorizado a atualizar os vencimentos do magistério fixados em valor equivalente ao piso salarial nacional, em cumprimento à determinação contida na Lei Federal n. 11.738/2008.
Em conclusão, devido aos servidores da educação pública o pagamento, imediato ou retroativo, do piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação, em especial porque respaldado em normas constitucionais e infraconstitucionais.