A distante democratização do Acesso à Justiça no Brasil

Resumo:


  • O direito de acesso à justiça é um princípio constitucional que proíbe a exclusão de lesões ou ameaças a direitos da apreciação do Poder Judiciário.

  • O acesso à justiça é composto por três etapas: a porta de entrada, os caminhos posteriores à entrada e a porta de saída, sendo essencial que o trâmite seja realizado em um tempo razoável.

  • O acesso à justiça está interligado a outros princípios processuais constitucionais, como o devido processo legal e a duração razoável do processo, que garantem um julgamento justo e célere.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito de acesso à justiça constitui princípio geral constitucional, estabelecido no art. 5º, XXXV da Carta Magna, proibindo a lei de excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é garantido pelo exercício do direito de ação, que permite ao interessado deduzir suas pretensões em juízo, para que sobre elas seja emitido um pronunciamento judicial (GONÇALVES, 2020).

Sadek (2014), versando sobre os obstáculos do acesso à justiça, identifica três etapas que o compõem: a porta de entrada (ingresso), os caminhos posteriores à entrada e a porta de saída. Complementa a autora que o direito de acesso à justiça só se efetiva quando a porta de entrada permite que se vislumbre e se alcance a porta de saída em um período de tempo razoável (SADEK, 2014).

Esse entendimento estratificado do acesso à justiça remete aos demais princípios processuais de origem constitucional a ele interligados. O acesso à justiça compõe um conjunto irredutível de princípios processuais civis, do qual fazem parte também o princípio do devido processo legal e o princípio da duração razoável do processo.

Há quem diga que o princípio do devido processo legal é o que constitui a base de todos os demais. A Constituição Federal, no art. 5º, LIV, estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Conforme os ensinamentos de Gonçalves (2020), em sentido processual, o princípio do devido processo legal obriga a que se respeitem as garantias processuais e as exigências necessárias para a obtenção de uma sentença justa. Exige ainda que o trâmite dos processos seja célere e de duração razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), o que nos remete ao terceiro princípio processual a que nos referimos acima: o princípio da duração razoável do processo.

Perceba o leitor o paralelismo que aqui destacamos entre os princípios processuais recém elencados e as três etapas do acesso à Justiça, a saber: o ingresso, os caminhos seguintes à entrada e a saída.

A entrada nos trâmites judiciais relaciona-se diretamente ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional assim como o desenvolver processual conecta-se ao princípio do devido processo legal. Por fim, a tão almejada saída do processo visa o efetivo alcance do acesso à Justiça mediante célere transcurso de tempo, razão pela qual coaduna-se aos preceitos do princípio da duração razoável do processo.

De acordo com Sadek (2014), O acesso à justiça é um direito primordial. Sem ele nenhum dos demais direitos se realiza. À luz dos fundamentos constitucionais supramencionados, ousamos complementar, com a devida vênia, os dizes da respeitada autora, na medida em que o acesso à justiça forma, juntamente com os demais princípios processuais, os pilares insubstituíveis da efetivação da justiça. Sem quaisquer dos direitos relacionáveis a esses princípios, o efetivo acesso à justiça pode ser obstaculizado, sejam eles relativos ao acesso aos mecanismos de formalização de demandas, ao devido processo legal ou à duração razoável do processo.

Uma vez sedimentada a questão da conceptualização do acesso à Justiça, passamos à análise crítica a respeito de quem são aqueles que se beneficiam do acesso à Justiça. Inicialmente, cabe destacar alguns dados do Relatório Justiça em Números de 2021, segundo o qual o Poder Judiciário finalizou o ano de 2020 com 75,4 milhões de processos em tramitação, o que representaria um processo para cada 2,8 habitantes. É mister ressaltar que essa elevada litigiosidade não se distribui igualmente pela população. De acordo com os dados de um estudo implementado pela Escola de Direito da FVG-SP, a utilização do Judiciário se concentra nas classes socioeconômicas mais altas, entre pessoas com maior renda e escolaridade.

Ora, como bem dizia Immanuel Kant: quem não sabe o que procura, quando acha não encontra. Como exigir a busca pelo judiciário ou mesmo pelas tão incentivadas soluções consensuais de solução de conflitos se estamos em meio a uma população de 29 % de brasileiros classificados como alfabetos funcionais? Esses são os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua Educação de 2019, do IBGE, que revela, ainda, o número de 11 milhões de analfabetos.

É nesse sentido que Sadek (2014) remete-se à evidência de situações perniciosas, tanto no que se refere à deturpação das atribuições do Poder Judiciário, quanto no aumento das dificuldades de democratização do direito de acesso à justiça (SADEK, 2014).

Assim, diante do exposto, percebe-se que urge combater primordialmente os graves problemas educacionais brasileiros. A educação, esta sim, é porta de entrada não apenas para o acesso à Justiça, mas também ao acesso ao Conhecimento, à formação de capital humano, à profissionalização da mão de obra, à redução de desigualdade econômica e à redução dos índices de criminalidade. Assim, a porta de entrada pode ser muito mais ampla do que apenas o ingresso na apreciação de litígios. A educação constitui porta de entrada para o alcance dos objetivos constitucionais como um todo.


REFERÊNCIAS

SADEK, M. T. A. Acesso à Justiça: um Direito e seus obstáculos. Revista USP. São Paulo. n. 101, p. 55-66. 2014. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/87814/90736>. Acesso em: 20/05/2022.

GANÇALVES, M. V. Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Sobre a autora
Lara Aparecida Buffoni de Campos Carneiro

Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo, com período do seu doutorado realizado na Universidade de Cambridge. Perita Criminal do Estado de São Paulo. Publicou Artigos Científicos em Revistas Internacionais. Depositou pedido de Patente junto ao INPI na área de Nanotecnologia. Estudante de Direito pela Rede Gonzaga de Ensino Superior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos