RESUMO: O presente trabalho, objetivamente busca, analisar o instituto denominado como Negócio Jurídico Processual. Muito embora, para muitos doutrinadores o Código de Processo Civil de 1973, já trazia em seu texto legal previsão quanto a possibilidade de as partes celebrarem negócios jurídicos processuais, no entanto, foi com a promulgação do código processual de 2015, que tal instituto se consolidou no Direito Processual Civil Brasileiro, para a sorte dos litigantes. Através de pesquisa bibliográfica, desenvolveremos este trabalho, o qual, abordará a existência do negócio jurídico processual, suas limitações quanto à parte contratante e seu conteúdo, e por fim, quanto a vinculação do juiz ao negócio jurídico processual pactuado pelas partes.
PALAVRA-CHAVE: Direito Processual Civil. Negócio Jurídico Processual. Instituto de Personalização do Procedimento Processual.
PROCEDURAL LEGAL BUSINESS: INSTITUTE FOR PERSONALIZATION OF PROCEDURAL PROCEDURE
ABSTRACT: The present work objectively seeks to analyze the institute called Legal Procedural Business. Although, for many scholars, the Civil Procedure Code of 1973 already contained in its legal text a provision regarding the possibility of the parties to enter into procedural legal transactions, however, it was with the enactment of the 2015 procedural code that this institute was consolidated in Law Brazilian Civil Procedure, for the luck of the litigants. Through bibliographical research, we developed this work, which addresses the existence of the procedural legal business, its limitations regarding the contracting party and its content, and finally, regarding the binding of the judge to the procedural legal business agreed by the parties.
1 INTRODUÇÃO
Com o presente trabalho, iremos abordar, ainda que de forma sintetizada, o instituto trazido pelo legislador no artigo 190 do Código Processual promulgado em 2015, denominado como negócio jurídico processual. Embora pareça um tema inovador trazido pelo legislador de 2015, para muitos doutrinadores, o código processual anterior já previa tal instituto, claro que de forma mais discreta e sem o nominar tal qual como hoje o temos.
Abordaremos o tema sobre o aspecto legislativo, trazendo as diversas passagens de negócios jurídicos contidos no código processual, além da cláusula geral desenhada no artigo 190, destacando ainda que muitos deles, já era previsto no código processual anterior, sem, contudo, que assim o denominávamos.
Enfrentaremos o tema proposto, buscando a conduzir a análise quanto aos benefícios que a celebração dos negócios jurídicos processuais certamente traz aos celebrantes, os quais, possuem liberdade para adequar certos procedimentos processuais, a sua realidade particular.
Desta forma, com o presente artigo, como já destacado e dentro dos limites de tal, ousaremos estudar e de forma sintetizada, expor as características, possibilidades, limitações e objetivos dos negócios jurídicos processuais.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
Historicamente os negócios jurídicos processuais possuem suas origens no âmbito do processo civil no Direito Francês, quando o Poder Judiciário daquele país, sofreu uma grande demanda de processos, sem, contudo, que houvesse preparo para seu atendimento, levando assim a necessidade de algumas modificações, tanto de caráter qualitativo quanto quantitativo, em seu procedimento.
No Brasil, embora parte da doutrina não admitia a sua existência no Código Processual de 1973, o revogado código já o previa, ainda que de forma tímida, como exemplo, podemos citar o foro de eleição pactuado pelas partes, previsto no artigo 111 do antigo texto processual; a renúncia à prazo exclusivo (artigo 186) e também, a renúncia recursal prevista no artigo 502 do CPC/73. Estes são apenas, exemplos da existência do estudado instituto no antigo código. E dentre os exemplos citados, temos o primeiro como negócio jurídico processual bilateral, e os demais como negócio jurídico processual unilateral, mas em ambos, o procedimento processual disposto no código, era alterado pelas partes litigantes a depender de suas pretensões e/ou realidades fáticas, finalidade esta à que se dedica o estudado negócio jurídico processual.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o legislador trouxe em seu artigo 190, o que a doutrinadores como NEVES (2016, p.391) e DIDIER (2021, p. 27) classificam como sendo uma cláusula geral, eis que de forma aberta dispõem quem, quando e sobre o que, será lícito e permitido a celebração do negócio jurídico processual pelas partes. Podendo inclusive o juiz, recusar-se a sua aplicação, mas, controle jurisdicional que será mais bem tratado ao longe deste trabalho.
É certo que a pretensão do legislador, ao longo do Código de Processo Civil de 2015, e ainda mais por meio do negócio jurídico processual, se voltou a permitir que as partes tenham liberdade para ajustar o procedimento ao atendimento da demanda própria, visando, a efetiva aplicação do princípio celeridade processual (art. 5º CPC), do princípio da cooperação (art. 6º CPC) e também, e até mais importante, do princípio da solução consensual dos conflitos, o qual encontra-se gravado na CF/88 em seu artigo 5º, inciso XXXV, e repetido no código processo em seu art. 3º.
Desta forma, evidente que, buscou o legislador com a inserção mais presente do negócio jurídico processual no Código de Processo Civil de 2015, disponibilizar meios para a efetiva prestação jurisdicional com a pretensão de cumprimento dos princípios anteriormente destacados, pretendendo assim, diminuir a duração da relação litigiosa das partes, permitindo a estas, certa liberdade para a adequação do procedimento processual que as atingirá, claro que com certa limitação e controle de legalidade.
3 CONCEITO, ESPÉCIE E CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
3.1 CONCEITO
Primeiramente cabe aqui trazer o conceito de negócio jurídico processual dado por DIDIER (2021, p. 27) Negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento (DIDIER JÚNIOR, 2021, p. 27).
Para CABRAL (2016 p. 48) Negócio Jurídico Processual é o ato que produz ou pode produzir efeitos no processo escolhidos em função da vontade do sujeito que o pratica. São, em geral, declarações de vontades unilaterais ou plurilaterais admitidas pelo ordenamento jurídico como capazes de construir; modificar e extinguir situações processuais, ou alterar o procedimento.
E nas palavras de JÚNIOR (2015, p. 408) Negócio jurídico processual é o ato jurídico por meio do qual as partes dispõem sobre matéria processual ou não, nos limites impostos pela norma, com reflexos no processo seja ele contemporâneo ou não à negociação. Sua aceitação, contudo, não é unânime a doutrina se divide de modo a negar ou reconhecer a existência dos negócios processuais.
Tratando-se de norma que regula procedimento processual, temos que o negócio jurídico processual é, sob esta ótica, verdadeira fonte de norma jurídica processual, e tal qual como as demais fontes normativas, vinculam ao órgão julgador. Justamente por assim ser considerada, sua aceitação não é unânime no meio acadêmico. Para muitos, ao permitir que as partes alterem o procedimento, estaria o Estado, de forma indireta, transferindo aos litigantes a jurisdição, que é atividade pública monopolizada.
Mas, unânime ou não quanto a sua aceitação, é certo que atualmente não se pode mais negar sua existência em nosso ordenamento jurídico, cabendo as partes fazerem uso dentro de sua limitação, para que o tempo nos mostre se, de fato foi um acerto sua incorporação ao Código de Processo Civil de 2015.
3.2 ESPÉCIES
Muito embora, os negócios jurídicos processuais tenham ganhado considerável destaque pela redação do artigo 190 do CPC/2015, citado artigo guarda relação aos chamados negócios jurídicos processuais atípicos. Mas, se temos no código os atípicos, previsível que também temos, os negócios jurídicos processuais típicos. A doutrina, debruçada sobre o estudo do tema em questão, classificou o negócio jurídico processual em duas espécies, típico ou atípico, sendo que, como leciona NEVES (2019, p. 393) Sempre que a lei prever um negócio jurídico processual de forma expressa, tem-se um negócio jurídico processual típico..
Logo, podemos concluir que, se os negócios jurídicos processuais previstos expressamente em leis, são os denominados como típicos, por exclusão temos que, os negócios jurídicos processuais atípicos, não estão previstos em lei, de forma expressa, sem, contudo, que por tal, sejam ilícitos. Negócio jurídico processual atípico é aquele pactuado entre as partes, sobre o qual o código não dispõe de forma expressa, mas que não venha a ferir texto legal ou onerar demasiadamente uma das partes.
Como bem descreve DIDIER (2021, p. 32) O negócio processual atípico tem por objeto as situações jurídicas processuais ônus, faculdades, deveres e poderes (poderes, neste caso, significa qualquer situação jurídica ativa, o que inclui direitos subjetivos, direitos protestativos e poderes propriamente ditos). O negócio processual atípico também pode ter por objeto o ato processual redefinição de sua forma ou da ordem de encadeamento dos atos por exemplo.
Deixando mais claro, negócio jurídico processual típico é aquele que está expressamente previsto no texto legal, como por exemplo, a eleição pelas partes do foro de eleição, que encontra amparo no artigo 63 do CPC.
Já o negócio jurídico processual atípico, não encontra seu texto expresso no texto legal, é na verdade a liberdade dada pelo legislador para que as partes pactuem, dentro de limites, alterações no procedimento a qual estarão sujeitas.
3.3 CLASSIFICAÇÃO
No tocante a classificação, podemos classificar os negócios jurídicos processuais em unilaterais, bilaterais e plurilaterais. Os unilaterais, são os que dependem unicamente da vontade da parte, tais como a renúncia ao prazo recursal (art. 225, CPC), ou mesmo, a desistência do recurso interposto (art. 998, CPC). Decisões estas que, não cabe qualquer intervenção da parte adversa e nem mesmo do representante do Estado, o juiz.
Já os negócios jurídicos processuais bilaterais, como é de se presumir, é aquele pactuado pelas partes e que demandam da expressão da vontade. Podemos cristalizar a celebração de tal forma de negócio jurídico processual como a cláusula de foro de eleição (art. 63, CPC) ou mesmo com a suspensão do processo pleiteada pelas partes (art. 313, II, CPC).
Por fim, os negócios jurídicos processuais plurilaterais, são aqueles que dependem da manifestação da vontade das partes, seja ela unilateral ou plurilateral, e também da manifestação do Estado-Juiz, como ocorre com a homologação judicial.
Os negócios jurídicos processuais ainda, podem ser expressos, quando há efetiva manifestação da vontade ativa da parte; ou tácitos, representado pela inércia da parte em manifestar-se de forma contrária a determinado ato, tal como ocorre com a renúncia tácita a uma proposta de autocomposição (art. 154, par. único, CPC).
Assim, poderíamos concluir que, os negócios jurídicos processuais são fontes de norma jurídica processual, a qual pode ser apresentada unilateralmente, bilateralmente ou plurilateralmente, isso quanto as partes processuais e não quanto a quantidade de agentes de uma determinada parte. Podem ainda apresentarem de forma expressa, ou serem exercidos por uma conduta tácita.
3.4 MOMENTO DA CELEBRAÇÃO
Quanto ao momento para celebração dos negócios jurídicos processuais, pelas partes, o artigo 190 do CPC, de forma expressa destaca que sua celebração pode ocorrer antes ou durante o processo.
Logo, com fundamento no texto legal, é possível a inclusão dos negócios jurídicos em um contrato já celebrado, a adequação dos já pactuados, e até mesmo sua exclusão, sempre mediante o consenso das partes. Nesse sentido leciona NEVES (2019, p. 397) No tocante à celebração em momento anterior ao processo, concordo com a doutrina que defende uma aproximação do negócio jurídico processual ora analisado com a arbitragem, de forma que a convenção possa ser elaboradora por meio de cláusula contratual ou por meio de instrumento em separado, celebrado concomitante ou posterior ao contrato principal.
Mas não é só em contrato já celebrados que os negócios jurídicos processuais podem ser inseridos, é cabível a sua inclusão, também em relações processuais já em curso, claro que respeitado os atos já aperfeiçoados.
Para DIDIER (2021, p. 35) Ambiente propício para a celebração de acordos processuais é a audiência de saneamento e organização do processo (art. 357, § 3º, CPC). Nesse momento, as partes podem, por exemplo, acordar para alterar ou ampliar o objeto litigioso, dispensar perto ou celebrar o negócio de organização consensual do processo (art. 357, § 2º, CPC).
Resta então, pacífico o entendimento dentre a doutrina que, por ser uma celebração consensual antecedente a um litígio processual ou, se mesmo, no decorrer da marcha processual, é possível a realização de negócio jurídico processual, desde que respeitadas suas formalidades legais.
4 OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS TÍPICOS
Como já exposto no decorrer deste trabalho, os negócios jurídicos processuais podemos classificar em duas espécies, qual seja, típicos ou atípicos. Igualmente como já adiantado, os negócios jurídicos processuais típicos, são os que se apresentam de forma expressa no texto legal, mas para sua aplicação, exige-se a conduta representa pela manifestação da vontade da parte.
Nas palavras de NEVES (2019, p. 392) Sempre que a lei prever um negócio jurídico processual de forma expressa, tem-se um negócio jurídico processual típico. Nesses casos, conforme será analisado com a devida profundidade, é possível que os requisitos de admissibilidade também estejam previstos de forma específica.
Embora entendamos como um inovador instituto trazido pelo Código de Processo Civil de 2015, ao enumerarmos os diversos negócios jurídicos processuais típicos previsto em nosso código processual, nos deparamos com uma herança do código que o antecedeu.
O negócio jurídico processual típico mais conhecido e usual, ainda que muitos já façam seu uso a tempos sem o conhecer como negócio processual, é a cláusula de eleição do foro. Previsto no artigo 63 do código processual atual e artigo 111 no diploma de 1973. Note-se que, embora previsto e utilizado na prática jurídica, principalmente na contratual, não nos referíamos a um negócio jurídico processual típico e bilateral, como de fato sempre foi.
O mesmo autor supracitado (NEVES, 2019, p. 392), traz em sua obra alguns exemplos de negócios jurídicos processuais típicos Há outros exemplos, como na escolha do mediador ou conciliador (art. 168 do CPC), a suspensão do processo por convenção das partes (art. 313, II, do CPC), a convenção de arbitragem (art. 3º, § 1º, do CPC), o saneamento consensual (art. 357, § 2º, do CPC), o acordo para adiamento da audiência de instrução e julgamento (art. 362, I, do CPC), a convenção entre os litisconsortes para dividir entre si o tempo das alegações finais orais em audiência (art. 364, § 1º, do CPC), a convenção sobre a redistribuição do ônus da prova (art. 373, § 3º, do CPC), o acordo para retirar dos autos o documento cuja falsidade foi arguida (art. 432, parágrafo único, do CPC) e a escolha consensual do perito (art. 471 do CPC).
Além dos exemplos destacados acima, há muitos outros negócios jurídicos processuais típicos em nosso código, como bem destaca DIDIER (2021, p. 28) a eleição negocial do foro (art. 63 do CPC/2015), o negócio tácito de que a causa tramite em juízo relativamente incompetente (art. 65 do CPC/2015), o calendário processual (art. 191, §§ 1º e 2º, do CPC/2015), a renúncia ao prazo (art. 225 do CPC/2015), o acordo para a suspensão do processo (art. 313, II, do CPC/2015), organização consensual do processo (art. 357, § 2º, do CPC/2015), o adiamento negociado da audiência (art. 362, I, do CPC/2015), a convenção sobre ônus da prova (art. 373, §§ 3º e 4º, do CPC/2015), a escolha consensual do perito (art. 471 do CPC/2015), o acordo de escolha do arbitramento como técnica de liquidação (art. 509, I, do CPC/2015), a desistência do recurso (art. 998 do CPC/2015), o pacto de mediação prévia obrigatória (art. 2º, § 1º, da Lei 13.140/2015) etc. Todos são negócios processuais típicos.
Se percorremos o Código de Processo Civil de 2015, artigo por artigo, encontraremos muitos outros dispositivos que podemos classificar como negócio jurídico processual, e não cabe no bojo deste trabalho abordamos um-a-um, que dada sua amplitude necessita de um estudo próprio.
Cabe aqui destacar que, muito embora os negócios jurídicos processuais típicos estão previstos de forma expressa no texto legal, é certo que sua aplicação exige da parte a manifestação da vontade, seja ela comissiva ou quando aplicável, omissiva, não podendo o Estado-Juiz, impor sua aplicação.
5 OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ATÍPICOS
5.1 A CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO
O maior debate no mundo acadêmico se deu, e ainda se dá, com relação aos negócios jurídicos processuais atípicos. O legislador processual, ao promulgar o Código de Processo Civil de 2015, fez constar em seu texto o artigo 190, o qual assim está redigido:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Citada disposição legal, foi classificada pela doutrina como sendo a cláusula geral dos negócios jurídicos processuais, para NEVES (2019, p. 393) O art. 190, caput, do CPC, prevê em seu caput a possibilidade de as partes, desde que plenamente capazes e em causa que verse sobre direitos que admitam a autocomposição, estipularem mudanças no procedimento para ajustá-los às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. O novo diploma legal, seguindo tendências do direito inglês (case management) e francês (contrat de procédure), cria uma cláusula geral de negociação processual, que pode ter como objeto as situações processuais das partes e o procedimento.
Por sua leitura, sua celebração se dá de forma bilateral ou plurilateral, exigindo ainda, alguns requisitos para sua validade. Sendo um fato jurídico, para sua validade, há que se observar o disposto no artigo 104 do Código Civil, vejamos:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
A inobservância de qualquer dos requisitos destacados, compromete a validade e rigidez do negócio jurídico processual celebrado pelas partes, mas quanto a sua validade e eventuais nulidades, será melhora tratada em tópico próprio.
Não iremos tratar de cada requisito neste trabalho, eis que tais são inerentes à validade de qualquer negócio jurídico já conhecidos e manejados pelos operadores do direito.
5.2 LIMITES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
Em que pese o artigo 190 do CPC ser denominado pela doutrina como cláusula geral de negociação, e possuir sua redação de certa forma aberta, não podem, as partes, deliberarem de forma irrestrita. É certo que as partes contratantes possuem a liberdade negocial, no entanto, nas palavras de SIRANGELO (2015) se até mesmo no direito privado a autonomia da vontade encontra limites, não poderia ser diferente no processo civil, sistema de direito público cuja finalidade é a tutela de direitos.
A liberdade das partes dada pelo legislador, não pode atingir norma fundamental ou matéria de ordem pública, sob pena de ter sua validade e aplicabilidade vetada ou limitada pelo juiz da causa, nos exatos termos fixados pelo parágrafo único do artigo 190 do CPC:
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
E, sobre o assunto, leciona MEDINA (2016, p. 337/338) O juiz, porém, deve respeitar o negócio processual celebrado entre as partes, desde que a convenção realizada limite-se àquilo que as partes podem dispor. No entanto, não podem as partes, em seu negócio processual, criar deveres para o órgão jurisdicional, nem eliminar deveres que a jurisdição estatal tem, na administração da justiça. (...) Há limites à convenção das partes, portanto, que devem observar as garantias mínimas do processo, a que se referem os arts. 1º ss do CPC/2015, dentre outros
E para melhor ilustrar o controle jurisdicional, pertinente trazermos decisão proferia pelo TJSP, que assim restou ementada:
"NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL Existência de limites prescritos explícita e implicitamente pelo próprio modelo de atuação estatal jurisdicional Necessidade de observância da disciplina constitucional de distribuição de competência legislativa, da força normativa dos princípios e dos requisitos de validade dos negócios jurídicos em geral Impossibilidade de convenção relacionada a normas de ordem pública e de aplicação cogente, a exemplo de pressupostos de existência e validade do processo Autorização para convenção sobre os ônus, os poderes, as faculdades e os deveres processuais das partes Vedada extensão a atos, poderes e deveres do julgador Admissível controle judicial das convenções Invalidade da estipulação que difere o contraditório e altera o momento de formação do processo com a citação da parte contrária, bem como faz aplicar tutela provisória de urgência de natureza cautelar Decisão mantida. (TJSP. Agravo Instrumento nº 2143515-35.2018.8.26.0000. 33ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira. Data jul. 13/08/2018).
No caso concreto, houve o controle estatal do negócio jurídico processual, na medida em que, pactuado que haveria constrição patrimonial, consistente em arresto e penhora, antes mesmo da formalização da relação processual com a citação da parte adversa, isto em sede de tutela provisória. Ao apreciar o pleito, ainda em 1ª instância, houve já o efetivo controle estatal, por entender o magistrado que Ora, a adaptação do procedimento à especificidade da causa não permite a flexibilização para pressupostos de existência e validade do processo. Ademais, as partes não detêm legitimidade para pactuar sobre princípio basilar do processo: o contraditório, ainda que em diferimento., em razão de tal controle, fora manejado o Recurso de Agravo de Instrumento supra ementado.
Desta forma, mostra-se que em que pese o artigo 190 do CPC, legitimar as partes a modificarem o procedimento a qual estarão sujeitas, esta liberdade encontra limites os quais visam assegurar direitos fundamentais e matéria de ordem pública. E ainda, valendo-se do caso concreto citado, o STJ provocado por meio do Recurso Especial nº 1810444, negou provimento, mas trazendo em sua ementa, lição ímpar sobre os limites do negócio jurídico processual:
2. A liberdade negocial deriva do princípio constitucional da liberdade individual e da livre iniciativa, fundamento da República, e, como toda garantia constitucional, estará sempre condicionada ao respeito à dignidade humana e sujeita às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito, estruturado para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais e a Justiça.
3. O CPC/2015 formalizou a adoção da teoria dos negócios jurídicos processuais, conferindo flexibilização procedimental ao processo, com vistas à promoção efetiva do direito material discutido. Apesar de essencialmente constituído pelo autorregramento das vontades particulares, o negócio jurídico processual atua no exercício do múnus público da jurisdição.
4. São requisitos do negócio jurídico processual: a) versar a causa sobre direitos que admitam autocomposição; b) serem partes plenamente capazes; c) limitar-se aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes; d) tratar de situação jurídica individualizada e concreta.
5. O negócio jurídico processual não se sujeita a um juízo de conveniência pelo juiz, que fará apenas a verificação de sua legalidade, pronunciando-se nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou ainda quando alguma parte se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade.
6. A modificação do procedimento convencionada entre as partes por meio do negócio jurídico sujeita-se a limites, dentre os quais ressai o requisito negativo de não dispor sobre a situação jurídica do magistrado. As funções desempenhadas pelo juiz no processo são inerentes ao exercício da jurisdição e à garantia do devido processo legal, sendo vedado às partes sobre elas dispor. (STJ. REsp: 1810444 SP 2018/0337644-0, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Data de julgamento 23/02/2021. Quarta Turma).
Desta forma, como de fato houve no caso concreto citado, havendo ofensa pelo negócio jurídico processual pactuado à direito ou garantia fundamental, ou ainda, sobre pressuposto de validade do processo e da autuação estatal na jurisdição, haverá sim, a interferência do juiz da causa, recusando a aplicação nos termos do controle a ele imposto.
Ainda sobre a limitação, o Prof. MARCATO (2022, p. 258) de forma clara afasta qualquer discussão de eventual excesso do controle estatal, dizendo que Esse limite imposto pela lei poderia parecer excessivo, pois o negócio que está a celebrar não tem por alvo o próprio objeto litigioso do processo, mas sim o procedimento ou as situações jurídicas processuais de titularidade das partes (poderes, deveres, ônus e faculdades). Porém, a convenção sobres esses elementos pode, perfeitamente, refletir efeitos sobre a resolução do mérito. Tome-se, por exemplo, a restrição a determinados meios de prova: isso pode reduzir as chances de sucesso de uma das partes. É por tal motivo que se optou por limitar a aplicação do dispositivo às situações em que se admita a autocomposição..
Mas, merece destacar ainda, ensinamento do mesmo autor, destacando que essa limitação e controle estatal deve atentar-se ao verbo somente contido no texto legal. Para o Cabral (2016, p. 145):
A utilização do vocábulo somente leva à interpretação de que a lei quis prestigiar ao máximo a autonomia da vontade das partes, de sorte a limitar ao máximo as possibilidades de controle de limitação dos negócios jurídicos processuais atípicos.
Trata-se da aplicação do princípio in dubio pro libertate (Schlosser), segundo o qual, na dúvida, deve prevalecer a liberdade de autorregramento das partes. Em outras palavras, o ordenamento brasileiro estabelece um princípio de validade apriorística dos acordos processuais, pressionando pela sua eficácia (Cabral, Antonio do Passo. Convenções Processuais, p.145).
Logo, resta evidente que o controle do Estado-juiz nos negócios jurídicos processuais deve de fato ocorrer, somente e quando, restar evidente afronta a direitos e garantias fundamentais ou atingir norma de ordem pública, ou ainda, que se mostre de forma clara, evidente prejuízo ao próprio julgamento do objeto litigioso.
5.3 EXEMPLOS DE NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ATÍPICOS
Embora muito falemos, no decorrer deste trabalho, sobre os negócios jurídicos processuais atípicos, e a doutrina vincula a esta espécie, o artigo 190 do CPC, ficar sempre algo muito abstrato, quando não relacionamos a um exemplo prático e palpável.
Para melhor compreensão, podemos exemplificar como negócios jurídicos processuais atípicos: (i) acordo de impenhorabilidade; (ii) acordo de dilação ou redução de prazos; (iii) acordo de rateio de custas processuais; (iv) acordo para dispensa de assistente técnico; (v) acordo para dispensar a caução em execução provisória ou não promover essa forma de execução; (vi) acordo para que os recursos sejam recebidos somente no efeito devolutivo (retirando assim o efeito suspensivo).
Estes são apenas alguns exemplos de negócios jurídicos processuais atípicos que as partes podem convencionar. Como vejamos, muitos deles produzem efeitos que atingem diretamente no procedimento, adequando-o a realidade fática das partes, trazendo assim mais efetividade a tutela jurisdicional ao caso concreto.
Podemos citar, por exemplo, que em eventual litígio, em que uma das partes não dispunham de condições financeiras para contratar assistente técnico, mas que, tendo pactuado por meio do negócio jurídico processual a dispensa de assistente técnico, trará a esta parte mais desprovida de recursos a verdadeira paridade de armas, com relação a parte adversa mais afortunada, na ocasião em que ambas terão nos autos que valer-se unicamente da prova pericial.
Podemos concluir por fim que, os negócios jurídicos processuais atípicos trazem ao processo civil a liberdade das partes convencionarem mudanças, limitações e prazos ao procedimento que se sujeitarão, aperfeiçoando-o assim, a realidade e necessidade fática que necessitam, o que visa assegurar, a efetiva prestação da tutela jurisdicional.
5.4 O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL E AS PESSOAS E ENTIDADES PÚBLICAS
Embora o estudo sempre volte seu olhar do ponto de vista das partes contratantes dos negócios jurídicos processuais serem pessoas físicas ou jurídicas do direito privado, não há vedação a celebração por outras partes integrantes de uma demanda.
Quanto a possibilidade de a Fazenda Pública celebrar negócios jurídicos processuais, NOGUEIRA (2016, p. 233), assevera que:
Não há, assim, qualquer óbice a que a Fazenda Pública, em tese, participe de negócios processuais ou de convenções sobre o processo. A indisponibilidade do interesse público não é impedimento a isso, inclusive por ser possível a celebração de um negócio jurídico que fortaleça as situações jurídicas processuais do ente público.
Nesse sentido, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) traz o enunciado n° 135 A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual e o enunciado n° 256 do FPPC, que por sua vez, dispõe: A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual.
No mesmo sentido, o enunciado n° 9 do I Fórum Nacional do Poder Público: A cláusula geral de negócio processual é aplicável à execução fiscal , e por sua vez, o Conselho da Justiça Federal editou o Enunciado n° 17 na Primeira Jornada de Direito Processual Civil: A Fazenda Pública pode celebrar convenção processual, nos termos do art. 190 do CPC.
E no âmbito administrativo, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, editou, na data de 21 de dezembro de 2018 a Portaria PGFN nº 742, a qual:
Disciplina, nos termos do art. 190 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, e art. 19, § 13, da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, a celebração de negócio jurídico processual - NJP em sede de execução fiscal, para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS, e dá outras providências.
Art. 1º. Esta Portaria estabelece os critérios para celebração de Negócio Jurídico Processual (NJP) no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União.
§ 1º. É vedada a celebração de NJP que reduza o montante dos créditos inscritos ou implique renuncia às garantias e privilégios do crédito tributário.
§ 2º. Observado o disposto nesta Portaria, o Negócio Jurídico Processual para equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União poderá versar sobre:
I - calendarização da execução fiscal;
II - plano de amortização do débito fiscal;
III - aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias;
IV - modo de constrição ou alienação de bens.
§ 3º. O disposto nesta Portaria se aplica aos devedores em recuperação judicial. (...).
E, no tocante ao Ministério Público, não é um fato novo a possiblidade de utilização de meios consensuais ou negociais visando a mitigação do litígio, tais como, a celebração de termos de ajustamento de conduta e/ou propostas de transações, no entanto, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o Conselho Nacional do Ministério Público, editou a Resolução nº 118 de 1º de dezembro de 2014, onde assim justificou:
Considerando que a adoção de mecanismos de autocomposição pacífica dos conflitos, controvérsias e problemas é uma tendência mundial, decorrente da evolução da cultura de participação, do diálogo e do consenso;
Considerando a necessidade de se consolidar, no âmbito do Ministério Público, uma política permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos de autocomposição;
Considerando a importância da prevenção e da redução da litigiosidade e que as controvérsias e os conflitos envolvendo o Poder Público e os particulares, ou entre estes, notadamente aquelas de natureza coletiva, podem ser resolvidas de forma célere, justa, efetiva e implementável;
Considerando que a negociação, a mediação, a conciliação, as convenções processuais e as práticas restaurativas são instrumentos efetivos de pacificação social, resolução e prevenção de litígios, controvérsias e problemas e que a sua apropriada utilização em programas já implementados no Ministério Público têm reduzido a excessiva judicialização e têm levado os envolvidos à satisfação, à pacificação, a não reincidência e ao empoderamento;
(...)
RESOLVE:
(...)
Art. 15. As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais.
Art. 16. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais. (...)
Com a edição de normas que assegurem a preservação do interesse público, mas que concedam, a tais partes da demanda, utilizar-se dos instrumentos legais para negociar a solução mais adequada para o caso concreto, o Poder Público, se aproxima da parte adversa visando a pacificação do litígio.
6 CALENDÁRIO PROCESSUAL
6.1 CONCEITO E FINALIDADE
Um negócio jurídico processual que ganhou destaque no ordenamento jurídico foi a regulação de prazos pelas partes, tanto que, o legislador dedicou um artigo próprio, o artigo 191, que dispõe, in verbis:
Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§ 1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§ 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.
Denominado pela doutrina como Calendário Processual, seu objeto é a regulação pelas partes de um calendário próprio para a prática dos atos processuais, ou citando a definição de BOCALON, João Paulo (2016, p. 207) A calendarização processual é um método que consiste na elaboração de um cronograma pelo qual o juiz e as partes, de comum acordo, fixam os prazos para a realização dos atos processuais.
Para muitos doutrinadores, uma das maiores deficiências do sistema processual brasileiro é o tempo em que um processo a espera pela prática de atos processuais, como por exemplo a espera para a juntada de determinado laudo, ou ainda, o tempo havido entre a remessa dos autos para a conclusão para a assinatura de despacho que determina a vista das partes ao laudo juntado e seu retorno a serventia judicial para publicação do referido despacho. Este tempo perdido foi convencionalmente chamado de tempo morto, e na definição de Costa:
[...] os chamados tempos mortos do processo, que correspondem aos períodos ou lapsos temporais em que o processo se encontra em andamento sem que efetivamente sejam praticados atos processuais tendentes ao seu desenrolar e solução. Em outras palavras, o processo, embora ativo, fica paralisado aguardando que sejam praticados atos processuais, desde os mais simples como meros despachos, até atos de maior complexidade como, por exemplo, a apresentação de contestação, cujo prazo ainda não fora inaugurado por depender da juntada do mandado de citação cumprido.
Este é o verdadeiro gargalo do Judiciário: o tempo em que o processo fica parado aguardando a prática de atos processuais. Não são os lapsos temporais para a prática de atos ou as suspensões de prazos decorrentes de recessos ou férias forenses que retardam a resposta do estado-juiz, mas sim os longos períodos ociosos diretamente ligados à absurda quantidade de ações e ao reduzido aporte humano para desempenho das atividades. (COSTA, 2015).
Como bem colocado pelo autor citado, o grande tempo perdido com atos burocráticos praticados pela serventia judicial é o grande responsável pela morosidade do judiciário brasileiro. E a introdução da calendarização processual representada pelo artigo 191 do CPC, visa justamente, de forma consensual e atendendo a realidade fática das partes, aprimorar a prestação jurisdicional, tornando-a mais eficaz no caso concreto. Por tal razão é que, nas palavras de CUEVAS (2019, p. 548), o calendário processual foi implementado no Código de Processo Civil de 2015 inspirado nas legislações francesa e italiana, e segundo o autor, com sua adoção regulando os prazos próprios das partes (...) tende a aumentar a previsibilidade do procedimento, em reforço da segurança jurídica e da efetividade da prestação jurisdicional.
Reconhecendo a finalidade do calendário processual, assim registra NEVES (2019, p. 410) A fixação do calendário procedimental está intimamente ligada à efetividade do processo, e também da eficiência, consagrada no art. 8º do CPC.
No mesmo sentido, CALMON (2021, p. 396) registra que Se não a principal, uma das mais essenciais finalidades da calendarização do procedimento é atribuir celeridade e previsibilidade ao menos em torno do aspecto cronológico do processo, em razão de se tornar desnecessária qualquer intimação a respeito dos atos calendarizados.
Logo, resta evidente que a doutrina reconhece que, de fato se perde muito tempo processual com os chamados tempos mortos, e que, com a aplicação do artigo 191 do CPC, criando um calendário para a prática dos atos processuais, a efetividade da marcha processual será o único resultado.
6.2 CLASSIFICAÇÃO, ESPÉCIE
A calendarização procedimental é um negócio típico, eis que, expressamente contido no texto processual em seu artigo 191, e como registra MARCATO (2022, p. 259) Tem-se entendido que a calendarização do processo é negócio jurídico processual típico, tanto que estava prevista como parte integrante do art. 190 do CPC, mas foi desmembrada na derradeira etapa de ajustes redacionais do processo administrativo.
Igualmente, de forma expressa é sua espécie plurilateral, tendo em vista que sua redação já inicia demonstrando a necessidade da participação, e sua vinculação, de todas as partes da relação processual, vejamos Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem (...) e continua em seu parágrafo primeiro O calendário vincula as partes e o juiz (...).
Na definição de NEVES (2019, p. 411) Não resta dúvida de que a calendarização procedimental é um negócio jurídico plurilateral, considerando-se que nos termos do art. 191, caput, do CPC a fixação do calendário depende no caso concreto de um acordo entre as partes e o juiz. Dessa forma, não podem as partes, mesmo que formalmente perfeito o acordo, impor a calendarização ao juiz, como o contrário também não é admissível.
Há quem defenda que o calendário processual seria um negócio jurídico processual bilateral, excluindo o juiz como parte. No entanto, ainda que formalmente perfeito, as partes não possuem o poder de impor ao juiz, a aplicação de um calendário pactuado. Desta forma, resta evidente que ao juiz cabe, não só, o controle de validade como o faz em todos os negócios jurídicos processuais, mais sim, homologar o calendário proposto, ao qual também se sujeita. Nesse sentido CUEVAS (2019, p. 548):
[O calendário processual]. É negócio processual típico, celebrado entre o juiz e as partes e, se for o caso, intervenientes. A vontade do juiz, expressa no exercício da discricionariedade que lhe confere o dispositivo, é essencial para que se aperfeiçoe o negócio jurídico. Do contrário, como vincular o juiz ao calendário? Sem tal vinculação, o calendário deixaria de ter efeito prático, já que a grande vantagem desse negócio processual reside em sua relativa rigidez (§ 1º) e na dispensa de intimação para os atos nele previstos (§ 2º).
Desta forma inegável que a calendarização processual certamente atinge a todos envolvidos com a demanda processual, e por tal, sua implantação deve ser aceita e não imposta.
Não podemos deixar de expor que, o calendário processual pode ser celebrado pelas partes mais ativa da demanda, autor e réu, e homologado pelo juízo, mas para que tenha sua eficácia a quem dele não participou o Fórum Permanente de Processualistas Civis, editou o enunciado 402 que assim registra A eficácia dos negócios jurídicos processuais para quem deles não fez parte depende de sua anuência, quando lhe puder causar prejuízo.
Com a edição do enunciado citado, temos que, em ações na qual o Ministério Público, por exemplo, atue unicamente como fiscal da lei e não como parte, a calendarização independe de sua participação, claro que com observância da ressalva contida na parte final da redação do enunciado, qual seja, (...) depende de sua anuência, quando lhe puder causar prejuízo.
6.3 MOMENTO DE SUA CELEBRAÇÃO
Não há ao certo um momento processual determinante para que as partes estabeleçam seu calendário processual, mas, têm se mostrado unânime o entendimento de ser a fase do saneamento do feito a mais adequada.
Como leciona NEVES (2019, p. 412) Como a proposta do calendário pode ocorrer de variadas formas, não é interessante se criar um momento próprio para sua definição, ainda que o mais provável seja que sua fixação se dê no momento de saneamento e organização do processo.
Igualmente, MARCATO (2022, p. 259) registra que:
A exemplo do que ocorre no procedimento arbitral, o momento propício para estabelecimento do calendário é a primeira audiência entre as partes (a qual, no procedimento arbitral, corresponde àquela em que se celebra o termo de arbitragem). Portanto, no procedimento comum, após a audiência de conciliação ou mediação (CPC, art. 334), poderão os sujeitos processuais (aí incluído o órgão jurisdicional), negociar e definir o calendário, se assim entenderem pertinente. Pode ainda ser convocada audiência especialmente para essa finalidade.
E cabe aqui trazer o enunciado 299 do FPPC que consolidou tal entendimento como O juiz pode designar audiência também (ou só) com o objetivo de ajustar com as partes a fixação de calendário para a fase de instrução e decisão.
Por fim, destacamos que, embora haja esse entendimento quanto ao melhor momento para a calendarização do procedimento, e sua consolidação no enunciado citado, não impede de sua celebração em momento diverso, podendo inclusive ocorrer em momento extrajudicial, com posterior homologação pelo juiz da causa, após sua distribuição, em sede recursal ou mesmo, na fase de cumprimento do julgado.
6.4 SEUS EFEITOS
Com a calendarização do procedimento, cada parte já tem conhecimento de todos os prazos, seja ele próprio ou comum, e sua homologação vincula a todos os envolvidos, inclusive ao próprio juízo. Já tendo, as partes, conhecimento de cada prazo processual a ser cumprido, dispensável a intimação para sua prática, e por tal desnecessidade é que o legislador de previu no paragrafo 2º do artigo 191 do CPC. § 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.
Criado um calendário processual, e dispensada sua intimação para a prática de cada ato pela parte, não há sanção alguma, senão, a mesma atribuída pelo rito legal, seja ela interpretada como renúncia ou mesmo a preclusão, a depender do ato não praticado. Já ao juiz que descumprir o prazo estipulado no calendário processual, não lhe acarreta qualquer prejuízo, senão em eventual correição.
Mas não é pelo fato de, não haver punições, que a parte pode descumprir o calendário, eis que além de suportar eventual preclusão não poderá requerer a devolução do prazo. Não se diga que não pode haver modificações ou mesmo revisar o calendário celebrado, mas isto depende de nova negociação entre todos seus celebrantes, nos termos do parágrafo 1º do artigo 191, do CPC.
No entanto, descumprido o calendário por uma das partes o torna sem efeito, e nas palavras de MARCATO (2022, p. 260) Nessas situações, o calendário fica sem efeito a menos que se decida o contrário retomando-se o padrão legal de intimações e prática de atos processuais, devendo haver, se for o caso, negociação de novo calendário.
6.5 PONTOS CRÍTICOS
Embora o calendário processual tenha sido muito bem aceito pela doutrina em sua maioria, não é só de elogios que ele vive. Para HARTMAN (2017, p. 221)
Trata-se de outro dispositivo (art. 191) que é flagrantemente inconstitucional, complementando o anterior (art. 190). Ele permite que as partes, juntamente com o magistrado, convencionem calendário para a prática de atos processuais, ainda que tenha sido outro o estabelecido pela legislação. Trata-se, em realidade, de mais uma tentativa de aproximar a Jurisdição, que é uma atividade pública e estatal, da arbitragem, que é equivalente jurisdicional com forte traço privatista.
E o mesmo autor, continua tecendo críticas ao instituto, quando coloca-o colidindo com a ordem de chegada dos autos prevista no artigo 153 do CPC, assim pontuando, Afinal, por meio deste artifício, seria possível burlar tanto a ordem preferencial de conclusão para sentença, como também a ordem para a efetivação dos provimentos ordinários pelo Cartório, para que tudo seja realizado no prazo pactuado pelas partes.
Em tom menos agressivo NEVES (2019, p. 411) pontua que:
Compreendo que academicamente se elogie a novidade, em especial quando institutos próximos já vem sendo aplicados com sucesso em outros países, mas novamente temo que seja mais uma novidade para a Academia do que para a praxe forense. (...).
Se ainda existe algum conforto na atividade jurisdicional, é não ter verdadeiramente prazo para a prática dos atos, sendo difícil crer que os juízes se disponham a perder tal conforto. (...).
Ocorre, entretanto, que, ao menos num primeiro momento, tal tarefa demandará tempo e trabalho, ainda mais pela inexperiência de todos os envolvidos (juízes e partes). E a situação de excesso significativo de volume de processos em alguns juízos impedirá a adoção da novidade. Ainda que se possa dizer que seria dar um passo atrás para depois dar dois a frente, a verdade é que, em determinados juízo, se for dado um passo para trás, cai-se em um buraco fundíssimo....
Respeita-se as críticas transcritas, vindas de doutrinadores com muita propriedade para tal, no entanto, ao menos até este momento, a calendarização processual nos olhos da grande massa acadêmica foi um verdadeiro acerto do legislador.
7 PRINCÍPIO DO AUTORREGRAMENTO
Neste trabalho, ainda que de forma superficial, passamos pelo estudo dos negócios jurídicos processuais, abordamos seu conceito, suas espécies e classificações. Trouxemos exemplos, e exploramos ainda sobre a calendarização processual. Institutos trazidos pelo legislador de 2015, com o intuito de atribuir as partes litigantes maior liberdade negocial, não sobre o objeto do litígio, mas sim sobre o próprio procedimento.
Diante dessa nova realidade negocial, para parte da doutrina, neste momento surge um novo princípio, o princípio do autorregramento. Nas palavras de DIDIER (2021, p.20):
O autorregramento da vontade se define como um complexo de poderes que podem ser exercidos pelos sujeitos de direito, em níveis de amplitude variada, de acordo com ordenamento jurídico. Do exercício desse poder, concretizado nos atos negociais resultam, após a incidência da norma jurídica, situações jurídicas (gênero do qual as relações jurídicas são espécie).
Pode-se localizar o poder de autorregramento da vontade em quatro zonas de liberdade: a) liberdade de negociação (zona de negociações preliminares, antes da consumação do negócio); b) liberdade de criação (possibilidade de criar novos modelos negociais atípicos que mais bem sirvam aos interesses dos indivíduos); c) liberdade de estipulação (faculdade de estabelecer o conteúdo do negócio); d) liberdade de vinculação (faculdade de celebrar ou não o negócio).
O Direito Processual Civil, embora ramo do Direito Público, ou talvez exatamente por isso, também é regido por essa dimensão da liberdade. O princípio da liberdade também atua no processo, produzindo um subprincípio: o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo.
Conceituando o que seria este novo princípio, KUNICHI, LIMA (2020) Em vista disso, princípio do autorregramento da vontade no processo é definido como um complexo de faculdade que podem ser desempenhadas pelas partes, em graus de intensidade variável, de acordo como o ordenamento jurídico.
E seu objetivo é definido por DIDIER (2021, p. 22) como:
O princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo visa, enfim, à obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de autorregular-se possa ser exercido pelas partes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas. De modo simples, esse princípio visa tonar o processo jurisdicional um espaço propício para o exercício da liberdade.
Na mesma linha de raciocínio, sobre o princípio ao autorregramento, registra KUNICHI, LIMA (2020), quanto ao objetivo e seu conceito:
Dessa feita, a autonomia da vontade no processo objetiva tornar o processo um ambiente propício ao exercício da liberdade, ou seja, visa à obtenção de um espaço processual em que o direito de regular a si mesmo possa ser desempenha pelas partes sem ressalvas irrazoáveis ou injustificadas.
Em vista disso, o princípio do autorregramento da vontade no processo é definido como um complexo de faculdade que podem ser desempenhadas pelas partes, em graus de intensidade variável, de acordo com o ordenamento jurídico.
É válida ainda, transcrever a definição simples e direta dada por NOGUEIRA, CERQUEIRA (2020, p. 13):
O direito ao autorregramento é a ferramenta que materializa o direito fundamental à liberdade dentro do processo. Por meio do exercício deste direito, as partes processuais podem regular juridicamente os seus interesses, adequando e definindo o que julgam melhor e mais conveniente.
Logo, podemos concluir que, segundo os autores citados, o Código de Processo Civil de 2015 consagra a autonomia da vontade das partes, estimulando assim, a adequação do procedimento para a resolução do litígio.
No entanto, não é unânime o reconhecimento do surgimento desse novo princípio. Para NEVES (2019, p. 393):
Parcela da doutrina, entusiasmada com o art. 190 do CPC, vem defendendo que o dispositivo legal consagra em nosso sistema processual um novo princípio: o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil. Não estou plenamente convencido de que tenhamos um novo princípio em razão do art. 190 do CPC, mas tal aspecto interessa mais à academia do que à praxe forense.
Mas, se estamos diante um novo princípio ou não, é certo que o Código de Processo Civil de 2015 de forma muito cristalina, prestigia a cooperação das partes e a autonomia da vontade, incentivando de todas as formas cabíveis a autocomposição.
8 CONCLUSÃO
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, restou definitivamente consolidado no direito processual brasileiro a existência dos negócios jurídicos processuais, encerrando assim o debate quanto sua existência ao tempo do CPC/73, por aqueles que assim não entendiam.
Se com o novo diploma processual, ao dispor em diversos artigos que incentivem a autocomposição, fez surgir um novo princípio, o do autorregramento da vontade, ou não, será apenas o tempo e os estudos da Academia quem responderá, mas certo é que, com a inserção no ordenamento jurídico dos negócios jurídicos processuais, o legislador propiciou as partes a adequação do procedimento a qual se sujeitarão.
Há ainda, muito a amadurecer na cultura nacional para melhor exploração dos negócios jurídicos processuais, e a possibilidades de adequação do procedimento e a celebração de um calendário próprio, os quais visam, garantir a entrega da prestação jurisdicional, mais personalizada ao caso concreto.
Os negócios jurídicos processuais e a calendarização processual, são institutos trazidos pelo legislador de 2015 à sociedade, a qual, sabendo litigar com sabedoria, pode fazer uso de tais ferramentas processuais para assegurar a busca da prestação jurisdicional mais adequada, ou melhor, a que tanto desejam.
REFERÊNCIAS
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 12. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019;
CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016;
DIDIER JR, Fredie. Ensaios sobre os negócios jurídicos processuais. São Paulo: JusPodivm, 2021;
HARTMANN, Rodolfo Kronemberh. Curso completo do novo processo civil. 4º ed. Niterói/RJ: Impetus, 2017;
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016;
MARCATO, Antonio Carlos. Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2022;
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado, com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4ª Ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2016;
CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Flexibilização do procedimento e calendário processual no Novo CPC. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. 4. ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2019;
ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Negócios Jurídicos Materiais e Processuais existência, validade e eficácia Campo- invariável e campos dependentes: sobre os limites dos negócios jurídicos processuais. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 40, vol. 244, 201;
NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios Jurídicos Processuais. Salvador: JusPodivm, 2016;
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Trabalho acadêmico:
BOCALON, João Paulo. Os negócios jurídicos processuais no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. 2016. 241f. Dissertação (Mestrado em Direito) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015, p. 207 acesso em https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/7026;
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Documentos em meio eletrônico:
COSTA, Júlio César da. Novo Código de Processo Civil - eliminação dos tempos mortos visando alcançar a celeridade e a razoável duração do processo. 2015. Disponível em: https://julio1979cesar.jusbrasil.com.br/artigos/228116931/novo-codigo-de-processo-civileliminacao-dos-tempos-mortos-visando-alcancar-a-celeridade-e-a-razoavel-duracao-doprocesso consultado em 12/03/2022;
Nogueira, M. A., & Cerqueira, T. (2020). Princípio do autorregramento da vontade no processo e a realização de negócios jurídicos processuais atípicos que vedem a produção de provas ex officio pelo magistrado. Revista Da Faculdade De Direito, 42(1). Recuperado de https://periodicos.ufba.br/index.php/RDU/article/view/24964 consultado em 10/03/2022;
https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/11302/1/21%20-%20Cap.%203%20-%20Do%20neg%C3%B3cio%20jur%C3%ADdico%20processual%20e%20seus%20limites.pdf acesso em 15/03/2022;