Quando não é permitida a contratação temporária por excepcional interesse público?

Servidor público temporário

31/05/2022 às 10:23
Leia nesta página:

Atividades permanentes com funções de poder de polícia e fiscalizatórias, tendo em vista que desempenham funções tipicamente estatais, assim compreendidas as voltadas a funções finalísticas e diretamente afetas à segurança pública.

O abuso na utilização do recurso da contratação de agentes públicos sem concurso público, sob a falsa alegação da necessidade temporária de excepcional interesse público, e a prorrogação dos contratos por longos anos são condutas renitentes do norte ao sul do Brasil na administração pública federal direta e indireta, e na administração pública direta e indireta de estados e municípios.

Algumas atividades são inerentes ao exercício do poder de polícia do Estado e devem ser preenchidas por meio de concurso público, a exemplo das carreiras da administração tributária, fiscal de vigilância sanitária, guarda de trânsito, policial civil e militar, agentes ambientais, dentre outras. Nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

Foi na Constituição Federal de 1988 que o contrato temporário passou a existir na legislação brasileira. Mas é preciso saber que essa é uma condição especial, excepcional e temporal. Na contratação temporária por excepcional interesse público, existe a categoria do regime especial. Nessa categoria, cada ente federativo, ou seja, a União, os Estados e Municípios têm as suas próprias leis.

Esta pesquisa é bibliográfica e qualitativa, justifica-se pela extrema relevância do abuso da contratação de servidor público temporário o que tem ocorrido com extrema frequência pela União, Estados e Municípios brasileiros.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, Inciso IX, prevê a contratação temporária de pessoal para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Porém, a falta de definição objetiva dos pré-requisitos autorizativos para esse tipo de contratação permite interpretações e inferências distintas da sua finalidade, tornando este instrumento de contratação passível de flexibilização conforme as leis de cada ente, muitas vezes divergentes da norma constitucional.

Não é possível contratação temporária para suprir atividades permanentes com funções de poder de polícia e fiscalizatórias, tendo em vista que desempenham funções tipicamente estatais, devendo ser realizadas por profissionais de carreira, devidamente aprovados em concurso público, nos termos da jurisprudência do TCE-PI (Vide Dec. Monocrática n° 476/2021-GWA, proferida no Processo TC/016429/2021, com publicação no DOE TCE/PI n° 201, em 25/10/2021, ratificada pela Decisão Plenária nº 1.081/2021).

A pesquisa de jurisprudência revela ainda situações incríveis nesta temática da contratação temporária irregular. Cite-se, por exemplo, a contratação de policiais militares provisórios no Estado de São Paulo, prevista em lei e posteriormente declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, questão que também foi objeto de ação civil pública:

 

Incidente de Inconstitucionalidade. Lei federal 10.029/2000 e Lei estadual 11.064/2002 que disciplinam a contratação de voluntários temporários para as polícias militares e corpo de bombeiros. Inconstitucionalidades flagrantes Forma de admissão e de remuneração não previstas na Constituição Federal. Entendimento. Supressão de Direitos sociais do trabalhador. Contratação que, demais, deveria observar o prévio concurso público, já que as funções desempenhadas por policiais militares são permanentes. Inconstitucionalidade reconhecida. (9221852-31.2009.8.26.0000, Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei, Relator Des. A. C. Mathias Coltro, S. Paulo, Órgão Especial, 05/08/2009).

 

[...] Ação Civil Pública Soldados PM Temporários Pretensão à convolação dos contratos temporários em vinculo definitivo ou, alternativamente, à nulidade dos contratos Inconstitucionalidade da LF 10.029/2000 e LE 11.064/2002, que davam lastro às contratações, declarada pelo Órgão Especial desta Corte Desnecessidade de remessa da questão ao Órgão Inteligência do par. ún. do art. 481 do CPC Inconstitucionalidade que leva à nulidade dos contratos temporários Impossibilidade de convolação em vínculo definitivo Ofensa à regra do concurso público para acesso aos cargos, empregos e funções públicas Soldados PM Temporários que ingressaram mediante processo seletivo viciado, porquanto restringiu desmotivadamente a faixa de candidatos aceitos Quebra do princípio da igualdade ao acesso aos cargos, empregos e funções públicos Nulidade dos contratos Inteligência do par. 2º. do art. 37 da CF Sentença de procedência Recurso parcialmente provido. (AC 0031496-05.2011, j. 12/05/2014).

 

Outro problema recorrente é a admissão de agentes públicos temporários, ou a sua manutenção, em detrimento de candidatos aprovados regularmente em concursos públicos para os cargos detentores das funções temporariamente exercidas pelos contratados. Cite-se, por todos, o seguinte aresto do STF:

 

O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que, comprovada a necessidade de contratação de pessoal, deve-se nomear os candidatos aprovados no certame em vigor em detrimento da renovação de contrato temporário. (AI 684.518- AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-4-2009, Segunda Turma, DJE de 29-5- 2009.)

 

A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA NO SERVIÇO PÚBLICO E A PEC 32/2020 (REFORMA ADMINISTRATIVA)

A nova redação expressamente prevê que a contratação temporária não poderá ter como objeto o exercício de atribuições próprias de servidores investidos em cargos exclusivos de Estado, assim compreendidos os voltados a funções finalísticas e diretamente afetas à segurança pública, à representação diplomática, à inteligência de Estado, à gestão governamental, à advocacia pública, à defensoria pública, à elaboração orçamentária, ao processo judicial e legislativo, à atuação institucional do Ministério Público, à manutenção da ordem tributária e financeira ou ao exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle.

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Segundo essas regras, a contratação por tempo determinado será realizada para atender às necessidades temporárias previstas em lei federal, estadual, distrital dede que não incluam atividades exclusivas de Estado enumeradas no inciso IX do art. 37.

Órgãos como a Receita Federal, o Banco Central, Agências Reguladoras e outras, atividades-meio poderiam ser objeto dessa contratação temporária, desde que não incidam sobre as funções finalísticas de fiscalização, regulação ou controle. Na Polícia Federal, a contratação poderia alcançar praticamente todas as atividades a cargo do órgão que não envolvam as funções finalísticas de segurança pública, perícia e polícia judiciária. Havendo a necessidade temporária, ainda que não seja excepcional, a lei poderia disciplinar essas contratações.

Já na segurança pública, surge a dúvida: será permitida a continuidade da contratação temporária de policiais militares, ou nas Forças Armadas? Trata-se de prática usual, e, interpretado amplamente, o art. 37, IX, não permitiria essa hipótese, por se tratar de função finalística na área de segurança pública.

De acordo com o STF, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: os casos excepcionais estejam previstos em lei; o prazo de contratação seja predeterminado; a necessidade seja temporária; o interesse público seja excepcional; e a contratação seja indispensável, sendo proibida para os serviços ordinários permanentes.

O entendimento do STF de que o caráter transitório das contratações por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público não se combina com o caráter permanente da prestação de serviços essenciais à população, como saúde, educação e segurança pública.

Portanto, deve ser uma contratação temporária para suprir uma necessidade urgente até ocorrer à substituição por profissional concursado (se tiver necessidade). Por isso, é comum ter essas contratações nas áreas da educação e saúde.

                   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

 

BRASIL. PEC 32/2020. Proposta de Emenda Constitucional que altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2262083>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

 

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/inicio/>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

 

STF. Leis de MG que permitiam convocação temporária de professores sem concurso são inválidas, decide STF. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=487720&ori=1>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

 

TCE/PI. Resolução nº 23/2016, de 06 de outubro de 2016. Dispõe sobre o envio e acesso a informações necessárias e estabelece procedimentos para exame, apreciação e registro dos atos de admissão de pessoal pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/wp-content/uploads/2016/12/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-23-16-Com-altera%C3%A7%C3%B5es-da-Resolu%C3%A7%C3%A3o-33-2016.pdf>. Acesso em: 31 de maio de 2022.

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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