Responsabilidade civil diante do estelionato sentimental

Resumo:


  • O estelionato sentimental é uma nova modalidade de crime surgida na jurisprudência brasileira em 2014, caracterizada pelo uso de sentimentos alheios em benefício próprio.

  • A responsabilidade civil é fundamental para reparar os danos causados pelo estelionato sentimental, abrangendo tanto os danos materiais quanto os extrapatrimoniais.

  • Os princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, a boa fé e a afetividade, são essenciais para orientar a aplicação do direito em casos de estelionato sentimental.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

Ante diversas artimanhas para se obter vantagens de outras pessoas, em 2014, na jurisprudência brasileira surge o estelionato sentimental ou afetivo como uma nova modalidade de crime. Esse ilícito é caracterizado pelos seus agentes utilizando sentimentos alheios, advindos de uma relação afetiva para conseguir proveitos em benefício próprio. Portanto, o presente artigo tem o intuito de analisar como o Direito Civil atua na responsabilização diante do estelionato sentimental, jurisprudências, além dos princípios constitucionais que estão diretamente relacionados ao tema.

PALAVRAS-CHAVE: ESTELIONATO SENTIMENTAL; ILÍCITOS; RESPONSABILIDADE CIVIL; JURISPRUDÊNCIAS

ABSTRACT

Faced with various tricks to obtain advantages from other people, in 2014, in Brazilian jurisprudence, sentimental or affective embezzlement appears as a new type of crime. This illicit is characterized by its agents using other people's feelings, arising from an affective relationship to obtain benefits for their own benefit. Therefore, the present article aims to analyze how Civil Law acts in the accountability in the face of sentimental embezzlement, jurisprudence, in addition to the constitutional principles that are directly related to the theme.

KEY-WORDS: SENTIMENTAL STEELIONATE ; ILLEGAL; CIVIL RESPONSIBILITY ;JURISPRUDENCE

Sumário

  1. INTRODUÇÃO 

1.1 Responsabilidade Civil 

1.2 Responsabilidade Civil Extracontratual 

1.3 Elementos da Responsabilidade Civil 

2. DA CONDUTA HUMANA 

2.1 Do dolo ou culpa 

2.2 Do nexo causal 

2.3. Do Dano 

3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 

3.1 Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana 

3.2 Princípio da Boa Fé 

3.3 Princípio da Afetividade 

4. ESTELIONATO SENTIMENTAL 

5. ESTELIONATO SENTIMENTAL BRASIL.......................................................

6. CONSIDERAÇOES FINAIS 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

  1. INTRODUÇÃO

O Direito surge como uma forma de proteger à todos, através do secionamento de um direito ou de uma punição aos responsáveis por uma ação injusta com penas ou indenizações. Diante disso, através de princípios constitucionais que orientam a aplicação do direito, a responsabilidade civil surge como uma forma de recompor algum prejuízo físico ou psicológico causado a alguém, por ato próprio de pessoas ou coisas que dependam dela. 

    Com o desenvolvimento dos humanos, surgem novos meios de conseguir vantagens em relação ao outro. Recentemente, a nova modalidade encontrada é a de conseguir proveitos através dos sentimentos e vulnerabilidade de um outrem. Isto é conceituado como estelionato sentimental, na jurisprudência brasileira. Essa nova modalidade apareceu nos autos do processo julgado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal em 2014 no qual a ex-namorada do réu pagava diversas contas para ele, pois o mesmo aproveitava-se da boa-fé e dos sentimentos dela. O réu foi sentenciado pelo crime de estelionato sentimental ou afetivo, situações como essa  vêm sendo julgadas diariamente nos tribunais brasileiros, pois muitas pessoas perceberam-se vítimas desse crime. 

   Dessa forma, a finalidade desse trabalho é tratar de que forma a responsabilidade civil é aplicada como meio de reparar os danos causados pelo estelionato afetivo, através de análise de jurisprudência. Do olhar metodológico, a pesquisa utilizou técnica bibliográfica, limitando-se a análise de livros, artigos, dissertações e teses encontradas em meios eletrônicos.

  • RESPONSABILIDADE CIVIL 

    A responsabilidade civil advém dos atos ilícitos, que são ações ou omissões culposas ou dolosas que causam prejuízo a outrem.  Segundo Gonçalves (2018) a responsabilidade civil é a obrigação indenizável ou de ressarcimento a prejuízo causado por atos ilícitos. Isso é, ela é a garantia do ofendido de que seu prejuízo não deixará de ser reparado.

    O Código Civil (2013), em seu artigo 927 dispõe que aquele que pratica atos ilícitos deve reparar, independe de culpa, pois todos que se sentirem prejudicados possuem direito a reparação, esse dispositivo em tal código visa a defesa de alguém que possa vir a ser lesado. 

      Assim sendo, entende-se como responsabilidade civil uma infração seguida de uma reprovação, que conduz o juízo de imputação a um juízo de retribuição (FARIAS e ROSENVALD, 2016)

    Nota-se que esse instituto é de extrema importância na função social, dado que resguarda as boas relações em uma sociedade. Tem o propósito de garantir que ninguém saia em desvantagem por um ato de outrem que cause prejuízo, imputando a esse a obrigação de reparar. Ademais, é observado que o caráter da responsabilidade não deve ser apenas punitivo, mas também educativo e repreensivo para o bem da função social. 

  • RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

     Esse instituto é dividido em responsabilidade civil contratual e extracontratual, também chamada de Lex Aqulia de Damno. De acordo com Gonçalves (2018) a contratual é quando uma pessoa causa prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual, já a extracontratual é quando um agente comete uma infração ao dever de conduta imposto pelo art. 927 do Código Civil (CIVIL, 2013). 

     Ainda segundo o autor existem outras diferenças, a primeira delas diz respeito ao ônus da prova, enquanto na contratual competirá ao devedor, na extracontratual incumbe ao lesado provar a culpa ou o dolo. Uma outra diferença é referente à fonte que gerou o dano, na contratual é gerada devido à um descumprimento de um contrato, enquanto na extracontratual vem da inobservância de não gerar um dano. 

  • ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL 

     A responsabilidade civil possui alguns elementos, no entanto, os doutrinadores ainda não entraram em consenso do número ao certo. Diniz (2005) considera que são três os elementos: Ação ou omissão, Dano e Nexo de causalidade. Entretanto Venosa (2010), aponta quatro tipos de elementos: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e culpa. Tartuce (2012) também considera quatro elementos: conduta humana, culpa genérica ou lato sensu, nexo de causalidade e dano ou prejuízo. 

  1. DA CONDUTA HUMANA 

É a conduta humana ilícita, ou a falta de uma conduta que gera uma responsabilidade civil no ordenamento jurídico. De acordo com Tartuce (2021) a conduta pode ser por uma ação (conduta positiva), ou por uma omissão (conduta negativa), voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia. Ainda para este autor para configurar omissão é necessário que exista um dever jurídico de praticar determinado ato, bem como a prova que essa conduta não ocorreu, e ainda é necessário que seja provado que se caso a conduta fosse praticada, o dano poderia ter sido evitado. 

  • DO DOLO OU CULPA

    O conceito de dolo e culpa está disposto no art. 186 do Código Civil (2013), que diz: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. De acordo com Pinto (2016), se a culpa for lato sensu abrange o dolo, que é divido em três: dolo direto que significa que o agente atua para atingir o fim ilícito; dolo necessário que é quando o agente quer atingir um fim lícito mas sabe que sua ação determinará inevitavelmente o resultado ilícito; e o dolo eventual é quando o agente quer um fim lícito, mas com ciência de que seu ato pode advir um resultado ilícito  e quer que esse se produza. 

Já a culpa propriamente dita, é culpa stricto sensu, quando o agente não tem o desejo de praticar ato ilícito, mas pela não observância ou falta de cuidado ele pratica a conduta.  A culpa está dividida em três, imprudência quando o agente não tem o cuidado devido e ainda pratica a ação; negligência quando o agente deixa de praticar uma ação que era importante; e imperícia quando o agente não tem uma qualificação específica para algum ato, e mesmo assim o faz. 

   Para Tartuce (2021), para o Direito Civil não importa se ação foi feita com dolo ou culpa, sendo a consequência a mesma, a de restituir o dano causado.  

  • DO NEXO CAUSAL

     O nexo causal é o elemento que configura a obrigação de reparar os danos por meio da responsabilidade civil. Conforme Tartuce (2021) ele é o elemento imaterial que liga os elementos da conduta e do dano. A responsabilidade civil não pode existir sem o nexo causal, pois só se pode exigir a indenização do requerido se o mesmo possuir relação com o dano. Pinto (2016) afirma que esse elemento é a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano. Ainda segundo Tartuce (2021) na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica que inclui o dolo e a culpa estrita; já na responsabilidade objetiva o nexo causal é formado pela conduta humana, cumulada com a previsão legal de responsabilização sem culpa ou pela atividade de risco (CIVIL, 2013).

  • DO DANO 

      O dano é o prejuízo causado a alguém, independentemente se é material ou extrapatrimonial. O art. 944 do Código Civil dispõe que A indenização mede-se pela extensão do dano, se nota que código traz esse artigo como uma forma de garantir a quem cometeu o dano, que ele irá responder pelo o que causou (CIVIL, 2013). Cavalieri (2012) escreve sobre a importância do dano, expondo a sua indispensabilidade para a composição da responsabilidade civil:

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. A obrigação de indenizar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem. O dano encontra-se no centro da regra de responsabilidade civil. O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar. 

Segundo Pinto (2017) o dano é dividido em material, moral, estético, coletivo e social. O dano material é aquele que atinge o patrimônio, podendo ainda se dividir em danos emergentes, lucro cessante, perda de uma chance, e dano material futuro, quando esse for certo e concreto. Já o dano moral é quando atinge um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade ou nos atributos da pessoa como dispõe Gonçalves (2003). Tartuce (2021) ainda expõe a Súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que permite a cumulação em uma mesma ação de danos morais, materiais e estéticos.

  1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 

      Os princípios constitucionais são valores que estão na constituição de forma implícita ou explícita que servem para orientar a aplicação do direito. Nesse sentido, nota-se que o estudo de alguns desses princípios são essenciais para análise da responsabilidade civil em um relacionamento onde ocorreu estelionato sentimental. 

  • PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 

Está previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988 (CF), na qual dispõe como um fundamento da CF. De acordo com as conclusões de Barcellos (2019), A dignidade humana pode ser descrita como um fenômeno cuja existência é anterior e externa à ordem jurídica, havendo sido por ela incorporado. Nesse sentido, nota-se que esse princípio é natural do homem, advém da sua existência, e é incorporado na ordem jurídica como uma forma de ratificar e garantir com que seja observada nas relações humanas existentes. 

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De acordo com Moraes (2017) esse princípio é conceituado como:

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade (2017, p. 345).

Portanto, observa-se que dignidade da pessoa humana é uma forma de garantia de respeito entre as pessoas, pois todos são dotados da mesma e merecem tal atenção. Ademais, esse fundamento deve ser assegurado juridicamente, sendo limitado apenas de forma excepcional.

  • PRINCÍPIO DA BOA FÉ 

Tal princípio está consolidado no art. 422 do Código Civil, que dispõe que: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé (CIVIL, 2013). De acordo com Aguiar (1994), ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça, pode-se definir boa-fé como:

um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avença.  

Dessa forma, entende-se esse princípio como um dever ético que todos devem ter em suas relações contratuais ou extracontratuais, com intuito de atender a finalidade da relação e conservar o equilíbrio material e formal das obrigações estabelecidas.  Ademais, o Enunciado 24 do CJF/STF diz que é possível haver responsabilidade civil com a ruptura da boa-fé, independente de culpa.

  • PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Esse princípio é fundamental, principalmente no âmbito do direito de família. Para nosso autor Tartuce (2012), o afeto significa: interação ou ligação entre pessoas, podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Dessa maneira, tem se observado que o afeto é intrínseco ao ser humano, que se constrói através de relações com outros indivíduos. 

De acordo com Pereira (2004), que desenvolveu teses inovadoras como a do abandono afetivo, o afeto além de ser o núcleo do direito de família, enquanto valor jurídico, ele também é fonte de direitos e deveres, fundados no plano das relações familiares.

  1. ESTELIONATO SENTIMENTAL

O conceito de estelionato encontra-se no art. 171 do Código Penal (CIVIL,2013), que dispõe: Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. 

Para Cleber Masson, esse crime configura-se: 

O estelionato é crime patrimonial praticado mediante fraude: no lugar da clandestinidade, da violência física ou da ameaça intimidatória, o agente utiliza o engano ou se serve deste para que a vítima, inadvertidamente, se deixe espoliar na esfera do seu patrimônio. A fraude consiste, portanto, na lesão patrimonial por meio de engano.

Dessa forma, podemos entender que o estelionatário é aquele que se utiliza do engano, isso é, se faz passar por alguém que não é, ou mantém o outro na ilusão para conseguir as vantagens patrimoniais. Esse ato de enganação pode ser encontrado também  no estelionato sentimental, no qual se caracteriza por uma das partes abusar da boa-fé e sentimentos do outro para conseguir proveitos, gerando nessa pessoa enganada diversas consequências tanto materialmente, quanto psicologicamente.

Assim, ao se referir em estelionato sentimental, nota-se que há uma relação entre o âmbito penal e o âmbito civil, dado que o conceito de estelionato advém do penal, mas os danos causados abrangem também a parte civil, uma vez que o estelionatário abusa da boa-fé existente em relações afetivas, desrespeitando deveres advindo dessas relações extracontratuais, isso é, não cumprindo com a lealdade, fidelidade que são esperadas. 

  1. ESTELIONATO SENTIMENTAL NO BRASIL

No Brasil esse tema foi tratado em 2014, no qual houve um processo no Tribunal do Distrito Federal (processo nº 0012574-32.2013.8.07.0001) em que a autora requereu o ressarcimento de todos os gastos feitos para o ex namorado na vigência do relacionamento. Segundo a ex-namorada, o réu iniciou uma sequência de pedidos de empréstimos financeiros (empréstimos de carro, pedidos de créditos de celular e compras usando o cartão de crédito da autora) sempre acompanhados da promessa de pagamento futuro, os dois mantiveram relacionamento por quase dois anos, até que a mulher descobriu que ele estava casado com outra pessoa.

Nesse primeiro processo sobre estelionato sentimental o juiz Luciano Mendes julgou parcialmente procedente, vez que para ele ficou evidente os danos patrimoniais causados pelo ex-namorado, no entanto, não entendeu pelos danos morais já que compreendeu que o fim do relacionamento associado à desilusão motivada pela ação desonesta do ex-namorado não caracteriza prejuízo ao direito extrapatrimonial, não dando a devida atenção aos danos não patrimoniais causados pelo ex-namorado, visto que ambos tinham uma co-obrigação mútua entre os mesmos.

   No entanto, em jurisprudências mais recentes, o direito ao dano moral já é reconhecido, como se observa em decisões como do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Apelação cível nº:50002569220198210077) a seguir exposta:

In\AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL EMPRÉSTIMOS INADIMPLIDOS. ESTELIONATO SENTIMENTAL. DEMONSTRADO INTUITO LESIVO DO REQUERIDO. PREJUÍZO MATERIAL E MORAL. RESSARCIMENTO DEVIDO. \n- Caso em que o demandado auferiu vantagens patrimoniais a partir de promessas, pelas quais convencera a autora a lhe fornecer bens e valores. Partes que se conheceram via rede social e iniciaram relacionamento a distância.\n- Ausente qualquer demonstração de que as importâncias alcançadas se tratavam de presentes ou doações ao apelante. Ao contrário disso, comprovado o intuito ardiloso do recorrente em verdadeiro estelionato sentimental, aproveitando-se da condição de carência e solidão de pessoa idosa. \n- Dano moral devidamente evidenciado nos autos. Situação capaz de caracterizar ofensa a direitos da personalidade da requerente. Circunstância que ultrapassa o mero dissabor. Angústia à parte por ter sido ludibriada, a partir de promessas vazias do réu com intuito de auferir vantagem indevida de pessoa idosa e solitária. \nA fixação do montante indenizatório ao prejuízo extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz, observada a equidade, a moderação e o princípio da proporcionalidade. Ponderação quanto à gravidade do ocorrido, bem como da condição das partes. Quantum fixado na sentença que vai mantido. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, UNÂNIME. (Apelação cívil nº:50002569220198210077 TJ-RS)

O Tribunal do Rio de Janeiro também julga com a configuração do dano moral em casos de estelionatos afetivos, como pode ser visto no acórdão adiante exposto:

TJ-RJ - APELAÇÃO APL00018886720138190026 RIO DE JANEIRO ITAPERUNA1 VARA (TJ-RJ)

APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ESTELIONATO SENTIMENTAL. FRAUDE. IDOSA QUE ALEGOU TER SE ENVOLVIDO AMOROSAMENTE COM O RÉU, ADQUIRINDO, PARA ELE, BENS E VALORES. RÉU REVEL. PREJUÍZOS FINANCEIROS E EXTRAPATRIMONIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PROVAS QUE APONTAM PARA A VERACIDADE DO RELATO. Cuida-se de ação anulatória de entrega e bens e valores e indenização pelos danos morais, proposta ao argumento de que foi vítima de golpe perpetrado pelo réu, com o qual manteve relacionamento amoroso, sendo-lhe prometido casamento. O réu agiu usando de ardil, induzindo a autora idosa a crer em relacionamento amoroso com a finalidade de obter lucros em seu proveito. Cuida a hipótese do denominado estelionato sentimental, no qual um dos companheiros abusa da confiança e afeição do parceiro amoroso para obter vantagens pessoais, causando-lhe prejuízos financeiros e extrapatrimoniais. Artigos 186 e 927 do Código Civil. Responsabilidade civil subjetiva. Direito ao ressarcimento dos valores vertidos em favor do réu. Lesão imaterial sofrida pela demandante. Indenização pelo dano moral fixada em R$5.000,00 (cinco mil reais). Nada a reparar no julgado. Recurso CONHECIDO e DESPROVIDO.

Dessa forma, nas jurisprudências atuais foram observadas além dos danos materiais a  responsabilização aos danos morais porque é notória a ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana, e da boa fé. Assim, é possível dizer que há a caracterização da responsabilidade civil extracontratual, visto que os estelionatários estão sendo condenados a ressarcir os danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perante ao exposto, verifica-se que o tema tratado surgiu em um processo onde a autora autodenominou os danos que ela sofreu como estelionato sentimental, nesse julgamento foram considerados apenas os danos causados materialmente, não levou-se em conta os danos extrapatrimoniais, porém após a análise da responsabilidade civil extracontratual, e dos princípios constitucionais os tribunais vêm adotando outro posicionamento em relação ao primeiro. Tal tema é de suma importância por ser novo nos tribunais brasileiros, e por haver novos entendimentos sobre a configuração dos danos extrapatrimoniais causados pelos estelionatários.

  No presente estudo foram analisados, através de pesquisas em doutrinas e artigos disponíveis na internet, os elementos da responsabilidade civil que evidenciram que todos os danos causados a outrem, de forma culposa ou dolosa, devem ser reparados independentemente se houve um descumprimento de um contrato ou o descumprimento da obrigação de não lesar outrem. Também foram analisados os princípios constitucionais que esclareceram que todas as pessoas já nascem sendo dignas de respeitos, e a não observância do princípio da boa fé pode gerar responsabilidade civil independente de culpa. Ademais, também foi constado que o princípio da afetividade é central no direito de família, além de ser fonte de direitos e deveres.

   Finalmente, é notório que o estelionato sentimental apesar de configurar um crime, produz consequências cíveis, uma vez que a responsabilidade civil tem o objetivo de assegurar que os danos causados a outrem serão reparados. Devido à isso, atualmente os tribunais estão julgando casos sobre esse assunto analisando os princípios constitucionais, e a responsabilidade extracontratual, ratificando além dos danos materiais, também os danos morais.

REFERÊNCIAS 

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Cláusulas abusivas no Código do Consumidor. Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 13, 1994.

BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de janeiro: Forense, 2019.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. Malheiros Editores, 2005.

CIVIL, Código. Código civil. Código Civil, 2013.

DA JUSTIÇA FEDERAL, Brasil Conselho. I Jornada de Direito Processual Civil: enunciados. 2017.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. Editora Saraiva, 2008.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 1-Parte Geral. Saraiva Educação SA, 2017.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro v. 6Direito de família. Saraiva Educação SA, 2018.  

https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=estelionato+sentimental&p=2

MARQUES, Cláudia Lima; INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR. SEÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL. Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no MERCOSUL. Livraria do Advogado, 1994.

 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. rev. e atual. São Paulo: Atlas, v. 20011, 2017.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. Universidade Federal do ParanáUFPR CURITIBA, 2004.

PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2014.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Método, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. São Paulo: Atlas, p. 2, 2010.

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