A exigência do passaporte sanitário para a entrada em fóruns e tribunais

13/05/2022 às 11:55
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Não vou relativizar a gravidade da covid-19. Tampouco, colocar em dúvida as intenções dos agentes públicos e a eficiência das vacinas contra a doença.

Mas, a exigência do passaporte sanitário em fóruns e tribunais, na prática, acaba dificultando o acesso à justiça, contraria a lógica e vai de encontro a preceitos constitucionais e normas legais.

Infelizmente, no Brasil, tudo costuma ser feito às pressas e quase sem nenhum estudo prévio, o que acaba trazendo situações práticas, no mínimo, tragicômicas.

Um exemplo disso foi o início do processo eletrônico: em muitos casos, houve tão-somente a implementação dos sistemas de peticionamento eletrônico, sem quase nenhuma alteração nas centrais de dados, nas equipes técnicas ou na capacidade de processamento. Assim, de uma hora para a outra, os sistemas do TJSP, por exemplo, que era utilizado pelos advogados quase sempre para consulta dos andamentos processuais passou a receber, diariamente, milhares de arquivos de processos eletrônicos, causando quedas e lentidão nos sistemas. Apenas posteriormente, e gradativamente, a situação foi sendo resolvida.

Muitos tribunais de justiça estaduais, como o do estado de São Paulo, nesta altura, já não mais exigem o passaporte vacinal para entrada do público (incluindo funcionário, partes, servidores, magistrados e advogados).

Porém, os fóruns e tribunais de competência federal, incluindo os que integram a Justiça do Trabalho, ainda exigem a comprovação da vacinação contra a covid-19, além do uso de máscaras, para ingresso do público aos seus prédios.

Um advogado, por exemplo, que atue tanto na área criminal quanto na área trabalhista ou, ainda, um advogado correspondente podem, muito bem, entrar no Fórum Criminal da Barra Funda, sem ter que apresentar comprovante vacinal nem usar máscara e, após, caminhar pouco mais de duzentos metros e ingressar no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, no qual será exigida a comprovação da vacinação contra covid-19 e o uso de máscara.

O mesmo vale para o público.

Numa reclamação trabalhista em que for necessária perícia ambiental, muito provavelmente, durante a perícia, estarão presentes as partes, advogados e perito, todos sem máscara e, na audiência, as mesmas pessoas estarão presentes usando máscaras.

E em casos em que a testemunha se recusa a comparecer, sendo necessária sua condução coercitiva? Ela pode ser conduzida, a contragosto, da sua casa ao fórum e, lá chegando, bastará informar que não se vacinou contra a covid-19 que não poderá entrar. Qual é o sentido?

Nunca ocorreu nada similar com outras doenças. A tuberculose, para dar um exemplo, é mais contagiosa e mais grave que a covid e nunca houveram restrições por decorrência da tuberculose como estão ocorrendo devido à covid.

O mesmo se aplica a outras pandemias recentes, como a pandemia de gripe A (H1N1) em 2.009 e o surto de ebola em 2.014.

Nenhum estudo indica que as restrições de entrada de pessoas sem comprovante de vacinação e o uso de máscaras em fóruns e tribunais de competência federal trazem quaisquer benefícios contra a covid-19.

Mas trazem efeitos contra direitos de cidadãos que buscam o Poder Judiciário para solução de alguma demanda. Não só com o já mencionado óbice à produção de provas testemunhas, como, não raramente, pessoas que são partes em processos judiciais e não conseguem comparecer a um ato por não ter tomado a vacina (o que pode se dar, inclusive, por razões de ordens médicas) acabam sendo prejudicadas com um arquivamento de processo, declaração de revelia ou confissão.

E isso, como dito, sem respaldo em lei.

Um juiz que prejudica o direito de uma parte por ela não comparecer em audiência por ter sido impedida de entrar no fórum por não ter comprovante de vacinação contra a covid-19, pode, muito bem, estar cometendo o crime previsto no artigo 33 da Lei de Abuso de Autoridade.

O mesmo pode ser aplicado a presidentes de tribunais que elaboram portarias proibindo a entrada de pessoas sem comprovante de vacinação contra covid-19 em sedes dos fóruns e tribunais.

Tudo isso vem sendo feito sem nenhum estudo e sem respaldo legal.

Os políticos, que deveriam atuar contra tais arbitrariedades, evitam ao máximo falar da questão, estando mais preocupados em não criar atritos com o Poder Judiciário, com receio de sofrerem algum tipo de revés em ano eleitoral.

E, enquanto isso, a população segue desamparada, dentro de um estado de anomia no qual, em diversas situações problemáticas concretas, causadas pelas arbitrariedades, nem mesmo juízes sabem o que fazer.

Como diria um amigo, nessa celeuma toda, até magistrados estão mais perdidos que "filhos de prostitutas em dia dos pais".

Nunca foi fácil ser advogado no Brasil, mas, a cada dia que passa, a dificuldade aumenta gradativamente e vai beirando o impossível.

Sobre o autor
Mizael Izidoro Bello

Defensor do direito e amante da justiça. Advogado. Escritor. Detetive. Professor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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