Em quanto tempo um processo administrativo ambiental prescreve?

28/04/2022 às 18:50
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Prescrição do processo administrativo ambiental instaurado para apuração de infração ambiental quando ficar paralisado por 3 anos

Imagem: IBAMA. Artigo original em https://advambiental.com.br/prescrição-intercorrente-no-processo-administrativo-ambiental/

 

A prescrição é instituto que se vincula aos princípios basilares da atividade jurisdicional em sua função de estabilização de expectativas e garantia da segurança jurídica.

Por esta razão, a prescrição intercorrente encontra-se regulada por normas infraconstitucionais, mas seu suporte decorre do texto constitucional, e guarda relação, ainda, com o princípio da razoável duração do processo, conforme instituído pela EC 45/04, que implantou o inciso LXXVIII do art. 5º. da Carta Magna.

O fenômeno da prescrição em procedimentos administrativos federais é regulado pela Lei Federal n. 9.873/99, subsidiariamente aplicável a procedimentos administrativos em geral.

A teor do artigo 1º, § 1º, da Lei Federal n. 9.873/99, será considerado prescrito o procedimento administrativo no qual se constatar inércia da Administração Pública superior a três anos. Literalmente:

Art. 1º [...]. § 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

Reconhecido em meio à doutrina sob a denominação de prescrição intercorrente, o instituto previsto no artigo 1º, § 1º, da Lei Federal nº 9.873/99 implica na perda do poder sancionador por omissão prolongada imputável ao órgão competente.

Doutrina sobre prescrição intercorrente
Nas palavras de MARÇAL JUSTEN FILHO:

Uma figura anômala, mas que merece crescente atenção é a preclusão intercorrente (conhecida vulgarmente como prescrição intercorrente). Envolve as hipóteses de obrigatoriedade de exaurimento de um processo administrativo prévio.

Tal como exposto acima, nas hipóteses de obrigatoriedade de prévio processo administrativo, admite-se a decadência antes do seu início e depois de seu encerramento.

Tem-se defendido a aplicação do instituto da preclusão intercorrente quando a Administração Pública omitir as providências necessárias para a conclusão do processo. Preconiza-se que a paralisação do processo administrativo ou a demora imputável à Administração Pública pode acarretar a perda do direito ou do poder cujo exercício depende da conclusão do referido processo.

Em síntese, a Administração Pública dispõe de certo prazo para instaurar o processo, sob pena de perda do direito ou poder no caso concreto. Se a Administração instaura o processo dentro do prazo, mas deixa e lhe dar seguimento, a situação deve merecer tratamento jurídico equivalente ao aplicável à ausência de instauração do processo. [1]

Prescrição intercorrente regulada pelo Decreto n. 6.514/08
A prescrição intercorrente também é regulada pelo Decreto Federal n. 6.514/2008, que dispõe acerca das sanções administrativas em matéria ambiental:

Art. 21. § 2º. Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.

O prazo em que se considera consumada a prescrição em procedimentos administrativos ambientais é o mesmo previsto na Lei Federal n. 9.873/99, ou seja, após o decurso de 3 (três) anos sem decisão ou despacho acerca da autuação imposta.

Prescrição intercorrente no processo administrativo ambiental estadual e municipal
Vale destacar, que a prescrição intercorrente não se confunde com prescrição da pretensão punitiva, porquanto esta é a prescrição da ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.

Já a prescrição intercorrente é aquela que incide após a lavratura do auto de infração ambiental, durante e tão somente no procedimento administrativo que ficar paralisado por mais de 3 (três) anos, sem receber qualquer manifestação.

E já falamos aqui no SITE, que não é qualquer despacho que interrompe a prescrição intercorrente, mas sim, os atos e decisões de apuração de infração, de instrução do processo e os atos de comunicação ao infrator, isto é, despachos de mero encaminhamento ou de certificação do estado do processo administrativo não obstam o curso do prazo prescricional.

Ausência de legislação
Pois bem. É comum em leis estaduais que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da administração pública estadual, a ausência de previsão legal de prazo para ocorrência da prescrição do processo paralisado injustificadamente, como o faz a Lei Federal nº 9.873/1999.

Ocorre que não se pode admitir, contudo, que a omissão administrativa do Estado lhe beneficie e torne imprescritível sua ação punitiva, afrontando a segurança jurídica, sobretudo, quando a norma infracional base da autuação for o Decreto 6.514/08.

Com efeito, a Constituição Federal prevê, em seu art. 5º, inciso LXXVIII, que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Conforme lição de Romeu Thomé:

O instituto da prescrição intercorrente opera efeitos em benefício dos próprios administrados. Prescrição significa a perda da ação atribuída a um direito em consequência de seu não exercício no prazo legal.

A prescrição limita a ação punitiva do Estado, em prestígio ao clássico princípio da segurança jurídica. O não exercício de uma pretensão acarreta perda do direito de exercê-la. Pela prescrição, mantendo-se inerte, ao Poder Público é subtraído o seu poder de aplicar sanções ambientais. [2]

Qual legislação se aplica à prescrição intercorrente?
A prescrição intercorrente no procedimento administrativo federal está prevista no Decreto 6.514.08 e na Lei 9.873/1999, porém, tem se entendido que tais normas não se aplicam às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal.

Contudo, não se pode desconsiderar o prazo prescricional intercorrente previsto no Decreto 6.514/08, quando este próprio é utilizado para fundamentar a lavratura do auto de infração ambiental.

Ainda que haja norma que discipline o trâmite do processo administrativo estadual ou municipal, porém, as infrações administrativas previstas no Decreto 6.514/08 são as que constarem no auto de infração ambiental, então evidente sua aplicação durante todo procedimento no aquele for omisso.

A aplicação da referida norma aos procedimentos administrativos paralisados injustificadamente se dá, por isonomia às demais relações entre Administração Pública e Administrado quando não houver prazo prescricional ou decadencial específico.

Nada impede, portanto, que se reconheça a prescrição em processos administrativos que permaneçam inertes por longo período de tempo com base no Princípio da Duração Razoável do Processo previsto no art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal.

Isso porque, a ausência de norma estadual regulando o tema não autoriza a violação de direitos constitucionalmente garantidos.

Jurisprudência sobre prescrição intercorrente no STJ
O Superior Tribunal de Justiça STJ reconhece a aplicação do instituto da prescrição intercorrente aos procedimentos administrativos ambientais federais, sobretudo em homenagem à garantia constitucional da razoabilidade na duração do processo:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ANULATÓRIA DE MULTA AMBIENTAL E EMBARGO. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AGRAVO REGIMENTAL DO IBAMA DESPROVIDO.

A Lei 9.873/99, que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta, prevê em seu art. 1º., § 1º., que incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso, ou seja, prevê hipótese da denominada prescrição intercorrente.

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Cumpre ressaltar que, in casu, o próprio IBAMA reconheceu a ocorrência da prescrição intercorrente, consoante parecer técnico recursal e parecer da equipe técnica do IBAMA em Brasília.

A prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública regula-se diretamente pelas prescrições das regras positivas, mas também lhe é aplicável o critério da razoabilidade da duração do processo, conforme instituído pela EC 45/04, que implantou o inciso LXXVIII do art. 5º. da Carta Magna.

Agravo Regimental do IBAMA a que se nega provimento. (STJ, AgRg no AREsp 613.122/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes MAuto de Infração Ambiental Filho, Primeira Turma, julgado em 10/11/2015, DJe 23/11/2015).

Prescrição intercorrente em âmbito estadual e municipal
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PROCON. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.873/99 ÀS AÇÕES ADMINISTRATIVAS PUNITIVAS PROPOSTAS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/32. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Na origem, trata-se de Ação Anulatória, ajuizada pela parte recorrida em face do Estado do Paraná, objetivando a declaração de nulidade da multa imposta pelo PROCON/PR, aplicada em decorrência de reclamação de consumidores que teriam sido cobrados indevidamente pela autora. A sentença julgou improcedente o pedido.

O acórdão do Tribunal de origem deu provimento à Apelação da parte recorrida, para reconhecer a incidência da prescrição administrativa intercorrente, em face da aplicação analógica do disposto no art. 1º do Decreto 20.910/32.

Na forma da jurisprudência desta Corte, firmada no julgamento do Recurso Especial 1.115.078/RS, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a Lei 9.873/99 - cujo art. 1º, § 1º, prevê a prescrição intercorrente - não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, pois o âmbito espacial da aludida Lei limita-se ao plano federal, nos termos de seu art. 1º.

No ponto, cabe ressaltar que o referido entendimento não se restringe aos procedimentos de apuração de infrações ambientais, na forma da pacífica jurisprudência do STJ. O art. 1º do Decreto 20.9010/32 regula a prescrição quinquenal, sem nada dispor sobre a prescrição intercorrente.

Nesse contexto, diante da impossibilidade de conferir interpretação extensiva ou analógica às regras atinentes à prescrição e da estrita aplicabilidade da Lei 9.873/99 ao âmbito federal, descabida é a fluência da prescrição intercorrente no processo administrativo estadual de origem, em face da ausência de norma autorizadora.

Consoante a pacífica jurisprudência do STJ, "o art. 1º do Decreto 20.910/1932 apenas regula a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescrição intercorrente, apenas prevista na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal" (STJ, REsp 1.811.053/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/09/2019).

(STJ - REsp: 1897072 PR 2020/0247317-3, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 01/12/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/12/2020)

Conclusão
Vimos, portanto, que a incidência da prescrição intercorrente em processos administrativos decorrentes de infração ambiental em âmbito federal obedece os prazos previstos no Decreto 6.514/08 e Lei n. 9.873/99.

Já em âmbito estadual e municipal, o STJ considera inaplicável o prazo prescricional previsto na Lei n 9.873/99 e no Decreto n. 6.514/08, por entender que tais normas regulam especificamente o processo administrativo na órbita federal.

Todavia, não podemos concordar com esse entendimento, quando o auto de infração ambiental é lavrado em âmbito estadual ou municipal por infringência às infrações administrativas previstas no Decreto 6.514/08.

Justamente por isso, temos trabalhado incansavelmente na mudança desse entendimento, para que se considere, para fins de prescrição intercorrente quando o processo administrativo ficar paralisado por 3 (três) anos ou mais, o prazo previsto no artigo 1º, § 1º, da Lei Federal n. 9.873/99 e artigo 21, § 2º, do Decreto Federal n. 6.514/2008.

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1387.

[2] SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de Direito Ambiental. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 625/626.


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Sobre o autor
Cláudio Farenzena

Escritório de Advocacia especializado e com atuação exclusiva em Direito Ambiental, nas esferas administrativa, cível e penal. Telefone e Whatsapp Business +55 (48) 3211-8488. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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