INTRODUÇÃO
O Direito Civil é o direito que regula as transações entre particulares; pois as relações entre particulares podem ocorrer conflitos de interesses, o direito civil regula essa socialização entre os particulares a partir que exista um conflito e podendo se valer do código civil as pessoas naturais e as pessoas jurídicas.
Em 1789, os direitos civis aparecem positivados (legalizados) pela primeira vez, na Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão.
Em 1916, legitimado pela primeira vez o código civil brasileiro, período que não visava tanto as relações sociais, mas sim as relações individuais baseada em um dos fundamentos do direito civil que é o patrimônio.
Em 1948, em Paris, são positivadas a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH); as nações estavam buscando criar ou refazer suas Constituições levando o ser humano, a dignidade da pessoa humana e a preservação da vida para a discursão central e foi a partir de então que uma distinção necessária que o Direito Civil tenha limitação nacional, mas agora os direitos civis e políticos tem um cunho social e coletivo.
Em 1988, com a Constituição Federal, o código civil contrai para si um novo sentido de valor, impulsionado por uma sociedade diferente daquela da segunda década do século XX; os valores passam a ser humanizados, ou seja, passa a ser vista a partir de princípios coletivos, um Estado não mais individualista.
Em 2002, o código civil trouxe para dentro dele bases e princípios constitucionais coletivos, prevendo assegurar o social democrático como um todo se sobrepondo aos direitos individuais.
Com base no princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida está assegurado a qualquer pessoa natural. E a discussão está em torno do nascituro[2] e quando a vida começa, operadores do direito positivistas tomam suas decisões no que está restrito na letra da lei e os pós-positivistas compreendem a necessidade de trazer uma análise mais aprofundada vendo a realidade social e os valores normativos que multam ao evoluir a sociedade.
Conforme está explicito no Art. 2° do Código Civil:
A personalidade[3] civil da pessoa[4] começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (Código Civil, 2017).
Tal interpretação da lei trás divergências em sua jurisprudência e entre aplicadores do direito e com base nestas posições surge as teorias em torno do nascituro denominadas de teoria Natalista e a teoria Concepcionista. Discutiremos neste artigo, alguns marcos importantes dentro do direito brasileiro que se estendem também dentro dos campos interdisciplinares como teoria do direito e direito comparado, responsabilidade civil social e ciências sociais que leva também para um diálogo multidisciplinar com a filosofia, sociologia, ética e a moral social.
Já no da década de 1990, o movimento do pós-positivismo jurídico vem ganhando força no Brasil e abriu novas interpretações para o direito buscando trazer para pauta em questão a moral, ética e filosofia social e também um segundo movimento dentro do direito civil chamada Responsabilidade Civil que se origina no direito comparado, a luz da doutrina jurídica francesa, e está ganhando notoriedade no direito brasileiro.
Enfim estaremos diante dos Marcos Jurídicos-Filosóficos e dos Marcos Teóricos Jurídicos dos direitos do nascituro para compreender o porquê há alguns juristas que não se deram por satisfeitos nesta discussão divergindo em decisões sobre a temática.
OS MARCOS JURÍDICOS-FILOSÓFICOS
Os marcos Jurídicos-filosóficos nos dão uma forte ligação com as mudanças que ocorreram dentro das ciências jurídicas; o marco Jurídico-filosófico do direito ganhou efeito com momento vivido na transição do positivismo jurídico para pós-positivismo jurídico, conforme, o ministro Roberto Barroso em sua lição (2014): O positivismo jurídico buscou tratar o direito, uma ciência social, com extrema objetividade cientifica, afastando-o para tal fim da filosofia e da moral. Para fazer análise sobre o Direito do nascituro nesta visão positivista seria apenas sobre a letra da Lei que o Operador do direito haveria de julgar e não abrindo para haver diálogo com a moral, ética e filosofia social.
O pós-positivismo jurídico já transacionado podemos dialogar e fazer uma aproximação entre o direito, a moral, a ética e a filosofia social, enfim, podendo dá uma adaptação interpretativa ao que se refere ao tema proposto do nascituro. Suas normas levada em consideração os princípios morais que estão sendo cultivados pela sociedade neste momento histórico.
No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores da interpretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios [...]; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana (BARROSO, 2014, P. 271).
Dentro do direito brasileiro o pós-positivismo se fortalece na década de 1990 com a Constituição em vigência em todo Estado brasileiro fundamentado nos valores da dignidade da pessoa humana permitindo que a sociedade brasileira obtenha instrumentos para discutir os chamados casos difíceis hard cases, podemos tomar por exemplos os direitos linguísticos, uniões homoafetivas, pesquisas com células tronco, casos de feto anencefálicos e outros.
Cremos a partir desta proposição que os direitos do nascituro podem se caracterizar como um hard case dentro do pós-positivismo no ordenamento jurídico brasileiro que precisa ser interpretado a luz da letra da lei, concordando com a ética, moral e filosofia social já que, temos os vieses teóricos: o Natalista e o Concepcionista.
OS MARCOS TEÓRICOS DOS DIREITOS DO NASCITURO
Os marcos teóricos dos direitos do nascituro vêm ganhando novas vistas de debates a partir dos estudos no ramo da responsabilidade civil, onde direito é fato, valor e norma; valores são mutáveis de acordo com o tempo (REALE,2002). E as normas sociais tem que acompanhar a evolução da sociedade que o socialista Sigmund Bauman conceituará de liquides pela sociedade ser altamente complexa e rápida em adoção de novos padrões.
A Teoria Natalista o feto apenas poderá ser considerado pessoa após o seu nascimento com vida e em quanto o nascituro está no ventre da mãe ele não pode contrair direitos e deveres na ordem civil não obtendo então uma personalidade jurídica. Contudo a teoria natalista entende-se que o feto ainda no ventre materno pode contrair alguns direitos da personalidade jurídica tais como: direito a vida, integridade física, alimentação, saúde (assistência medica), etc.
Para Maria Helena Diniz:
Nascituro é aquele que há de nascer, cujos direitos à lei põe a salvo. Aquele que, estando concebido, ainda não nasceu e que, na vida intrauterina, tem personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando direitos patrimoniais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida. (DINIZ 199, p.334).
No viés natalista também se entende que está dado ao nascituro a exclusão de alguns direitos como: receber herança, direito de patrimônio, receber seguros, danos morais, etc. sendo assim, fazendo uma análise literal e simples daquilo que está contido no artigo 2° do CC.
Conforme, Maria Helena Diniz, também diz que os direitos dados ao nascituro estendem sua amplitude aos casos dos embriões in vitro, ou seja, gozam do mesmos direitos e garantias dos nascituros.
A Teoria Concepcionista entende-se que a partir da concepção o nascituro já contrai personalidade civil e somente alguns efeitos estaria apenas em inercia até o seu nascimento com vida. Um caso que podemos abordar é o Enunciado I, da I Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal (2002), que confere também ao natimorto[5] direitos a personalidade como: nome, imagem e sepultura, todavia, esses direitos serão tutelados pelas Unidades Federativas e suas respectivas jurisprudências.
A teoria Concepcionista vem cada vez mais sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal, entende-se que a vida começa no momento da concepção, ou seja, do encontro de gametas e posterior nidação do zigoto no útero feminino. Dependendo do caso apresentado danos contra o nascituro pode adotar uma função sancionatória não mas buscando uma punição apenas compensatória.
Levando em consideração que a partir de 2002, o código civil brasileiro adotou um posicionamento coletivo deixando de lado uma velha doutrina do patrimônio individual, o ordenamento jurídico brasileiro poderá dialogar com outras ciências as quais, se fazem afim, analisar a coletividade, dignidade da pessoa humana, preservação da vida; dando luz a novas interpretações para uma convivência mais harmônica entre as relações dos privados podendo prevenir conflitos.
O direito comparado pode auxiliar as tomadas de decisões, pois há Estados soberanos que tem essa discussão há muitos mais tempo do que já se tem no ordenamento jurídico brasileiro, analisar os hards cases dentro de outras doutrinas nos trazem claridade para possíveis soluções de conflitos internos.
REFERÊNCIAS
BARROSO, L. R. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL, Enunciado 1. Conselho da Justiça Federal. Disponível em: Acesso em: 07/03/2022.
CARVALHO, J. M. de. A formação das Almas: o imaginário da Republica no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
MARMELSTEIN G. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2013.
[2] O ser humano já concebido, cujo nascimento é dado como certo.
[3] É a aptidão que a pessoa tem de contrair direitos e deveres na ordem civil. (Art. 1° CC).
[4] Ser humano nascido com vida.
[5] É o ser que saiu sem vida do ventre materno.