Assim sendo, ao longo do trabalho, conseguimos observar com certa acuracia, quais pontos surgiram com a promulgação do estatuto da pessoa com deficiência e que acabaram por reproduzir efeitos opostos ao desejado pelo legislador constituinte e também pelo legislador infra constitucional, quais seriam as melhorias na qualidade representativa da pessoa com deficiência e sua respectiva proteção jurídica especial.
E exatamente nesse ponto, fomos capazes de averiguar algumas incongruências percebidas dentro do corpo normativo de alguns dispositivos referentes ao novo posicionamento da capacidade civil da pessoa com deficiência. Incongruências essas que possuem fundamentos em uma principiologia determinante de fatores.
Ao longo da pesquisa, fomos capazes de identificar o nível de influência aos quais determinam a elaboração do corpo normativo que compõe a estrutura jurídica de um ordenamento, podemos observar claramente que alguns princípios constitucionais foram amplamente celebrados, princípios que envolvem a inclusão de minorias e a correção da deficitária representação das mesmas. A grande maioria dos princípios celebrados na Constituição Federal de 1988, possuem fundamento e amparo na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, um documento que possuía ao tempo da promulgação da nossa constituição, quarenta anos de vigência. É de suma importância ressaltar, que a referida Declaração Universal, foi promulgada em um momento histórico, no qual houve uma intensa comoção para com a proteção das garantias individuais da pessoa, tal comoção sendo originada pelos eventos vivenciados pela humanidade dentro do regime nazista. Os eventos ocorridos durante o regime nazista na Alemanha, serviram para gerar um sentimento de urgente elaboração de uma normativa que servisse de inspiração para as diversas ordens jurídicas mundo afora, o que de fato, ocorreu no Brasil quarenta anos depois. Sendo assim, a nossa constituição se comporta como um documento de caráter difuso da declaração da ONU. Exatamente por esse motivo, nossa carta magna é dotada de um caráter reflexo em termos de princípios, emanando para todo o nosso ordenamento, os mecanismos de representação, inclusão e garantias individuais.
Contudo, a execução dos referidos princípios, seja em qualquer estrutura jurídica, necessita, além de um sopesamento em face de outros princípios constitucionais, necessita de uma calibragem executória, o sopesamento diz respeito aos efeitos de um determinado princípio dentro das esferas de influência de outros princípios, em outras palavras, o sopesamento é o encaixe adequado dentro do quebra - cabeça normativo. Por outro lado, a calibragem executória se refere ao grau, o nível de incidência do referido princípio dentro das normas positivadas, o quão incisivo se faz perceber dentro do escopo de instrumentos jurídicos dentro daquele arranjo social.
O que de fato se percebe com toda essa análise, é que além da presença do princípio, é fundamental a correta aplicabilidade do mesmo, atendendo e se encaixando às modelagens próprias e idiossincrasias a que cada povo e cada tempo demandam.
Dessa forma, ainda que pela forte demanda, causada pela lacuna histórica, por micro sistemas jurídicos que tenham por base a proteção e a representatividade de grupos minoritários, entre eles a pessoa com deficiência, se faz necessária uma ponderação e uma calibragem alinhadas com os anseios e paradigmas do tempo e do espaço ( leia - se sociedade ). No caso do Estatuto da Pessoa com Deficiência, nota - se uma inclinação e ângulo demasiado aguda no âmbito da representação da pessoa com deficiência, porém, olvidando - se de consequências que venham a ser danosas, provocando efeitos colaterais que certamente não estão contemplados na substância da vontade do legislador, tampouco na volição principiológica constitucional.
Podemos observar que no instituto da capacidade civil, houveram aberturas para a exposição de bens jurídicos da pessoa com deficiência, como patrimônio e até mesmo a moral e o bem estar psicológico. Em outras palavras, busca - se promover a pessoa com deficiência ao universo do exercício da capacidade civil, não realizando os devidos ajustes para que essa referida inclusão possa ocorrer sem riscos de danos e lesões à pessoa que possui necessidades especiais.
Um outro ponto que sobressalta a atenção dentro de uma análise detida sobre o tema, é a da quebra de isonomia por parte do legislador no que se refere aos critérios que se deve por base lógica, aplicar como condições sine qua non para a obtenção da capacidade civil em qualquer grau de executoriedade. Chega - se a conclusão, de que o discernimento cognitivo, tem o condão de caracterizar a potencialidade da capacidade civil de uma pessoa, sendo esse o critério mais acurado para que se atribua ou não tal capacidade a algum indivíduo. Dessa forma, vimos que a permanência da pessoa menor de dezesseis anos, é considerada como absolutamente incapaz, determinado pelo não desenvolvimento completo de sua formação psíquica, cognitiva.
Ora, se os menores de dezesseis anos são ainda considerados como absolutamente incapazes por conta de sua incompleta formação cognitiva, os deficientes, ainda que somente os mentais, a depender de seu grau de afetação e debilidade cognitiva, terá, em algumas situações, ainda menos discernimento quando comparados aos menores de dezesseis anos. Restando assim configurada uma inexatidão, ou ao menos uma inadequação dos critérios escolhidos para estabelecer e delimitar a capacidade civil de uma pessoa. Simplesmente não há uma simetria quando aplicado a esse critério, necessitando assim de uma maior reflexão a respeito do ferramental que determinará a investidura, assim como o devido posicionamento de um indivíduo ao rol dos diferentes níveis da capacidade civil.
Concluímos ainda que, para além dos possíveis prejuízos aos quais o novo posicionamento da capacidade civil da pessoa com deficiência poderia gerar, existiria um ponto que poderia tangenciar lesões à própria aplicação do princípio da isonomia, quebrando a sua notória eficácia, a qual seria afetada pela escolha do referido critério utilizado para determinar o devido grau de capacidade de uma pessoa, o qual seria o discernimento. Como bem vimos ao longo do corpo do trabalho, o discernimento é a peça chave para a obtenção da capacidade civil plena. O que implica no raciocínio de que se o legislador determinou a reclassificação da pessoa com deficiência no rol dos relativamente capazes, mantendo os menores de dezesseis anos no rol dos absolutamente incapazes, gerando um claro tratamento diferenciado entre os dois grupos, ou seja, ou o legislador deveria ter disposto no corpo da lei, ressalvas a respeito das heterogêneas limitações especiais a que cada deficiente possui, determinando que para a reclassificação e obtenção da capacidade relativa, fosse realizada um levantamento a respeito das reais condições cognitivas de cada pessoa com necessidade especial, a fim de reconhecer nesse indivíduo o mínimo de entendimento de mundo que o permitisse gozar de um patamar mais abrangente no tocante ao instituto da capacidade civil. Determinando que o mesmo fosse feito aos menores de dezesseis anos. Essa seria a maneira mais isonômica de se buscar uma acurada aplicação da norma, munindo - a de um caráter moderno e voltado para a aplicação pessoal, subjetiva e idiossincrática, valorizando a concretude da situação real a qual o tutelado está vivenciando.
Assim sendo, conclui - se que atualmente se faz notória a lacunosidade no que diz respeito à reflexão materia e substancial dentro do processo de criação de normas, o mais fundamental nesse processo seria compreender de maneira holística, os reais impactos de uma estrutura normativa dentro de um determinado grupo, não apenas o apego ao princípio que abstratamente utilizado, poderá gerar resultados ambivalentes dentro do micro sistema a que se dirige. É portanto, de fundamental importaância, que seja efetivada uma abertura entre as classificações dentro do rol do instituto das capacidades, permitindo uma flutuação para os diversos atores da vida civil entre os diferentes níveis de capacidade, sendo esse um movimento com elevado potencial de acurácia jurídica, tendo em vista a realização, e satisfação da substancial promoção e proteção aos direitos da pessoa com deficiência.
REFERÊNCIAS
BOGAS, João Vitor. Estatuto da Pessoa com Deficiência: o que é e o que representa na luta pela Inclusão. 2017. Disponível em: https://blog.handtalk.me/estatuto-da-pessoa-com-deficiencia/. Acesso em: 09 dez. 2022.
MULHOLLAND, Caitlin. A responsabilidade civil da pessoa com deficiência psíquica e/ou intelectual. 2017. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/02/14/responsabilidade-civil-da-pessoa-com-deficiencia-psiquica-eou-intelectual/. Acesso em: 09 dez. 2022.
GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Tridimensional do direito, teoria. 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/64/edicao-1/tridimensional-do-direito,-teoria. Acesso em: 09 dez. 2022.
KHALEK, Luiza Abdul. Alterações do Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. 2017. Disponível em: https://www.institutoformula.com.br/alteracoes-do-codigo-civil-pelo-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia/. Acesso em: 09 dez. 2022.
CORREIA, Atalá. Estatuto da Pessoa com Deficiência traz inovações e dúvidas. 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-ago-03/direito-civil-atual-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-inovacoes-duvidas. Acesso em: 09 dez. 2022.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
LIMA, Maurício Cerqueira. A incapacidade absoluta, de fato e de direito. Uma revisão de nomenclatura. 2017. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-158/a-incapacidade-absoluta-de-fato-e-de-direito-uma-revisao-de-nomenclatura/. Acesso em: 09 dez. 2022.