As alterações trazidas pela Medida Provisória n° 703/2015 na Lei n° 8.429/92 - Lei de Improbidade Administrativa

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Resumo: Em 18 de dezembro de 2015, a Presidenta da Republica emitiu a Medida Provisória n° 703, que alterou a redação na Lei 8.429/92 a Lei de Improbidade Administrativa, tratando da possibilidade de acordos de leniência e impedimentos de entes públicos (Advocacia Pública respectiva ou Ministério Público) proponham ou prossigam com demandas desta natureza. Assim ampliando a celebração de acordos de leniência, com a participação institucional nesses acordos. Entre outros pontos, a MP 703 permite que as empresas e os agentes acusados de corrupção que aderirem ao acordo de leniência o direito de continuar participando de contratos com a administração pública caso cumpram penalidades e demais condições legais.

Palavras-Chave: Acordo de Leniência; Improbidade Administrativa; Infrações Administrativas.


Introdução

A Constituição Federal de 1988 apresenta em seu corpo textual, o termo improbidade administrativa em duas ocasiões, conforme o Artigo 15 e o § 4° do Artigo 37:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

(...)

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

 Porém, a Constituição não menciona o conceito para a tipificação do ato ímprobo. Apenas relaciona à questão das sanções decorrentes da improbidade administrativa.

Para tanto em 02 de junho de 1992, no Governo Collor, regulamentou a Lei n° 8.429, chamada de Lei da Improbidade Administrativa ou L.I.A., vindo tipificar os atos ímprobos, tendo como propósito coibir a prática de atos de improbidade. Buscando esclarecer a previsão constitucional que antes não havia norma regulamentadora.

A Lei de Improbidade Administrativa foi considerada uma ferramenta de suma importância para o avanço na proteção da moralidade administrativa, trazendo segurança jurídica a todos que são partes nos Processos Administrativos Disciplinares PAD, tanto para o pólo ativo como para o passivo.

O presente artigo apresenta uma revisão bibliográfica sobre os atos de improbidades administrativas e outros crimes que atentam contra a administração pública. Dessa forma, através de pesquisas, buscou-se analisar a constitucionalidade e a inconstitucionalidade da MP 703/2015, produzindo uma informação de forma geral, especificando as críticas e as vantagens do seu texto

Este artigo acadêmico abordará o conceito, tipos e sanções para os crimes contra a administração pública - improbidade administrativa - , bem como a atual polêmica, com a edição da Medida Provisória nº 703/15 que permite, entre tantas outras, a celebração de acordo de leniência sem o aval e acompanhamento das sanções dos acordos, pelos Ministérios Públicos e outros órgãos de controle externo como a Controladoria Geral da União, os Tribunal de Contas da União, Tribunais de Contas Estaduais e os Tribunais de Contas Municipais.

Apresentamos o trabalho com quatro divisões, em seções, sendo a primeira esta introdução. A segunda apresenta o desenvolvimento, na terceira, os resultados obtidos na busca dos artigos relacionados ao tema. E por fim, os comentários finais.

O ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O dicionário de vocabulário jurídico de De Plácido e Silva, apresenta a origem de probo e probidade, como palavras que advêm de, probus ou probitas: o que é reto, leal, justo, honesto, mas também se refere à maneira criteriosa de proceder. Segundo esse mesmo dicionário, ímprobo seria o mau, perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador. Alguns estudiosos ainda mencionam que probus seria o que brota bem.

Citando a Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Enquanto a probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição estabelece sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, § 4º.)

O agente público ou privado que se utiliza de atos ímprobos, prejudicando a coisa pública. Fazendo uso de um comportamento contrário da qual é esperado, para com todo cidadão, desde o mais simples, naquilo lhe fora confiado. Este agente corrompe com a honestidade e lealdade no exercício de suas atribuições confiadas.

A Lei da Improbidade Administrativa (LIA)

O jurista nacional, Dr. Celso Antônio Bandeira de Mello, nos traz a importância da L.I.A.:

De transcendente importância é a Lei 8.429, de 2.6.92, a qual arrola uma cópia de comportamentos qualificados como de improbidade administrativa, cuja prática assujeita o agente, de fora parte sanções penais, civis ou administrativas, contempladas na legislação competente, a uma série de consequências gravosas, previstas em seu art. 12, tais as de: ressarcimento integral do dano, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; multa civil e proibição, por tempo determinado, de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Qualquer pessoa pode representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada à apuração de tais ilícitos, sem prejuízo de representar também ao Ministério Público (Arts. 14 e 22).

Como definida na Lei n° 8.429 de 1992, as improbidades caracterizam-se, por: enriquecimento ilícito, danos ao erário, e violação aos princípios administrativos.

Conforme o artigo 9, o enriquecimento ilícito é o ato de auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades públicas. 

À que ser comprovado a conduta dolosa do agente para o seu enquadramento, não se admitindo a punição nos casos em que o enriquecimento ilícito decorra de conduta culposa.

O artigo 10 trata dos atos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário. Eles equivaleriam a qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres dos sujeitos passivos da improbidade administrativa. 

Entre os atos que causam prejuízo ao erário, enquadrados, portanto, na Lei de Improbidade Administrativa, estão: permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado e ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento. Neste ato cabem os atos culposos.

Por último, o artigo 11 estabelece como ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Como, por exemplo, fraudar um concurso público, negar a publicidade de atos oficiais ou deixar de prestar contas quando se tem a obrigação de fazê-lo.

Dessa forma, podemos dizer que com base na referida Lei, tais definições servem para o poder público ou a quem se sirva, utilizar a norma para exata tipificação da improbidade, zelando pelos princípios que a Constituição Federal no seu Artigo 37 apresenta.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...

Cita-se o quadro abaixo, para esquematizar as improbidades administrativas, trazendo seus requisitos e penalidades:

Art. 09 Enriquecimento ilícito

Art. 10 Lesão ao patrimônio publico

Art. 11 Atos que atentam contra os princípios da Administração Publica

Perda da Função

Perda da Função

Perda da Função

Perda dos bens

Perda dos bens

Não há perda de bens

Ressarcimento ao erário

Ressarcimento ao erário

Ressarcimento ao erário

Multa até 3x o valor

Multa até 2x o valor

Multa até 100x o valor da remuneração

Suspenção dos direitos políticos - 08 a 10 anos

Suspenção dos direitos políticos - 05 a 08 anos

Suspenção dos direitos políticos - 03 a 05 anos

Proibição de contratar com Poder Público por 10 anos

Proibição de contratar com Poder Público por 05 anos

Proibição de contratar com Poder Público por 03 anos

Conduta Dolosa

Conduta Dolosa ou Culposa

Conduta Dolosa

  1. As Diferenças entre Improbidade Administrativa, Corrupção e Crime Contra a Administração Pública

Quanto a improbidade administrativa, como fora visto no tópico anterior, encontra-se dentro do arcabouço jurídico do direito cível e subdividindo no direito administrativo.

Já a corrupção e outros crimes contra a administração pública, explanaremos suas maiores diferenças neste tópico.

Merecendo destaque a definição de corrupção de Klitgaard pela qual:

Corrupção é o comportamento que se desvia dos deveres formais de uma função pública devido a interesses privados (pessoais, familiares, de grupo fechado) de natureza pecuniária ou para melhorar o status, ou que viola regras contra o exercício de certos tipos de comportamento ligados a interesses privados.

Outra significativa opinião, é a do Professor Marcos Fernando G. Silva com outras definições muito expressivas, são elas:

Prática do uso do poder do cargo público para obtenção de ganho privado, a margem das leis em vigor.

Corrupção é o comportamento de agentes públicos, que foge das normas aceitáveis, para atingir fins privados;

Corrupção é o mau uso do poder político para benefícios privados;

Corrupção governamental é a venda, por parte de funcionários públicos de propriedade do governo tendo em vista ganhos pessoais

Vejamos o que nos confere o constitucionalista, Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Sob o prisma léxico múltiplos são os significados do termo corrupção, expressão que se origina do latim corruptione, que dá a ideia de corromper, que por sua vez significa decomposição, putrefação, depravação, desmoralização, devassidão, suborno ou peita, chegando-se até a afirmar que suas raízes se insinuam no cerne da alma humana, eis que os atos que a caracterizam se encontram ligados a uma fraqueza moral.

O termo corrupção que popularmente se usa, é empregada, na maioria dos casos, para definir um ato qualquer, que traga estragos à Administração Publica. Com tudo, os conceitos de corrupção, improbidade administrativa e crimes contra a administração pública são distintos, e sendo mal empregados para a tipificação de atos ou crimes, estarão equivocadas desde o princípio do devido processo legal.

O ponto que mais diferencia entre esses tipos delituosos, é seu próprio arcabouço jurídico que está vinculado. Que adentrado no Código Penal, encontram-se os crimes contra a administração pública, e na seara administrativa e cível, encontramos os atos de improbidades administrativos, não necessariamente concomitantes ou dicotomizados.

O Conselho Nacional de Justiça em seu sitio eletrônico, através de um artigo, vem nos ajudar a materializar uma situação antes explanada.

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Podemos citar como exemplo, em uma condenação de um servidor público por fraude em licitação, ele provavelmente responderá administrativamente, em um processo interno do órgão a que pertence; na esfera criminal, por crime contra a administração pública; e também por improbidade administrativa, na esfera cível.

No Título XI do Código Penal, temos arrolados os crimes contra a administração pública, com os seus diferentes agentes para cada capítulo. 

Citamos, por exemplo, crimes cometidos por agente público contra a administração pública: Peculato (art. 312), Peculato mediante erro de outrem (art. 313), Inserção de dados falsos em sistemas de informações (art. 313-A), Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (art. 313-B), Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (art. 314), Emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art. 315), Concussão (art. 316), Excesso de exação (§ 1, art. 316), Corrupção Passiva (art. 317), Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318), Prevaricação (art. 319), Condescendência criminosa (art. 320), Advocacia Administrativa (art. 321), Violência arbitrária (art. 322), Abandono de função (art. 323), Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado (art. 324), Violação de sigilo funcional (art. 325), Violação de sigilo de proposta de concorrência (art. 326).

Existe a previsão de agravante da pena neste Capítulo, quando os autores dos crimes previstos forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento, terão a pena aumentada da terça parte.

Quando o agente criminoso fora particular, o Código Penal trás outro capítulo com outros delitos: Usurpação de função pública (art. 328), Resistência (art. 329), Desobediência (art. 330), Desacato (art. 331), Tráfico de influência (art. 332), Corrupção ativa (art. 333), Descaminho (art. 334), Contrabando (art. 334-A), Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (art. 335), Inutilização de edital ou de sinal (art. 336), Subtração ou inutilização de livro ou documento (art. 337), Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A). 

Assim, podemos esmiuçar melhor o termo corrupção que comumente utilizamos em nosso dia-a-dia.

O mesmo governo que editou a MP 703/2015, em dezembro de 2015, editou antes, em janeiro de 2014, a Lei N° 12.846, chamando de Lei Anticorrupção. Que trás as regras de punição as práticas empresariais relacionadas à corrupção.

Regulamentando aplicações de multas, que vão até 20% do faturamento, critérios para o cálculo da multa, parâmetros para avaliação de programas de compliance, regras para a celebração dos acordos de leniência e disposições sobre os cadastros nacionais de empresas punidas. Procedimentos que estão sob a responsabilidade da Controladoria-Geral da União (CGU).

O ACORDO DE LENIÊNCIA

Leniência indica brandura ou suavidade (SOBRAL, 2001, p. 133). Considerado artifício de reparação e de disciplina, o acordo de leniência, vem definir um ajustamento entre o ente estatal lesado e um transgressor confesso, pelo qual o primeiro recebe a colaboração probatória do segundo em troca da suavização da punição ou mesmo da sua extinção. Isto ainda considerando a fase administrativa dentro de um processo disciplinador. 

Possibilitando uma abordagem dinâmica e célere entre as partes, com obrigações recíprocas. Com fiscalização e aval obrigatório dos órgãos de controles externos.

Para Gesner José de Oliveira Filho e João Grandino Rodas. 

A leniência envolve uma efetiva transação: O Estado e o delator, que em troca de informações viabilizadoras da instauração, da celeridade e da melhor fundamentação do processo, possibilita um abrandamento ou extinção da sanção em que este incorreria, em virtude de haver também participado na conduta ilegal denunciada.

Em outros sistemas jurídicos, acordos ou programas análogos são também designados como sistema de bônus, de anistia ou da testemunha da coroa. 

Segundo o jurista Professor Luiz Flávio Gomes, nos ensina sobre a testemunha da coroa:

De acordo com o artigo 202 do Código de Processo Penal toda pessoa pode ser testemunha. Na legislação extravagante, como na Lei 9.034/95 (Organizações Criminosas) e na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), encontra-se a possibilidade de atuação do agente infiltrado, figura imbuída de encontrar elementos probantes da prática delitiva investigada. O agente infiltrado atuará de forma dissimulada dentro das organizações para obter informações privilegiadas das práticas criminosas. Poderá ser um policial ou outra pessoa especializada em investigação que agirá mediante autorização judicial. A missão do agente infiltrado é trazer provas dos crimes cometidos para o processo penal, a fim de contribuir para a elucidação do caso. Assim, testemunha da coroa é a figura do agente infiltrado nas organizações criminosas e nos crimes de tráfico de drogas, que trará conteúdo valioso para a comprovação do delito e para a persecução criminal. Chama-se testemunha da coroa (do Estado) porque vai depor em nome do Estado, que o infiltrou na organização criminosa ou no tráfico de drogas para comprovar esses delitos.

O termo testemunha da coroa é utilizado no direito alemão, como define Thiago Marrara.

Simboliza a cena do infrator que confessava a prática, delatava os coautores e permanecia ao lado do trono em contraposição aos demais acusados pelo monarca. Seja qual for a terminologia preferida, a idéia central é única e consiste na colaboração que o infrator oferece ao Estado no desejo de obter o benefício da exclusão da punibilidade ou a redução da sanção.

Noutros países, principalmente os europeus, este tipo de acordo é promovido recorrentemente, tal como previsto na Diretiva n° 2014/24 do Parlamento Europeu, que se refere aos contratos públicos firmados pelos países da Comunidade Econômica Européia - CEE.

O próprio direito brasileiro previa outros tipos de ajustes inclusive a própria leniência entre o setor público e o setor privado, para compor determinados agentes ao cumprimento da lei.

O Brasil através da Lei n° 7.347/1985 - Lei da Ação Civil Pública, contribuía com o Termo de Ajustamento de Conduta TAC, previsto no § 6 do Art. 5°. Possibilitando dentro do nosso ordenamento jurídico outro tipo de acordo que temos como exemplos, e o acordo de leniência passível de ser firmado com pessoas físicas e jurídicas que forem autores de infração à ordem econômica da Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei n° 12.529/2011).

Importante lembrar que o acordo de leniência que a MP 703 vem alterar, já é previsto na Lei Anticorrupção Empresarial (Lei n° 12.846).

Objetivo do acordo de leniência

O principal objetivo da leniência, é fazer com que os agentes econômicos suspendam a prática de atos lesivos a administração pública e, ao mesmo tempo, confessem a prática de atos ilícitos e tragam elementos a elucidação do caso, sem prejuízo da continuidade de suas atividades no âmbito da contratação pública. Não desobrigando o agente fraudador de firmar o acordo de leniência com o Poder Público, onde será obrigado a reparar todo o dano causado.

Critérios para celebrar o acordo de leniência

A pessoa física e jurídica deverá atender a seguintes critérios:

a) ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante;

b) ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo;

c) admitir sua participação na infração administrativa;

d) cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento;

e) fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

Justificativas para leniência: O Impacto na sociedade

A principal justificativa é o abandono da ideia de que a pessoa jurídica deve sair prejudicada do acordo. Assim, como explica Pedro Serrano: 

O crime empresarial, principalmente quando cometido em relação ao poder público, traz danos à sociedade, mas sacrificar a empresa para dar o exemplo só provoca mais prejuízos, com a eliminação de empregos. Nenhuma nação é louca de queimar seus ativos econômicos.

Seguindo a mesma linha de argumentação, vem enfatizar, Jaime Rodríguez-Arana, presidente do Foro Ibero-Americano de Direito Administrativo e integrante da Academia Internacional de Direito Comparado de Haia.

Buscando um meio para que os cidadãos possam desfrutar de obras públicas e de serviços públicos que lhes permitam viver em melhores condições.

Segundo Jaime Rodriguez-Arana, ele explica no artigo Contratação, boa administração pública e self-cleaning, o operador econômico que cometeu irregularidades previstas nas Diretivas Comunitárias Europeias aprovadas em 2014.

Pode solicitar ao órgão contratante o perdão através de um compromisso em que se documente fidedignamente que agora é um operador confiável. Assim, se as provas são consideradas suficientes pelo órgão contratante para acreditar na confiabilidade do licitador, este não estará excluído.

Para Murilo Celso de Campos Pinheiro, presidente da Federação Nacional dos Engenheiros e do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo. 

O País viveu décadas de resignação diante de uma estagnação econômica que empobrecia a população e impedia qualquer projeto de futuro. Não é possível nos conformarmos com um retrocesso que nos leve de volta àquela situação. É preciso buscar formas de garantir o emprego e a renda dos trabalhadores e a capacidade produtiva das empresas. 

Benevolência do Estado: contratempos da leniência

A célebre Lei de Improbidade Administrativa originalmente, veda de modo expresso, a celebração de quaisquer acordos nas respectivas ações de improbidades administrativas.

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º: É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

No entanto, o inciso I do artigo 2º da MP 703 revoga expressamente a vedação de acordos ou conciliações.

Art. 2º.  Ficam revogados:

I - o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de1992

Através da MP 703, a homologação e validação de acordo de leniência, mesmo que o processo já tenha sido judicializado, com fundamento na Lei 8.429/1992, quaisquer que seja, tornam-se possíveis, considerando que as normas processuais incidem de imediato nos processos em curso.

Para o catedrático da Universidade de São Paulo, Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho, destaca que a doutrina segundo o qual as leis processuais retroagem:

As leis novas aplicam-se imediatamente, dispõem para o futuro, atraindo, porém, para seu império os efeitos ou as conseqüências dos fatos passados e influindo sobre estas conseqüências

Tendo essa regra processual, será gerado um contratempo e benevolência do Estado com o agente delituoso, visto que, em ocorrendo a homologação do acordo de leniência, o Estado não mais teria possibilidade de continuar o processo administrativo ou judicial, inclusive exigindo a desistência do processo em curso.

Acabando com todas as pretensões materiais e processuais, que o Estado tem por direito e dever no zelo na coisa pública.

A MEDIDA PROVISÓRIA N° 703 DE 18 DE DEZEMBREO DE 2015

No final de 2015, a Presidente da República editou a Medida Provisória nº 703, de 18 de dezembro de 2015, revogando expressamente em seu artigo 2º, inciso I, o artigo 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92:

Art. 2º  Ficam revogados:

I - o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de1992; 

Anteriormente a emissão da MP 703/2015 pelo executivo, a Lei de Improbidade Administrativa, proibia qualquer tipo de acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa, sendo esta vedação aplicada para não se possibilitar qualquer tipo de disponibilidade dos bens e negócios públicos.

Além disso, a Medida Provisória ainda modificou e inseriu alguns artigos no Capítulo V, denominado como Acordo de Leniência, da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, 1º de agosto de 2013), que trata sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

A justificativa para a Edição da Medida Provisória 703/2015, encontra-se no Item 9 do Memorando Interno nº 00207/2015 MP AGU CGU MJ, da Advocacia Geral da União para a Presidência da República:

Assim, em razão da urgência de se contar com procedimentos mais céleres para firmar acordos de leniência e salvaguardar a continuidade da atividade econômica e a preservação de empregos é que se faz necessária a edição desta Medida Provisória, de texto análogo ao já aprovado pelo Senado Federal.

Após a edição da Medida Provisória, surgiram dois posicionamentos, um contrário, tendo os órgãos controladores com o MPF, MPTCU e AMPCON Associação Nacional do Ministério Público, e outro a favor, tendo a AGU, Federações da Construção, Indústria e dos Engenheiros e alguns juristas militantes no Direito Empresarial.

A corrente desfavorável, que agrega especialmente os órgãos de controle externo e o Ministério Publico Federal, a Medida Provisória 703/2015 violou o artigo 62, §1º, alínea b da Constituição Federal:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I - relativa a:

...

b) direito penal, processual penal e processual civil;

Sustentam que a titularidade para legislar sobre essa matéria é do Congresso Nacional. Ainda protesta que Medida impõe limitações a atuação do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contras Estaduais e Municipais.

Por diferente sentido, os favoráveis da Medida Provisória amparam que trata-se de medida indispensável. Por trazer orientação disciplinar no texto de forma mais objetiva e pragmática para o instituto do acordo de leniência. Viabilizando a reabilitação e manutenção das pessoas jurídicas inquiridas por desconfiança de atos de corrupção ou de ilícitos contra o erário e a coisa pública.

Os favoráveis apelam, que a Medida Provisória está em consonância com a legislação mais novel de países avançados do mundo. Alcançando o objetivo de garantir a punição e o ressarcimento total dos danos ao Erário.

Argumentam de forma subjetiva que a MP trará crescimento econômico e garantias de empregos. Considerando que as empresas terão condições para retomarem os contratos com o setor público. 

Críticas a MP 703/2015

O subprocurador-geral da República, Nicolao Dino, alerta que a Medida Provisória contém disposições que, de certa forma, alteram a importância do acordo de leniência como mecanismo de investigação. 

O acordo de leniência não pode ser visto como uma mera transação patrimonial e nem como instrumento unicamente de recuperação de valores, ele tem que ser visto como técnica especial de investigação e instrumento legítimo de defesa do investigado.

Conforme determina o parágrafo 4° do artigo 37 da Constituição Federal, qualquer atividade ilícita que gere dano ao Erário público, deve ser reparada no mínimo integralmente ao valor do prejuízo cometido.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

O Ministério Público defende que todos os acordos de leniência, tenham a participação do parquet.

Nicolao Dino, Subprocurador do MPF, ratifica que o Ministério Público é titular da ação de improbidade administrativa e nessa condição, deve participar em todas as fases do acordo, seja para verificar e exercer a legalidade dos atos referentes ao acordo, seja para assegurar que as consequências também repercutirão nas diversas esferas de responsabilização.

Vícios na MP 703/2015

A Medida Provisória 703/15 é similar ao Projeto de Lei 3636/15, já aprovado pelo Senado Federal e que está em análise em Comissão Especial na Câmara dos Deputados.

Para o Senador Randolfe Rodrigues - REDE/AP, a MP não poderia haver porque versa sobre matéria penal e processual penal. 

Parece-me que isso, inclusive, constrange a relevância e a urgência, pré-requisitos necessários para a emissão de MP, visto que a matéria já estava em debate aqui no Congresso Nacional.

De acordo com o Senador Ricardo Ferraço PSDB/ES, a Medida Provisória apresenta sinais de violação à Constituição Federal.

Na minha opinião, extrapola seus limites constitucionais ao tratar de questões da esfera penal e processual, algo vedado para o instituto das medidas provisórias.

Considerações Finais

Considerando o princípio basilar da separação dos poderes onde é de competência privativa do Congresso Nacional legislar sobre matéria processual civil e penal.

Logo a Edição pelo Poder Executivo de Medida Provisória que ultrapasse suas atribuições constitucionais suprimindo artigos de Lei Federal, estabelecendo a celebração de acordos de leniência orientando ainda na extinção de processos de improbidade administrativa em curso e a impossibilidade de futuras ações de improbidade, a par de revogar o parágrafo 1º do artigo 17 da referida Lei Federal. Fere sobremaneira o princípio da separação dos poderes.

Mesmo que a AGU apresentando em seu Memorando, interesse republicano em dar celeridade aos acordos em curso e continuidade em obras de engenharia, com o propósito de proteger a economia e os empregos no País. A Medida Provisória invadiu matéria vedada a essa via legislativa, pois, ao promover alterações na Lei de Improbidade Administrativa, adentrou na seara do Direito Processual Civil, violando expressamente a proibição constante do artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, alínea b da CF.

O artigo 62 da CF ainda exige que a matéria seja de urgência, assim, assegurando impedimento na tentativa de desmerecer ou vulgarizar. Por essas razões que o Partido Popular Socialista PPS propôs junto ao STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 5466. Tendo a Ministra Rosa Weber na relatoria. A PGR já emitiu parecer para a inconstitucionalidade da Medida Provisória e deferimento da ADI.

Penitenciar severamente as empresas corruptas melhora a economia nacional, permitindo que novos players se estabeleçam por sua competência empresarial, empresas cortem seus custeios de operação. O País terá mais e melhor infraestrutura, mais empregos e renda sejam gerados. Ser lenientes com as empresas envolvidas não só é ilegal como é imoral. 

Propagando ao mundo uma ideia de que nossas leis são benevolentes e maleáveis, mantendo o País no atraso do combate a corrupção empresarial.

Permitir que alguns empresários injustos obtenham leniência dos seus crimes, protegidos pelo manto legal, é admitir o raciocínio de que vale a pena violar a lei para depois se acertar com o governo e se livrar de sanções graves.

Em conclusão, as pretendidas alterações processuais cíveis e na esfera do controle externo, decorrentes de acordos de leniência, previstas em dispositivos dessa Medida Provisória 703, afiguram-se flagrantemente inconstitucionais.

  1. Referências Bibliográficas:

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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Corrupção e Democracia. O Regime Democrático e a Questão da Corrupção Política. Coordenadores: ZILVETI, Fernando Aurélio; LOPES, Sílvia. São Paulo: Atlas, 2004

KLITGAARD, Robert. A corrupção sob controle. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

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Abstract: On 18 December 2015, the President of the Republic, issued the MP No. 703, which amended the wording of Law 8,429 / 92 - Administrative Misconduct Law, dealing with the possibility of leniency agreements and public entities impediments (Public Advocacy respective or prosecutors) propose or continue with demands of this nature. Thus expanding the celebration of leniency agreements with institutional participation in such agreements. Among other things, the MP 703 allows companies accused of corruption adhering to the leniency agreement the right to continue participating in contracts with the government if they comply with penalties and other legal conditions.

Keywords: Leniency agreement; administrative dishonesty; administrative violations.

Sobre o autor
Juliano Emanuel Bittencourt Camargo Barroso

Analista Judiciário no Poder Judiciário de Mato Grosso, especialista em Direito Tributário e Contabilidade Pública com ênfase em Auditoria e Controle pela Faculdade UNYLEYA, advogado e professor.

Informações sobre o texto

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