O reconhecimento do direito ao nome para as pessoas fragmentadas pelo transtorno dissociativo de identidade

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RESUMO: O presente trabalho tem por escopo defender a possibilidade de nomes individuais às múltiplas identidades das pessoas com Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) e, consequentemente, os demais direitos de personalidade. Pois, não se pode negar o direito a uma vida digna a esse grupo que possui uma demanda justa e legítima. Para tanto, é utilizado o método dedutivo, em que partindo de uma premissa maior considerada verdade, submete-se a uma premissa menor e pela lógica chega-se a uma conclusão, tendo por base teórica os trabalhos das ciências médicas, doutrina do Direito Civil, artigos jurídicos, a Constituição Federal e a jurisprudência pátria. Após a análise, percebe-se que cada identidade da pessoa primária tem direito a um nome individual e é dever do Estado garantir a efetividade destes direitos.

Palavras-chave: Transtorno Dissociativo de Identidade. Direito ao Nome. Direitos de personalidade. Direito à Existência. Múltiplas Personalidades.


1. INTRODUÇÃO

O direito ao nome é uma das principais garantias das pessoas jurídicas e é dele que se extrai a identificação de cada ser.

Ocorre que pessoas que possuem o Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) possuem múltiplas identidades: seres autônomos e que possuem vontade e sentimentos próprios, mas que atualmente não têm o direito a um nome individual reconhecido juridicamente.

Logo, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana é importante analisar a possibilidade de se atribuir nomes individuais a essas múltiplas identidades que compõem um único ser biológico.

Para tanto, a metodologia empregada é o método de abordagem dedutivo, definido por Rizzieri (2011, p.4) como [...] método que parte de conclusões gerais para explicar o particular , em que partindo-se de uma premissa maior considerada verdade, submete-se a uma premissa menor e pela lógica chega-se a uma conclusão.

Assim, na primeira seção do artigo, é discutido os direitos à personalidade e o direito ao nome. Far-se-á uma concisa discussão sobre a aplicação desses direitos às pessoas com TDI.

Já na segunda seção, far-se-á uma abordagem no plano da ciência médica a respeito do Transtorno Dissociativo de Identidade.

Na terceira seção, procura-se formar uma síntese a respeito dos capítulos anteriores, defendendo a possibilidade de direito a nomes individuais às múltiplas identidades.

Por fim, serão exibidas conclusões em resposta à problemática apresentada, embasando-se na análise da terceira seção e em dados e estudos expostos ao longo do artigo.

2. DIREITOS DA PERSONALIDADE

O que vem a ser o direito à personalidade? O professor Marigheto (2019) ensina que:

Os direitos da personalidade são direitos inerentes e inseparáveis do próprio conceito de personalidade humana, independentemente de qualquer reconhecimento ou sistematização pela ordem ou sistema jurídico. A personalidade, todavia uma vez reconhecida pelo ordenamento jurídico torna-se personalidade jurídica.

Na mesma linha, para Maria Helena Diniz (2012) apud PAULINO (2019) explica que os direitos de personalidade:

São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio,vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social) (apud PAULINO, 2019)

Assim, se percebe que os direitos à personalidade são de suma importância para a pessoa natural, pois é por meio deles que o seu detentor retira o poder de reclamar tudo aquilo que abrange o seu ser, isto é, todos os aspectos ligados a sua integridade física, intelectual e moral (TARTUCE, 2021).

A Carta Magna brasileira de 1988, inclusive, protege os direitos à personalidade em seu artigo 5º, inciso X, quando traz a seguinte redação: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).

Já o Código Civil de 2002, em ser artigo 11, traz o seguinte texto: "Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária'' (BRASIL, 2002).

Este presente trabalho tem por objetivo analisar e defender um dos direitos a personalidade que é o direito ao nome para as identidades fragmentadas pelo Transtorno Dissociativo de Personalidade, devendo ser direito não apenas para o seu portador (pessoa primária) mais também para as demais pessoas que integram aquele corpo, que aqui chamaremos de pessoas secundárias ou segunda pessoa-fragmentada (para melhor raciocínio, mas lembrando que pode haver mais de duas), pessoas alternativas ou, ainda, identidade alternativa.

Mas o que vem ser o direito ao nome? Para Maria Helena Diniz (2012) apud PAULINO (2019), o nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade: daí ser inalienável, imprescritível e protegido juridicamente.

O capítulo seguinte tratará do Transtorno Dissociativo de Identidade.

3. TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE

Segundo a comunidade médica, o que vem a ser o Transtorno Dissociativo de Identidade? Para o médico David Spiegel (2019), o transtorno dissociativo de identidade - CID 10- F44.81 é:

[...] O transtorno dissociativo de identidade, anteriormente chamado transtorno de personalidades múltiplas, é um tipo de transtorno dissociativo caracterizado por 2 estados de personalidade (também chamados alter egos ou estados do eu ou identidades) que se alternam. O transtorno apresenta incapacidade de recordar eventos diários, informações pessoais importantes e/ou eventos traumáticos ou estressantes, todo os quais tipicamente não seriam normalmente perdidos com o esquecimento normal. A causa é quase invariavelmente trauma opressivo na infância. O diagnóstico se baseia na história, algumas vezes com hipnose ou entrevistas facilitadas por fármacos. O tratamento é psicoterapia a longo prazo, às vezes combinada com farmacoterapia para comorbidades por depressão e/ou ansiedade.

O Congresso Médico de Rio Verde (2019), trouxe a seguinte definição:

O transtorno dissociativo de identidade (TDI) é definido como perturbação e/ou descontinuidade da integração normal de consciência, memória, identidade, emoção, percepção, representação corporal, controle motor e comportamento. Esse transtorno é caracterizado pela presença de duas ou mais identidades ou estados de personalidade, cada uma com seu padrão único, relativamente duradouro de perceber, relacionar-se e pensar sobre o ambiente e o eu. Pelo menos duas dessas identidades recorrentemente toma o controle dos comportamentos da pessoa. É um distúrbio multifatorial crônico pós-traumático onde eventos estressantes que ocorreram na infância como abuso, negligência emocional, distúrbios anexos e violência que ultrapassa o limite são fatores etiológicos típicos e centrais.

3.1. Etiologia

Segundo o Manual Diagnóstico e Estratégico de Transtornos Mentais (DSM-5):

O transtorno dissociativo de identidade está associado a experiências devastadoras, eventos traumáticos e/ou abuso ocorrido na infância. O transtorno pleno pode se manifestar pela primeira vez em praticamente qualquer idade (desde a primeira infância até a idade adulta avançada). (...) Contudo, as crianças geralmente não se apresentam com mudanças de personalidade, e sim inicialmente com sobreposição e interferência entre estados mentais (fenômenos do Critério A), com sintomas relacionados a descontinuidades de experiências

O transtorno dissociativo de identidade tem como causa traumas profundos e prolongados, muito ligado a abuso sexual na infância ou outros eventos traumáticos como a morte dos pais, terrorismo, guerra e prostituição infantil (SANTOS, GUARENTI, et al).

É na infância onde a identidade da criança ainda está em desenvolvimento, isso significa dizer que a criança não tem uma construção unificada de si mesmo. E quando esse desenvolvimento é bombardeado com traumas agonizantes, crônicos e graves (abusos físicos, sexuais e emocionais ou eventos estressores graves) a criança tende a se desligar e fugir para dentro da mente e assim muitas partes do que deveriam ter sido integradas, separam-se permanentemente. E cada experiência traumática pode significar o surgimento de uma identidade diferente (SPIEGEL,2019).

Num primeiro momento se desenvolve um transtorno de estresse pós-traumático, mas a perpetuação do trauma no tempo e intensidade chegam a um limite que fica insustentável não dissociar para preservar a estabilidade do indivíduo e a integridade da personalidade (SANTOS et al, 2015).

Ocorre, então, um processo de defesa psíquica, separando a personalidade em subunidades mais estáveis, que dão origem aos alter egos e, por sua vez, as identidades. Cada uma desempenhando um papel importante conforme as necessidades internas e externas exigirem. Por exemplo, uma identidade pode ser uma mulher forte e com habilidades em artes marciais e em um momento de perigo, causando estresse ao portador primário, ela irá aparecer para lidar com aquela situação ou num momento de profunda tristeza a identidade que transborda alegria e juventude irá surgir (SANTOS et al, 2015).

O Transtorno Dissociativo de Identidade ocorre como uma solução do corpo para lidar com uma experiência traumática, fazendo com que outra pessoa lide com aquela situação que a primeira não consegue lidar. Inclusive, normalmente, a primeira identidade criada é alguém com características fortes, dotadas de resiliência e persistência, mais racionais do que emocionais, e podendo ser agressivas, temperamentais, e gostam de lutar. Características adequadas e necessárias numa pessoa para lidar, mais facilmente, com aquele trauma.

Além do mais, esses traços são justificados porque são elas que lidam daqui em diante com os traumas e as experiências terríveis que ainda persistem, enquanto o portador pode, por exemplo, entrar num estágio de hibernação e acordar quando estiver se sentindo seguro.

Uma interessante curiosidade é que diferentemente dos pacientes com transtorno de estresse pós-traumático, o transtorno de ansiedade generalizada e a fobia social, portadores com TDI não possuem comprometimento cognitivo, o que gera a teoria de que essas pessoas possuem um diferenciação neurobiológica (SANTOS et al, 2015).

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3.2. Sinais e Sintomas

O principal sintoma é a queixa de falta de memória de algum lapso de tempo ou de eventos que geralmente ocorreram na infância ou na adolescência como, por exemplo, não se lembrar de toda sua infância ou da existência de um irmão ou morte de um parente; perceber que está em um lugar, mas não sabe como chegou ali; perceber que está realizando uma atividade, mas não se sabe como a começou; perceber que está vestindo roupas estranhas; estranhar o fato de outras pessoas o conhecerem bem, mas não se lembra de quando e como a conheceram; falta de memórias consolidadas como, por exemplo, não saber o que aconteceu hoje ou usar computadores; descobrir e ter evidências que fez ou disse algo que não é do seu feitio como, por exemplo, aparecer em sua casa objetos que nunca compraria ou conversas no Whatsapp com uma linguagem que não é própria (SPIEGEL, 2019). Há o que chamamos aqui de amnésia dissociativa.

O próximo sintoma é o porquê da amnésia dissociativa, que é o fenômeno da possessão. A amnésia dissociativa ocorre porque houve a alternância das identidades (ou das almas) e a partir dali as experiências, a consciência e a memória é vivida pela segunda pessoa-fragmentada.

É possível qualquer pessoa notar a possessão (alternância de identidades), pois ela é claramente visível. Ocorre uma mudança brusca no semblante, linguagem corporal e até no timbre da voz (SPIEGEL, 2019).

Ocorre uma completa mudança do ser, como se as almas estivessem sido trocadas.

A identidade fragmentada também se apresenta com seu próprio nome, gênero, idade, crenças, temperamento, personalidade e possui sua própria história de vida e percepção de mundo. É um ser único e diferente ao do portador originário. É uma nova pessoa. (SPIEGEL, 2019).

Temos também a "não possessão", que é quando a primeira pessoa (primária) se desconecta do seu eu e a segunda pessoa-fragmentada passa a tomar conta, contudo, a consciência do primeiro permanece, se tornando um observador. A primeira pessoa pode, por exemplo, sentir que aquele corpo não é seu, mas de uma criança ou que aqueles pensamentos, impulsos e preferências são de outra pessoa. Nesse caso, é possível notar o TDI pela mudança de atitudes, ideias e gostos que mudam de repente e logo voltam (SPIEGEL, 2019).

Spiegel traz um exemplo interessante sobre a possessão ( mas, ao invés de personalidade leia-se identidade), Vejamos:

Por exemplo, a personalidade A pode estar ciente da personalidade B e saber o que B faz, como se estivesse observando o comportamento de B. A personalidade B pode ou não estar ciente da existência da personalidade A e assim por diante com outras personalidades presentes.

Os portadores de TDI também podem ter alucinações visuais, auditivas, olfativas, táteis e gustativas. Isso acontece porque são sensações que vêm da segunda pessoa- fragmentada, como o caso dela estar chorando e querendo chorar com os seus próprios olhos, o seu portador também consegue ouvir a voz da outra identidade em sua mente e interagirem dentro do mundo interior (SPIEGEL, 2019).

As vozes podem ser conversas na mente entre as identidades em forma de pensamento ou quando ela se dirige diretamente ao seu portador comentando o seu comportamento, por ex. Esse fenômeno pode causar confusão no dia a dia, já que elas podem falar ao mesmo tempo sem o controle do portador (SPIEGEL, 2019).

Também simplesmente pode ser uma conversa entre a(s) identidade(s) alternativa(s) e o seu portador por meio de pensamentos ou pela alternância da voz, no caso de uma não possessão, quando as almas estão juntas no plano exterior simultaneamente.

Por conta disso, seus portadores costumam ser diagnosticados erroneamente como psicóticos. Mas, todos esses sintomas são diferentes das alucinações típicas que ocorrem em uma pessoa com, por exemplo, esquizofrenia (SPIEGEL, 2019).

3.3. Diagnóstico

O diagnóstico se dá por entrevistas detalhadas e questionários especiais (ex: escala DDIS e A-DES), em que é feita uma observação dos sintomas e às vezes utilizando hipnose ou facilitada por fármacos, induzindo o relaxamento. Também é realizado exames físicos e laboratoriais que possam explicar determinados sintomas e descartar outros problemas (SPIEGEL, 2019).

Também é utilizado o teste de Pfister, criada por Max Pfister (1951) e conhecido como As pirâmides coloridas de Pfister, o qual consiste em um teste projetivo de personalidade, que avalia a dinâmica afetiva e o nível de estruturação da personalidade do examinando, bem como verifica indicadores de desenvolvimento cognitivo (FARIA, 2008).

Por meio do teste de Pfister é possível evidenciar a existência de mais de uma identidade em um único corpo, já que com a ajuda das identidades, cada qual realizando o teste na sua vez é possível notar a presença de personalidades alternativas, pela discrepância dos resultados nas pirâmides.

4. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS DIREITOS À PERSONALIDADE PARA IDENTIDADES ALTERNATIVAS

Como se sabe, a identidade alternativa é um ser único e diferente da pessoa que o originou, contudo, isso não a faz ser menos humana. Ela é capaz de pensar com autonomia segundo seus ideais, crenças, personalidade e tem até sua própria vivência, também é capaz de sentir emoções humanas, chorar, sentir raiva, ficar triste, etc; possui seus próprios dons, suas próprias habilidades, dificuldades. Enfim, é um ser humano. E se é ser humano é pessoa e se é pessoa, definitivamente, é sujeito de direitos e deveres na sociedade. Sendo assim a ela deve se estender os direitos de personalidade. Afinal, ela também possui personalidade.

A identidade alternativa é capaz de entrar numa faculdade de medicina e se tornar um neurocirurgião, por exemplo, ou até mesmo um artista renomado ou uma diplomata representando seu país. E é importante que todas essas ações sejam envoltas do seu próprio nome e não no nome da pessoa primária, afinal, quem estudou e tem a destreza no bisturi; quem tem o dom artístico e pintou a tela; ou tem as habilidades linguísticas e de negociação é ninguém menos que a identidade alternativa.

Também percebe-se que se a pessoa alternativa tem plena capacidade psíquica e idade (maturidade) para exercer os atos da vida civil, deve ser permitido a elas poder assinar contratos, comprar uma casa, seu carro próprio, abrir uma conta em seu nome e ter sua própria renda e é claro, também poder casar e construir a sua família.

No entanto, surge um problema, pois as pessoas fragmentadas ficam sujeitas a usar o nome da pessoa originária para tudo o que forem fazer e acabam não sendo capazes de viver livremente com dignidade e de serem reconhecidas pela sua individualidade como ser humano. Isso acarreta sérias violações a vários incisos do Artigo 5° da nossa Constituição Federal. Vejamos:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

Este artigo tem por objetivo analisar o direito ao nome de cada identidade no Transtorno Dissociativo de Identidade. Pois, para que seja reconhecida a sua existência, agora como cidadão, e a dar direito a seus feitos, o primeiro passo é ser reconhecido o seu nome na ordem jurídica. Nome este diferente da pessoa primária.

Usando por analogia o caso do direito ao nome às pessoas transgênero, a Ministra Nancy Andrighi (2014) se posicionou da seguinte forma:

Todo um conjunto de fatores, tanto psicológicos quanto biológicos, culturais e familiares, devem ser considerados. A título exemplificativo, podem ser apontados, para a caracterização sexual, os critérios cromossomial, gonadal, cromatínico, da genitália interna, psíquico ou comportamental, médico-legal, e jurídico, afirma a ministra.

Então, utilizando-se a comparação por meio de precedente do STJ a qual reconheceu o direito ao nome de transexuais a partir da análise psicológica deve o judiciário pátrio dar o mesmo tratamento às pessoas fragmentadas pelo TDI.

Em linhas gerais, atualmente, as pessoas do plural vivem numa sociedade em que não são reconhecidas como seres humanos e como pessoas com aptidão para exercer qualquer ato da vida civil e assim não vivem como deveriam. Mas, esse fato acontece justamente por estarem no escuro da sociedade e o problema jamais foi mencionado na Justiça, o que se espera mudar com o presente artigo.

Tal reconhecimento, tem fundamento no direito à vida digna, não pode uma minoria com situação excepcional ser ignorada pelo Estado e aleijado de seus direitos.

O direito à vida digna, como afirma Jozabed Ribeiro dos Santos e Hugo Garcez Duarte (2016) , é Proporcionar ao ser humano dignidade é muito mais que garantir subsídios materiais necessários a sua existência. É fornecer um conjunto de direitos essenciais para se viver bem.

Assim, equiparando ao caso das pessoas transgênero, deve as pessoas fragmentadas pelo Transtorno Dissociativo de Identidade verem reconhecido o seu direito ao nome e finalmente poderem exercer os direitos que decorrem dele.

Mas, como se daria isso na prática? É simples. Após o reconhecimento pela via judicial ou simplesmente com um laudo médico atestando a condição, o próximo passo seria emitir uma Carteira de Identidade para cada pessoa alternativa, com numeração própria.

Contudo, para prevenir fraudes e dar segurança jurídica, deve também constar a numeração da identidade do seu portador/pessoa primária em cada uma delas.

Cabe ressaltar que os médicos são capazes de diferenciar entre um portador de transtorno dissociativo de identidade e fingidores, pois os fingidores (SIEGUEL, 2019):

  • Tendem a relatar excessivamente sintomas bem conhecidos da doença e a não relatar suficientemente outros sintomas

  • Tendem a criar identidades alternativas estereotípicas

  • Geralmente parecem se divertir com a ideia de ter o transtorno (as pessoas que de fato têm transtorno dissociativo de identidade costumam tentar escondê-lo)

Se o médico suspeitar que a pessoa está fingindo ter o transtorno, ele pode fazer uma verificação cruzada de informações oriundas de várias fontes para tentar detectar inconsistências que descartariam a possibilidade de transtorno dissociativo de identidade.

5. CONCLUSÃO

Conforme foi exposto, a finalidade deste artigo é analisar a possibilidade do direito ao nome individual às identidades fragmentadas pelo Transtorno Dissociativo de Identidade, ou seja, tratando elas como sujeitos de direitos e deveres. Para tanto, utilizou-se como comparação o caso de direito ao nome para as pessoas transgênero que leva em consideração fatores psicológicos.

Na análise, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, observa-se que não devemos excluir essa minoria de cidadãos e seus direitos, portanto, a eles se deve garantir o direito ao nome.

Adverte-se que o intérprete da lei deve se utilizar de perícia médica e com psicólogos que atestem a existência de múltiplas identidades para assim poder atribuir os direitos respectivos às pessoas fragmentadas.

Conclui-se que cada identidade da pessoa primária tem direito a um nome individual e é dever do Estado garantir a efetividade destes direitos.

Para trabalhos futuros, aconselha-se um estudo de aplicações práticas dos direitos à personalidade pelas identidades da TDI e pesquisa no direito comparado.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

Faria, Marcello de A. "O Teste de Pfister e o transtorno dissociativo de identidade." Avaliação psicológica 7.3 (2008): 359-370.

FREITAS; ZILIO. os direitos da personalidade na busca pela dignidade de viver e de morrer: o direito à morte (digna) como corolário do direito à vida (digna). Disponível em:<sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/article/view/733/281>. Acesso em: 09 de Dez. de 2021.

MARCH, A. Dos direitos da personalidade: direito ao nome aplicado a transexuais e travestis sob a ótica da adi 4275 Disponívelem:<www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/25406/20269>. Acesso em: 09 de Dez. de 2021.

MARIGHETTO, A. Dignidade Humana limite direitos da personalidade. Disponível em:<www.conjur.com.br/2019-ago-21/marighetto-dignidade-humana-limite-direitos-personalidade>. Acesso em: 09 de Dez. de 2021.

PAULINO, L. Direitos da personalidade. Disponível em:<lincolnpaulino99.jusbrasil.com.br/artigos/879512109/direitos-da-personalidade>. Acesso em: 09 de Dez. de 2021.

PEREIRA, F. R., XAVIER, F. Q., PAVAN, L. G., LOPES, B., MENDONÇA, A. B. L., MACHADO, L., & de Sousa, C. TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE. In ANAIS DO II CONGRESSO MÉDICO DE RIO VERDE (p. 203).

O DIREITO DOS INDIVÍDUOS TRANSEXUAIS DE ALTERAR SEU REGISTRO CIVIL, 2014. Superior Tribunal de Justiça. Disponívelem:<www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2014/2014-11-30_08-00_O-direito-dos-individuos-transexuais-de-alterar-o-seu-registro-civil.asp>. Acesso em: 09 de Dez. de 2021

SANTOS et al. Transtorno dissociativo de identidade (múltiplas personalidades): relato e estudo de caso. Disponível em:<rdp.emnuvens.com.br/revista/article/view/173 >. Acesso em: 09 de Dez. de 2021.

SANTOS;DUARTE. Eutanasia - o direito de morrer à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana. Disponível em:<ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-148/eutanasia-o-direito-de-morrer-a-luz-do-principio-constitucional-da-dignidade-da-pessoa-humana/>. Acesso em: 09 de Dez. de 2021.

SPIEGEL, D. Transtorno Dissociativo de Identidade. Disponível em:<www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiquiátricos/transtornos-dissociativos/transtorno-dissociativo-de-identidade>. Acesso em: 09 de Dez. de 2021.

TARTUCE, F. Manual de Direito Civil. São Paulo: Editora Método, 2021.

Sobre a autora
Bruna Martins Torres de Morais

Advogada e Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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