Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça: A admissibilidade da mudança de prenome e gênero pela via administrativa, uma Aplicação do direito à vida privada e a dignidade da pessoa humana.

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Resumo: O presente artigo aborda um tema recente no que se refere a mudança de prenome e gênero com a nova possibilidade seja qual pela via administrativa, fazendo uma arguição com os princípios essenciais de direitos básicos do cidadão e explanando também possíveis falhas no novo provimento seja para o público-alvo. Com esse escopo, o artigo tratará do direito ao nome e os princípios da inalterabilidade e imutabilidade. Na sequência, abordaremos a questão dos sujeitos transgêneros e, por fim, será dado enfoque a retificação de registro do público trans pela via administrativa, operada pela decisão judicial e regulada pelo Provimento n. 73/2018 do CNJ, notadamente explanando as dificuldades experimentadas, que ferem os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à vida privada. Para constituir esse artigo foram utilizadas normas da corregedoria, leis vigentes, jurisprudências, entendimentos, doutrinas e artigos científicos, com o intuito de clarear sobre direitos das pessoas trans e o meio para conseguir tais direitos.

Palavras-chave: Prenome e Gênero; Provimento nº 73/2018 do CNJ; Direito ao nome; Personalidade;

Abstract: This article addresses a recent theme regarding the change of first name and gender with the new possibility, either through the administrative route, making an argument with the essential principles of basic citizen rights and also explaining possible failures in the new provision either for the target Audience. With this scope, the article will deal with the right to the name and the principles of inalterability and immutability. Next, we will address the issue of transgender subjects and, finally, focus will be placed on the rectification of registration of the trans public through the administrative route, operated by judicial decision and regulated by Provision n. 73/2018 of the CNJ, notably explaining the difficulties experienced, which violate the principles of human dignity and the right to private life. In order to constitute this article, norms of internal affairs, current laws, jurisprudence, understandings, doctrines and scientific articles were used, in order to clarify the rights of trans people and the means to achieve such rights.

Keywords: First name and Genre; Provision no. 73/2018 of the CNJ; Right to name; Personality.

Sumário: Introdução. 1. Do Nome Civil. 1.1 Nome Civil e os Princípios da Imutabilidade e Inalterabilidade do Nome 1.2. A Dignidade da Pessoa Humana: Uma Relação à Identidade Pessoal e a Personalidade 2. Dos Sujeitos Transgêneros 2.1 Transexuais 2.2 Não Binário 2.3 Cisgêneros 2.4 Travestis 3. A Alteração no Registro de Pessoas Trans no Cartório das Pessoas Naturais 3.1. Da Alteração de Nome e Gênero para Pessoas Trans o Novo Provimento n° 73/2018 do CNJ E A Adi 4275 3.2. A Burocracia Para a Retificação de Prenome e Gênero Enfrentada Pelo Público Trans nos Termos do Provimento n. 73 do CNJ em Controvérsia com a Decisão do STF 3.3 Carência de Normas Inclusivas para Pessoas Transgêneras e a Escassez de Informações interesse do Público Trans 3.4. A Sigilosidade em Consonância com o Direito à Vida Privada. Considerações Finais. Referências

INTRODUÇÃO

O nome é um caractere importantíssimo para o homem, por meio dele o sujeito é conhecido e se individualiza no seio social, pois se constitui um símbolo designativo da pessoa.

Prevê nossa legislação civil no artigo 16 que o nome civil integra o rol dos direitos da personalidade. Percebe-se, então, que como atributo da personalidade, é a imprescindibilidade de que a pessoa se reconheça com tal insígnia. Justamente, por isso, a legislação de registro permite hipóteses em que é possível a retificação do nome civil, a fim de atender a tais questões peculiares, um deles a alteração de nome do público transgênero Tamanha a importância que em sede de Repercussão Geral, no tema 761, cuja tese foi firmada em 15/08/2018, o Supremo Tribunal Federal entendeu que:

O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo para tanto nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa.

O presente trabalho se constrói a partir da análise do novo Provimento do Conselho Nacional de Justiça n° 73/2018 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4275, os quais, englobando direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o direito à vida privada, a importância do nome como forma de identificação e representatividade diante de todos, realçando a importância do assunto da identificação de gênero e do alcance de direitos do público trans.

O estudo do referido questiona a controvérsia que há entre o Provimento nº 73/2018 do CNJ e a decisão do STF. De igual forma, as duas abordam a possibilidade de retificação de prenome e gênero pela via administrativa, com o intuito de trazer para as pessoas transgêneras facilidade e celeridade para alcançar seus direitos, sem a necessidade de procedimentos cirúrgicos ou análises psicológicas. Porém, ao regular o tema, o provimento, de certa forma retarda o alcance dos referidos direitos ao impor uma lista exacerbada de requisitos que não são necessários na via judicial.

Há também a falta de informação ou normas inclusivas do público trans é um problema ainda pois muitos nem sequer sabem da existência desse procedimento que é uma das poucas normas hoje presente em nosso ordenamento jurídico no que se refere a esse grupo.

Este ensaio se justifica pela importância de trazer à tona um tema recente, mas que ainda não é muito conhecido, permitindo então que haja clareza na forma que se da realização do procedimento, bem como expondo os direitos e garantias do público de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexual e todas as demais pessoas da bandeira e a pluralidade de orientações sexuais e variações de gênero - LGBTQIA+ e ir além disso trazer conhecimento sobre sujeitos transgêneros, o quão significativo o direito ao nome e a importância dele na forma como nos apresentamos diante da sociedade, direitos resguardados a essas pessoas, fazendo uma ponte entre o tema estudado e o direito à vida privada que está ligado fielmente a dignidade da pessoa humana.

Como objetivo geral este artigo tem como meta analisar o novo provimento do CNJ nº 73/2018, em especial a admissibilidade de se realizar a alteração de prenome e gênero pela via administrativa em consonância com a dignidade da pessoa humana e os direitos à vida privada, abordando a dificuldade que esse novo procedimento pode trazer como forma de retardar o gozo de direitos fundamentais das pessoas transexuais.

Para cumprir esse mister, primeiro o artigo tratará do direito ao nome e dos princípios da inalterabilidade e imutabilidade. Na sequência, abordaremos a questão dos sujeitos transgêneros. Por fim, será dado enfoque a retificação de registro do público-alvo pela via administrativa, explanando sobre a decisão do STJ, que foi regulada pelo Provimento n. 73/2018 do CNJ, de modo a mostrar a nova possibilidade de alteração de prenome e gênero, detectar burocracias que esse novo procedimento nos traz em controvérsia com a decisão do STF, abordar os princípios e os direitos das pessoas trans.

Para o levantamento desta pesquisa será feito um estudo crítico, por meio de revisão bibliográfica, de toda matéria doutrinária e legislativa, bem como o uso de revistas científicas a fim de formar uma base de conteúdo relevante para esse artigo, além de análise e escolha das decisões relevantes para o tema.

1. DO NOME CIVIL

1.1 NOME CIVIL E OS PRINCÍPIOS DA IMUTABILIDADE E INALTERABILIDADE DO NOME

Ao conhecer uma pessoa, uma das primeiras perguntas que costumamos fazer é: qual o seu nome? E não poderia deixar de ser, vez que o nome da pessoa carrega em si grande significado. O nome representa a identificação da pessoa na sociedade, nesse sentido, Alencar (2019, p. 02) leciona que

O nome é o modo pelo qual a pessoa é identificada em sociedade, por ele, também, o indivíduo responde por suas obrigações e tem seus direitos assegurados. A proteção jurídica ao nome é trazida no Código Civil junto aos direitos da personalidade, sendo, portanto, um direito inalienável, imprescritível e oponível erga omnes.

Em suma, o nome constitui-se um direito à personalidade, a partir deste se adquire direitos e obrigações. É uma expressão de individualização e socialmente permite que o indivíduo se identifique como pessoa, garantindo-lhe, então, o bem-estar e assegurando a inserção do sujeito no seio social (ALENCAR, 2019).

A natureza jurídica do nome é de direito da personalidade, os quais vem a ser todos os direitos essenciais que se dignificam a tutelar a pessoa natural para o desempenho da personalidade e para sua colocação nas relações jurídicas (OLIVEIRA, 2020, p. 08). Citando Maria Helena Diniz, a mesma autora acrescenta que a personalidade é o conjunto de qualidades da pessoa ou a função psicológica pela qual o indivíduo considera-se como um eu uno e permanente (OLIVEIRA, 2020, p. 08)

O nome é um dos caracteres da personalidade, constando expressamente do capítulo II do título das pessoas naturais. Nos termos do artigo 16 do Código Civil: toda pessoa tem direito de ter um nome (BRASIL, 2002). O nome, constituído de prenome e sobrenome, é o que diferencia cada um diante do estado. Conceituando o nome, Gonçalves (2003, p. 03) "O define como designação pelo qual a pessoa identifica-se no seio da família e da sociedade''.

O nome permite a individualização de gênero, de modo que faz parte da liberdade de cada um ter seus documentos identificatórios na condição em que cada um se identifica. Acrescenta também Alencar que (2019, p. 03):

O nome é, ainda, um sinal distintivo revelador da personalidade e é formado, primeiramente, pelo prenome, também conhecido como primeiro nome. Este pode ser tanto simples, quanto composto. Em seguida, tem-se o sobrenome, ou patronímico, usado para identificar a família à qual o indivíduo pertence. Existe também, o agnome, designação que diferencia membros de uma mesma família, estabelecendo sua relação de parentesco, tal como Filho, Júnior e Neto.

E nome da conservação da proteção jurídica, a ideia inicial é de que o nome dado pelos pais, é imutável. A inalterabilidade do nome civil tem como objetivo proteger relações econômicas e identificadoras de cada um.

Todavia, é possível alterar o nome das situações expressamente previstas. Tais previsões constam da Lei de Registros Públicos, que regula, dentre outras, a identidade civil da pessoa natural. A primeira possibilidade está prevista no artigo 56, que permite a alteração do prenome quando o indivíduo atingir a maioridade, sem a necessidade de qualquer motivação, a saber:

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa. (Renumerado do art. 57, pela Lei nº 6.216, de 1975).

Para tal alteração é necessário que o pleito seja feito durante o prazo decadencial de um ano, entre os dezoito e dezenove anos do indivíduo. Decorrido o prazo, ainda é possível, porém de maneira fundamentada e judicialmente.

A segunda hipótese, ocorreu nos termos do artigo 58 da Lei de Registros Públicos (LRP), que permite a adição ou substituição do nome por apelido público notório, quando não inclua palavras imorais ou de conotação ilegal.

Outra permissão inserta no parágrafo único do artigo 58 da LRP se dá para assegurar ao indivíduo que participa de programa de proteção à testemunha. A mudança de nome, neste caso, visa garantir a segurança das testemunhas para que as investigações e produção de provas não sejam prejudicadas e é em decorrência da Lei n. 9.807/1999, que criou o Programa Federal de Assistência às Vítimas e Testemunhas (ALENCAR, 2019, p. 04)

É possível também alterar para corrigir erro gráfico que não enseje a indagação da necessidade de retificação, conforme prescreve o artigo 110, I, da Lei n. 6.015/73 que prevê:

O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público, nos casos de:

I - erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção; (Incluído pela Lei nº 13.484, de 2017)

A quinta possibilidade ocorre quando o nome expõe a pessoa a situações vexatórias, nos termos do artigo 55, parágrafo único da LRP. Quando o nome causa constrangimento, consequentemente viola a garantia dos direitos humanos destinados àquele indivíduo, possibilitando sua alteração (OLIVEIRA, 2019, p. 04).

No caso da adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente também faculta a modificação do prenome do adotado, nesse sentido é o artigo 47, parágrafo 5º: Art. 47, § 5º - A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome.

A sétima hipótese é prevista no artigo 57 da Lei n. 6.015/73, que permite a alteração do nome por homonímia, desde que se faça por meio de exceção e motivadamente, com a devida apreciação judicial, sem negligenciar as peculiaridades do caso concreto (OLIVEIRA, 2019, p. 04)

Por fim, a mudança pode ainda ser feita em caso de mudança de gênero, nos termos do Provimento 73 do Conselho Nacional de Justiça, circunstância que é alvo da presente pesquisa, por concretizar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, dentre outros.

1.2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA RELAÇÃO À IDENTIDADE PESSOAL E A PERSONALIDADE

A dignidade da pessoa humana pode se compreender como uma característica inerente de cada ser humano, são necessidades essenciais de cada indivíduo, a dignidade da pessoa humana tem a função de garantir que cada cidadão tenha seus direitos resguardados perante o estado, este faz parte da lista de princípios fundamentais elencado em nosso ordenamento jurídico.

A dignidade da pessoa humana aduz que cada qual é igual diante da lei é que cada um goza dos mesmos direitos e deveres. Sobre o tema, leciona Marcelo Novelino (2016, p. 251):

Consagrada expressamente no inciso III do artigo 1º da Constituição brasileira de 1988, a dignidade da pessoa desempenha um papel de proeminência entre os fundamentos do Estado brasileiro. Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, a dignidade é considerada o valor constitucional supremo e, enquanto tal, deve servir, não apenas como razão para a decisão de casos concretos, mas principalmente como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem o ordenamento jurídico em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular.

Nesta perspectiva, por ser um fundamento da ordem jurídica brasileira, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser cumprido pelos poderes públicos, aos que se impõe proteger e promover os meios necessários a uma vida digna, na sua mais ampla acepção.

Existe uma relação de mútua dependência entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, pois, ao mesmo tempo em que estes surgiram como uma exigência da dignidade de proporcionar o pleno desenvolvimento da pessoa humana, somente por meio da existência desses direitos a dignidade poderá ser respeitada, protegida e promovida (NOVELINO, 2016, p. 254)

Por se constituir a concretização dos princípios constitucionais fundamentais, notadamente o da dignidade da pessoa humana que o STF julgou na ADI 4275/DF, que A pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental, o que comprova a assertiva do dever público de cumprimento.

Todo ser humano sob a luz do direito privado tem direito a um nome e cada um tem uma personalidade própria. Essa condição faz parte da identidade e serve para que este seja identificado diante de todos, possibilitando individualizar cada cidadão no seio da sociedade, para que sejam preservados os direitos individuais de cada um civilmente, penalmente ou em qualquer esfera jurídica se faz através da identificação.

Cada um de nós temos direito à identidade a partir do momento em que nascemos sem barreiras ou qualquer discriminação. O nome nos individualiza e nos permite o exercício de direitos básicos e o acesso a serviços essenciais como saúde, educação e trabalho. No momento em que é necessário a emissão de nosso documento de identificação e a partir desse ato é gerado dados confiáveis, contínuos e irrenunciáveis no qual permite que o Estado formule desenvolvimento, políticas e informações partindo dos nossos dados.

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A personalidade define conjuntos de traços marcantes e únicos de cada cidadão, a personalidade está ligada a identificação do ser humano em várias esferas, bem como social, religiosa, cultural e etc.

O Código Civil Brasileiro formaliza algumas relações jurídicas que advém a partir da vida em sociedade e que é algo marcante de pessoa para pessoa surtindo alguns efeitos jurídicos, uma dessas relações é a personalidade e a qualidade das pessoas naturais.

A personalidade civil surge a partir do nascimento com vida do ser humano, desse momento o mesmo passa a adquirir direitos e obrigações na coletividade: Art. 2° Código Civil. A personalidade Civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei coloca a salvo desde a concepção, os direitos do nascituro (BRASIL, 2002)

Os direitos da personalidade são irrenunciável, inalienável e intransmissível, esses são direitos subjetivos e que define aspectos primordiais da personalidade humana, pode-se classificar os direitos a personalidade de acordo com (MARIGHETTO, 2019)

Pelo ordenamento jurídico são direitos da personalidade: o direito à dignidade; o direito à liberdade; e o direito à livre iniciativa na forma e nos limites estabelecidos pela Lei; o direito à igualdade; o direito à segurança; o direito à cidadania; o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito ao nome; o direito à imagem; o direito à inviolabilidade da vida privada; o direito à liberdade de pensamento e de expressão; o direito à propriedade; o direito a ser submetido ao justo processo; e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (direito novo, difuso e de exclusiva natureza pública).

Partindo dessas premissas, verifica-se que o direito ao nome é inegavelmente um direito da personalidade, e que engloba direitos inerentes à liberdade de expressão, bem como esse é um direito que abarca a multiplicidade de gêneros sem espaço para discriminação

2. DOS SUJEITOS TRANSGÊNEROS

O público transgêneros faz parte de um grupos de pessoas moralmente ignorados pela sociedade, estes tendem a ser mais vulneráveis moralmente, fisicamente ou psicologicamente. É cediço que todo ser humano tem a liberdade de escolha e expressão sem que sofram discriminação ou violências.

De outro lado, todo ser humano nasce com o sexo biológico, porém a sexualidade é construída com base em experiência e gostos vivenciados por cada um com o passar do tempo é que está ligada a culturas, desejos e interesses individuais de cada um.

Os sujeitos transgêneros podem ser entendidos das diferentes formas, para explicar o tema, adotaremos o ensinamento de Flávia Isis Fortunato Cané (2018) que diz que:

2.1 TRANSEXUAIS

As pessoas transexuais são pessoas que não se identificam com o sexo biológicos, uma parte dessas pessoas se submetem até mesmo a cirurgias para redesignação sexual para ter seu gênero identificatório adequado ao biológico, independente de cirurgias ou tratamentos hormonais, as pessoas transexuais, possuem direitos e deveres igualmente a todos.

2.2 NÃO BINÁRIO

Esse grupo de pessoas que às vezes passa despercebido por nós por influência social, são pessoas que não se identificam como mulheres ou homens, essas pessoas se revelam a partir de desejos do momento, não se expressam por um gênero definido, este grupo encontra se no meio dos sexos biologicamente definidos.

2.3 CISGÊNEROS

Essas pessoas se identificam completamente com o seu sexo definido biologicamente, ou seja, uma mulher que nasce com sexo biológico definido como fêmea, está se identifica socialmente como uma identidade feminina, pois essa tem seu gênero que correspondente aos seus sexos definidos no momento de seu nascimento.

2.4 TRAVESTIS

Esse grupo se identifica como mulher seja na forma a ser tratada, na forma de vestir ou de se identificar, porém não ver a necessidade de mudanças físicas ou de adoção de procedimentos cirúrgicos. Esse grupo são pessoas do sexo masculino biologicamente falando no qual não tem sua identidade correspondida com seu sexo de nascimento, as pessoas travestis preferem ser reconhecidas com uma identificação feminina sendo até mesmo ofensivo serem relacionadas ao sexo masculino.

3. A ALTERAÇÃO NO REGISTRO DE PESSOAS TRANS NO CARTÓRIO DAS PESSOAS NATURAIS

Todo cidadão é fato que logo ao nascer terá o seu registro de nascimento lavrado. Este elaborado no cartório do domicílio de sua genitora e/ou local de seu nascimento, este documento conterá o seu nome, sexo biológico, filiação e outras informações, via de regra, imutáveis. Tal documento, Fixa, de modo inapagável, os fatos relevantes da vida humana, cuja conservação em assentos públicos interessa a nação, ao indivíduo e a todos os terceiros (CINEVIVA, 2010, p. 208).

A certidão é a principal fonte de estatística que o estado possui diante da sociedade. Por meio dela comprova-se a situação jurídica e/ou conjugal de cada um. A retificação pode ser dizer de forma genérica que se trata de uma alteração de uma informação constante no assento do registro, dentre as permissões dessa alteração, há a de alteração do gênero e nome do registrado.

Neste sentido, é o julgado abaixo:

DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE NOME E DE GÊNERO NO REGISTRO CIVIL APELAÇÃO DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DIREITO A NÃO DISCRIMINAÇÃO IDENTIDADE DE GÊNERO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR COMPLEXIDADE - MODIFICAÇÃO DO NOME E DO GÊNERO DE FEMININO PARA MASCULINO TRANSGENITALIZAÇÃO DESNECESSIDADE EXPOSIÇÃO A SITUAÇÕES VEXATÓRIAS OU AO RIDÍCULO VIOLAÇÃO DAS NORMAS DA LEI DE REGISTRO PÚBLICO PROVIMENTO DO RECURSO. 1. A identidade de gênero é o estado psicológico que reflete a noção interna de uma pessoa de ser homem ou mulher, sentimento que geralmente se correlaciona ao sexo fisiológico e anatômico. Contudo, há casos em que, embora fisiologicamente a pessoa pertença a um gênero, ela se identifica com o gênero oposto. Essa condição impõe ao indivíduo um extremo desconforto com o próprio sexo e com o papel de gênero, o que pode levá-lo a um estado de sofrimento profundo, especialmente quando considerado o sentimento de inadequação social que o acomete, de não pertencer ao contexto no qual é enquadrado, de diferenciações, às vezes injuriosas ou difamantes, advindas de práticas discriminatórias contra ele perpetradas desde a infância. 2. A análise do direito de os transexuais alterarem o nome e o gênero constantes do registro civil, ainda que não concluído o processo transexualizador, deve considerar que a sexualidade de uma pessoa não se restringe às suas condições fisiológicas ou anatômicas. Ao contrário, refere-se a um conjunto de atributos que também leva em conta as características psicológicas que compõem o ser humano, porque a maneira como a pessoa se sente, com a qual se identifica, enquanto aspecto emocional, constitui fator integrante da generalidade sexual. 3. O processo transexualizador não se refere unicamente à alteração do órgão reprodutor, mas compõe um procedimento complexo que envolve desde um rigoroso diagnóstico médico à submissão à hormonioterapia (Portaria 457 do Ministério da Saúde e da Resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina), razão pela qual a alteração do nome e do gênero da pessoa transexual não deve ser condicionada à realização da cirurgia de mudança de sexo, mas sim analisada a partir da observância do contexto global em que se encontra a parte interessada. 4. A pessoa transexual pode adotar nome que reflita a identidade de gênero com o qual se identifica ainda que não realizada a transgenitalização, haja vista a existência de justo motivo para a alteração (Lei 6.015/73, 55, parágrafo único, 57 e 58) bem como a incidência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação (CR, 1º, III, e 3º, IV,). Fundamentação idêntica justifica a mudança do gênero de feminino para masculino no registro civil, porque a discrepância documental entre nome e gênero exporia a parte a situações vexatórias ou ridículas, circunstância que refoge ao espírito das normas contidas na Lei de Registros Públicos. 5. Recurso provido. (TJ-DF - APC: 20140710125954, Relator: LEILA ARLANCH, Data de Julgamento: 25/11/2015, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 16/12/2015 . Pág.: 214).

As modificações podem se realizar pela via judicial, ajuizando a ação na comarca do domicílio do interessado, ou em sede administrativa, que pode ser requerido por escrito ou verbal no cartório no qual pertence o registro do interessado ou em qualquer cartório de pessoas naturais integrado no sistema da central de informações do Registro Civil - CRC.

Recentemente, como já dito, tivemos uma inovação no âmbito registral com a possibilidade de retificação de prenome e gênero pela via administrativa. Essa novidade trouxe uma celeridade bastante festejada para o público trans, fazendo que eles alcancem esse tão sonhado procedimento de forma mais célere.

Em suma, os Cartórios de Registro de Pessoas Naturais podem, em procedimento que antes só era possível pela via judicial, efetivar a retificação de assentos de registros e incluir informações, respeitando os procedimentos equivalentes para atos cartorários condizentes com a identidade de cada um.

3.1. DA ALTERAÇÃO DE NOME E GÊNERO PARA PESSOAS TRANS O NOVO PROVIMENTO N° 73/2018 DO CNJ E A ADI 4275

A alteração de nome e sexo para transexuais é juridicamente viável em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, leciona a juíza Renata Zanetta (2016) que o principal problema enfrentado pelos transexuais refere-se à falta de relação entre identidade gênero e a identidade de sua documentação. Então, conclui-se que se o cidadão ou a cidadã não se identifica com o seu nome ou gênero pode procurar as devidas vias para que seja realizado a retificação, ato resguardado pelos princípios fundamentais.

Justamente para amparar tal direito é que, em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4275, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do sujeito transgênero alterar seu nome registral, independentemente de cirurgia de redesignação sexual, de realização de tratamentos hormonais ou patologizantes ou da apresentação de documentos médicos ou psicológicos, cuja ementa é:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E REGISTRAL. PESSOA TRANSGÊNERO. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO NO REGISTRO CIVIL. POSSIBILIDADE. DIREITO AO NOME, AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, À LIBERDADE PESSOAL, À HONRA E À DIGNIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS HORMONAIS OU PATOLOGIZANTES. 1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente.

(ADI 4275, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 06-03-2019 PUBLIC 07-03-2019)

Resumindo o foco do julgamento, Alencar (2019, p. 07) enuncia

A Ação Direta de Inconstitucionalidade que aqui importa (4275) foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a fim de que fosse dada interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 58 da Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, no sentido original, independentemente de cirurgia de transgenitalização. A decisão foi um passo significativo para o reconhecimento da identidade de gênero, seguindo as diretrizes da Opinião Consultiva no 24/2017 da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A decisão da ADI 4275 certificou a dignidade do ser humano ao reconhecer a igualdade como um dos princípios básicos fundadores do constitucionalismo clássico, bem como um dos alicerces para a consolidação dos Direitos Fundamentais.

Normatizando a questão, em 28 de junho de 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento n° 73 no qual discorre sobre mais um meio para se realizar o procedimento de retificação de prenome e gênero pela via administrativa. Esse novo provimento torna mais ágil esse procedimento, desafogando o Poder Judiciário e dando mais alternativas para esse público sem que seja necessário constituir um advogado.

Sobre a competência do CNJ para regular a questão, leciona Alencar (2019, p. 05/06):

O Conselho Nacional de Justiça tem a atribuição de expedir atos regulamentares no âmbito da sua competência, bem como adotar providências necessárias para o exato cumprimento da lei. Tais atos são dotados de força vinculante, ou seja, obrigam todos os órgãos e membros do Judiciário às suas determinações, conforme consta no parágrafo 5º do artigo 102 do Regulamento Interno do CNJ. Deste modo, o mencionado Provimento 73, visou garantir o direito fundamental ao nome do sujeito transgênero, e, apesar de não apresentar coercitividade, tem validade erga omnes.

Nasce assim, como dito linhas acima, outra possibilidade de alterar o nome disciplinada pelo Provimento n. 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça, o qual permitiu que o indivíduo capaz, com 18 anos completos, requeira a alteração do seu assento de nascimento e averbação do prenome e gênero pela via administrativa, adequando os mesmos à identidade autopercebida.

A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 4275 trouxe um grande avanço e reconhecimento no que diz respeito à alteração de prenome e gênero para pessoas trans, o que antes era possível apenas por meio de várias comprovações como a cirurgia de transgenitalização que antes era essencial para a consideração do juiz.

Essa ação foi promovida no intuito de considerar inconstitucional o fato do público LGBTQ+ serem obrigados a se submeterem a cirurgias de mudança do sexo biológico para conseguirem seu direito de identificação e serem reconhecido socialmente, algo completamente invasivo e até mesmo em alguns casos colocando em risco sua própria vida.

A decisão do Supremo Tribunal Federal foi extremamente necessária e significativa para essas pessoas, que sempre foram vistas como minoria na sociedade ou até mesmo como pessoas tratadas como doentes com distúrbios de personalidade. A ADI n. 4275/2018 demonstra para esses indivíduos e sociedade que sua orientação sexual ou identidade de gênero não é reconhecida como doença, e que suas escolhas devem ser respeitadas por todos e reconhecidas pelo Estado.

A partir desse julgado, a interpretação é a de que se as pessoas não se identifica com seu sexo biológico, a alteração do seu nome e gênero deve ser reconhecida socialmente, em nome da sua autonomia de vontade e dos direitos fundamentais, sem a necessidade de interferências de cirúrgicas, acompanhamento com psicólogos ou psiquiatras, a menos que seja de sua vontade.

Conclui-se, que a aludida Ação Declaratória de Inconstitucionalidade trouxe para os indivíduos transexuais o reconhecimento de seus direitos, bem como impôs o respeito da coletividade, facultando-lhe se submeter ou não a interferência de profissionais ou cirurgias depender de sua vontade.

3.2. A BUROCRACIA PARA A RETIFICAÇÃO DE PRENOME E GÊNERO ENFRENTADA PELO PÚBLICO TRANS NOS TERMOS DO PROVIMENTO N. 73 DO CNJ EM CONTROVÉRSIA COM A DECISÃO DO STF

O Provimento n° 73/2018 do CNJ, via de regra, veio com o intuito de facilitar e agilizar esse processo retificatório que antes só era possível pela via judicial, desafogando o Judiciário, que está de forma preocupante sobrecarregada.

Não obstante, considerando que o artigo 4°, parágrafo 6°, do mencionado Provimento elenca uma lista exacerbada de documentos obrigatórios para realizar a retificação de prenome e gênero para pessoas transexuais, o que não é necessário para retificações comuns como por exemplo de apelido público, acabou por tornar o feito mais difícil.

Por essa razão, em entrevista para a ANOREG - Associação dos Notários e Registradores, a desembargadora aposentada e advogada especialista em direito de família Maria Berenice Dias (2018) critica o Provimento n° 73/2018

No meu entender, são impostas exigências exacerbadas para o cumprimento do Provimento. É exigida uma lista absurda de documentos, 12 certidões. Basta refletir, quando alguém casa, qualquer um dos dois têm a possibilidade de alterar o nome. Não se pede nada, não é necessário juntar nenhuma negativa para a troca de nome quando se casa ou faça a união instável. Percebo que essas exigências são resultado de um ranço preconceituoso. Além disso, há um custo para essas certidões e essas pessoas que sempre foram marginalizadas, em geral têm baixa instrução, passam por dificuldades para ingressar no mercado de trabalho, e diante disso eu não vejo como não dispensar o pagamento desses documentos.

Além desse empecilho, há outras burocracias que de certo modo barram ou retardam o direito de gozo das pessoas trans em ter seus documentos com seus nomes e sexos identificatórios, como por exemplo: o fato da retificação depender da autorização dos descendentes, quando estes já atingiram a maioridade ou sejam relativamente capazes, ou, para as pessoas divorciadas, da anuência do ex-cônjuge para realizar o procedimento, requisitos inexistentes na via judicial. Para compreender o tema, leia-se os parágrafos 2° e 3°, ambos do artigo 8º do Provimento 73/2018 do CNJ:

§ 2º A subsequente averbação da alteração do prenome e do gênero no registro de nascimento dos descendentes da pessoa requerente dependerá da anuência deles quando relativamente capazes ou maiores, bem como da de ambos os pais.

§ 3º A subsequente averbação da alteração do prenome e do gênero no registro de casamento dependerá da anuência do cônjuge.

Outra dificuldade encontrada é para pessoas que não completaram 18 anos, somente é possível requerer o processo de retificação de prenome gênero ao atingir a maioridade civil, nos termos do artigo 2º do Provimento nº 73/2018 do CNJ:

Art. 2º Toda pessoa maior de 18 anos completos habilitada à prática de todos os atos da vida civil poderá requerer ao ofício do RCPN a alteração e a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida.

Com isso, causa-se um constrangimento para adolescentes trans em instituições escolares, quando, por exemplo, são feitas as chamadas de frequência das aulas, ou das inscrições dos seus nomes em crachás, carteiras de estudante, de biblioteca ou diplomas, ocasiões em que ainda são obrigados a verem os seus nomes biológicos, o qual não se identificam.

Outra morosidade é para as pessoas que tenha promovido ação de retificação de prenome e gênero pela via judicial, situação em que, para a adesão pela via extrajudicial, é necessário o arquivamento do processo judicial, consoante o art. 4°, § 5º, do Provimento 73/18 do CNJ (BRASIL, 2018): a opção pela via administrativa na hipótese de tramitação anterior de processo judicial cujo objeto tenha sido a alteração pretendida será condicionada à comprovação de arquivamento do feito judicial.

O problema em questão é a lentidão do Poder Judiciário, que pode levar semanas ou meses para arquivar este processo retardando o procedimento retificatório, sendo que poderia ser bem mais célere, caso fosse exigido apenas o protocolo da petição de desistência, não tendo que o requerente aguardar o deferimento do pedido.

Outra barreira é a questão dos custos, pois tal procedimento feito em via administrativa tem valores tabelados para cada ato cartorário, como se vê no artigo 9º do Provimento n°73:

Art. 9º Enquanto não editadas, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, normas específicas relativas aos emolumentos, observadas as diretrizes previstas pela Lei n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000, aplicar-se-á às averbações a tabela referente ao valor cobrado na averbação de atos do registro civil.

Parágrafo único. O registrador do RCPN, para os fins do presente provimento, deverá observar as normas legais referentes à gratuidade de atos.

Cada ato realizado para a retificação tem o seu valor, um exemplo é a segunda via da certidão atualizada, válida por 30 dias apenas, no estado do Goiás sai no valor de R$ 77,42 (setenta e sete reais e quarenta e dois centavos). Some-se a isso, o custo da averbação que, de acordo com a tabela de emolumento de atos cartoriais do estado do Goiás, tem o valor de R$ 207,00 (duzentos e sete reais), da comunicação para o registro anterior em caso de divorciados ou viúvos com o valor de R$ 85,23 (oitenta e cinco reais e vinte e três centavos), taxas da emissão da certidão averbada, taxas de certidões atualizadas e/ou outros documentos que instrui o processo, bem como cópias autenticadas, tendo então que desembolsar cerca de mais de trezentos reais para arcar com os custo desse procedimento.

Destaca-se que os custos dependem da tabela de custo de cada região e tem seus valores altos, e que o benefício da gratuidade é difícil de obter, sujeitando-se a negativa do oficial titular registrador. Esses custos podem ser ainda mais altos quando o registrado se encontra em local de difícil acesso ao cartório de origem do registro, tendo que arcar ainda com as despesas de locomoção.

Vale salientar que caso o registrado se encontra em outro estado ou impossibilitado de ir pessoalmente ao cartório de origem do seu registro, pode iniciar o procedimento no cartório de pessoas naturais de seu domicílio, o qual fará essa transmissão via Central de Informações do Registro Civil - CRC. Neste sentido, é o art. 3°, parágrafo único, do Provimento 73/18 do CNJ (BRASIL, 2018):

Art. 3º A averbação do prenome, do gênero ou de ambos poderá ser realizada diretamente no ofício do RCPN onde o assento foi lavrado.

Parágrafo único. O pedido poderá ser formulado em ofício do RCPN diverso do que lavrou o assento; nesse caso, deverá o registrador encaminhar o procedimento ao oficial competente, às expensas da pessoa requerente, para a averbação pela Central de Informações do Registro Civil (CRC).

O que, de outro lado, gera mais um custo, pois o registrado tem que dispender mais os custos desta diligência e do uso do sistema do cartório da sua cidade.

Todo acima explanado demonstra as dificuldades e burocracias experimentadas pelo sujeito que quer alterar o seu nome, que devem ser repensadas para garantir a efetividade do direito.

3.3 CARÊNCIA DE NORMAS INCLUSIVAS PARA PESSOAS TRANSGÊNERAS E A ESCASSEZ DE INFORMAÇÕES DE INTERESSE DO PÚBLICO TRANS

Espera-se da democracia que a política majoritária seja o principal foco na luta pelo direito igualitário, nesse caso no âmbito dos Poderes eleitos, compostos por representantes escolhidos pelo povo, a expectativa é de ter direitos e interesses devidamente representados, porém, nem sempre isso não significa que todos os grupos estão inclusos em todas as normas diretamente.

A Carta Magna destaca em seu artigo 3º, inciso IV, que a dignidade da pessoa humana como o principal fundamento tem como objeto principal promover o bem a todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e que a todos é assegurado a liberdade (BRASIL, 1988).

Todavia, em nosso ordenamento jurídico ainda há uma grande escassez de normas inclusivas para o público trans, o que transparece a carência de visibilidade legislativa com foco nesses indivíduos. Acrescente-se que muitas pessoas trans por falta de conhecimentos acabam não gozando de seus direitos, por exemplo, não tendo documentos de identificação com seus nomes correspondentes a sua identificação de gênero.

Em 2018, o CNJ em seu provimento nº 73 trouxe um novo viés para que o público trans consiga ter seus documentos condizentes a seu gênero identificatório. Destaque-se que:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado" (LENZA, 2021. pg. 1706),

Porém, esse é um assunto pouco falado na mídia, fazendo com que uma parte desse público ainda tenha dificuldades no acesso ao trabalho formal, na inclusão social, deixando assim cada vez mais lentas a construção da cidadania da população transgênera em nossa sociedade.

3.4. A SIGILOSIDADE EM CONSONÂNCIA COM O DIREITO À VIDA PRIVADA

A nossa Constituição Federal de 1988 em seu princípio da privacidade assegura a todos, neles incluídos as pessoas transexuais e travestis, a inviolabilidade de sua vida privada e da intimidade, assegurando, em caso de violação, à indenização pelo dano moral ou material decorrente, conforme art. 5º, X, CF/88:

Art.5 º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).

Ocorre que o procedimento de alteração de prenome e gênero do registro civil, assim como todos os que alteram e/ou retificam informação constante no assento do registro, será anotado à margem do registro, para que todas certidões emitidas após constem as novas informações, este ato é de competência do oficial registrador ou funcionário autorizado.

Um ponto bastante importante nesse procedimento é a necessária sigilosidade desse ato, uma vez que se constasse na certidão a retificação, a anotação infringiria a intimidade da pessoa transgênero e consequentemente seu direito à vida privada, pois a certidão é um documento público e qualquer pessoa pode solicitá-la, assim sua condição de gênero ficaria totalmente exposta.

Por tal razão, o art. 5° do Provimento 73/2018 de CNJ tratando sobre a sigilosidade neste ato, determina que na certidão irá constar apenas as novas informações condizentes com a alteração. Apenas na certidão de inteiro teor que apenas pode ser solicitada pelo próprio registrado, assegurando assim seus direitos à intimidade e vida privada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho traz um grande conhecimento em relação aos direitos das pessoas transgêneras, um aprendizado extra dos sujeitos variados que englobam esse grupo, que ainda são minorias em nosso ordenamento jurídico. Contudo, de certa forma com a decisão do STF foram vistos e reconhecidos seus direitos básicos com base no direito da dignidade da pessoa humana. Por meio deste artigo, foi analisado o novo Provimento nº 73/2018 do CNJ e a nova possibilidade de alteração de prenome e gênero agora pela via administrativa.

A decisão do STF veio com o intuito de dar espaço às pessoas que não se identifica com seus nomes ou gêneros biológicos, sem que seja necessária a comprovação de laudos médicos, procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual, ou tratamentos psiquiátricos ou psicológicos, fazendo com que esse procedimento seja mais célere e menos árduo para esses indivíduos

Toda pessoa tem direitos a um nome e uma personalidade, cada um tem sua própria identidade diante de todos, e o direito de todo cidadão ter seus documentos identificatórios ou serem vistos da forma que estes se idêntica sem nenhuma discriminação ou preconceito.

A decisão proferida pelo STF na ADI nº 4275 assegurou o cumprimento dos princípios constitucionais e teve como base facilitar o acesso das pessoas transgêneras aos seus direitos e tornar mais simples o processo de retificação de prenome e gênero, porém a regulamentação feita pelo Conselho Nacional de Justiça no Provimento n. 73/2018 parece que de certa forma retardou esse alcance das pessoas LGBTQIA+, uma vez que para realizar tal procedimento há uma longa caminhada de burocracias e impedimentos, alguns inexistentes na via judicial, além de custos exacerbados de emolumentos cartorários.

Um último e não menos importante ponto abordado é de que somado a tantos empecilhos e a falta de informação de interesse do público trans, está a carência de normas inclusivas, que tornar assim esses procedimentos uma realidade longe para muitos, ainda que a decisão do STF tenha se constituído um grande avanço nos direitos das pessoas transexuais.

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Sobre as autoras
Gleycy Kelly Araujo Messias

Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário do Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC

Tatiane Pinheiro de Sousa Alves

Escrivã Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Professora do Curso de Direito do Centro Universitário do Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP), em Julho/2008. Pós graduação em direito público (2009) e docência de ensino superior (2014). Mestranda em Gestão do Trabalho para a Qualidade do Ambiente Construído pela Universidade Santa Úrsula, em 2021.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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