Aulas online em instituições públicas federais de ensino: uma realidade que veio para ficar

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Trata-se de artigo que, por meio de uma metodologia descritiva e exploratória e focando nas universidades e nos institutos federais, faz uma análise de uma nova realidade que ganhou luz com a pandemia, qual seja: as aulas remotas

 



 

Por Ricardo Russell. Professor Efetivo do IFPE. Defensor Público Federal. Mestre e Doutor em Direito. Especialista em Ciência Política.

 

 

Introdução

A pandemia do COVID-19 trouxe um aprendizado: podemos realizar com a mesma qualidade de forma remota atividades que antes eram realizadas apenas presencialmente

Mesmo diante da realidade supramencionada, algumas instituições, públicas e privadas, voltaram para 100% das atividades presenciais com o arrefecimento da pandemia, quase como um fetiche por atividade realizadas de forma presencial.

Dentre as instituições que voltaram com tudo para o ensino presencial, estão as instituições públicas federais de ensino, no caso, as universidades e os institutos federais.

A dúvida que surge é: era realmente necessário que todas as atividades nas instituições públicas federais de ensino voltassem de forma presencial em toda e qualquer situação?

A resposta ao questionamento acima é o que se pretende responder neste artigo por meio de uma metodologia exploratória e descritiva.

 

1.Da autonomia das instituições públicas de ensino

De antemão, quem é que resolve se uma instituição pública de ensino vai ter aulas remotas ou presenciais? O MEC por meio de portaria? O Poder Legislativo por meio de uma lei?

A universidades federais e os institutos federais possuem natureza jurídica de autarquia, ou seja, eles não são um órgão da União e sim outra pessoa jurídica, possuindo autonomia administrativa para o desempenho de suas funções[1].

Assim, o Ministério da Educação não realiza um controle hierárquico em relação aos institutos federais e às universidades federais, mas sim um controle meramente finalístico, uma mera supervisão[2], o que só pode ser feito nos termos estabelecidos em lei[3], de modo que o MEC só pode intervir em uma universidade federal ou em instituto federal quando houver um desvio de finalidade legal, ou seja, quando não houver a prestação de um serviço de educação de qualidade. Além disso, as instituições de ensino, tal como as professoras e professoras, possuem autonomia didático-científica, o que inclui o poder decisão de qual o modelo de aula a ser utilizado em cada situação.

Desse modo, quem deve determinar em cada caso concreto, em consonância com as leis e com os princípios que regem a Administração Pública, os requisitos para que as aulas sejam presenciais ou remotas na Rede Federal de Ensino são os reitores de cada instituição educacional federal ou, ainda, os diretores-gerais de ensino de cada Campi, mas nunca o Ministro da Educação.

E lei e os princípios da Administração Pública? O que eles dizem sobre ao assunto. É o que veremos nos próximos tópicos.

 

2.Do embasamento jurídico para as aulas presencias ou remotas.

Antes mesmo da pandemia, a lei já trazia previsão do ensino online nas instituições de ensino do país tal como pode ser visto nos seguintes artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB:   

 

"Art. 35:  8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:  (...) (Grifos Nossos)".

Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.  (Grifos Nossos)."

 

Desse modo, o ensino remoto é uma realidade e tem previsão legal. Naturalmente, para um curso ser 100% remoto em situação de normalidade, seja na rede pública seja na rede privada, deve existir uma regulamentação a ser realizada pelo MEC[4].

A dúvida que surge é: quando um curso é oficialmente presencial, como se dá a opção pela realização de algumas atividades ou algumas aulas específicas de forma remota?

Nesse caso, em se tratando de instituições públicas de ensino, mais especificamente as universidades e os institutos federais, tal como se estuda neste artigo, precisamos analisar não apenas as leis, mas também os princípios que regem a Administração Pública.

O estudo dos princípios é de suma importância dentro Direito Administrativo porque o referido ramo do Direito, diferentemente de outros ramos jurídicos, como o Direito Penal e o Direito Civil, por exemplo, não é codificado no Brasil, o que tornam os princípios da Administração Pública o elo entre toda a legislação esparsa do Direito Administrativo, sendo por isso que eles são chamados por Celso Antônio Bandeira de Mello de mandamentos nucleares do sistema[5].

No mais, o estudo acerca dos princípios é sempre relevante para todos os ramos do Direito, tendo em vista que, seguindo os estudos de Robert Alexy, as normas são divididas em regras e princípios e a colisão entre os princípios é solucionada de forma diferente da colisão entre as regras, ou seja, a solução diante de uma colisão de princípios não se dá, tal como acontece com as regras, com base em analisar se o princípio é válido ou não[6] e sim em fazer uma ponderação no caso concreto de qual princípio vai prevalecer[7].

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Desta feita, imaginemos a seguinte situação: uma instituição federal de ensino não pode ter aula presencial porque as pessoas da localidade precisam ficar em isolamento por causa de uma pandemia ou, ainda, não conseguem sair de casa por causa de fortes chuvas. Em uma situação como essa não existe previsão legal de que as aulas podem passar a ser remotas (caso a internet dos envolvidos permita), mas é razoável que os alunos fiquem sem aula nenhuma? Evidentemente que não, pois, ao lado do princípio da legalidade, existem outros princípios que regem a Administração Pública e que deverão prevalecer no caso concreto, como o princípio da eficiência, o princípio da razoabilidade e, no caso, principalmente o princípio da continuidade.

Frise-se que na atualidade a doutrina mais moderna não fala mais em obediência ao princípio da legalidade, mas sim em obediência ao princípio da juridicidade[8], estando os administradores públicos atrelados, ao mesmo tempo, aos textos legais e aos princípios que regem o Poder Público.

Desta feita, caso a aula remota em qualquer contexto seja a melhor opção para que as aulas de um curso de uma instituição pública de ensino presencial não sejam interrompidas, elas devem ser efetivamente utilizadas, pois, caso contrário, haverá uma ofensa aos princípios que regem a Administração Pública.

No mais, existem diversas atividades em uma instituição de ensino que podem ser remotas sem prejuízo da qualidade quando essa for a única opção existente diante de uma situação excepcional ou quando simplesmente for a opção mais econômica e/ou que evite deslocamentos desnecessários. Como exemplo, temos: reuniões, assinatura e entrega de documentos, renovação de livros, palestras (inclusive de convidados internacionais), dentre outras atividades que atualmente só acontecem de forma presencial por mero apego ao passado.

 

Conclusão

A pandemia do COVID-19 foi (e ainda é) uma tragédia mundial, mas o fato é que ela nos trouxe alguns ensinamentos que não podem ser deixados de lado.

Dentre os ensinamentos que a pandemia trouxe está a possibilidade da realização de atividades remotas para algumas situações que outrora só eram realizadas de forma presencial.

Assim, quando uma universidade federal ou um instituto federal perceber que a aula remota ou qualquer outra atividade é a única ou até mesmo a mais econômica opção diante de um caso concreto, é dever do administrador público caminhar para a referida opção sob pena de ofender os princípios que regem a Administração Pública.

Se a pandemia não nos ensinou nada, milhares de vida se foram sem deixar qualquer aprendizado.

 

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, 2ªed, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2008.

AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Vol.1, 4ªed, Coimbra: Almedina, 2018.

ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

GONÇALVES, Pedro Costa - Manual de Direito Administrativo, Vol.1, Almedina: Coimbra, 2020.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ªed. São Paulo: Atlas, 2020.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. Malheiros: São Paulo, 2009. 

 

 


[1]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ªed. São Paulo: Atlas, 2020. p.302.

[2]ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.107.

[3]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. Malheiros: São Paulo, 2009. p.164.

[4]No caso, atualmente temos No caso, atualmente temos o Decreto 9.057/2012, que regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 , que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional

[5]MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009.p.53.

[6]GONÇALVES, Pedro Costa. Manual de Direito Administrativo, Vol.1, Almedina: Coimbra, 2020. p.369.

[7]ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, 2ªed, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2008. p.70-71.

[8]GONÇALVES, Pedro Costa. Manual de Direito Administrativo, Vol.1, Almedina: Coimbra, 2020. p.184.

 

Sobre o autor
Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho, Braga, Portugal (subárea: Direito Administrativo) com título reconhecido no Brasil pela Universidade de Marília. Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Defensor Público Federal. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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