Ação popular não é via adequada para recuperação de área degradada

19/05/2022 às 19:17
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Ação popular não é via adequada para recuperação de área degradada. Ação popular extinta por inadequação da via eleita.

Imagem: IBAMA. Artigo original em https://advambiental.com.br/acao-popular-nao-e-via-adequada-para-recuperacao-de-area-degradada/

 

O artigo 5º, inciso, LXXIII da Carta Magna, dispõe que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

A Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965), dispõe em seu artigo 1º, caput e §1º:

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

Visa a ação popular, instrumento constitucional de acesso democrático de fiscalização exógena de atos e contratos nulos, reconhecer a invalidade de ato ou de contrato administrativo que não esteja pautado com os requisitos legais quanto ao objeto, sujeito, motivo, finalidade e forma. O direito a ser aplicado é eminentemente público.

De igual modo, a Lei da Ação Popular confere legitimidade ao cidadão para postular em juízo a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público. Segundo Hely Lopes Meireles[1]:

Ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos ou a estes equiparados ilegais e lesivos ao patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos.

1. Demonstração cabal da ilegalidade e lesividade da ação ou omissão impugnada

Em sede de ação popular, deve haver a demonstração cabal do binômio ilegalidade-lesividade[2]. No escólio de Daniel Amorim Assumpção Neves[3]:

Debate interessante no tocante ao cabimento da ação popular diz respeito à necessária existência do binômio ilegalidade e lesividade do ato impugnado. Ainda que atualmente seja indiscutível que estão abrangidos no objeto de tutela da ação coletiva os bens materiais e imateriais que compõem o patrimônio público, algumas questões ainda suscitam divergências.

Adiante-se que o debate não atinge a ação popular preventiva, que busca tão somente evitar a prática de ato ilícito, não sendo requisito para sua concessão a existência ou potencial existência de lesão ou de dano. A exigência ou não de lesividade, portanto, restará limitada às ações que tenham como objeto atos ou omissões já ocorridos.

Na terceira hipótese de cabimento, voltada à tutela do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural, ainda que se tutelem bens imateriais, também parece ser indispensável a existência de lesividade a tais bens para o cabimento da ação popular.

No tocante à ilegalidade, também se nota uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial pela exigência de sua verificação no caso concreto, ainda que sob as mais diferentes formas, tais como desvio do padrão legal, abuso de poder, desvio de finalidade e ofensa à razoabilidade.

Parcela da doutrina lamenta tal exigência na hipótese de ato lesivo ao meio ambiente, afirmando que, nesse caso, a responsabilidade do ofensor é objetiva, sendo dispensável a comprovação de culpa no ato ou omissão.

Entendo incorreta a tese, porque, na responsabilidade objetiva, não se dispensa a ilicitude do ato, tão somente a culpa, notoriamente elementos distintos da responsabilidade civil, de forma que, mesmo sendo caso de responsabilidade objetiva, será imprescindível para se veicular a pretensão por meio de ação popular a existência de alguma ilegalidade no ato ou omissão impugnada.

No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles, Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes[4]:

O segundo requisito da ação popular é a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar, isto é, que o ato seja contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública. Não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas, sim, a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto.

Isto não significa que a Constituição vigente tenha dispensado a ilegitimidade do ato. Não. O que o constituinte de 1988 deixou claro é que a ação popular destina- se a invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público.

Essa ilegitimidade pode provir de vício formal ou substancial, inclusive desvio de finalidade, conforme a lei regulamentar enumera e conceitua em seu próprio texto (art. 2º, a a e). O terceiro requisito da ação popular é a lesividade do ato ao patrimônio público.

Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade.

E essa lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito.

Nos demais casos impõe-se a dupla demonstração da ilegalidade e da lesão efetiva ao patrimônio protegível pela ação popular. Sem esses três requisitos condição de eleitor, ilegalidade e lesividade - que constituem os pressupostos da demanda, não se viabiliza a ação popular.

2. Ação popular se presta a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos

Certo que a lesão ao patrimônio público, moralidade administrativa, meio ambiente ou patrimônio histórico e cultural também pode decorrer de omissão administrativa, e não somente de um ato comissivo, isto é, não exercício do poder de polícia.

Com efeito, o poder de polícia apresenta dois aspectos: o preventivo, através do qual a Administração busca impedir um dano social; e o repressivo que, em face da transgressão de norma de polícia, redunda na aplicação de determinada sanção[5].

Ocorre que, a ação popular que não questiona ato administrativo, mas sim pleito de obrigação de fazer dirigido ao ente público para que seja recuperada uma determinada área degrada, deve ser julgada extinta.

Isso porque, a ação popular tem como móvel a impugnação de ato administrativo lesivo ao patrimônio público, ou, na nossa análise, ao meio ambiente, vale dizer: não estar-se-ia contestando ato administrativo que lesou o meio ambiente.

3. Requisitos para propor a ação popular

De acordo com as lições de Gilmar Ferreira Mendes, Hely Lopes Meirelles e Arnoldo Wald[6] sobre o tema dos requisitos para a propositura da Ação Popular, apontando para a importância, além a condição de cidadão eleitor do autor, a demonstração cabal do binômio ilegalidade e lesividade:

O segundo requisito da Ação Popular é a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar, isto é, que o ato seja contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública.

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Não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas sim a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto. Isto não significa que a Constituição vigente tenha dispensado a ilegitimidade do ato. Não. O que o constituinte de 1988 deixou claro é que a ação popular destina-se a invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público.

Essa ilegitimidade pode provir de vício formal ou substancial, inclusive desvio de finalidade, conforme a lei regulamentar enumera e conceitua em seu próprio texto (art. 2º, "a" a "e"). O terceiro requisito da ação popular é a lesividade do ato ao patrimônio público.

Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade.

E essa lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito.

Nos demais casos impõe-se a dupla demonstração da ilegalidade e da lesão efetiva ao patrimônio protegível pela ação popular. Sem estes três requisitos - condição de eleitor, ilegalidade e lesividade -, que constituem os pressupostos da demanda, não se viabiliza a ação popular.

Desse modo, preenchido os requisitos, tem-se que a ação popular se presta a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao património público, de forma que a inexistência de um ato a combater demonstra ter sido inábil a via eleita, pois inviável o uso da ação popular para impor à administração a obrigação de fazer ou não fazer, objeto precípuo da ação civil pública.

4. Conclusão

A ação popular que busca a condenação do ente público em obrigação de fazer ou não fazer para recuperação de área degrada, torna a inicial inepta por falta de interesse de agir em virtude da inadequação da via eleita. Nesse sentido ensina Theotonio Negrão[7]:

O conceito de interesse processual é composto pelo binômio necessidade-adequação, refletindo aquela a indispensabilidade do ingresso em juízo para a obtenção do bem da vida e se consubstanciando está na relação de pertinência entre a situação material que se tenciona alcançar e o meio processual para tanto.

Com efeito, uma vez que a disciplina legal da ação popular, tanto na lei específica, quanto na Constituição Federal, estabelece pretensões claras de declaração de anulação ou nulidade, a pretensão condenatória de obrigação de fazer ou não fazer é incompatível com o instituto da ação popular.

Isto é, a ação popular não é a via adequada à discussão de recuperação de área degrada, tendo em vista a ausência de ato concreto ocasionador de lesão ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, que fosse passível de declaração de nulidade ou anulabilidade.

Assim, a falta de interesse de agir, bem como falta de pressupostos processuais específicos da ação popular não comporta seu acolhimento, visto que o cidadão, autor da ação popular, há de fundamentar o seu pedido em causa jurídica expressa determinante de nulidade ou de anulabilidade do ato administrativo.

Vale destacar ainda, que a ação popular é de cunho exclusivamente condenatório e por isso não pode ser utilizada para proteção do meio ambiente, sob pena de ser extinta por inadequação da via eleita, porque se destina à fiscalização, pelo cidadão, da Administração Pública, a fim de combater a prática de ato ilegal, imoral ou lesivo ao patrimônio público.

Embora seja dever do Poder Público a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, da Constituição Federal), não cabe ação popular para obrigar os entes federados ao fiel cumprimento da lei ambiental, porque isso resultaria em decreto condenatório que extrapola os limites da ação popular.

Para proteção do meio ambiente, o demandante pode se utilizar da ação civil pública (se legitimado) ou da ação cível de obrigação de fazer ou não fazer. Do contrário, o ajuizamento de ação popular para esse fim deve extinta por inadequação da via eleita, sobretudo porque não será possível demonstrar de forma cabal o binômio ilegalidade-lesividade.

[1] Mandado de Segurança, 2005, Ed. Malheiros Editores, pág. 129.

[2] Resp 1.447.237/MG.

[3] Ações Constitucionais, Editora Juspodivm, 3ª ed., 2017, p. 303-304.

[4] Mandado de Segurança e Ações Constitucionais, Malheiros, 37ª ed., 2016, p. 193/194.

[5] José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 31ª ed., p. 89.

[6] Mandado de Segurança e Ações Constitucionais, São Paulo, Malheiros, 2009, p. 151/152.

[7] Código de Processo Civil e Legislação em Vigor, 2016, Ed. Saraiva, pág. 111.


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Cláudio Farenzena

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