A resolução consensual de conflitos é mandamento que pode ser extraído diretamente dos princípios constitucionais que indicam a necessidade de consagração de instrumentos, métodos e técnicas de gestão dos poderes públicos que materializem a tutela adequada, inclusive para solução de conflitos de interesses em sede disciplinar.
Não se pode olvidar que, há anos, mecanismos de despenalização e solução consensual de conflitos são utilizados na seara criminal, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processual, previstos na Lei 9.099/95 para crimes de menor e médio potencial ofensivo. Recentemente, com a aprovação do pacote anticrime, Lei 13.964/2019, houve significativa ampliação dos instrumentos negociais nos processos punitivos criminal e por improbidade administrativa com a regulação legal do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) e Acordo de Não Persecução Cível (ANPC) , respectivamente.
Recorde-se que o ANPP foi inicialmente implementado mediante Resolução CNMP 181/2017, o que corrobora que os instrumentos de resolução negocial de conflitos prescindem de instituição legal para a sua aplicação, embora seja recomendável, a sua regulamentação, a nível administrativo.
No âmbito da Administração Pública Federal, inicialmente, foi prevista, mediante Instrução Normativa CGU 04/2009, a possibilidade de ressarcimento do dano como forma de extinção da punibilidade disciplinar no bojo de Termo Circunstanciado Administrativo para casos de extravio ou dano de pequena monta culposos.
Posteriormente, foi introduzido o Termo de Ajustamente de Conduta (TAC) para por fim a processos disciplinares em toda Administração Pública Federal, conforme Instruções Normativas CGU 02/2017 e 04/2020. O âmbito de aplicação do TAC federal está circunscrito a infrações apenáveis por advertências e suspensão de até trinta dias, nos termos do artigo 129 da Lei nº 8.112/90. Por sua vez, o Ministério Público do Trabalho tratou de forma inicial a solução de conflitos disciplinares pela instituição de Termo de Adequação de Conduta Funcional, mediante Resolução CSMPT, 169, de 8 de agosto de 2019
No entanto, seguindo tendência de concretizar os princípios da eficiência e economicidade da administração pública e com vistas a otimizar recursos humanos, diminuir o dispêndio de recursos públicos e conferir celeridade à resposta estatal no âmbito disciplinar, é crescente a formalização de Acordos de Não Persecução Disciplinar (ANPD) no âmbito das administrações públicas tais como Ministério Público e Seccionais da OAB.
A primeira normatização de ANPD que se tem notícia foi levada a efeito pela Seccional da OAB/RN que, em sessão plenária de 03 de dezembro de 2020, fez incluir os artigos 123-A a 123-C em seu regimento interno, prevendo as hipóteses de cabimento de Acordo de Não Persecução Disciplinar no julgamento de infrações éticas. Nesta mesma linha, foram incluídos os art. 77-A a 77-C no regimento interno da Seccional da OAB/PB dos art. 77-A a 77-C. Gize-se, por oportuno, que no X Encontro de Corregedores Seccionais e XIV Encontro de Presidentes de TED, em 16 de março de 2022, foi aprovada proposta de encaminhamento de normatização de ANPD pelo Conselho Federal da OAB.
O Ministério Público do Maranhão regulamentou o ANPD em caso de infrações disciplinares puníveis com de sanções de advertência ou censura, mediante Ato Regulamentar 43/2021, de 29 de setembro de 2021, substituído pelo Ato Regulamentar 01/2021, de 13 de outubro de 2021. Na mesma toada, o Ministério Público do Rio Grande do Sul instituiu o ANPD para membros e servidores a partir do Provimento 51/2021 PGJ, 25 de outubro de 2021 e Provimento 07/2022-PGJ, 02 de março de 2022.
O Ministério Público do Amapá, mediante Resolução nº 001/2022-CPJ, 16 de fevereiro de 2022, regulou o ANPD para servidores do órgão. O Ministério Público do Rio de Janeiro, em igual senda, instituiu o ANPD para seus membros, mediante Portaria CGMP 32, de 25 de fevereiro de 2021. O Ministério Público de Roraima instituiu para seus membros o ANPD através da Portaria, CGMP 42, de 23 de setembro de 2021.
Com fundamento na autonomia administrativa, portanto, resta patente a faculdade dos órgãos da administração pública direta ou indireta, empresas públicas e sociedades de economia mista nos âmbitos federal, estadual ou municiapal, instituir e formalizar acordos de não persecução disciplinar no bojo de sindicâncias e processos admnistrativos disciplinares instaurados para apurar infrações disciplinares cometidos por servidores e empregados públicos de seus quadros.
Haja vista a novidade do instituto, uma questão prática que se coloca versa sobre a possibilidade de um órgão correicional formalizar acordo de não persecução penal, mesmo ausente regulamentação formal pela instituição. Em outras palavras, poderia um servidor de secretaria de saúde de um Estado, requerer à comissão processante a formalização de ANPD, mesmo ausente a sua regulamentação para os servidores do poder executivo estadual?
A princípio, a resposta tenderia a ser negativa, já que deve haver balizas e contornos mínimos para a sua formalização, prevendo as hipóteses de cabimento, vedações, condicionantes, competência para homologação e fiscalização. No entanto, na atual quadra legiferante em que diversos órgãos de entes federativos já discplinaram o ANPD, afigura-se ilegítimo negar a formalização de ANPD para determinadas categorias profissionais somente pela inércia do respectivo órgão em regulá-lo internamente.
Imaginemos a seguinte situação hipotética. No Estado T, embora o Ministério Público tenha instituído em regulamento as regras de cabimento e formalização do ANPD para seus servidores, o respectivo poder executivo estadual tenha ficado tenha ficado inerte sem promover a respectiva regulamentação. Entendemos que o servidor público, por exemplo, vinculado à Secretaria de Saúde daquele Estado pode se valer do ANPD, aplicando-se, por analogia, no que couber, as regras que regulam o instituto para servidores no âmbito do Ministério Público daquele mesmo Estado T.
Digamos, ainda, que o Ministério Público do Estado Y tenha regulamentando o ANPD para seus membros, enquanto o Ministério Público do Estado Z não tenha promovido a respectiva regulamentação. Neste caso, observadas eventuais peculiariedades de cada estatuto funcional, temos que seja perfeitamente aplicável utilizar as regras do ANPD do Ministério Público do Estado Y para que o Ministério Público do Estado Z formalize Acordo de Não Persecução Penal para os promotores de justiça de seus quadros.
Cai a lanço observar que não se pretende automaticamente transportar in totum as regras sobre o ANPD de um órgão ou de um ente federativo para outro, devendo-se, em cada caso, atentar-se para a similitude dos respectivos regimes jurídicos e estatutos funcionais. Com efeito, não se pretende, pois, aplicar as regras que regulamentam o ANPD dos membros do Ministério Público de um ente federativo para serem aplicadas a empregados de sociedade de economia mista de outro Estado face à discrepância absoluta de seus regimes funcionais.
A perspectiva que se tem, todavia, é que a problemática posta seja passageira porque, em breve, praticamente todos os Estados, principais Municípios e demais instituições país afora disciplinarão, administrativamente ou por lei, o Acordo de Não Persecução Disciplinar, conferindo-lhe homogeneização de tratamento.
Portanto, o Acordo de Não Persecução Disciplinar é uma realidade cada vez mais presente em toda Administração Pública brasileira, cuja implementação pode ocorrer mediante ato interno de cada entidade, a qual, inclusive, pode se valer por analogia, de regras de outros órgãos, naquilo que couber, para servidores de seus quadros.