JORNALISMO SENSACIONALISTA E OS CRIMES CONTRA A VIDA – Caso Henry Borel uma morte anunciada.

02/05/2022 às 20:15
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Dobjenski, Sandra M.[1]

O presente estudo visa fazer uma conexão a cerca da obra de Paolla Serra Caso Henry Borel Morte Anunciada e os verdadeiros preceitos legais acerca do ocorrido em 8 de março de 2021. Nesse sentido, buscar-se-á apresentar as formas com que o sensacionalismo é utilizado em coberturas de crimes dolosos contra a vida; especialmente aqueles que envolvem crianças. Serão aqui abordadas questões referentes à liberdade de expressão, bem como a função social e o papel da imprensa e a correlação com os limites jurídicos, de forma que determinadas informações são maléficas a investigação do caso concreto, quando os meios de comunicação passam a emitir um juízo de valor, violando o princípio da presunção de inocência do (s) acusado (s). Busca-se apresentar o (s) acusados (s), pois ele (s) antes de serem condenados pela sociedade, estes devem ser julgados pelos órgãos competentes, obedecendo a preceitos legais, visto que a própria lei determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença. Esse apelo sensacionalista será correlacionado a parcialidade dos juízes leigos, que chegam ao plenário cheio de informações, opiniões e apelos. A influência causada aos juízes é notória, quando se trata de sentenciar um crime que chocou o país e pelo qual a sociedade clama por justiça a qualquer custo. Para tanto, quando há crimes de grande repercussão, estes se tornam verdadeiros reality show da vida real, devido o acompanhamento ostensivo da mídia. Os meios de comunicação fazem um sensacionalismo tão grande diante do fato, gerando um clamor social, fazendo um julgamento prévio e interferindo no andamento do processo, influenciando tanto no convencimento dos tribunos e dos jurados leigos, pois os meios de comunicação têm o poder de manipular as informações e fazer sensacionalismo do crime.

Palavras Chave: Sensacionalismo, mídia, Henry Borel.

Nos dias atuais do tão carente século XXI é notório que acontecimentos da vida moderna tenham uma cobertura em algum telejornal sobre crimes dolosos, levando informações sobre o que está acontecendo no país e no mundo. A televisão, a internet, os telejornais, o rádio e até as obras literárias estão tão presentes na vida das pessoas que é comum, ao conversar com alguém, lembrar-se de algum momento citando o que estava na programação ou de alguma notícia que foi lida.

Os meios de comunicação fazem parte da vida do brasileiro, tanto quanto uma história de ficção, como um enredo novelístico; eles não são apenas agentes de informação, transformam essas em notícias em busca de IBOPE. Esses meios são agentes influenciadores e moldadores da vida das pessoas. Todos os dias são mostradas histórias de pessoas, crimes, tragédias, milagres e, todas causam comoção, empatia, lágrimas, sorrisos no público, que se envolve e se importam pelos desconhecidos como se fossem de sua própria família.

DOBJENSKI (2019, p.10) enaltece que o sensacionalismo midiático tem papel fundamental sobre uma decisão jurídica, no que tange a casos polêmicos, de repercussão social que exasperam a força pública em proclamar o réu, acusado, como condenado sem ao menos ter ocorrido o julgamento e a posteriore o trânsito em julgado do fato.[2]

Mediante esse aspecto, o estudo tem como foco a relação dos meios de comunicação com o sensacionalismo, a espetacularização na cobertura de crimes dolosos contra a vida, ou seja, aqueles crimes de gravidade sensível e que afetam de sobremaneira a sociedade, atingindo-a em seu bem mais valioso, a vida.

O crime doloso está previsto no artigo 18, inciso I do Código Penal (CP), que subscreve que quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo se tem um crime doloso[3]. Assim considera-se como dolosa a conduta criminosa na qual o agente quis ou assumiu o resultado.

Mortes são exibidas em programas investigativos, no horário nobre de grandes redes televisivas de maneira a causar comoção nacional, o interesse do jornalismo investigativo nasce na busca por compreender e desvendar as circunstâncias em que esses crimes acontecem.

Assim Paolla Serra em sua obra Caso Henry Morte anunciada, busca incansável pelos fatos, faz renascer as notícias a cerca da investigação do menino Henry Borel de 04 anos que tinha tudo para ser arquivada por falta de provas. Mas o poder e o prestígio de Jairinho esbarraram em médicos comprometidos com a vida, em policiais focados em descobrir a verdade, em uma justiça que presa a lei.

Foi Paolla quem publicou a primeira reportagem na imprensa sobre o caso. A jornalista acompanhou cada passo da investigação, fez mais de 200 reportagens nos jornais O Globo e Extra e agora, em sua obra, apresenta com incrível riqueza de detalhes os bastidores do crime que chocou o país, uma trama que mistura romances, vaidade, conflitos, dinheiro, poder e, infelizmente, violência.

Para escrever a história, a autora mergulhou em centenas de documentos, vasculhou redes sociais e teve acesso aos mais de 20 mil arquivos de texto, áudios e vídeos recuperados nos celulares de Jairinho e Monique, graças ao software israelense Cellebrite Premium.

A autora, que também é advogada, ouviu mais de uma centena de pessoas, como parentes dos principais envolvidos, médicos, advogados, peritos, legistas e investigadores à frente do caso.

Entre as entrevistas, está uma feita em julho com Monique, dentro do presídio, a única que a mãe de Henry deu desde que foi presa, em 08 de abril de 2021, a autora em sua narrativa procurou jogar luz na história, com máxima atenção aos detalhes e aos relatos que colheu, sempre checando e rechecando as informações, segundo ela sua preocupação era não realizar pré-julgamentos, nem ter uma visão parcial, como reza a cartilha do jornalismo investigativo.

Cabe ressaltar que os meios de comunicação de massa frente ao discurso da sociedade do espetáculo e o enfrentamento com os princípios fundamentais do direito faz com que informações sejam deturpadas e conduzidas de maneira diferente do que a lei estipula.

O direito trabalha com o enfrentamento da justiça e da injustiça, já o jornalismo muitas vezes é apelativo e busca IBOPE.

Para DOBJENSKI (2019, p.19) na atual sociedade globalizada a velocidade das informações é avassaladora, as notícias se espalham pelas redes sociais, causando comoção da opinião pública, principalmente em casos polêmicos, que envolvam crimes contra a vida.[4]

Portanto para o direito enquanto ciência da justiça em havendo a injustiça, faz-se a mea culpa jurídica, ou seja, o ato de pedir perdão, de reconhecer a própria culpa, que tem o efeito de enfraquecer ou atenuar o direito de castigar (Jus Puniendi) que o Estado exerce em nome da sociedade tendo sido resguardados todos os direitos fundamentais do acusado e determina-se absolvição do mesmo, devolvendo a ele o status quo ante.

Cabe fundamentar que o Jus Puniendi deve ser compreendido como o direito de punir do Estado, revelando-se no Direito Penal Subjetivo, que se compõe de três elementos: a) poder de ameaçar com pena; b) direito de aplicar a pena; c) direito de executar a pena. Já status quo ante é uma expressão que surgiu por volta de 1700 como uma forma reduzida da frase in statu quo res erant ante bellum, que pode ser traduzida como no estado em que as coisas estavam antes da guerra. Posteriormente, a expressão é usada simplesmente para se referir ao estado atual das coisas.

Os direitos fundamentais prevalecem numa colisão frente aos de liberdade de imprensa, embora nenhum direito seja absoluto na colisão dos direitos constitucionais, os direitos fundamentais prevalecem, visto serem inatos, independente da condição de que os detém. Além disso, a mídia cria e agencia os seus produtos e discursos gerando debates de natureza pública em troca de audiência, resvalando no excesso, no sensacionalismo e na espetacularização.

O livro de Paolla Serra narra todos os detalhes da vida de Monique, Jairinho, Henry, a noite da morte do garoto, as investigações num verdadeiro roteiro novelístico do crime que chocou e ainda choca o país.

Dessa forma, DOBJENSKI (2019, p.11)[5] enfatiza que nas últimas décadas muitos crimes ganharam atenção midiática no Brasil, causando especulação e sendo utilizados como mecanismos para ampliar a audiência de programas televisivos, que abrem longos espaços para debates.

É notório que em pleno século XXI essa ascensão de massa de uma indústria consolidada, forma um sistema poderoso com o intuito de gerar lucros e visibilidade.

Assim a obra de Paolla Serra chegou às bancas ainda no início de dezembro de 2021, sendo que dia 14 do mesmo mês a Justiça deu início a continuidade da audiência para ouvir as testemunhas do processo sobre a morte do menino Henry Borel.

A oitiva, ou seja, a audição de uma testemunha ou daqueles que se encontram envolvidos no processo que está sendo julgado, havia sido iniciada, pela juíza Elizabeth Machado Louro, da 2ª Vara Criminal da Capital, em 6 de outubro com o depoimento de dez testemunhas de acusação durante mais de 14 horas de audiência.

É fato que o caso Henry Borel fora escolhido por ter causado grande interesse popular, visto uma criança ter sido brutalmente morta por seus responsáveis legais e seus companheiros, tal qual foi com a menina Isabela Nardonni. Por isso, o interesse do jornalismo sensacionalista nasceu na busca por compreender e desvendar as circunstâncias em que esse gênero acontece.

Diante dessa afirmativa, DOBJENSKI (2019, p.11)[6] enaltece que nas últimas décadas muitos crimes ganharam atenção midiática no Brasil, causando especulação e sendo utilizados como mecanismos para ampliar a audiência de programas televisivos, que procuram abrir longos espaços de debates entre acusação e defesa de forma especulativa e sensacionalista.

A autora Paolla Serra abordou o caso pela primeira vez, dias após a morte do garoto, trazendo para o enfoque diário do cidadão brasileiro a discussão a cerca da justiça a qualquer preço e instigando a construção de um juízo de valor e um debate sobre a notícia do momento. Nos últimos oito meses ela se dedicou ao caso e ao livro que relata os bastidores de mais um homicídio infantil que chocou o país. Nele, a autora conta informações exclusivas e inéditas que levaram à prisão do casal. Levando o público a conhecer o perfil de um dos protagonistas dessa trama. De forma a fazer com que as notícias influenciem direta ou indiretamente na sociedade, pois a cada dia exploram as misérias do cotidiano como forma de obter audiência, e repassam as informações muitas vezes de forma equivocada, na verdade a mídia promove a verdadeira banalização do crime.

Dessa forma o sensacionalismo vem com o intuito de caracterizar aquilo que causa grande emoção, algum acontecimento fora de série; maravilhoso, espetacular; extraordinário, surpreendente. O sensacionalismo, porém, apesar de possuir a mesma etimologia, implica o contrário: uso e efeito de assuntos sensacionais, capazes de causar impacto, de chocar a opinião pública, sem que haja qualquer preocupação com a veracidade.

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Dessa maneira Baudrillard enaltece que:

..há muito tempo que a informação ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no hiperespaço de nem verdadeiro nem falso, pois aí tudo repousa sobre a credibilidade instantânea. Ou, antes, a informação é mais verdadeira que o verdadeiro por ser verdadeira em tempo real por isso é fundamentalmente incerta BAUDRILLARD (1997, p. 59)[7].

Paolla Serra sustenta em matéria para O Sul de 2022 que a busca incessante pela verdade a fez mergulhar fundo nessa história.

Entretanto, cabe salientar que tais exposições geram uma influência negativa, determinando e formando indiretamente, as decisões proferidas por populares integrantes do Conselho de Sentença, de maneira a violar, os princípios e normas penais e os direitos fundamentais do cidadão, tal como enfatiza DOBJENSKI (2019, p.12)[8].

O excesso de informações, se tornou uma característica marcante da sociedade da Internet. A busca por notícias assumiu a velocidade do tempo real. E o mundo contemporâneo, exige informação. A notícia e o acontecimento se tornam elemento de sociabilidade.

A autora transcreve a mensagem de Monique para explanar que Henry apresentava um medo excessivo de tudo, gerando prejuízos importantes nas relações sociais, influenciando no rendimento escolar e na dinâmica familiar. Salientando que o medo era tanto que deseja que sua mãe Monique fosse para o céu, para que ele pudesse morar com os avós, em Bangu. Relata ainda que quando via Jairinho, ele chegava a vomitar e tremer. Não tinha apetite, estando sempre prostrado, olhando para baixo. Chorava o dia todo. Tal transcrição veio à tona na obra literária sem que constasse do processo.

O conjunto de verdades escondidas é a cada dia transmitido e reproduzido na sociedade a partir da mídia, seja ela escrita ou falada. A globalização transformou a fase atual do capitalismo em um momento em que a informação tem muito valor.

É notório que os diversos meios midiáticos possuem papel relevante na sociedade, difundindo as informações e notícias, sendo considerado o meio democrático de expressão. Mas será que contextualizam a legalidade, a imparcialidade, quando fazem tais retratos da vida?

Narrar uma história que causa comoção é sem dúvida dar cores reais à curiosidade da população leiga que não compreende o juridiquês de difícil interpretação e compreensão.

DOBJENSKI (2019, p.12)[9] faz menção a Constituição da República Federativa do Brasil (CR/88) a qual defende expressamente a liberdade de expressão, desde que pautando os embasamentos jurídicos, para disseminar conteúdos de cunhos processuais.

Diante de tais apontamentos se discute a participação do público leitor nos julgamentos dos crimes dolosos, sem que se corra o risco de se ter sentenças restritas a meros discursos de motivação mercadológica.

Dessa forma são claros os fatores relevantes a demonstração dos aspectos negativos que a mídia traz ao Direito penal e processual penal, com constante divulgação de notícias, análises, enredos e informações simplistas sobre casos reais, visto que tais institutos possuem o poder de formar opiniões e pré-conceitos na sociedade, fato este que pode ocasionar prejuízos para o Tribunal do Júri, que se constitui no instrumento legal de julgamento de casos de crimes dolosos contra a vida, possuindo pessoas leigas em seu corpo constituinte em relação a leis e procedimentos penais.

Assim a obra jornalística de Serra, primeira a divulgar o assassinato do menino Henry, conta a história do crime com detalhes e traz o histórico dos acusados. O livro de 240 páginas reúne as reviravoltas do caso, contando desde quando o casal se conheceu até os dias encarcerados, traz detalhes da vida familiar e características pessoais, como as semelhanças da origem no bairro de Bangu, a vaidade extrema e o gosto por roupas de grife e restaurantes finos.

Foram oito meses de apuração, com a análise de 1,5 mil páginas de documentos, 50 mil arquivos digitais e 200 entrevistas.

A obra veio com o intuito de relatar a madrugada do dia 8 de março de 2021, quando o casal entrou com a criança no Hospital Barra Dor, e conta em detalhes o que aconteceu durante quase duas horas de tentativas frustradas de reanimação. Henry já havia chegado morto e a equipe médica que atendeu o menino desconfiou das lesões encontradas. O corpo foi encaminhado ao IML para descobrir a causa da morte, embora o vereador Jairo Souza Santos Junior, o Dr. Jairinho, então namorado de Monique, a mãe do menino, tenha tentado evitar a investigação.

Diante de tais apontamentos, é inegável a facilidade de acesso aos meios jornalísticos pela massa populacional, sendo inquestionável o poder que a mídia exerce sobre os cidadãos. Entretanto, o que passa despercebido para muitos é como a forma de exercício desse poder é intimamente conectado a interesses econômicos, políticos e ideológicos. Assim, para uma parcela considerável da população as notícias ali veiculadas são tidas enquanto uma verdade absoluta COSTA (2016, p. 47)[10]. Consequentemente, não é incomum de que tais fatos incontestáveis provoquem reações na sociedade em que estão inseridos. Deste modo, a atividade jurisdicional é notoriamente influenciada, tendo em vista que seria este âmbito o responsável pela repreensão dos atos de violência.

A criminologia midiática não se trata de uma novidade da sociedade contemporânea, ela sempre existiu. No entanto, os meios de comunicação pelos quais é disseminada e os sujeitos por ela condenados variaram no decorrer do tempo. Assim, pode-se conceituar a criminologia midiática enquanto a visão que as pessoas comuns têm acerca da questão criminal, construída pelos meios de comunicação associados a uma etimologia criminal e uma causalidade mágica ZAFFARONI (2013, p. 5)[11].

A força que o sensacionalismo midiático tem sob uma decisão jurídica no que tange a casos polêmicos é vista claramente na obra de Paolla, visto que esta buscou trazer uma cobertura como o intuito de tentar entender, muito além da prisão de um vereador democraticamente eleito pelo povo, a suposta participação de uma mãe nas torturas e no homicídio do próprio filho, uma criança saudável de apenas 4 anos.

A preocupação e interesse em trazer o desenrolar da história, conhecer o passo a passo de todos os envolvidos e todas as nuances possíveis, como uma verdadeira novela, resultou no sensacionalismo dentro da narrativa.

Nesse sentido, quando se tem casos criminais, de interesse público, o interesse da população que normalmente já é grande, se torna ainda maior, os homicídios dolosos contra a vida que são conhecidos por suas reviravoltas e grande quantidade de informação, trazendo para o foco o sensacionalismo na cobertura de mortes.

Para DEBORD (2003, p.14)[12] a imagem possui um poder de influência na sociedade do espetáculo. O autor justifica a importância da imagem na sociedade pós-moderna por ser aquela que é manifestada pela representação no lugar da ação: a sociedade, nesse caso, o público, passa a consumir algo que é ilusório, estimulando as pessoas a deixarem de ser o agente da ação para viver a sua representação. Segundo o autor, o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.

Assim, como em outros casos midiáticos, a morte de Henry Borel trouxe inúmeras notícias a respeito da investigação desse crime que horrorizou o Brasil, seja pela mídia televisiva ou escrita.

No último 7 de março de 2021, o vereador Dr. Jairinho e sua esposa Monique Medeiros levaram o menino Henry Borel, então já sem vida, para um hospital do Rio de Janeiro. O padrasto e a mãe da criança alegaram que ele havia sofrido um acidente doméstico

Essa primeira versão dos fatos logo passou a ser questionada, mediante, o laudo policial que demonstrava lesões graves por todo o corpo do menino de quatro anos. 

A causa da morte oficial foi identificada como hemorragia interna e laceração hepática [danos no fígado] causada por uma ação contundente, ou seja, aquelas que podem provocar lesão ou contusão pela pressão exercida numa parte do corpo, batendo ou chocando (ex.: arma contundente; instrumento contundente; pancada contundente). Que é duro e pesado ou é descarregado com força. Assim, a hipótese do acidente foi descartada, e os oficiais passaram a acreditar que Henry havia sido, na verdade, vítima de um assassinato.  

Jairinho e Monique foram submetidos a prisão preventiva, aquela que tem por objetivo de evitar que o acusado cometa novos crimes, prejudique a colheita de provas ou fuja, desde o dia 08 de abril de 2021, quase um mês depois da morte da criança, sendo considerados suspeitos de homicídio duplamente qualificado conforme os parâmetros do Art. 121 do Código Penal (CP) e posteriormente denunciados pelo Ministério Público por homicídio triplamente qualificado, tendo como qualificadoras o motivo torpe,  aquele considerado como imoral, vergonhoso, repudiado moral e socialmente, desprezível. Um exemplo seria matar para receber uma herança, ou matar por ter qualquer tipo de preconceito, entre outros. A impossibilidade de defesa da vítima e o meio cruel, além de tortura contra a criança.

Outra acusação direcionada ao casal, de acordo com o R7, é que eles ameaçaram diversas testemunhas, assim realizando uma obstrução de justiça. As informações do caso também foram repercutidas pelo G1 e UOL.

A pena do casal pode ainda ser aumentada pelo fato de Henry ser menor de 14 anos. A denúncia imputa à Monique o crime de homicídio por omissão, por entender que ela tinha o dever de proteção e vigilância da criança. 

A denunciada Monique Medeiros da Costa e Silva de Almeida consciente e voluntariamente, enquanto mãe da vítima e garantidora legal de Henry Borel Medeiros, se omitiu de sua responsabilidade, concorrendo eficazmente para a consumação do crime de homicídio de seu filho, uma vez que, sendo conhecedora das agressões que o menor de idade sofria do padrasto e estando ainda presente no local e dia dos fatos, nada fez para evitá-las ou afastá-lo do nefasto convívio com o denunciado Jairo, diz trecho da denúncia[13]

Paolla em sua obra enaltece que realizou diversas entrevistas, dentre as quais uma feita em julho de 2021 com Monique, dentro do presídio, a única que a mãe de Henry deu desde que foi presa, em 8 de abril, salientando a autora que procurou jogar luz na história, com máxima atenção aos detalhes e aos relatos que colheu, sempre checando e rechecando as informações. Sua preocupação foi não fazer pré-julgamentos, nem ter uma visão parcial, como reza a cartilha do jornalismo investigativo.

Para BOURDIEU (1997, p.80)[14] os meios de comunicação, sejam quais forem possuem papel astronômico e inegável na construção da opinião pública e na formação de aspectos sociais, e todos aqueles que a consomem estão sujeitos aos seus impactos.

A morte de Henry Borel desde o acontecimento tem sido divulgada em ampla escala pelas grandes redes de televisão, rádios, jornais e análises bibliográficas. Uma infinidade de análise comportamental, sensacionalistas, investigativos e jurídicos tem tomado o caso como objeto de suas pautas. É nas redes sociais e canais como YouTube que se pode acompanhar a cobertura ao vivo e sua repercussão sobre a opinião pública.

Desde o início do caso a mãe aparece como cruel, fútil e não raras vezes é responsabilizada pela morte de Henry. Ou seja, a figura materna como responsável pelo bem-estar da família ganha centralidade em um crime no qual um dos acusados apresenta um histórico de agressão a mulheres e crianças, com uso de tortura. Em declarações recentes, Monique apresenta uma carta com riqueza de detalhes sobre o modus operandi, ou seja, o modo de agir e, no mundo jurídico, a expressão é utilizada para caracterizar a forma peculiar que um criminoso (ou vários) tem de agir, de Jairinho.

Monique aponta situações de ciúmes, perseguição, manipulação, uso de remédios, ameaças, violência física cotidiana, opressão. Neste ponto se vê os perigos da formação de uma opinião pública a partir de imagens da mãe indo ao salão ou bem vestida no dia da morte do filho. Nenhum destes elementos (vaidade, futilidade, frieza) suplanta a prova: Jairinho é um homem extremamente violento, manipulador e acima de tudo, poderoso. Julgar Monique desconhecendo o poder da milícia é um equívoco. Quem o enfrentaria?

Em segundo lugar, a tese de psicopatia individualiza o caso como resultado da ação de pessoas más. Aceitar essa tese é desconhecer a regularidade e intensidade dos maus tratos às crianças e aos adolescentes no Brasil. E desconhecer que a violência doméstica exercida sobre uma criança frequentemente se estende aos outros membros da família. Mesmo que seja mais reconfortante expressar o ódio ao casal, o assassinato de Henry revela que a infância no Brasil é vulnerável. Essa revelação não pode ser combatida com teses sobre psicopatia, pois, para se reduzir danos dessa natureza, é preciso política pública de assistência e proteção social. Não se está se tratando de pessoas com comprometimento de nenhuma faculdade mental, mas sim de práticas sociais conhecidas por toda opinião pública.

Em terceiro lugar, a cobertura do caso Henry e a investigação explicitam a seletividade da ação do Estado quanto ao perfil das vítimas. Neste 23 de abril de 2021, se completa 4 meses sem saber o paradeiro de Fernando Henrique de 11 anos, Alexandre da Silva de 10 anos e Lucas Matheus de oito. Os três meninos brincavam na rua na comunidade de Castelar, em Belford Roxo, quando foram vistos pela última vez. Segundo os familiares as investigações deveriam ter início imediatamente. O que não aconteceu. Este desaparecimento não tem lugar na mídia. O que falta explicitar e qual seria o significado de tornar explícito?

Assim DOBJENSKI (2019, p.42)[15] subscreve que quando se fala em crimes dolosos contra a vida, que tomam o interesse da mídia sensacionalista, a situação se torna grave, pois os meios de comunicação elencados pelo exagero e pelo sensacionalismo da comunicação, muitas vezes acabam por desconsiderar os direitos fundamentais e os princípios constitucionais, tais como o da presunção da inocência, da ampla defasa, do contraditório e do devido processo legal.

Por último, cabe destacar o elemento mais interessante desse caso, a comoção social na expressão do ato bárbaro em relação a uma criança de 4 anos. As acusações a Monique Medeiros também são frequentes. Quando são endereçadas separadamente ao vereador Jairinho, vêm acompanhadas de crítica ao sistema político como corrupto. Raros são os comentários sobre o fato de o vereador ser apontado como miliciano. Jairo Santos, filho de Coronel Jairo, já foi acusado pela tortura de jornalistas do jornal O Dia na favela do Batan. Por que esse é um fato tão importante no caso Henry?

Porque o Rio de Janeiro trava, há muitas décadas, uma guerra às drogas. Uma guerra que tem custado milhares de vidas anualmente de civis e agentes do Estado. Porque a cognição dos moradores do Rio e do Brasil associa todo mal existente na periferia a ação do tráfico. Porque o governador Wilson Witzel se elegeu com esse discurso e deu tiros com um helicóptero, além de comandar ações oficiais desastrosas em favelas, causando a morte de crianças inocentes e sem qualquer efeito prático sobre o mercado de drogas. Quando assumiu o cargo, o governador já sabia que o mapa da cidade e do Estado já não mostrava mais o tráfico como o grande problema da segurança pública.

É terrível pensar que após cometer tantos crimes, foi preciso o homicídio de uma criança para que Jairinho fosse preso. É terrível pensar que, em seu início, a milícia em Rio das Pedras foi saudada pelo prefeito Eduardo Paes. É terrível pensar que moradores na região norte da cidade já defenderam a Liga da Justiça, de qual o coronel Jairo é apontado como liderança. Não se esta falando de um fato isolado, mas de uma prática comum a este grupo. Uma banalização do mal repetida anteriormente e amparada no medo das vítimas. Amparo que possibilitou a Jairinho seguir torturando crianças nos últimos anos.

É fato como sustenta DOBJENSKI (2019, p.43) que o clamor público influenciado por uma mídia sensacionalista de forma indireta obriga o Poder Judiciário a tomar medidas urgentes para punir os delitos cometidos, o que, ao invés de priorizar a redução da criminalidade, acabam acarretando na supressão de garantias e direitos fundamentais. Em contrapartida, ROSA (2017, p.220)[16] defende que o Processo Penal do espetáculo serve para distrair, provocar interesses e emocionar o público.

O sistema penal é sedutor, seduz aqueles que estão atrás da justiça, ou aqueles que apenas estão atrás de ganhar audiência nas reportagens nos crimes de grande repercussão. O crime passa a ser um show de exibição e diversão para aqueles que assistem, o show do horror.

Para ROSA (2017, p.222)[17], a pena e a prisão passam a ser medidas solicitadas, e assim os juízes julgam para o povo, povo este sedentos de justiça e vingança, pois antes mesmo do acusado ser julgado pelo Júri, ele já é considerado culpado, e a presunção de inocência da Constituição Federal, onde ela aparece?

É fato que a sociedade espera do sistema jurisdicional, uma resposta imediata, sem pena ou compaixão, sem o devido processo legal, que é também uma garantia constitucional ao acusado, pois a sociedade precisa entender, que deve separar a razão da emoção, não se deixar influenciar pelas notícias dos crimes midiáticos, com conteúdo de show.

A obra de Paolla trouxe um enfoque sobre as circunstâncias que levaram à morte do menino Henry, descrito como uma criança saudável e amável. Desde o início da cobertura, a autora pode perceber o quão complexa era essa trama, uma trama que envolve relações familiares, dinheiro, poder e, infelizmente, violência e assim resolveu se debruçar para trazer luz a esse enredo e a seus personagens.

Dessa forma DOBJENSKI (2019, p.63) enaltece que quando se fala em crime e mídia não é raro que dois ramos distintos se unam na busca da Justiça. A vingança seduz, fazendo que a mídia corra atrás da sua audiência cause paixões na sociedade leiga e curiosa, pois o crime e o criminoso ainda fascinam. O noticiário delitivo, das páginas vermelhas, de sangue, possui uma substância dramática e cria estereótipos que diferenciam o homem bom do homem mau. VIEIRA (2013, p. 18)[18].

A mídia ao divulgar os crimes se apodera de uma forma da situação que parece mais um produto que vai ser comercializado, do que uma notícia, de verdade sobre aquele ato criminoso.

Começa então o show do crime, a exploração massiva do crime, dos parentes das vítimas e do acusado, para mostrar para a sociedade uma resposta do estado diante do crime.

E diante desse circo todo, quem mais sofre é o acusado que tem sua imagem denegrida, e inclusive sem conhecer a própria lei, a população exige que justiça o acusado fique preso até o dia do julgamento.

Portanto, o que se deve ter em mente é que quem deve julgar é o juiz e os jurados não a mídia e nem o povo, pois ao acusado existem direitos garantidos a ele garantidos, direitos que não podem e não devem ser violados. O julgamento deve ser sempre justo, imparcial, pois o direito é justiça, e não se pode condenar um inocente através de simples retratos investigativos, da busca pela justiça a qualquer custo.

  1. Especialista em Direito penal econômico Centro Universitário UNINTER. Especialista em Direito penal e Criminologia. Pesquisadora do GEMP Grupo Máximo Pavarine. Guerreira do Júri Instituto Dalledone. Criadora e administradora da Sd JurisAdv.

  2. DOBJENSKI, Sandra M. AS Interfaces Juspedagógicas dos crimes midiáticos a luz do Direito Penal Uma análise sob o pondo de vista pedagógico e legal. Faculdade Curitibana. Curitiba. 2019. Disponível em: https://sandradobjenski.jusbrasil.com.br/artigos/811803988/as-interfaces-juspedagogicas-dos-crimes-midiaticos-a-luz-do-direito-penal Acesso em: 24/02/2022,

  3. BRASIL. Código Penal. Decreto lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Barueri, São Paulo. Manole. 2016.

  4. DOBJENSKI, Sandra M. AS Interfaces Juspedagógicas dos crimes midiáticos a luz do Direito Penal Uma análise sob o pondo de vista pedagógico e legal. Faculdade Curitibana. Curitiba. 2019. Disponível em: https://sandradobjenski.jusbrasil.com.br/artigos/811803988/as-interfaces-juspedagogicas-dos-crimes-midiaticos-a-luz-do-direito-penal Acesso em: 24/02/2022.

  5. DOBJENSKI, Sandra M. AS Interfaces Juspedagógicas dos crimes midiáticos a luz do Direito Penal Uma análise sob o pondo de vista pedagógico e legal. Faculdade Curitibana. Curitiba. 2019. Disponível em: https://sandradobjenski.jusbrasil.com.br/artigos/811803988/as-interfaces-juspedagogicas-dos-crimes-midiaticos-a-luz-do-direito-penal Acesso em: 24/02/2022,

  6. DOBJENSKI, Sandra M. AS Interfaces Juspedagógicas dos crimes midiáticos a luz do Direito Penal Uma análise sob o pondo de vista pedagógico e legal. Faculdade Curitibana. Curitiba. 2019. Disponível em: https://sandradobjenski.jusbrasil.com.br/artigos/811803988/as-interfaces-juspedagogicas-dos-crimes-midiaticos-a-luz-do-direito-penal Acesso em: 24/02/2022.

  7. BAUDRILLARD, Jean. Tela Total. Mitoironias da era do virtual e da imagem. Porto Alegre: Sulina, 1997.

  8. DOBJENSKI, Sandra M. AS Interfaces Juspedagógicas dos crimes midiáticos a luz do Direito Penal Uma análise sob o pondo de vista pedagógico e legal. Faculdade Curitibana. Curitiba. 2019. Disponível em: https://sandradobjenski.jusbrasil.com.br/artigos/811803988/as-interfaces-juspedagogicas-dos-crimes-midiaticos-a-luz-do-direito-penal Acesso em: 24/02/2022.

  9. DOBJENSKI, Sandra M. AS Interfaces Juspedagógicas dos crimes midiáticos a luz do Direito Penal Uma análise sob o pondo de vista pedagógico e legal. Faculdade Curitibana. Curitiba. 2019. Disponível em: https://sandradobjenski.jusbrasil.com.br/artigos/811803988/as-interfaces-juspedagogicas-dos-crimes-midiaticos-a-luz-do-direito-penal Acesso em: 24/02/2022.

  10. COSTA, Gabriela Escalante Cavalheiro. Os Desdobramentos a Criminologia midiática na Construção do Inimigo e seus Reflexos no Sistema de Justiça Criminal Brasileiro. 2016. 47 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2016.

  11. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A Questão Criminal. Rio de Janeiro: Revan, 2013.

  12. DEBORD, Guy. A Sociedade de Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.

  13. https://www.mprj.mp.br/documents/20184/540394/denuncia_lei_945597.pdf. Acesso em: 02/05/2022.

  14. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão: Seguido de a influência do jornalismo e os jogos olímpicos. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

  15. DOBJENSKI, Sandra M. AS Interfaces Juspedagógicas dos crimes midiáticos a luz do Direito Penal Uma análise sob o pondo de vista pedagógico e legal. Faculdade Curitibana. Curitiba. 2019. Disponível em: https://sandradobjenski.jusbrasil.com.br/artigos/811803988/as-interfaces-juspedagogicas-dos-crimes-midiaticos-a-luz-do-direito-penal Acesso em: 24/02/2022.

  16. ROSA. Alexandre Morais. Cultura da Punição: a ostentação do horror. 3º edição, ver, ampl. - Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

  17. ROSA. Alexandre Morais. Cultura da Punição: a ostentação do horror. 3º edição, ver, ampl. - Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

  18. VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Editora 77 Revista dos Tribunais, 2013.

Sobre a autora
Sandra Mara Dobjenski

Advogada, pesquisadora Direito Penal e Processual penal e a relação com a mídia nos casos de grande repercussão. Especialista em Direito Penal, Criminologia, Processo Penal e Direito Penal Econômico - UNINTER.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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