RESUMO
O presente artigo tem por escopo discorrer acerca do uso da arbitragem para dirimir litígios no âmbito dos contratos administrativos. Para tanto, investigou-se a adequação desse método alternativo de solução de conflitos frente aos princípios norteadores da administração pública, especificamente os da legalidade, indisponibilidade do interesse público e publicidade, haja vista que são eles o norte da atuação administrativa. Além disso, foi feita breve comparação com a utilização do instituto em outros países, a fim de ser criada compreensão cosmopolita sobre o tema, auxiliando na formação de um parecer sobre as diretrizes que devem ser aplicadas em solo brasileiro acerca do assunto. De todo modo, reputa-se que, embora seja um método mais célere de resolução dos conflitos, não deve ser utilizado de forma irrestrita, pois o ente público não pode portar-se como particular. Assim, é necessário que todos os requisitos-a serem expostos no decorrer do artigo- sejam devidamente cumpridos para a correta utilização da jurisdição arbitral, a fim de que não se prejudique-direta ou indiretamente- os jurisdicionados da administração pública.
PALAVRAS-CHAVE: Administração; arbitragem; princípios constitucionais; jurisdição.
1 INTRODUÇÃO
1.1 O que são métodos adequados de solução de conflitos
Os métodos adequados de solução de conflitos consistem em meios de autocomposição dos litígios. Isso significa que as partes com o auxílio de um árbitro, mediador ou conciliador, vão dar cabo a lide sem interferência do Estado, representado na figura do juiz. O preâmbulo da CF indica ser o Brasil um Estado democrático e comprometido na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Assim, nada mais congruente do que incentivar a busca por meios alternativos de solução de conflitos, apostando na capacidade das partes resolverem suas controvérsias sem a heterocomposição do conflito.
O uso dos MASC 'S tem como objetivo facilitar a consecução do devido processo legal, especificamente naquilo que tange a efetividade do acesso à justiça. Não basta garantir a todos a possibilidade de terem seus problemas apreciados por um juízo, é preciso ainda que essa apreciação tenha o condão de resolver a problemática das partes de forma satisfatória. Por vezes, a heterocomposição não vai ser o caminho mais adequado para esse objetivo, pois o juiz aplica o direito de forma imparcial e, talvez , as partes sozinhas conseguem chegar a uma solução que compraz a todos de forma mais célere, sem que ninguém seja prejudicado, aplicando a lógica ganha-ganha. Seguindo, os MASC 'S podem ainda servir como meio de garantir a duração razoável do processo, outro princípio inserido dentro do contexto de devido processo legal, previsto no art. 5°, inciso LXXVIII da CF. Isso porque, como dito antes, as partes não passarão por todas as fases da cognição para chegar a uma sentença. O conflito se resolve no momento em que as partes chegam ao acordo.
Ainda que o conteúdo seja extenso e seja possível falar sobre como os MASC 'S beneficiam quase todos os princípios que compõem o devido processo legal, é preciso colocar termo à discussão e seguir em frente. Por isso, resta dizer apenas que os recursos (materiais e humanos) a disposição do judiciário são escassos, de modo que precisam ser alocados para o julgamento de causas nas quais não é possível a autocomposição, seja por impedimento legal, seja por que as partes não conseguiram chegar a um acordo quando tentaram a autocomposição. Em todo caso, a busca pela maior aplicação dos meios alternativos de solução de conflitos quer uma resolução de demandas mais ágil, poupando o judiciário, beneficiando as partes e permitindo maior satisfação de todos com a decisão que for acordada.
1.2 Natureza e contexto dos MASCS
Os MASC 'S surgem em contraposição à cultura da sentença. Nesse contexto, vem representando uma tentativa de construir uma cultura de pacificação. Não se trataria de ganhar ou perder, mas sim de resolver a controvérsia de modo a satisfazer ambas as partes.
Eles estão inseridos ainda dentro do contexto do sistema multiportas, que consiste em uma tendência de buscar formas de resolução da lide que possam coexistir. Fala-se em sistema multiportas porque a parte interessada em solucionar o conflito poderá ter acesso a diferentes formas para tanto, sendo o seu advogado o responsável por oferecer e discutir com o cliente a forma mais efetiva de sanar seu caso. Explica-se: o sistema multiportas permite que a parte não fique presa ao judiciário, podendo valer-se, se assim desejar, da autocomposição.
2 A ARBITRAGEM
2.1 Conceito e contornos gerais
A arbitragem é uma das formas de solução alternativa dos conflitos cuja tônica está na procura de um mecanismo mais ágil e adequado para a solução desses litígios.É passível de valer-se da arbitragem toda e qualquer pessoa com capacidade para contratar. É o que determina, ipsis litteris, a redação do artigo 1° da lei de arbitragem, n° 9.307/96:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
A arbitragem conta com uma figura análoga a do juiz: o árbitro.
Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
Por contar com um terceiro interveniente, caracteriza-se como um método alternativo de solução de conflitos heterocompositivos, fugindo a regra geral da autocomposição. Ainda que conte com essa figura responsável por dirimir o conflito, a arbitragem não possui um rito rígido, como ocorre no judiciário. As partes têm ampla liberdade para decidirem as regras de desenvolvimento e julgamento do processo, determinando inclusive se desejam que o parecer do árbitro tenha como base o direito, ou seja, mediante aplicação da lei ou a equidade, valendo-se do saber e entendimento do árbitro-juiz. A única ressalva é que sejam respeitados os princípios do devido processo legal, como o contraditório, ampla defesa, imparcialidade, livre convencimento do julgador, etc. É o que se depreende da redação do artigo 2° da referida lei:
Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.
Parte-se do pressuposto de que o leitor já possui conhecimento, ainda que básico, sobre o que é a arbitragem. Desse modo, escusa-se a autora de tecer comentários extensos a todos os artigos da lei de arbitragem, ou mesmo sobre cada sub-tópico referente ao tema analisado por hora, que serão apresentados abaixo. A intenção é desenhar os contornos gerais da arbitragem, não promover qualquer estudo aprofundado sobre a mesma.
2.2 Natureza jurídica
É um instituto de natureza sui generis, visto que nasce da vontade das partes (caráter de direito privado) e, concomitantemente, regula determinada relação de direito processual (caráter público). Nesse plano, a convenção arbitral seria um contrato privado que disciplina matéria de direito público, que interessa a ordem pública, nacional ou internacional, na medida que se destina a compor uma controvérsia que, mesmo entre particulares, afeta a ordem pública.
2.3 Limite do poder arbitral
Ainda que o legislador tenha conferido ao árbitro poderes iguais aos de um juiz, ele não detém autonomia para promover execução. Isso quer dizer que o poder do árbitro fica restrito à fase de cognição, ou seja, de conhecimento do processo e do direito. Nesse contexto, ele não conta com o poder para promover a coação por intermédio da execução processual. Havendo necessidade de execução, devem as partes dirigir-se a um juízo comum. Assim, o árbitro pode decidir, mas não tem poder coativo para fazer exigir o cumprimento da sua decisão.
2.4 Do momento de escolha da arbitragem
A arbitragem pode ser convencionada antes, por meio da cláusula compromissória posta no contrato pelas partes, ou depois, por meio da confecção do compromisso arbitral, conforme consta na redação do artigo 3° da lei de arbitragem (9.307/96):
Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
A principal diferença entre os dois institutos é que a cláusula diz respeito a litígio futuro e incerto e o compromisso a litígio atual e específico. Não se pretende fazer estudo extenso sobre a arbitragem em si, haja vista que o foco do trabalho em tela é discorrer acerca da sua aplicação na administração pública. Portanto, não há que se demorar nessas classificações. Passa-se, portanto, para o próximo tópico.
2.5 Dos requisitos para ser árbitro
Determina o artigo 13° da lei 9.307/96 que:
Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
Espera-se que as partes escolham pessoas com vasto conhecimento específico sobre o tema, isto é, que escolham árbitro especializado no objeto da
lide, visando a sua melhor apreciação. Contudo, qualquer pessoa escolhida pelas partes poderá figurar como árbitro e proferir a sentença buscada. O único requisito, imposto pelo parágrafo primeiro do supracitado artigo, é que os árbitros-casos as partes desejem nomear mais de um- estejam em números sempre ímpares.
2.6 Da responsabilização do árbitro
O árbitro vai responder como se juiz fosse nos quesitos de suspeição e impedimento, bem como para possíveis penalizações:
Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.
Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias( Código de processo civil)
Por fim, resta dizer que os árbitros são ainda, no exercício da função, equiparados a funcionário público. Assim, ele pode responder pelos crimes próprios de funcionário público, a saber: concussão, peculato, corrupção e prevaricação.
Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.
Ele conta, portanto, com o duplo grau de punição: pode ser punido mediante regra constante no artigo 143 do CPC ou pelos crimes próprios de funcionário público previstos no CP.
3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O SERVIÇO PÚBLICO
Para melhor desenvolvimento da tese, não basta apenas expor a natureza da arbitragem. É preciso entender também, ainda que de forma igualmente sucinta, as disposições essenciais referentes à administração e a sua prerrogativa de contratação, dado que esse é o meio pelo qual ela interage com outros entes-públicos ou privados- e nessa interação contratual é que se insere a possibilidade de arbitragem.
A administração em um conjunto de órgãos, entidades e agentes que, juntos, aspiram a satisfação do interesse público. Ela é responsável por atender, primordialmente, às carências dos jurisdicionados-cidadãos. Além disso, tem ainda que criar utilidades para os mesmos, ou seja, não se trata de atender as urgências somente. É preciso ainda criar comodidades para seus destinatários. A forma através da qual a administração produz facilidades atende as ausências dos cidadãos é o serviço público.
O serviço público é classificado por Celso de Mello da seguinte forma:
Serviço público é toda atividade ou oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de direito público, portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais, instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.(Manual de Direito Adminstrativo, pág 220, 2° edição, 2010)
De forma complementar, Alexandre Mazza elenca em sua doutrina características que podem ser atribuídas ao serviço público, a serem abaixo apresentadas:
1. São atividades materiais, exercidas no plano concreto pelo Estado;
2. Possuem natureza ampliativa, aumentando a esfera de interesses do particular; e
3. Deve ser prestado diretamente pelo Estado ou por intermédio dos seus delegados;
4. Estão sob o regime de direito público;
5. Seu foco está na satisfação de necessidades essenciais ou secundárias da coletividade.
3.1 Sobre a definição do que são serviços públicos
Determinados serviços públicos são inerentes, isto é, estão ligados às funções estatais e a própria razão de ser do Estado. Por outro lado, cabe ao poder constituinte e ao legislador definir quais atividades e outras atividades serão consideradas serviços públicos. Essa definição não cabe à publicação, isto é, a livre iniciativa-privada, sendo uma disposição estatal.
3.2 Classificação do serviço público
A classificação a ser utilizada é aquela posta por Hely Lopes:
3.2.1 Serviços públicos propriamente ditos
São os serviços que a administração presta diretamente por reconhecer a sua essencialidade, isto é, a sua necessidade frente à comunidade. São serviços indelegáveis pró-comunidade, ou seja, para a comunidade, visando melhorar e manter um bom padrão de vida para seus cidadãos;
3.2.2 Serviços de utilidade pública
São serviços que criam utilidades para os cidadãos, não sendo, contudo, compreendidos como essenciais. A administração pode prestá-los diretamente ou permitir que terceiros o façam sobre seu controle e sobre suas regulamentações. São delegáveis e pró-cidadãos;
3.2.3 Serviços próprios do Estado
Esses serviços são totalmente indelegáveis. Se referem às atribuições do Estado e seus deveres perante a população. Costumam ser serviços gratuitos ou de baixa remuneração, pois o que se busca é torná-los acessíveis a todos,posto que são essenciais;
3.2.4 Serviços impróprios do Estado
São serviços que não se conectam diretamente às necessidades da comunidade, ou seja, satisfazem interesses comuns, tornam a vida mais fácil e melhor, mas não são essenciais. Esse tipo de serviço é feito pelo Estado de forma remunerada, ou seja, dependendo da contribuição dos usuários. Podem ser delegados a terceiros;
3.2.5 Serviços uti universi
São serviços prestados em nome das urgências coletivas. A administração presta esse serviço sem usuário determinado, específico, pois todos o usam e dele precisam. Esses serviços são indivisíveis, não mensuráveis, portanto, não é possível cobrar por eles uma taxa de cada cidadão, pois não se sabe quanto cada um o utiliza. Esses serviços indelegáveis são mantidos a partir do imposto que os cidadãos pagam. Exp: iluminação pública;
3.2.6 Serviços uti singuli
São serviços opostos aos uti universi. Então, esses serviços têm usuários determinados, por isso, sua utilização pode ser mensurada e cobrada individualmente por meio de uma tarifa ou de uma taxa.
3.3 DAS FORMAS INDIRETAS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO No tópico acima foram apresentados os tipos de serviço público e, de forma concomitante, foi mostrado que alguns desses serviços podem ser prestados de forma indireta, ou seja, prestados por terceiros particulares, não pelo Estado em si, através da Administração pública, como, por exemplo, no caso dos serviços impróprios do Estado.
Essa possibilidade de delegação dos serviços públicos é fundada na experiência histórica do welfare state, com a primeira crise do serviço público. À medida que o Estado foi se afastando do regime liberalista (crise do liberalismo pós segunda guerra mundial), desenvolveu-se o estado social(welfare state), durante o século 18. O Estado social veio como forma de contraposição ao modelo anterior, interferindo diretamente na dinâmica social a fim de resolver as mazelas da comunidade. Contudo, paralelamente, a sociedade foi se tornando complexa a partir da expansão da indústria e do comércio, em grande parte devido às tecnologias descobertas e aplicadas durante o período da guerra. Com esse incremento da complexidade social e busca do Estado pelo amparo direto dos cidadãos, criou-se uma Administração inchada, detendo o monopólio de toda a prestação de serviços. Essa expansão sociocultural e econômica impediu que a Administração pudesse alcançar todos os objetivos a que se propunha. Com o decorrer do tempo, tornou-se impossível para a mesma atuar sozinha. Surgem então os contratos de concessão, por meio dos quais o estado delega o cumprimento desse serviço que deveria prestar. O Estado não era mais o único a exercer serviços públicos diante da impossibilidade de atender de forma adequada a todos. Nesse enquadramento, a experiência do Estado social demonstrou ser o monopólio estatal da prestação dos serviços públicos um malefício, passando a se prezar pela cooperação entre o ente público e privado, para a consecução dos objetivos do primeiro. No Brasil, as formas de delegação da prestação do serviço público são autorização, concessão e permissão.
3.3.1 A autorização
É utilizada somente em casos emergenciais, onde é dispensada a licitação, sendo a contratação da empresa terceirizada um ato discricionário, unilateral e precário da administração;
3.3.2 A concessão
É uma contratação estável, que depende de autorização legislativa, com prazo determinado e voltado apenas para pessoas jurídicas;
3.3.3 A permissão
É um contrato precário, que não depende de autorização legislativa, aceita qualquer modalidade de licitação, com prazo indeterminado, podendo ser feito para pessoas físicas ou jurídicas. Além disso, é um contrato de adesão.
3. 4 Outras formas de prestação do serviço público
3.4.1 Parceria Público Privada
Em primeiro lugar, temos as PPPs- parcerias público-privadas. São regidas pela lei 11.079/04 e consistem, em síntese, em espécies de concessão. Nela, ocorre a delegação de serviços para pessoa jurídica privada ou consórcio de empresas, precedida de licitação na modalidade de concorrência. A PPP pode assumir 2 formas:
a) Patrocinada: é a concessão de serviços ou obras públicas, tratadas na lei 8.987/95, quando envolvem cobrança de tarifa, contraprestação pecuniária por parte do Estado;
b) Administrativa: contrato de prestação de serviços em que a própria administração pública é usuária direta ou indireta. Assim, é uma parceria voltada para a estrutura administrativa. Esse tipo especial de concessões deve ter investimento privado, ou seja, o executor arca com as despesas da execução. Ele será ressarcido, ou seja, obterá lucro mediante contrapartida pecuniária do Estado, ou seja, pagamento feito pelo Estado, e pela própria taxa de tarifas pagas pelo cidadão ao utilizar aquele serviço.
A maior particularidade da PPP é a sua responsabilidade extraordinária, ou seja, o compartilhamento de riscos com o Estado. Assim, se acontecer algum acidente, ainda que advindo de caso fortuito e força maior, o Estado será obrigado a arcar com parte do prejuízo.
3.4.2 Programa de parceria de investimento
Em segundo lugar, temos os PPI-programa de parceria de investimento.Estes são regulados pela lei 13.334/16. São parcerias destinadas à ampliação e fortalecimento da interação entre Estado e a iniciativa privada, por meio da celebração de contratos de parceria para execução de empreendimentos públicos ou de infraestrutura.
3.5 Contratos administrativos
São contratos firmados pela Administração pública com o ente particular para a prestação de serviços. Em geral, em nada diferem dos contratos particulares, posto que em ambos há um acordo firmado entre duas partes, buscando a consecução de um fim comum. Entretanto, como uma das partes tem como objetivo e responsabilidade a satisfação do interesse público, terá prioridade na confecção do instrumento contratual, a partir das cláusulas exorbitantes-quando o objeto do contrato for administrativo, não civil. Para fins deste trabalho, há que se focar apenas nos contratos administrativos, não sendo necessário discorrer acerca da espécie de contratos civis que também podem ser firmados pelo ente público. Na definição de Hely Lopes Meirelles, contrato administrativo é:
o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração. A principal característica do contrato administrativo em relação ao contrato privado é a supremacia de poder da Administração Pública para fixar suas condições iniciais, visando a proteção do interesse público(Direito administrativo esquematizado, pág 60, 11°edição, 2012)
Sempre que a Administração precisar adquirir bens ou serviços de particulares, firmará um contrato administrativo. A Constituição Federal, em seu art. 37, XXI, vincula as contratações realizadas pela Administração ao processo licitatório, salvo em casos específicos previstos na legislação vigente. Quando se fala em delegação do serviço público, portanto, é preciso que exista contratação formalizando essa delegação.
O presente tópico tem por escopo tão somente dar concretude ao processo de delgação do serviços públicos, bem como demonstrar que, para além da concessão, autorização e permissão, outros podem ser os objetos do contrato administrativo, a saber:
1. Contrato de obra pública;
2. Contrato de fornecimento;
3. Contrato de gerenciamento; e
4. Contrato de convênio e consórcio público.
Desse modo, fica demonstrada a forma através da qual a delegação do serviço público ou outras formas de contratação administrativas são feitas. É dentro desse contrato que vai ser firmada a cláusula arbitral, ainda que nada impeça que a administração se submeta ao juízo arbitral mediante convenção.
4. PREVISÃO LEGAL PARA O USO DA ARBITRAGEM PELO ENTE PÚBLICO O primeiro instrumento normativo que deve ser citado é a própria lei de arbitragem, especificamente seu parágrafo primeiro, que prevê expressamente a possibilidade da Administração ser parte de conflito a ser resolvido em jurisdição arbitral:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
A nova Lei de licitações- lei n°14.133/21- dedicou o artigo 151 para prever expressamente essa possibilidade:
Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.
Parágrafo único. Será aplicado o disposto no caput deste artigo às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações.
4.1 Jurisprudência anterior à cominação legal das leis
São aqueles os dois principais artigos que permitem expressamente a utilização da arbitragem pelo ente público. Mas antes mesmo da reforma legislativa de 2015 na lei de arbitragem, que passou a prever expressamente a possibilidade de uso do meio pela Adm. pública, ou da promulgação da nova Lei de Licitação, em 2021, já havia jurisprudência que permitia o uso da arbitragem pela Adm. pública.
A consolidação do entendimento de que a Administração Pública pode se submeter à arbitragem sedimentou-se, paulatinamente, na jurisprudência, a partir do julgamento do Caso Lage pelo Supremo Tribunal Federal, em 14 de novembro de 1973, em que fora reconhecida a possibilidade de que um árbitro definisse o montante de uma indenização devida pela União. Além disso, A consolidação do entendimento de que a Administração Pública pode se submeter à arbitragem sedimentou-se, paulatinamente, na jurisprudência, a partir do julgamento do Caso Lage pelo Supremo Tribunal Federal, em 14 de novembro de 1973, em que fora reconhecida a possibilidade de que um árbitro definisse o montante de uma indenização devida pela União. De todo modo, até a entrada em vigor da Lei 13.129/2015, a doutrina ainda divergia em relação ao uso da arbitragem pela Administração Pública (reforma da lei de arbitragem). O consenso majoritário era de que empresas públicas, sociedades de economia mista ou até mesmo as parcerias público-privadas poderiam adotar a Arbitragem quando o contrato abordasse direitos meramente disponíveis, passíveis de valoração patrimonial, e a causa versa sobre atividade econômica. No entanto, ficaria proibida a adoção do juízo arbitral quando o contrato dispusesse sobre a execução de algum serviço público.
As reformas legislativas acima referidas colocam fim a essas discussões a partir da permissão expressa de uso do meio arbitral.
4.2 Regras especiais
A arbitragem é meio mais célere de resolução de demandas, que permite aos seus optantes um rito maleável, escolhido e determinado de acordo com a vontade das partes. Contudo, se uma das partes for a administração pública, duas são as principais modificações que surgem: impossibilidade de uso da arbitragem por equidade e impedimento do segredo total do procedimento. O rito, ainda que mantenha sua maleabilidade por não ter a imposição de rigorosidade procedimental do juízo comum, perde a possibilidade de se desenvolver por equidade, sobrando apenas a possibilidade de arbitragem por direito. Além disso, por se tratar de assunto que interessa a coletividade, não pode a arbitragem ser conduzida totalmente no âmbito privado. Tais premissas não partem da cognição dos doutrinadores sobre o tema, mas sim da própria redação legal:
Lei 9.307/06:
Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.
Lei 14.133/21:
Art. 152. A arbitragem será sempre de direito e observará o princípio da publicidade.
Determina-se que a Administração só pode se submeter a uma decisão que seja tomada com base em critérios rigorosamente jurídicos, oriundos de normas postas formalmente, sem possibilidade de segredo absoluto sobre o procedimento, dado que, como versa sobre assunto de interesse público, deve ser de conhecimento da comunidade. Ainda que essas duas regras essenciais sejam impostas, a celeridade do procedimento arbitral não é prejudicada. Além disso, não se afeta também a sua credibilidade, duas características responsáveis pela maior procura dos tribunais arbitrais.
O Dec. 10.025/19, em seu artigo 3°, dispõe ainda sobre outros requisitos para o uso do meio arbitral:
Art. 3º A arbitragem de que trata este Decreto observará as seguintes condições:
I - será admitida exclusivamente a arbitragem de direito;
II - as regras de direito material para fundamentar a decisão arbitral serão as da legislação brasileira;
III - a arbitragem será realizada na República Federativa do Brasil e em língua portuguesa;
IV - as informações sobre o processo de arbitragem serão públicas, ressalvadas aquelas necessárias à preservação de segredo industrial ou comercial e aquelas consideradas sigilosas pela legislação brasileira;
V - a arbitragem será, preferencialmente, institucional;
VI - uma câmara arbitral previamente credenciada pela Advocacia-Geral da União deverá ser escolhida para compor o litígio; e
VIII - a decisão administrativa contestada na arbitragem deverá ser definitiva, assim considerada aquela insuscetível de reforma por meio de recurso administrativo.
§ 1º Exceto se houver convenção entre as partes, caberá à câmara arbitral fornecer o acesso às informações de que trata o inciso IV do caput.
§ 2º Fica vedada a arbitragem por equidade.
§ 3º Observado o disposto no inciso V do caput, será admitida a opção pela arbitragem ad hoc, desde que devidamente justificada.
Interessante é a redação do inciso IV, que dá contorno mais claro à questão da publicidade. Assim, não sendo a informação considerada sigilosa pela lei brasileira, ou se não for segredo industrial, deve ser repassada para o público.
Percebe-se, por fim, que as regras postas para o uso da arbitragem apenas servem como forma de aporte mais concreto do seu modo de uso, não dificultando-o de nenhuma forma.
4.3 Limites de uso do juízo arbitral
Nos tópicos dedicados ao estudo da arbitragem, foi exposto que o árbitro não goza de prerrogativa executória, ou seja, ele não tem permissão legal para exercer a execução da sua sentença. Fora isso, é determinado pela lei que só pode ser submetido a arbitragem o problema patrimonial disponível. Quando uma das partes do procedimento arbitral for ente público, não há qualquer tipo de alteração, mas sim reforço a essas disposições, principalmente naquilo que se refere a classificação do que se entende por direito patrimonial disponível. Para dirimir o conflito acerca do que são esses direitos, o artigo 2°, parágrafo único, do Dec. 10.025 determina que:
Art. 2º Poderão ser submetidas à arbitragem as controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, entre outras:
I - as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
II - o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de parceria; e
III - o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo.
5. O EMBATE ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMNISTRAÇÃO FRENTE A JURISDIÇÃO ARBITRAL
Três são os princípios constitucionais administrativos utilizados como forma de protesto contra o uso da arbitragem por parte da Administração pública: legalidade, indisponibilidade do interesse público e publicidade. O objetivo desse tópico é demonstrar que esses supostos problemas, uma vez analisados a fundo, não estão dotados de concretude. Contudo, antes é preciso delimitar a base teórica referente a cada um desses princípios.
5.1 Legalidade, indisponibilidade do interesse público e publicidade. O artigo 37 da Constituição Federal elenca quais princípios a Administração Pública deve ter como norte e regra, formando a sigla LIMPE: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Para fins do presente artigo, basta entender a legalidade, impessoalidade e a indisponibilidade do interesse público, que não se encontra cominada no referido artigo. Positivadas ou não, as ideias centrais que norteiam todo o aparato administrativo são a supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público. 5.1.1 Legalidade
É a base de todo Estado de Direito, ou seja, de todo Estado que tenha suas ações condicionadas pela lei. De acordo com esse princípio, a Administração só pode agir quando houver permissão legal para tanto. A legalidade não afasta a discricionariedade do Administrador, isto é, não impede que ele exerça as funções devidas para alcançar o interesse público. Exige-se dele apenas a atuação conforme a lei, não podendo a contrariar, ou
seja, sua ação está condicionada a autorização da lei ou proibição desse ato.
5.1.2 Indisponibilidade do interesse público
O interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem. Esse interesse público, para fins de atuação da Administração Pública, é indisponível, isto é, não pode ser afastado. É um limitador do agente público. Exige-se da administração inúmeras formalidades e obediências, a fim de que a sua atuação esteja de acordo com a lei, não fazendo uso impróprio da superioridade Administrativa frente aos seus administrados, isto é, a Administração conta com poderes e possibilidades que o cidadãos não possuem. Deve a Administração exercer seu papel de acordo com a lei, não podendo deturpar o que é o interesse de um povo, de uma nação, ou seja, não pode se apropriar deste. O agente público exerce uma função, um cargo, não gozando de uma autonomia ou liberdade, devendo respeito aos limites impostos, pois a ele foi confiado o dever de gestão, aprimoramento e conservação do interesse público por meio de bens e serviços.
5.1.3 Publicidade
Consiste na divulgação dos atos da ADM para conhecimento público. Já que o administrador exerce sua função em nome e interesse do povo, é justo que o mesmo tenha acesso ao que é feito por ele, em seu nome e em seu interesse. Por outro lado, a publicidade também está ligada ao conceito de eficácia uma vez que para que os atos da ADM tenham efeito, é preciso que ele seja público conhecido já que ninguém é obrigado a cumprir uma coisa se desconhece a sua existência. Temos que lembrar também que, quando um ato é público, é mais fácil para o povo o controlar, fiscalizar o que está sendo feito em seu nome. Mas acima de tudo é preciso ficar atento a um grande detalhe: a publicidade deve ser feita de forma acessível a todos e também inteligível. Publicações não são uma forma de publicidade sozinhas, ou seja, são apenas uma espécie de divulgação virtual, mas a publicidade
engloba um campo muito maior de possibilidade que deve ser explorado. O inciso 33 do artigo 5 dirá que:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
É imprescindível lembrar que esse princípio, assim como todos os outros, é passível de restrições, que servirão, nesse caso, para proteger a intimidade e a segurança dos agentes administrativos, haja vista que nenhum princípio é absoluto.
5.2 O encaixe constitucional da Arbitragem dentro do regramento Administrativo
Conhecidos os princípios essenciais para o correto desenvolvimento do artigo, é preciso agora contrabalancear-los a forma de uso da arbitragem. Para isso, serão repetidos os conceitos primordiais de cada princípios com as respectivas conclusões sobre como os adequar junto da perspectiva arbitral.
5.2.1 Sobre a legalidade
Visto que a Administração só pode agir quando houver permissão legal para tanto, ou ao menos não houver proibição, afasta-se, de pronto, qualquer discussão sobre a possibilidade de ser utilizado ou não o método arbitral, posto que há permissão legal para tanto em dois diplomas normativos diversos, já aqui determinados.
5.2.2 Sobre a indisponibilidade do interesse público
Ao recorrer à arbitragem para solucionar litígios que tenham por objeto direitos patrimoniais disponíveis, a Administração Pública não está dispondo do interesse público, e muito menos renunciando ao seu atendimento. Sob o ponto de vista material, a atividade desenvolvida por um juiz estatal em nada difere da desempenhada por um árbitro: ambos vão
compor uma lide aplicando o direito positivo com observância das garantias inerentes ao devido processo legal, ,Longe de desatender ao interesse público, a escolha pelo juízo arbitral pode justamente melhor satisfazê-lo, permitindo que especialistas de notória reputação na matéria. De todo modo, árbitro não dispõe sobre o interesse público, mas se o contrato foi cumprido corretamente ou não pelas partes. A arbitragem, portanto, não se opõe ao interesse público; ao contrário, o instituto pode ser o caminho para o melhor atendimento do interesse público ao garantir a solução de base consensual e eficiente.
5.2.3 Sobre a publicidade
Os atos da administração pública não podem ser sigilosos, mas já foi mostrado que há previsão legal garantindo a publicidade do procedimento arbitral quando uma das partes for a Adm. Pública, salvo quando algum ato precise ser resguardado para fins de proteção do segredo econômico, que nada tem em relação com a Administração em si, mas sim com a empresa que também faz parte do procedimento arbitral e não é obrigada a se expor de forma a prejudicar seu desempenho econômico.
Há que se reconhecer que não há, nas leis que prevêm a publicidade dos atos arbitrais, uma especificação acerca de como conseguir, requerer essa publicidade.
5.2.3.1 Meios de garantir a publicidade
Numa análise geral, a legislação brasileira silenciou sobre as regras específicas aplicáveis à publicidade dessas arbitragens. Uma possível resposta à questão, ainda parcial, encontra-se no inciso IV do art. 3º do Decreto Federal 8.465/2015, segundo o qual as arbitragens para dirimir litígios no âmbito do setor portuário observarão a condição de que todas as informações sobre o processo serão tornadas públicas. Além disso, o acesso às informações de procedimentos arbitrais envolvendo empresas públicas, sociedade de economia mista e demais entidades controladas pela União que atuem em regime de concorrência, sujeitas ao disposto no art. 173 da CF/1988, poderá ser operacionalizado pelos árbitros utilizando como parâmetro a Instrução
CVM 358/2002. O dever de observância da transparência nas contrações públicas foi categoricamente instituído na Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei Federal 11.079, de 30.12.2004) e na Lei de Concessões de Serviços Públicos (Lei Federal 8.987, de 13.02.1995). O art. 22 da Lei de Concessões é cristalino: É assegurada a qualquer pessoa a obtenção de certidão sobre atos, contratos, decisões ou pareceres relativos à licitação ou às próprias concessões,27 e o inc. V do art. 4º da Lei das Parcerias Público-Privadas28 elevou a transparência à qualidade de diretriz a ser praticada pela Administração Pública. Em síntese, cumprirá ao tribunal arbitral analisar o regime jurídico aplicável às informações submetidas pelas Partes e deliberar quanto ao grau de transparência necessário à arbitragem. Poderá ser instrumentalizada, juntamente com a instituição arbitral administradora, a publicidade dos procedimentos34 ou somente a divulgação do laudo arbitral.
6 PONTOS CONTROVERTIDOS
Nos tópicos desenvolvidos acima, aclarou-se acerca da inexistencia de impedimento do uso da arbitragem pela Administração pública, posto que não há nenhum impedimento frente aos seus três principios de maior expressão: legalidade, publicidade e indisponibilidade do interesse público. Contudo, ainda que aquele não seja tópico de controversão quando analisado com a devida atenção, existem outros aspectos que apresentam problemas reais. Cada um será apropriadamente explorado abaixo.
6.1 Quanto a remuneração dos árbitros
A arbitragem, apesar dos benefícios que aqui já foram descritos, possui, ao revés, um alto custo. Para realizar esse pagamento, não há um procedimento específico a ser adotado. Aplica-se, por analogia, o procedimento adotado para realizar termo de colaboração com as organizações da sociedade civil envolvendo a transferência de recursos para a realização de planos de trabalhoenvolvendo a transferência de recursos para a realização de planos de trabalho. Aplicando-se esta modalidade de parceria entre o Estado e uma entidade sem fins lucrativos às arbitragens público-privadas, é possível estruturar a vinculação da Administração
Pública com as câmaras de arbitragem que são em sua maioria, senão a totalidade, organizações da sociedade civil sem a incidência da Lei Federal 8.666/1993. Portanto, não se trata de inexigibilidade de licitação e, sim, de um caso de inaplicabilidade das normas relacionadas às licitações públicas e contratos administrativos. A celebração do termo de colaboração com a câmara de arbitragem se justifica porque a atividade desempenhada persegue finalidade de interesse público, qual seja, a prestação de função jurisdicional. O termo de colaboração celebrado entre a câmara de arbitragem e a Administração Pública com a finalidade de prestação jurisdicional será de natureza pouco usual. Não seguirá um cronograma periódico de desembolso de recursos por parte da Administração Pública como nas parcerias tradicionais, em virtude de depender da instauração de litígios arbitrais e das diferentes despesas aplicáveis (custas administrativas, honorários dos árbitros e dos peritos, por exemplo). Dessa forma, o desembolso e repasse de recursos será comparável ao que ocorre no sistema ao Sistema de Registro de Preços (SRP), utilizado para contratações administrativas futuras não quantificáveis previamente, sendo ambos condicionados a eventos futuros e incertos.
6.1.1 Do credenciamento prévio
O credenciamento prévio juntamente à Administração Pública das instituições arbitrais interessadas, no formato disposto pela Lei Federal 13.019/2014, possibilita a realização de parcerias com diversas câmaras de arbitragem concomitantemente. Assim, caso inexista previsão específica relativa à câmara de arbitragem no contrato objeto da controvérsia, o particular terá a discricionariedade para escolher dentre as instituições arbitrais credenciadas, materializando com a sua escolha o termo de colaboração da câmara com a Administração Pública. Este sistema plenamente aplicável ao sistema de parcerias, caso aplicado de maneira transparente e objetiva, tem a capacidade de agregar maior paridade e consensualidade às arbitragens público-privadas.
6.1.2 Dos requisitos para escolha da Câmara
No que tange à escolha da câmara arbitral (art. 10), o decreto n° 10.025/19 dispõe que o credenciamento das câmaras será feito pela
Advocacia-Geral da União. Para tanto, elas devem estar em funcionamento há, no mínimo, três anos; ter reconhecidas idoneidade, competência e experiência; e possuir regulamento próprio, disponível em língua portuguesa. Os árbitros, por sua vez, serão escolhidos nos termos da convenção de Arbitragem. Eles devem ter plena capacidade civil, conhecimento compatível com a natureza do litígio e não manter relações com quaisquer das partes para evitar situações de impedimento ou suspeição.
Art. 10. O credenciamento da câmara arbitral será realizado pela Advocacia-Geral da União e dependerá do atendimento aos seguintes requisitos mínimos:
I - estar em funcionamento regular como câmara arbitral há, no mínimo, três anos;
II - ter reconhecidas idoneidade, competência e experiência na condução de procedimentos arbitrais; e
III - possuir regulamento próprio, disponível em língua portuguesa.
6.1.3 Câmara insitucional ou ad hoc
As partes podem convencionar que a arbitragem será instalada perante uma câmara arbitral, submetendo-se ao seu regulamento, ou optar pela tramitação do processo em privado, sem auxílio administrativo de instituição alguma, definindo elas mesmas as regras a serem observadas no procedimento. No primeiro caso tem-se uma arbitragem institucional; no segundo, uma arbitragem ad hoc. Enquanto na arbitragem ad hoc (ou arbitragem avulsa) o procedimento é definido pelas partes e/ou pelos árbitros, na arbitragem institucional (ou arbitragem administrada) as regras procedimentais encontram-se previamente definidas por determinada câmara arbitral. A arbitragem ad hoc teria, de um lado, a vantagem de reduzir custos, uma vez que não haveria a necessidade de contratação de instituição privada (câmara de arbitragem) para prestação de serviços, mas, de outro lado, a desvantagem de acarretar insegurança para as partes, com a maior
probabilidade de impasses na definição e nas questões cotidianas inerentes ao procedimento arbitral Para o melhor atendimento do intersse público e do princípio da legalidade, reputa-se ser a administração institucional, ou seja, devidamente credenciada, o melhor caminho paa o julgamento da lide.
6.2 Da execução do laudo arbitral
O artigo 100 da CF indica ser o precatório o melhor caminho para a execução do laudo arbitral.
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
7 DESVANTAGENS FRENTE AO JUDICIÁRIO
A arbitragem é procedimento distinto daquele seguido no rito processual comum, apesar do árbitro ser figura equiparada a do juiz. Mesmo que seja consagrado como meio mais célere- e portanto mais eficiente e eficaz- de resolução das controvérias, possuem desvantagens frente ao juízo no que tange ao atendimento da Adm. Pública. Melhor dizendo: No litígio a ser solucionado pela via da jurisdição estatal, a Administração possui várias prerrogativas processuais, por exemplo: os prazos processuais dilatados, a intimação pessoal e não pela imprensa oficial, o duplo grau de jurisdição obrigatório, recursos específicos para a suspensão de liminares, a ausência de consequências quanto à revelia, a proibição de transação, a restrição à concessão de liminares e medidas de urgência em face da Administração Pública, o processo especial de execução, o não adiantamento de despesas e isenção de custas judiciais; que na arbitragem teriam que ser, a princípio, dispensadas. Além disso, na arbitragem não é permitida a intervenção de terceiros, afastando o cidadão civil que poderia integrar a causa atuando, por exemplo, como amicus curiae. Ademais, em sede arbitral não é permitido o duplo grau de jurisdição, como ocorre dentro dos
tribunais comuns. Assim, fica a Adm. vinculada a decisão proferida pelo árbitro, sem possibilidade de revisão em segundo grau. Por fim, podemos citar ainda:
a) receio quanto à independência dos árbitros e possível tratamento preferencial aos interesses privados em detrimento dos interesses públicos;
b) inexistência de mecanismos institucionais de garantia de coerência jurisprudencial, com a prolação de decisões diferentes para casos semelhantes; e
c) déficit de responsabilidade democrática (accountability);
8. PANORAMA GLOBAL
Esgotando o tema, busca-se agora traçar breve exame quanto a forma segundo a qual outros países lidam com o uso da arbitragem. Para tanto, foram selecionados três países distintos para ser possível entender como se delineia a dinâmica arbitral fora do Brasil.
8.1 Estados Unidos
O uso da arbitragem pela Administração Pública é expressamnte permitido. O agente público terá total discricionariedade para escolher utilizar ou não a via arbitral, sendo apenas recomendado que não a utilize quando: (1) for conveniente que se estabeleça um precedente judicial a respeito do tema controvertido; (2) o objeto da controvérsia consistir em relevante política de governo; (3) houver possibilidade de se criar disparidades em relação a outros casos individuais de idêntica natureza; (4) a matéria afetar significativamente pessoas ou organizações que não sejam partes da disputa; (5) for necessário produzir e conservar ampla documentação a respeito do conflito; (6) for recomendável que a decisão seja adotada pela própria entidade administrativa a fim de preservar a sua autoridade. De todo modo, não há impedimento para o uso, mas sim mera recomendação de que não seja utilizada a via arbitral.
8.2 Uruguai
O uso da arbitragem é expressamente permitido por lei, assim como na maior parte dos outros países hodiernamente. A peculiaridade presente la legislação Uruguaiana é que existe previsão que determina ser a arbitragem o único meio de solução de controvérsias. Essa norma valei para os casos em que for firmada PPP-parceria público-privada- por parte da Administração Pública. Nesse caso, a ADm. está proibida de levar a causa para o judiciário. Além disso, as normas são de maior rigor do que nos Estados Unidos, por exemplo. Não há mera recomendação legal para onde se deve ou não utilizar a arbitragem. A lei é imperativa e clara quanto ao seu campo de aplicação.
8.3 Alemanha
Na Alemanha, há permissão ampla para o uso da arbitragem, não se exgindo que a Adm. disponha apenas sobre direitos patrimonias disponíveis em sede arbital. Assim, a lei determina que todo e qualquer conflito, seja ele iminentemente patrimonial e disponível ou não, pode ser levado a crivo do juízo arbitral.
9 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir do que foi exposto, resta provado que não há qualquer óbice quanto ao uso da arbitragem no tocante a legalidade, posto que há diploma legal que permite a inserção da Adm. Pública nesse âmbito. Não há também qualquer lesão ao interesse público. Pelo contrário, a sede arbitral pode servir como meio para garanti-lo de forma mais célere. Além disso, quanto a públicidade, ainda que seja tema com controversões, existem meios legais e contratuais para exigir a publicidade dos atos administrativos praticados dentro do juízo arbitral. Findando, ainda que seja meio heterocompositivo, ou seja, dependente de um terceiro interventor, serve como forma de poupar o judiciário e resolver demandas de forma ágil, sem deixar que a Administração Pública atue sem base em um rito, isto é, as causas Administrativas ainda estarão submetidas a um rito, ainda que não tão formal ou rígido quanto aquele do judiciário comum.
Apesar dos problemas controvertidos apresentados, a arbitragem ainda é um meio válido e eficaz de dirimir lides, posto que o judiciário também possui problemas latentes, como a mora, e nem por isso deixa de ser utilizado e consagrado como meio de solução de conflitos. Assim, a Adm. não pode nem precisa ficar adstrita ao meio judicial, podendo se valer de meios adequados de solução de conflitos.
10 CONCLUSÃO
Restou demonstrado no decorrer do artigo que é possível o uso da via arbitral por parte da Adm. Pública, devendo respeitar os limites postos, que são: a indisponibilidade do interesse público, a publicidade dos atos e o trato apenas de questões referentes a direito patrimoniais disponíveis. É expressamente permitido o uso da arbitragem por via dos mais variados diplomas legais que foram aqui apresentados, portanto, não há que se discutir sobre a legalidade do uso do meio arbitral. Fora isso, há que se manter controle e seguir as normas postas para que nenhum outro princípio seja afetado ngativamente, posto que, por exemplo, há carência de regramento específico quanto as formas de se garantir a publicidade dos atos praticados em sede arbitral. De todo modo, é inegável que a arbitragem é meio mais célere de resolução dos conflitos, ainda que mais dispendioso monetariamente. Portanto, sempre que possível, deve ser adotado pela Adm., quando o agente público constatar no caso concreto a sua adequação e maior eficiência.
11 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 março. 2022.
ESTEFAM André; GONÇALVES Victor. Coordenador Pedro Lenza. Direito Penal Parte Geral. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2016.
GRECO Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. 14ª. Ed. Niterói RJ: Editora Impetus, 2017.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11° Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34° Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.