Defensoria pública: Evolução, desafios e importância no processo penal

27/04/2022 às 16:54

Resumo:


  • A Defensoria Pública é essencial para garantir o acesso à justiça, especialmente no processo penal, assegurando o direito de defesa e evitando consequências degradantes durante o processo e na decisão condenatória.

  • A evolução da Defensoria Pública no Brasil, desde sua primeira menção na Constituição Estadual do Rio de Janeiro em 1975 até sua consagração na Constituição Federal de 1988, a posiciona como uma função essencial à justiça, atuando em paridade com a Magistratura e o Ministério Público.

  • Os principais desafios enfrentados pela Defensoria Pública no Brasil incluem a difusão de conhecimento sobre o direito à defesa, a desigualdade de investimento em comparação com órgãos de acusação e a escassez de defensores em diversas comarcas, dificultando o acesso à justiça para a população hipossuficiente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente ensaio busca elucidar quanto à importância que a Defensoria Pública possui no cenário do Processo Penal, uma vez que surge como garantidora do acesso à justiça, e também como condição fundamental para o seu andamento, principalmente na modalidade de sistema acusatório. O adequado direito de defesa se faz de suma importância para evitar consequências degradantes tanto durante o processo penal quanto na decisão condenatória, quando houver. Ocorre que, mesmo passando por diversas evoluções, a Defensoria Pública ainda encontra diversos desafios que precisam ser conhecidos e propriamente tratados a fim de garantir um devido processo legal, conforme artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal.

Palavras - chave

Defensoria; desafios; processo penal; acesso à justiça; função essencial;

INTRODUÇÃO

A noção de acesso à justiça passou por diversas evoluções com o passar dos anos e as mudanças nos sistemas jurídicos. Com essas transformações surge o órgão da Defensoria Pública, uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado e uma das principais características do estado democrático e responsável pela promoção de direitos humanos e defesa em todos os graus de jurisdição, devendo ser prestada de forma gratuita, conforme explicita, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXIV. Ainda conforme a constituição, agora em seu art. 134, a Defensoria se apresenta como ma das funções essencial de um sistema acusatório.

E, embora esse sistema acusatório ainda sofra constante ameaça e duras críticas provenientes de correntes punitivistas, ainda é o que deve ser seguido por ser o sistema acolhido pela Constituição vigente, tendo que surtir todos os seus efeitos a fim de manter o sistema acusatório em prática nos procedimentos jurídicos.

Por se tratar de um órgão responsável por facilitar o acesso à justiça às pessoas mais necessitadas, a Defensoria pública é destinada ao público alvo que possui até três salários mínimos.

No entanto, essa noção de acesso á justiça não é sólida e sofreu diversas transformações até chegar ao que se tem atualmente. Para compreender essas transformações, faz-se necessário uma pesquisa bibliográfica para entender os processos históricos e a gradativa mudança desses princípios e normas. Por isso, o tal ensaio se propôs a apresentar uma análise bibliográfica evolutiva para compreender como se dá essa evolução, bem como apresenta desafios e possíveis soluções, no decorrer do texto.

A EVOLUÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA E SUA IMPORTÂNCIA

É sabido que as Leis, de forma geral, possuem um pujante teor de complexidade em suas palavras, não sendo, dessa forma, acessível ou compreendida por grande parcela da população, visto que há necessidade de um conhecimento técnico para compreender, claramente, sobre o que se trata e como se aplicam. Além disso, a capacidade postulatória em processos não é para qualquer sujeito e, por isso, surge a necessidade da atuação de um profissional da área jurídica nos tramites processuais, principalmente no processo penal.

Anteriormente, quando ainda inexistente a noção de Defensoria Pública tal qual ocorre na contemporaneidade, já havia, no meio jurídico, a preocupação referente ao acesso à justiças por pessoas hipossuficientes.

Uma das primeiras iniciativas foi da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que passou a conceder atendimento a pessoas impossibilitadas economicamente de arcar com as despesas de ônus advocatícios

Tal preocupação se dava pela necessidade da adequação da advocacia como função social e o entendimento de que o acesso à justiça não poderia estar estritamente ligada à condições sociais, visto que caso assim fosse, estaria se criando barreiras injustificáveis, contribuindo com a manutenção da injustiça e desigualdade social e jurídica.

Essa assistência, contudo, não incluía isenção de custas processuais. Sendo que mesmo que algumas custas fossem abatidas, mínimos que fossem os valores estes ainda seriam capazes de impedir o acesso à justiça por determinadas pessoas. Por ora, mesmo sendo adotada, posteriormente, em mais de um Estado, tal iniciativa não fora suficiente, uma vez que não atingia a efetividade necessária para garantir essa igualdade no campo jurídico, uma vez que seria necessária, para isso, a colaboração do Estado para o reconhecimento e abrangência desse direito, de tal maneira a alcançar a maioria possível da população mais necessitada.

E, depois, o assunto foi ainda mais debatido quando estabelecido pela Constituição Federal de 1934. Nesse sentido, dispôs a Constituição Federal supracitada atribuiu à assistência judiciária uma importante classificação e posição no ordenamento jurídico, uma vez que agora estaria enquadrada como um princípio constitucional no âmbito dos direitos e garantias individuais, conforme art. 113, número 32, nos seguintes termos:

  Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 

[...] 32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos. 

A partir dessa nova realidade jurídica, alguns estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais passaram a instituir advogados de plantão destinados a cuidar da assistência judiciária, sendo esses advogados, pago pelo Estado para exercerem determinada função. Mesmo com o silêncio da Constituição de 37 sobre o tema, posteriormente, a Constituição de 46 voltou a definir que o poder Público deveria ser responsável pelas custas processuais no que tange a tal assistência.

Em momento posterior, com o advento da Lei 1060 de 05 de fevereiro de 1950, é que foram postuladas a normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados.

Exaurida a discussão sobre assistência judiciária, é importante mencionar a evolução da Defensoria Pública, tendo sido citada, primeiramente na Constituição Estadual do Rio de Janeiro em 1975, posteriormente adotada também em outros Estados, e, depois, estabelecida na Constituição de 1988, em âmbito federal, de modo a ser considerada uma função essencial a justiça.

É de extrema dimensão a relevância da Defensoria de maneira a garantir, além de igualdade formal, também a igualdade material. Uma vez que tem papel fundamental na efetivação do direito à justiça. Sendo que, alcançado tamanho reconhecimento, a Defensoria se encontra no patamar de função essencial à justiça tal qual a Magistratura e o Ministério Público. E se faz imprescindível para garantir o princípio do contraditório, ampla defesa, defesa técnica, acesso à justiça, dentre outros princípios implícitos que o exercício da defensoria abrange.

A IMPORTÂNCIA DA DEFENSORIA PÚBLICA NO PROCESSO PENAL

É sabido das conseqüências que a instauração de um processo penal, mesmo que ainda em andamento e sem sentença condenatória pode causar na vida do indivíduo. Isso se dá, principalmente, por resquícios ainda existentes na sociedade de uma visão punitivista e inquisitória do processo penal. Há um sentimento de vingança que ainda reflete de forma traumática na vida de qualquer acusado, sendo que mesmo considerado, posteriormente, inocente, já vai ter passado por diversos constrangimentos e ataque a honra e dignidade.

Esse sentimento se dá pela facilidade em que os sujeitos externos ao processo têm de se identificar mais com a vítima do que com o acusado. Provocando o desejo de vingança e a ilusão de que nunca precisaria de direito caso um dia fosse acusado.

Todo esse desgaste já sofrido diante da sociedade, no entanto, não deve ser fator de influência no processo penal, já que o processo deve obedecer a suas normas reguladoras, não permitindo que o réu sofra qualquer pena de caráter condenatório sem que a sentença tenha sido transitada em julgado. Mas essa garantia não é suficiente visto que o processo abrange diversas outras atividades que precisam de atuação de um profissional da área jurídica. E aí que surge a importância da Defensoria Pública para pessoas hipossuficientes que não tem condições de arcar com despesas advocatícias e não podem, por isso, ficar a mercê de decisões arbitrárias baseadas apenas em acusações sem que lhe sejam garantidos os direitos à ampla defesa e a possibilidade de contradizer quaisquer manifestações apresentadas durante o curso do processo. Nada mais justo, então, que o Estado arque com as despesas desses profissionais visando garantir uma equidade processual que não seria possível sem a atuação de uma defesa técnica. Além de ser, a profissão de defesa técnica, uma condição para a continuidade do processo e estar ligada, também a capacidade postulatória nos autos.

Sendo o processo penal fruto de influências do autoritarismo italiano, baseados na presunção de culpabilidade e busca da verdade real sob qualquer custo, não sendo esses os valores estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, algumas medidas deveriam ser tomadas a fim de evitar a prática de normas inconstitucionais provenientes do CPP bem como estabelecer igualdade formal e paridade de armas no processo, além de considerar a presunção de não culpabilidade. É nessa linha que a Defensoria Pública desenvolve um papel de condicionante para prosseguimento do processo penal, em atendimento ao disposto no art. 261 do Código de Processo Penal, onde dispõe que: Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Cabe salientar, ainda que, mesmo que o acusado não se manifeste sobre um defensor, o ultimo será nomeado para que o processo continue em trâmite. Ainda, o trabalho do Defensor deve ser exercido da melhor maneira possível, de forma a não prejudicar a defesa do réu. Devendo, diante das possibilidades e da legalidade, o Defensor, atuar com extrema responsabilidade e profissionalismo a fim de garantir a melhor defesa que, naquelas circunstâncias, o acusado tiver direito. Isso, no entendo, encontra alguns obstáculos diante da realidade em que se encontra a Defensoria Pública no Brasil.

PRINCIPAIS DESAFIOS

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Como qualquer outro serviço púbico, no Brasil, a Defensoria não possui um caminho descomplicado e linear. Existindo problemas que vão além da capacidade e vontade do profissional. São problemas que excede sua competência e deve ser resolvido pelo Estado. Dessa forma, é importante que se reconheça os problemas para que possamos resolvê-los.

Inicialmente, convém alertar sobre o problema de difusão de conhecimento. O direito é, na maioria das vezes, poder de difícil acesso. Muitas pessoas ao menos sabem do direito que as acompanham e dos deveres do Estado para com a população. Sendo assim, quem não sabe ao menos que tem direito a uma defesa técnica durante o processo já começa em desvantagem.

Em outra perspectiva, mesmo que se saiba sobre esse direito é difícil garantir que todos que saibam sobre ele, efetivamente se tenham acesso, diante do grande déficit existente, nessa categoria, no país. Pesquisas realizadas pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) em parceria com Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revela que há muito mais pessoas hipossuficientes por defensor do que deveria. Além de a Defensoria estar ausente em maior parte das comarcas. Dessa forma, afasta a facilidade no atendimento e no acesso a justiça, uma vez que não abraça os interiores, e lugares que estão afastados das grandes sedes.

Outro desafio que precisa ser enfrentado é o fato de desigualdade entre o número de defensores em comparação a juízes e promotores bem como a disparidade de investimento nesses cargos, o que só fortalece os reflexos de sistema inquisitorial ainda existente no país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já postulado, a Defensoria Pública é um órgão imprescindível à função jurisdicional, na medida em que exerce o papel de efetivação do acesso à justiça, bem como proporciona e exerce a paridade de armas no processo penal. e deve estar, cada vez mais, próxima ao seu público alvo. Para que seja mais efetiva, é necessário que se reconheça seus problemas e elabore soluções e as coloquem em prática, como, por exemplo, difundir informação sobre o direito a defesa técnica em diversos meios diferentes para que cada vez mais, mais pessoas estejam inteiradas sobre seus direitos. Conveniente também que o Estado leve a Defensoria às comarcas em que ainda não há presença do órgão, e, por fim, que o orçamento seja elaborado e distribuído de forma a amenizar a desigualdade entre órgãos de acusação e defesa assim como promover a investidura em mais cargos de Defensoria Pública. Dessa forma, cada vez mais se cumpriria o que é normatizado na Constituição o que contribui para a equidade jurídica não só formal, mas material, pois além de dizer o direito deve-se promovê-lo.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm acesso em 25 de setembro de 2020.

MESSITTE, Peter. Assistência judiciária"' no Brasil: uma pequena história. Disponível em: https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/707/663 Acesso em 25 de setembro de 2020.

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OLIVEIRA, Rafael Rodrigues. A deficiência da defensoria pública brasileira na efetivação do acesso a justiça. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1252 acesso em 25 de setembro de 2020.

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PRADO, Rodrigo Murad do. FERREIRA, Luciana de Figueiredo. O papel da Defensoria Pública no processo penal brasileiro. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/91426/o-papel-da-defensoria-publica-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 25 de outubro de 2020.

Sobre a autora
Stefany Carvalho Ferreira

Graduanda em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus IV, Jacobina-BA. Estagiária da Defensoria Pública do Estado da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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