O ser humano desde a sua origem está em constante busca pelo sentido, tentando compreender a si mesmo e também o mundo ao qual está inserido, procurando respostas sobre questões que não são respondidas pela filosofia e muito menos pela ciência; o desenlace, ou melhor, a tentativa, vem através da religião que atua como uma pílula aos enfermos, atribuindo sentido e exaurindo dúvidas e questionamentos sobre assuntos que causam angústia e sofrimento as pessoas. A religião - como sendo a chave no desenrolar de várias problemáticas apresenta um elevado grau de importância social, contribuindo ativamente na vida das pessoas, sendo assim, um fenômeno humano, cultural e social.
A religião, vista como um fenômeno humano, tem o cunho ontológico uma vez que foi produzida e ainda o é pelo ser humano. Como dito anteriormente, o homem está em recorrente busca pelo sentido em razão do sentimento de incompletude, algumas perguntas que versam sobre o passado, presente e futuro causam grande aflição, por exemplo: o que acontece após morte? A luz realmente se apaga e nada mais existirá? Qual o sentido da minha vida senão nascer, viver e morrer? Tais questionamentos trazem consigo uma carga negativa que, se mal trabalhada, podem corroborar para que uma sociedade entre em colapso. Faça uma reflexão: o que faria um ser humano ao descobrir que não existe nada após a morte? É provável que, caso houvesse uma constatação deste tipo, tal indivíduo tentaria aproveitar a sua vida ao máximo enquanto houvesse tempo de desfrutá-la, não pensando no amanhã e nem no seu semelhante, agindo de modo inconsequente e egoísta.
Desde os primórdios o ser humano lida com vários questionamentos que, por muitas vezes, só são solucionados através da mistificação e religião. Tanto é que perduram até a atualidade vários mitos, como por exemplo, os dos deuses gregos que servem de inspiração na arte e na cultura. Para que um óbice seja solucionado, é necessário que haja uma análise de tal fenômeno, mas como fazê-lo quando não há capacidade para promover respostas científicas? O mito e a religião são os protagonistas para a solução de tais adversidades. Quando analisamos grupos primitivos, percebemos que há uma forte religiosidade intrínseca, um exemplo disso é o ritual dos índios que faziam a dança da chuva no intento de invocar os espíritos da terra para que fizessem chover. Percebemos então que todo mito surge a partir de uma questão não respondida, que tem sua em roupagem aspectos inverídicos, mas que em seu conteúdo há verdade, como neste caso: a chuva. Ou seja, acreditar que espíritos são os responsáveis pela chuva é ilógico, mas tal fenômeno natural é real.
Sendo assim, a religião como um fenômeno humano, é produzida e replicada com cunho de contenção e manutenção da sociedade, eliminando angústias, explicando fenômenos, criando códigos de conduta com base nos fundamentos religiosos de modo a equalizar, ou pelo menos, tentar equalizar o comportamento ético dos indivíduos dentro de um mesmo grupo.
Pensar na relação entre ser humano e religião remete também a um pensamento acerca da cultura; no seio de uma sociedade há produção de cultura, sendo assim, temos uma relação de dependência: uma sociedade só tem determinada cultura porque esta foi produzida por aquela. Por outro lado, uma sociedade só é o que é por conta da cultura ali estabelecida. Se uma cultura tem a ver com as tradições e costumes de um determinado grupo, aonde entra a religião neste emaranhado de hábitos?
A religião, por excelência, é dotada de costumes e ritos, além de códigos morais para a condução de uma sociedade. Não é por menos que a fonte de direito de vários povos antigos fora a religião - dado pelos deuses - como é o caso do direito hebraico antigo. Neste contexto, a cultura está estribada na religião, aonde determinadas condutas não são baseadas pelas normas, mas sim pelos preceitos transmitidos pelo divino, exemplificando: De César, responderam eles. E ele lhes disse: Então, deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (BÍBLIA, Mateus, 22, 21). Este é um provérbio popular brasileiro que dispõe sobre dar a cada um aquilo que merece, exemplificando tal afirmação anterior.
Portanto, a cultura tem vários costumes religiosos enraizados que, por muitas vezes passam desapercebidos, como é o caso do acarajé prato típico baiano utilizado como oferenda aos orixás. Ou então, a tradicional festa de São Cosme e Damião que traduz a confluência do catolicismo, as religiões de matriz africana e as tradições indígenas. Por isso, não há que se falar entre ruptura de cultura e religião quando há uma relação de pertencimento entre ambas, independente de um Estado que se intitula laico, mas que adota feriados em homenagem aos santos católicos.
A cultura vem atrelada a uma sociedade, como visto antes. Por este motivo, a religião pode ser interpretada também como um fenômeno social; por meio da perspectiva aristotélica de que o homem é um animal social, se chega à conclusão de o ser humano se vê inserido em um grupo do qual produz cultura, hábitos, costumes em que se cria uma identidade individual, mas também uma identidade grupal cujo indivíduo faz parte. Dentro de uma sociedade há grupos e subgrupos que exibem um pluralismo religioso que é mais presente dentro das sociedades ocidentais.
A relação entre religião e sociedade se dá por meio não apenas da cultura, mas também dos impactos da influência da religião na vida social. Não são raras as discussões sobre temas polêmicos em que os argumentos se baseiam na religião e não na tecnicidade, como alguns projetos de lei para legalização do aborto, por exemplo. Vários argumentos contrários sobre tal projeto se baseiam na dimensão axiológica e nos valores cristãos, tendo opiniões que vedam o aborto mesmo em casos de estupro em virtude de a vida ser um valor supremo dentro de algumas religiões.
Há também dentro do movimento religioso cristão os Testemunhas de Jeová que, pela religião, são proibidos de receberem transfusão de sangue. Assunto este que gera uma grande discussão na comunidade médica e jurídica, tendo sido uma pauta no Supremo Tribunal Federal em 2021. Diante do problema em tela, alguns questionamentos podem ser pertinentes: se a vida é um direito inalienável e absoluto, por que um médico deve expor um paciente a um risco iminente de vida sob alegação de que esta é sua vontade própria? Se a preocupação se baseia unicamente na vida, por que a escolha por abortar um feto deve ser proibida e a escolha individual de correr risco de vida deve ser respeitada? E a eutanásia? E os motivados ao suicídio, devem ter sua decisão respeitada?
Desta forma, é evidente que a religião influencia uma sociedade ativamente, construindo concepções, padrões, valores éticos e morais que amoldam as decisões de pessoas com base na doutrina, ao ponto de o ateísmo ainda ser considerado um tabu por esta sociedade predominantemente religiosa. Enquanto há uma construção positiva em que a religião trabalha ao lado do Estado, alicerçando junto com a educação e a ética, contribuindo para o bem comum das pessoas, a religião também se torna terreno fértil para abusos e intolerâncias dos mais radicais, principalmente contra os adeptos das religiões de matrizes africanas, como visto na matéria do site carta capital:
O perfil das vítimas aponta que os praticantes de umbanda e candomblé, somados aos que se identificam como adeptos de religiões de matriz africana diversas, são os alvos preferenciais dessa intolerância. Juntos, respondem por quase 25% das denúncias (CARTA CAPITAL, 2017).
No Brasil, a religião está presente no cotidiano da maior parte das pessoas, como aqueles que ao avistarem uma igreja católica fazem o sinal da cruz, ou então ao se despedirem dizem: fique com Deus; não comem carne na sexta-feira santa e não exercem ofício aos sábados, por exemplo. A religião é um fenômeno religioso humano, cultural e social; não há como negar. A religião serve de modelo de forma ativa para a cultura e a sociedade. Tais influências são polarizadas, muitas delas de polo positivo, no que tange a edificação de uma sociedade mais justa e solidária, e outras no polo negativo, que o abuso, o preconceito, a violência, o radicalismo e a intolerância imperam. Portanto, pensar em religião sob a ótica de um fenômeno é importante para a análise macro, sem que haja comparação dos valores de determinadas religiões, mas sim os impactos e a importância do fenômeno religioso na sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIA. In: BIBLIAON: Bíblia Sagrada Online. 7GRAUS, c2009. Disponível em: <https://www.bibliaon.com/mateus_22/>. Acesso em: 28 abr. 2022.
MOLINA, Danilo. A intolerância religiosa não vai calar os nossos tambores. Carta Capital. 09 out. 2017. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/diversidade/a-intolerancia-religiosa-nao-vai-calar-os-nossos-tambores/>. Acesso em: 28 abr. 2022.