Uma Análise de Decisões conflitantes entre Turmas do STJ acerca da hediondez atribuída ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes
Recentemente o Min. Sebastião Reis Junior da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, concedeu Liminar em Habeas Corpus nº 741004/SC, onde reconheceu que a lei que equiparava o delito de tráfico de drogas como sendo considerado crime hediondo foi revogado pelo pacote anticrime Lei 13.964/2019.
A defesa requereu em sede liminar e no mérito do referido HC o afastamento do caráter hediondo do crime de tráfico e a aplicação dos critérios aplicados aos crimes comuns para fins de concessão dos benefícios da execução, aplicando-se a contagem de 16% para progressão de regime e livramento condicional. Na fundamentação do reconhecimento em sede liminar, o Min. Rel. Sebastião Reis Junior, assim expôs seu argumento, in verbis:
No caso, em juízo de cognição sumária, tem-se que razão assiste à impetração, uma vez que o permissivo legal que equiparava o delito de tráfico de drogas a hediondo a progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 da pena, se o apenado for primário, e de 3/5, se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/1990) foi revogado pela vigência da Lei n. 13.964/2019.
Isso porque a aparente ausência de disposição legal equiparando o crime de tráfico de drogas a delito hediondo não poderia ser suprida por ato extralegal.
Então, em juízo de cognição sumária, por estarem presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano, elementos indispensáveis à concessão da tutela de urgência, defiro o pedido liminar para determinar a alteração provisória dos cálculos de pena do paciente, até o julgamento do mérito do presente writ, devendo ser consideradas as frações de crime comum para condenação pelo delito de tráfico de drogas.
Por outro lado, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de Rel. do Min. Reynaldo Soares da Fonseca, denegou ordem em habeas corpus AgRg nº 729.332/SP, sob o fundamento de que as novas teses defensivas trazidas não possuem o condão de abalar os fundamentos já consolidados, àqueles constantes no art. 5º, Inciso XLIII da Constituição Federal. Senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. CÁLCULO DE PENA PARA PROGRESSÃO DE REGIME. REVOGAÇÃO DO § 2º DO ART. 2º DA LEI 8.072/90 (LEI DOS CRIMES HEDIONDOS) PELA LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME) QUE NÃO AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006) COMO DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. CLASSIFICAÇÃO QUE DECORRE DO ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018)
2. A revogação do § 2º do art. 2º da Lei 8.072/90 pela Lei 13.964/2019 não tem o condão de retirar do tráfico de drogas sua caracterização como delito equiparado a hediondo, pois a classificação da narcotraficância como infração penal equiparada a hedionda decorre da previsão constitucional estabelecida no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal.
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n 118.533/MS, concluiu que "o tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos" (HC 118.533/MS, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, TRIBUNAL PLENO, DJe 16/09/2016).
4. O fato de a Lei 13.964/2019 ter consignado, expressamente, no § 5º do art. 112 da Lei de Execução Penal, que não se considera hediondo ou equiparado o tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 somente consagra o tratamento diferenciado que já vinha sendo atribuído pela jurisprudência ao denominado tráfico privilegiado. Isso, no entanto, não autoriza deduzir que a mesma descaracterização como delito equiparado a hediondo tenha sido estendida ao crime do art. 33, caput e § 1º, da Lei de Drogas.
5. Esta Corte já teve a oportunidade, em diversas ocasiões, de referendar a natureza de delito equiparado a hediondo do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, mesmo após a entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (Pacote anticrime), ressaltando-se, inclusive que, no julgamento do Recurso Especial n. 1.918.338/MT (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/05/2021, DJe 31/05/2021) pela sistemática dos recursos repetitivos (Tema n. 1.084), no qual foi assentada a tese reconhecendo a possibilidade de aplicação retroativa do art. 112, V, da LEP a condenados por crimes hediondos ou equiparados que fossem reincidentes genéricos, o caso concreto tratou especificamente de condenado por tráfico de drogas.
Precedentes desta Corte sobre a mesma controvérsia posta nos autos: HC 733.052/RS, Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 06/04/2022; HC731.139/SP, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 29/03/2022; HC 723.462/SC, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 11/03/2022; HC 726.162/SC, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 16/03/2022; HC 721.316/SC, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 08/02/2022.
6. Agravo regimental desprovido.
Para nos aprofundar sobre o tema, precisamos esclarecer os seguintes pontos:
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Qual conceito do Princípio da legalidade e seus desdobramentos?
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Onde está tipificado no ordenamento jurídico pátrio, que o tráfico de drogas é considerado crime hediondo?
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O que é crime hediondo e o que é crime equiparado a hediondo?
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O que é indulto, graça e anistia e quais são os crimes inafiançáveis?
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O que o Pacote Anticrime revogou?
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Para critérios de progressão de regime e livramento condicional, o tráfico de drogas é considerado crime hediondo ou equiparado devendo ser aplicado à disposição constante no art. 112, Inciso V ou VII da LEP?
Dúvidas como esta e muitas outras se reverberam no mundo jurídico, seja por meio das doutrinas pátrias, Jurisprudências, e até mesmo decisões de primeiro grau. Não há, até o presente momento, confirmação alguma da constitucionalidade acerca da hediondez atribuída ao tráfico ilícito de entorpecentes, e por isso, no presente artigo, irei responder todas as indagações aqui propostas, e com intuito acadêmico buscar sanar este imbróglio que deixa nossos sistemas prisionais cada vez mais superlotado por conta de politica criminal.
Qual conceito do Princípio da legalidade e seus desdobramentos?
O art. 5º, Inciso XXXIX da Constituição Federal e o art. 1º do Código Penal, tratam do princípio da Legalidade e seus desdobramentos. Dado a sua intimidade principiológica, o princípio da Legalidade está ligado ao Princípio da Reserva Legal ou da Estrita Legalidade, e ao Princípio da Anterioridade da Lei Penal. Para adentrarmos melhor no conceito dos desdobramentos acerca do princípio da legalidade, precisamos nos debruçar no referido dispositivo em espécie, senão vejamos:
Art. 5º, Inciso XXXIX da Constituição Federal Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Art. 1º do Código Penal - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal;
Sendo assim, para que o judiciário possa aplicar efetivamente as leis, o Legislativo, composto pelo Congresso Nacional deverá promulgar de acordo com o quórum constitucional, as leis penais, não cabendo ao alvedrio do Poder Judiciário Legislar sobre matéria penal. O sistema de leis composto em nosso ordenamento jurídico é enorme, e possuímos leis penais constantes em todos os tipos de matéria, tendo o exemplo de que há matéria penal no Direito Trabalhista, há Matéria Penal no Direito Previdenciário, Tributário, relacionado aos crimes de trânsito e assim por diante. Portanto, em todo o ordenamento jurídico poderemos nos defrontar com matérias penais.
O Princípio da Legalidade possui proveniência do Latim Nullum crimen sine praevia lege, ou seja, não haverá pena sem que haja uma lei anterior definindo aquela determinada conduta como sendo ela criminosa. Ninguém poderá ser processado ou ter sua indisponibilidade de seus bens fundamentais, no caso, a liberdade, que não seja em virtude de lei aplicada por meio de um processo justo e equilibrado.
No que concerne ao Princípio da Reserva Legal, de acordo com os ensinamentos de Cleber Masson, o autor aduz que o referido princípio possui dois fundamentos, um de natureza jurídica e outro de fundamento político, que assim dispõe:
O fundamento jurídico é a taxatividade, certeza ou determinação, pois implica, por parte do legislador, a determinação precisa, ainda que mínima, do conteúdo do tipo penal e da sanção penal a ser aplicada, bem como, da parte do juiz, na máxima vinculação ao mandamento legal, inclusive na apreciação de benefícios legais. [...] Como desdobramento lógico da taxatividade, o Direito Penal não tolera a analogia in malam partem.
O fundamento político é a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do Estado.
Luiz Flávio Gomes e Antonio García - Pablos de Molina, em sua Obra Coleção Ciências Criminais V.2, nos ensina sobre as dimensões de garantia ao Princípio da Legalidade, sendo a,
Lex scripta (lei escrita), ou seja, é aquela que passa pelo crivo do Parlamento, sancionada pelo Presidente da Republica e publicada em Diário Oficial da União; Lex populi (Lei aprovada pelo parlamento), onde somente o Parlamento pode aprovar sanções penais, devendo obrigatoriamente emanar do Legislador; Lex certa onde toda lei penal deve ser taxativa, inclusive quanto a sua pena, não podendo ser vaga ou imprecisa; Lex Clara pelo fato da lei ser inteligível e de forma compreensível; dentre outros, como Lex proporcionalis, Lex stricta e lex previa.
Já no que traduz ao Princípio da Anterioridade da Lei Penal, a mesma nos orienta no sentido de que a lei deve vir de forma anterior àquela conduta praticada pelo cidadão. Dessa forma, a lei deverá ter sua vigência proveniente antes do fato incriminador, uma vez que somente poderá ser aplicada a eventos futuros.
Onde está tipificado no ordenamento jurídico pátrio, que o tráfico de drogas é considerado crime hediondo?
Para adentrarmos no cerne da questão precisamos realizar uma análise constitucional e posteriormente, estudar a própria Lei de Crimes hediondos, conforme dispõe a lei 8.072/90. Mas não se desdobrará somente nesses pontos, uma vez que, a caracterização daquilo que é considerado crime hediondo pode se tratar de uma inovação doutrinária e jurisprudencial, mas explicarei isso mais adiante.
Como já explicado no capítulo anterior, para que o crime possa ser considerado hediondo deve haver a previsão legal, pois de acordo com o princípio da legalidade e seus desdobramentos (Princípio da Anterioridade da Lei Penal e Princípio da Reserva Legal), somente poderá haver penalização de alguém senão em virtude de lei. Sendo assim, o legislador ordinário promulgou a Lei 8.072, de 1990 Lei de Crimes Hediondos, para relacionar especificadamente quais são os crimes considerados hediondos e como deverá ser tratado pelo julgador na aplicação da lei.
O critério adotado na lei de crimes hediondos foi o critério formal, devendo haver um rol taxativo (numerus clausus) descrito na própria lei (art. 1º da Lei 8.072, de 1990), para definir quais são os crimes considerados hediondos. Não cabe ao crivo do aplicador da lei, ao Magistrado ou a doutrina, o caráter de aferição da hediondez atribuída ao tráfico de drogas.
Sendo assim, com a análise da lei de crimes hediondos, não foi possível encontrar em seu art. 1º (rol taxativo) o tráfico ilícito de entorpecentes como sendo ele considerado crime hediondo. A lei especial é do ano de 1990 e em diversas outras ocasiões vieram à oportunidade do Legislador Constitucional prever novas considerações de crimes hediondos. Até mesmo com o advento do atual Pacote Anticrime, previsto pela Lei 13.964/19, o legislador incluiu diversas outras modalidades consideradas crimes hediondos, mas não foi o caso do tráfico ilícito de entorpecentes.
As Diversas Jurisprudências se dão no sentido da aplicação ao que prevê o texto constitucional, disposto no art. 5º, Inciso XLIII da Constituição Federal e art. 2º da Lei 8.072/90. Ocorre que o referido dispositivo não aduz que o tráfico de drogas e afins é considerado crime hediondo, mas sim, um crime insuscetível de indulto, graça e anistia, trazendo de fato um rigor maior para aplicação da conduta daquele que comete o referido delito.
Com todo acatamento e respeito, diante de tudo aquilo que se discorreu no presente artigo, não pode a Doutrina, muito menos na aplicação da lei, haver interpretações diversas daquela exarada pelo Legislador. Não podem desrespeitar e ser contraditórios em tudo aquilo que nos é ensinado.
Por fim, de acordo com os princípios orientadores da Carta Magna, não foi possível encontrar no ordenamento jurídico conotação da hediondez ou equiparação atribuída ao tráfico ilícito de entorpecentes pelo Legislador, não podendo ficar a cargo da Jurisprudência e Doutrina Legislar nesse sentido.
O que é crime Hediondo e o que é crime equiparado a Hediondo?
Os crimes hediondos são aqueles dispostos no art. 1º e parágrafo único da Lei 8.072/90, como por exemplo, o homicídio doloso, homicídio qualificado, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, roubo com emprego de arma de fogo, roubo com restrição à liberdade da vítima, estupro de vulnerável etc.
Na necessidade de dar uma maior reprovabilidade a determinadas condutas, por se tratarem de delitos cuja lesão se repercute nos direitos fundamentais das vítimas como a restrição da liberdade e até mesmo à vida, o legislador constitucional se viu na responsabilidade de legislar no sentido de fazer com que atos relacionados a estes delitos devam ser tratados de forma mais incisiva pelo aplicador da lei.
O crime equiparado a hediondo, por sua vez, por mais que é mencionado em diversos dispositivos do ordenamento jurídico, ele não é específico, gerando margens a intepretações diversas.
O tráfico de drogas por se tratar de uma modalidade criminosa que vem afligindo e gerando temor na sociedade, motivado no desencadeamento de vários outros delitos, tanto a doutrina pátria quanto a jurisprudência buscaram gerar maior reprovabilidade para essas condutas.
Contudo, o Legislador constitucional e infraconstitucional não delimitou assertivamente quais são considerados os crimes equiparados a hediondos, gerando margens a interpretações diversas, como acorre atualmente. O art. 5º Inciso XLIII, da Constituição Federal dispõe que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evita-los, se omitirem.
Mas a interpretação que deve ser feita ao dispositivo constitucional não pode se restringir ao fato de que os crimes ali encampados são considerados crimes hediondos. De fato o Legislador constitucional impôs um regime jurídico mais rigoroso aos crimes previsto no Inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal. Mas a interpretação ao dispositivo de lei não gera hediondez aos crimes ali mencionados, e sim, uma maior reprovabilidade àquelas condutas na aplicação da pena provisória e etc., ao passo que impede que os condenados a estes crimes não tenham os benefícios do indulto, graça, anistia e fiança.
O que é indulto, graça e anistia e quais são os crimes inafiançáveis?
O indulto, a graça e a anistia são formas de extinção da punibilidade, como prevê o art. 107, Inciso II do Código Penal. O indulto é o perdão concedido pelo Presidente da República por meio de Decreto Presidencial, sendo este um benefício coletivo que pode ser concedido de oficio pela Autoridade máxima do Poder Executivo.
A graça por sua vez, é muito semelhante ao indulto, porém não se confunde, uma vez que esta modalidade de perdão também é concedida pelo Presidente da República por meio de Decreto Presidencial, devendo ser determinado a uma pessoa específica, dependendo de provocação da parte, de qualquer pessoa do povo, pelo conselho de sentença ou através do Ministério Público. Importa ressaltar que o benefício da graça tem tramitação no Ministério da Justiça. Tanto no indulto, quanto na graça haverá o perdão completo ou parcial da pena.
Já a anistia é um perdão concedido pelo Congresso Nacional mediante lei ordinária, sendo considerado o esquecimento da infração penal apagando a pena e suas consequências, e pode ser alcançado aos crimes eleitorais, penais e militares.
Crimes inafiançáveis são aqueles que não admitem pagamento de fiança para soltura do preso. A fiança possui objetivo a salvaguardar de que o acusado responda o processo em liberdade e fica compromissado a comparecer a todos os atos que lhe for intimados para esclarecimento dos fatos. Conforme estatui o art. 322 e seguintes do Código de Processo Penal, a fiança poderá ser concedida pelo delegado de policia aos crimes cuja pena privativa de liberdade não seja superior a 4 (quatro) anos.
Relacionados aos crimes inafiançáveis a título exemplificativo, estão os crimes de racismo, tortura, trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos. Os crimes cometidos por grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático de direito e em caso de prisão civil ou militar.
Dessa forma, entende-se que o fato do tráfico de drogas ser insuscetível de indulto, graça, anistia e fiança não fazem dele crime hediondo ou equiparado a hediondo.
O que o Pacote Anticrime revogou?
No bem da verdade, sabe-se que a lei que regula os crimes hediondos é a lei 8.072/90, onde o legislador expôs num rol taxativo do art. 1º e parágrafo único, todos os crimes considerados hediondos. O art. 2º da referida Lei de Crimes Hediondos, dispõe que:
Art. 2º. Os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I- Anistia, Graça e Indulto;
II- Fiança;
§ 1º. A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
§2º. A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos) se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). (Revogado pela Lei nº 13.964, de 2019).§3º. [...]
§4º. [...]
(Grifo nosso)
Anterior à promulgação conferida ao Pacote anticrime, que continha no §2º do art. 2º da Lei 8.072/90 Lei de Crimes Hediondos previa que no caso de condenação aos crimes tipificados no referido dispositivo, onde estava constando o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, uma porcentagem maior para os delitos cometidos por aquela natureza, gera uma reprovabilidade pelo aplicador do direito, equiparando assim, subjetivamente, os delitos ali encontrados aos crimes hediondos.
Insta salientar que o Patamar de 2/5 (dois quintos) e 3/5 (três quintos) anteriormente previstos na Lei de execução penal, corresponde a, respectivamente, 40% (quarenta por cento) e 60% (sessenta por cento). Ocorre que o Atual Pacote Anticrime, também revogou o art. 112 da Lei 7.210, de 1984 Lei de Execução Penal. A Lei 13.964, de 2019 gerou interpretação e aplicação imediata da Lei mais benigna.
Artigo 112 (Revogado). A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para o regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§1.º A decisão será sempre motivada e procedida de manifestação do Ministério Publico e do defensor.
§2.º Idêntico procedimento será adotado na concessão do livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
Já o atual art. 112 da Lei de Execução Penal, sofreu algumas modificações e ao final deste artigo iremos tratar melhor sobre ele. Por enquanto vamos focar apenas no entendimento sobre o antigo dispositivo já revogado, para assim entendermos como o tráfico ilícito de entorpecentes era tratado pela legislação e aplicado pelo judiciário. Sendo assim, entendemos que o crime de tráfico de drogas nunca foi considerado crime hediondo, sendo este delito tratado como equiparado a hediondo.
A nossa Carta Magna, prevê no art. 5º, Inciso XL que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, reconhecido como princípio constitucional da retroatividade da Lei Penal Benéfica. Dessa forma, por ter havido uma Novatio Legis in Mellius, dado a revogação dos respectivos dispositivos conferidos pelo pacote anticrime, diante do princípio constitucional supramencionado, deve-se haver a aplicação imediata.
Ora, diante dos dispositivos revogados, o caráter hediondo atribuído ao tráfico de drogas sofreu modificações e deve ser reavaliado, não podendo haver decisões pautadas em politica penal de encarceramento, caso o legislador quisesse considerar o crime de drogas como sendo ele de fato hediondo o colocaria de forma expressa no art. 1º e parágrafo único da Lei 8.072/90 Lei de Crimes Hediondos, que não o fez. Não cabe ao órgão julgador, por sua vez, legislar, mas sim aplicar de forma imediata o que dispõe o ordenamento jurídico pátrio.
Para critérios de progressão de regime e livramento condicional, o tráfico de drogas é considerado crime hediondo ou equiparado devendo ser aplicado à disposição constante no art. 112, Inciso V ou VII da LEP?
Por não haver enquadramento normativo na Lei de Crimes Hediondos, o tráfico de drogas não é considerado um crime hediondo e sim um crime equiparado a hediondo, por critério fundamentado no art. 5º, Inciso XLIII da Constituição Federal, dado ao fato de ser um crime inafiançável, insuscetível de indulto, graça e anistia. Conforme nos ensina Paulo Henrique Aranda Fuller, no que se revela diante do dispositivo constitucional que:
A Constituição Federal de 1988 se limitou a impor um regime jurídico mais rigoroso (inafiançabilidade e insuscetibilidade de graça e anistia) aos crimes de tortura, tráfico de drogas e terrorismo, (os denominados crimes equiparados ou assemelhados a hediondos), transferindo ao legislador ordinário a tarefa de definir os crimes que seriam considerados hediondos.
No que se trata sobre o critério de progressão de regime e livramento condicional os incisos V e VII do art. 112 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) dispõe que:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
[...]
V 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
O caráter hediondo atribuído ao tráfico de drogas como já mencionado, está pautado nas jurisprudências e doutrinas, fazendo com que o autor condenado a esses crimes estejam sujeitos a cumprimentos de penas por mais tempo para haver a concessão da sua progressão de regime e livramento condicional, dado o fato das porcentagens relativas a progressão serem aplicadas como se o tráfico de drogas fosse considerado crime hediondo ou equiparado.
No caso em que se relaciona ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, as penas atribuídas a estes delitos são aplicadas em seu máximo rigor, e quando na dosimetria da pena, os magistrados de piso geralmente utilizam do mecanismo da hediondez para condenar réus que cometeram tais delitos em patamares de 40% e 60% para critério de progressão de regime e livramento condicional.
Conclusão
O tratamento dado ao crime de trafico ilícito de entorpecentes, para que haja a sua caracterização acerca da hediondez, sempre foi intitulado pelas doutrinas e jurisprudências por meio da conotação acerca da inafiançabilidade, indulto, graça ou anistia, com previsão legal na constituição federal e na lei de crimes hediondos (art. 5º, XLIII CF e art. 2º da Lei 8.072/90). Porém ao interpretar os referidos dispositivos, os mesmos não são capazes de dar entendimento de que o tráfico de drogas é considerado crime hediondo.
Ora, o Legislador Constituinte criou a Lei que regula os crimes considerados hediondos (Lei 8.072/90), e poderia ter previsto no próprio rol taxativo da lei a descrição atribuindo o caráter hediondo ao tráfico ilícito de entorpecentes. Veja que sempre há novos dispositivos incluídos no rol taxativo previsto no art. 1º e parágrafo único da Lei de crimes hediondos. Mas em nenhum momento o legislador menciona o tráfico ilícito de entorpecentes como sendo ele um crime hediondo, muito menos o equipara a hediondo.
Portanto se conclui que a aplicação da hediondez para estes delitos sofreram modificações trazidas pelos especialistas, que deturpam a literalidade do dispositivo constitucional e a Lei Especial na finalidade de romper a fronteira do princípio da legalidade e seus desdobramentos. Certamente o delito que envolve o tráfico ilícito de entorpecentes merece um maior rigor pelo legislador pátrio, contudo, em respeito aos ditames já postulados, para que haja a aplicação deste rigor, deverá ser precedido de lei e não por interpretações subjetivas das leis.
Bibliografias:
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Lei de Drogas Lei 11.343 de 2006: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm;
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Gomes, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral: volume 2 / Luiz Flávio Gomes, Antonio Garcia Pablos de Molina; coordenação Luiz Flavio Gomes, Rogério Sanches da Cunha. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
Leis penais especiais / Flavio Martins Alves Junior ...[et al.]. 4. Ed. ver., atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. (Coleção elementos do direito; v.18 / coordenação Marco Antonio Araujo Jr., Darlan Barroso).