Da inconstitucionalidade do art. 34-A da Lei n° 13.954/2019, contra o princípio da presunção de inocência

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RESUMO: O presente artigo tem o cauteloso escopo de lançar luz à discussão acerca da inconstitucionalidade do dispositivo, que afeta a prorrogação do tempo de serviço ativo do militar temporário. Trata-se, portanto, no caso de ser aplicado o licenciamento do militar temporário, de hipótese de simplesmente estar a responder inquérito ou processo. Fazendo com que as Forças Armadas descartem os militares temporários sem a conclusão do devido processo legal, relativizando a inocência dos militares, o que a Constituição veda no art. 5º, inciso LVII, quando se refere ao princípio da presunção de inocência. A reflexão aqui perfilada leva em conta mais que simplesmente a letra do dispositivo constitucional garantista, mas seu espírito e sua importância para a preservação do princípio constitucional nas instituições militares e perante a sociedade.


1. INTRODUÇÃO

As Forças Armadas, Marinha, Exército e Aeronáutica, são instituições militares fundamentais para garantir a soberania nacional, previsto no art. 142 da nossa Constituição Federal de 1988. Composta por diversos militares, que são ingressados através de concursos públicos, seleções curriculares ou alistamento obrigatório, as Forças Armadas têm um grande quadro de efetivo de militares de carreiras e temporários, onde se diferem especificamente no art. 3º da Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019. Os militares temporários ingressos através de seleções curriculares ou alistamento obrigatório podem ter seus tempos de serviços prorrogados anualmente, desde que requeiram, de acordo com a conveniência da Força Armada interessada.

Em razão disso é visto de forma questionadora o que a Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019 incluiu, o art. 34-A, em que diz que: Os militares temporários indiciados em inquérito policial comum ou militar ou que forem réus em ações penais de igual natureza, inclusive por crime de deserção, serão licenciados ao término do tempo de serviço, com a comunicação à autoridade policial ou judiciária competente e a indicação dos seus domicílios declarados.

O art. 5º da Constituição da Republica, em seu inciso LVII, invoca o princípio da presunção de inocência, pelo qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (BRASIL, 1988).

Trata-se de um dispositivo insculpido não à toa no nosso regramento constitucional. A garantia da inocência serve como baluarte para o sustentáculo democrático a que uma nação almeja decidir seguir. Neste jaez, cabe aos órgãos de acusação, ou a parte contrária, alegar a culpa da parte que se fez ré, seguindo o alardeado devido processo legal, também insculpido na nossa Constituição, em seu art. 5º, incisos LIV e LV. Sob essa metonímia judicante, o processo de culpa do acusado se forma e o magistrado chegará à culpa definitiva do acusado.

Acontece que, nos mais das vezes, a culpa já é apontada antes mesmo do julgamento ser realizado, como num caso noticiado pela imprensa, em que o apelo emocional vigora, ou como na mera suspeita de alguém com trejeitos que possam o identificar como agir à revelia da lei, ou, mesmo no âmbito administrativo, referente à prorrogação do tempo de serviço do militar temporário, por exemplo.

Mercê dessas notáveis informações e buscando um aprimoramento nas conduções jurídicas militares, é necessário que as instituições militares preservem os princípios constitucionais perante a sociedade civil a fim de que se garanta credibilidade e respeito.

2. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

A presunção de inocência está disposta no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal e é compreendida como uma garantia constitucional de que o réu da ação só será considerado culpado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Trata-se de um mecanismo de extrema importância no Direito Processual, o qual preceitua que só deverá ser realmente considerado culpado o acusado que teve provada sua culpa em sentença irrecorrível (ou seja, contra a qual não existam mais recursos). Cabe ressaltar ainda que punir é necessário para assegurar a ordem democrática e a harmonia social. Porém, existem etapas a serem seguidas para tal punição, as quais estão estabelecidas dentro do Código de Processo Penal. Este tem uma grande importância dentro do contexto democrático. É ele que confere a segurança jurídica, isto é, de que caso o réu realize um crime previsto no ordenamento jurídico, ele certamente passará por determinadas etapas que lhe são garantidas.

No contexto do refreado absolutismo que culminou na Revolução Francesa de 1789, jovens idealizadores cunharam aquilo que seria a proclamação dos direitos fundamentais do homem, sob o título de Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão. O processo de consolidação deste postulado, até sua positivação, não ocorreu de modo brusco. Na Inglaterra seiscentista, adepta da common law, já vigorava o princípio do beyond any reasonable doubt, ou seja, o postulado de que só haveria condenação quando não houvesse mais quaisquer dúvidas razoáveis acerca da culpa do réu. Mais tarde, já no século XVIII, a Constituição dos Estados Unidos em sua emenda de número cinco já reconhecia como direito dos cidadãos americanos o due process of law (devido processo legal) que para o ilustre J. J. Canotilho (2001 apud SILVA, J. P., 2011) significou também a garantia da presunção de inocência, vez que, segundo o autor, a Suprema Corte daquele país, ao interpretar a garantia do devido processo legal, afirmou que este pressupõe a presunção de inocência quando estatui que Nadie puede ser condenado si la acusación no há probado su culpabilidad más allá de cualquier duda razonable, acabando por positivar o princípio da Constituição nãoescrita inglesa (SILVA, J. P., 2011).

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O Estado tem condições e dispõe de mais meios para poder provar a culpa contra qualquer dos seus cidadãos que venham a transgredir, quer na esfera penal, cível ou administrativa. Ao comum, este poder é mitigado, restando-lhe parcos recursos que pode vir a lançar mão para consubstanciar sua defesa. Sob a penosidade da desrazoabilidade do tempo que o processo perdura no Brasil, tratar como culpado, mesmo no âmbito administrativo, alguém que apenas responde a processo criminal, é desproporcional e fere a dignidade humana.

3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 34-A DA LEI Nº 13.954/19

A inconstitucionalidade decorre a partir do momento em que o art. 34-A da Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019, abre brecha para as organizações militares agirem de forma injusta, relativizando a inocência de seus militares temporários, e principalmente ferindo a garantia constitucional, uma cláusula pétrea de grande importância no nosso ordenamento jurídico, o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º da nossa Constituição Federal de 1988, em seu inciso LVII.

É possível a impetração de Mandado de Segurança para assegurar o direito líquido e certo de militar temporário preterido na sua prorrogação de tempo de serviço por estar sub judice. O remédio constitucional poderá, inclusive, solicitar medida liminar cautelar comprovando os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Tendo em vista a matéria constitucional em voga, a injustiça também pode ser combatida via Recurso Extraordinário encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, obedecendo, claro, o trâmite nas instâncias superiores. Levando em conta a relevância jurídica, política, social ou econômica da matéria, o instrumento da Repercussão Geral poderá ser suscitado, com fins a uniformizar o entendimento nas instâncias inferiores, em casos idênticos. Outra forma de combater tal previsão ilegal, que contraria frontalmente o principio da presunção de inocência, é ataca-lo por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn). O controle concentrado de constitucionalidade poderia abster a utilização daquele comando normativo, a nosso ver, não recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Acontece que para ter legitimidade para propor a ADIn, os militares perecerão de apoio político e de outra parte para patrociná-la, porquanto não dispor de entidade de classe nem confederação sindical que os representem, por vedação expressa do art. 142, § 3º, IV da Constituição da Republica.

4. CONCLUSÃO

O presente artigo tem como finalidade assessorar e fomentar o aprimoramento das conduções jurídicas militares, através de fundamentos teóricos e como base a nossa Constituição Federal de 1988. Atacando qualquer lei e dispositivo que entre contra os preceitos fundamentais e garantistas da nossa Carta Magna.

Sendo abordada a diferença do efetivo de militares das Forças Armadas, o militar de carreira e o militar temporário, tendo como principal foco nos militares temporários, afinal, é a categoria que mais sofre quando está sub judice ou indiciada em inquérito policial comum ou militar, pois tem como consequência do licenciamento de sua profissão por conta da lei que coloca a relativização de sua inocência.

Durante o artigo foi mostrado a historicidade e a grande importância do princípio da presunção de inocência, demonstrando a forma de como um Estado deve conduzir o devido processo legal e quais os meios legais de recorrer, envolvendo e colocando recursos e remédios constitucionais que possam solucionar e levar à luz a problematização que há no presente art. 34-A da Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019. Altera a Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 ( Estatuto dos Militares), a Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, a Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 ( Lei do Servico Militar), a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972, a Lei nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, e o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, para reestruturar a carreira militar e dispor sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares; revoga dispositivos e anexos da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, e da Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10 nov. 1972. Disponível em: < L13954 (planalto.gov.br) >

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: < Constituição (planalto.gov.br)>

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria Almadina, 1999.

SILVA, João Paulo Fiúza da. A aplicabilidade do princípio da presunção de inocência ao processo decorrente da comunicação disciplinar. Disponível em: < Presunção de inocência no processo administrativo disciplinar - Jus.com.br | Jus Navigandi>

Sobre o autor
Alan Douglas Ferreira de Barros

O autor é atualmente discente no curso de graduação em Direito, outorgado pelo renomado Centro Universitário dos Guararapes - UNIFG, onde tem se dedicado com esmero na aquisição de conhecimentos teóricos e práticos para sua formação profissional. Ademais, o autor exerce, à título temporário, a função castrense junto ao Exército Brasileiro, atuando tanto no âmbito administrativo como no operacional, o que o credencia para o exercício de atividades relacionadas à Polícia Judiciária Militar..

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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