O REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO EM SENTIDO ESTRITO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

07/06/2022 às 07:22

Resumo:


  • O reequilíbrio econômico-financeiro em contratos administrativos é uma garantia constitucional para as partes envolvidas, mantendo a equação originalmente pactuada.

  • Existem diferentes mecanismos para o reequilíbrio, como o reajuste, a repactuação e a revisão de preços, sendo esta última aplicada em casos de força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou eventos imprevisíveis.

  • Os pressupostos para a aplicação da teoria da imprevisão incluem a imprevisibilidade do evento, inimputabilidade às partes, grave modificação nas condições contratuais e ausência de impedimento absoluto, visando restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

BRUNO GRANDE RODRIGUES[1]

RESUMO

Este artigo trata do reequilíbrio econômico-financeiro, que é garantia constitucional às partes dos contratos administrativos e consiste em um mecanismo de manutenção da equação econômico-financeira originalmente pactuada. Ainda, disserta sobre as diferentes espécies desse instituto, notadamente a revisão de preços, também chamada de reequilíbrio econômico-financeiro em sentido estrito. Ato contínuo, remonta ao direito administrativo francês do século XIX, para mostrar a origem da revisão de preços causada pela primeira guerra mundial. Por fim, trata dos pressupostos para a aplicação da teoria da imprevisão no reequilíbrio econômico-financeiro em sentido estrito, que é considerada álea econômica, e a diferencia do fato do príncipe, que é fato da administração.

Palavras-chave: Direito administrativo. Contratos admpnistrativos. Revisão de preços.

INTRODUÇÃO

A pandemia da doença conhecida por COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, impactou de maneira contundente a economia mundial desde o fim do ano de 2019. Para amenizar a proliferação do vírus, foi necessário adotar o distanciamento social em escala global, o que impossibilitou que fábricas continuassem operando com a mesma produtividade dos anos anteriores. Em consequência disso, os produtos dos mais variados tipos ficaram escassos, causando aumentos significativos em seus preços.

Como resultado, contratos que estavam em andamento precisaram de revisão para reequilibrar a relação contratual inicialmente pactuada, senão haveria a inviabilidade da continuação da obra.

Quanto a esse reequilíbrio contratual, não é tarefa fácil fazê-lo, ainda mais quando se trata de contratos públicos, pois, por uma das partes ser a Administração Pública, há diversos regramentos que não incidem sobre a esfera privada que devem ser obedecidos, sob pena de caracterização de irregularidades como, por exemplo, o superfaturamento.

Assim, surgiu a necessidade de elaborar um artigo que trate de forma geral do tema como um primeiro estágio de estudo para que os fiscais de contratos adquiriram maior segurança jurídica em sua atuação e entendam os termos jurídicos de forma menos custosa.

Dessa forma, após a contextualização do problema, percebe-se que ele se justifica, notadamente, por buscar preservar um dos pilares de todo o Direito Administrativo que é a garantia do uso adequado e eficiente dos recursos públicos pela Administração, mediante o aperfeiçoamento intelectual de seus agentes.

Desde já, é oportuno citar que a elaboração deste trabalho se dá no momento de transição legislativa da norma geral de licitações e contratos. Atualmente, estão vigentes a lei antiga, Lei 8.666/93, e a lei nova, Lei 13.133/2021, pois está só revogará aquela após dois anos, ou seja, em 1º de abril de 2023. Por conseguinte, grande parte da doutrina e da jurisprudência que estão disponíveis neste momento e que foram consultadas para esta pesquisa se referem à legislação antiga. Contudo, por se tratar de um estudo precipuamente conceitual, as informações aqui trazidas são aplicáveis a ambas as leis

REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO EM SENTIDO AMPLO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Conceito

Para tratar de forma adequada acerca do reequilíbrio econômico-financeiro, é preciso, primeiramente, analisar o conceito de equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, também conhecido por equação econômico-financeira.

Esse instituto, segundo Justen Filho (2012, p.517), [..]é a relação entre encargos e vantagens assumidas pelas partes do contrato administrativo, estabelecida por ocasião da contratação, e que deverá ser preservada ao longo da execução do contrato..

Outrossim, o equilíbrio econômico-financeiro pode ser definido como a relação de adequação entre objeto e o preço que se dá no momento da pactuação do negócio jurídico, ou seja, é uma linha de equilíbrio que liga a atividade contratada ao encargo financeiro correspondente (CARVALHO FILHO, 2020, p 207).

Nesse mesmo sentido, Niebuhr (2022, p. 1113-1114) deixa claro que durante a licitação, ao tomar ciência do edital (ou na contratação direta, inclusive), os participantes devem levantar todos os encargos atribuídos a si pela Administração (riscos e custos) para, com base neles, calcular o valor das suas respectivas propostas. No momento da contratação, o valor anteriormente proposto pelo vencedor do certame é assumido pela Administração como contraprestação devida à execução do objeto contratado. Dessa forma, na apresentação da proposta, forma-se a equação econômico-financeira entre os encargos mensurados pelo licitante (riscos mais custos) e o valor total por ele proposto.

Portanto, caso seja apurada uma alteração na equação econômico-financeira, a depender de sua causa, deve-se lançar mão de um dos mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Esses mecanismos são o reajuste, a repactuação e a revisão de preços. O que importa relatar neste momento é que eles podem ser conceituados como os procedimentos de restabelecimento da relação inicial entre encargos e vantagens, estabelecidas no momento em que a licitante vencedora ofertou sua proposta.

Assim, o princípio do pacta sunt servanda não é aplicado aos contratos administrativos de maneira absoluta, porquanto, apesar do surgimento de álea extraordinária não desobrigar o contratado de adimplir suas obrigações, a Administração Pública tem o dever de auxiliá-lo nos acréscimos de encargos gerado pelo fato superveniente. Assim, o contrato é lei entre as partes desde que se mantenham as condições originais, em respeito à cláusula rebus sic stantibus.

Nesse sentido, França (2006, p.3) aponta que não se deve olvidar do princípio da obrigatoriedade dos preceitos fundamentados (pacta sunt servanda) [...]. Todavia, esse princípio sofre atenuações quando o equilíbrio entre as partes é ameaçado.

Além dessa caraterística de solução alternativa, o reequilíbrio econômico-financeiro é um direito que protege as partes do contrato administrativo contra o enriquecimento ilícito da outra parte. Esse direito é importante, notadamente ao contratado, pois é instrumento que serve de mitigação em casos de excessos advindos da posição de superioridade da Administração Pública e, consequentemente, de efetivação da justiça.

Desenvolvimento do reequilíbrio econômico-financeiro como garantia das partes do contrato administrativo

No Brasil, a proteção à equação econômico-financeira está prevista no art. 37, XXI, da Constituição Federal. Segundo esse dispositivo, nas contratações públicas devem ser [...]mantidas as condições efetivas da proposta[..]. Contudo, essa garantia, antes de ser incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, teve que ser construída por meio de uma evolução da atividade administrativa pública, que teve sua origem no direito francês, onde, segundo Mello (2007, p. 679), surgiu a fonte da teoria da imprevisão no direito administrativo não só desse país, mas de todo o mundo.

Esse notável jurista declara que o aresto de 24.3.1916, do Conselho de Estado, na questão da Cia. de gás de Bordeau, concessionária desse serviço público, é apontado como o início da aplicação da teoria da imprevisão nos chamados contratos administrativos. Nessa oportunidade, a corte administrativa francesa julgou procedente recurso interposto por aquela empresa da decisão que negara a revisão de tarifas do serviço, não obstante a alta do custo do carvão em consequência da Guerra. O comissionário do Governo, Chardenet, manifestou-se favoravelmente à pretensão da companhia concessionária, e seu ponto de vista foi acolhido pelo Conselho de Estado.

Ademais, Meirelles (2020, p. 227) declara que a teoria da imprevisão é uma construção jurisprudencial do Conselho de Estado da França que, durante a Primeira Guerra Mundial, precisou julgar inúmeros pedidos de revisão de contratos administrativos. Em seguida, essa teoria foi consagrada na Lei Failliot, de 1918, e inspirou a Lei Belga, de 1919. Contudo, antes, na Itália, o Decreto Real de 1915 já admitia a guerra como causa de revisão de contratos cuja execução fosse dificultada a uma das partes. No Brasil, essa teoria foi admitida em contratos privados pelo Decreto 24.150/1934, conhecido como Lei de Luvas.

Ainda, Mello (2007, p. 680) afirma que, antes do caso da Cia. de gás de Bordeau, houve outros acórdãos do Conselho de Estado francês em que existiu compensação patrimonial ao contratado em virtude de álea extraordinária. Contudo, essa compensação, segundo o autor, não se deu em virtude da teoria da imprevisão, mas de fato do príncipe. Trata-se dos casos de concessão de obra pública da cidade de Paris, em 1905, e do denominado Labeye, em 1911, bem como o referente à concessão de serviço público da companhia de ferro do Departamento de Aube, em 1914.

Essa distinção se mostra relevante porque no direito francês há diferença entre os efeitos de fato superveniente gerado pelo fato do príncipe e pela teoria da imprevisão. No primeiro caso, também chamado de álea administrativa, há indenização integral do contratado por ato da autoridade pública que interfira na execução do contrato. No segundo caso, também chamado de álea econômica, há compensação parcial dos prejuízos sofridos pelo contratado (MELLO, 2007, p. 680).

No direito brasileiro não há diferença nos efeitos gerados pelas áleas econômica e administrativa, porquanto a Lei 8.666/93, no art. 65, II, d, uniformiza a solução para essas diferentes hipóteses, de forma a preservar, de maneira geral, a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro (JUSTEN FILHO, 2012, p. 521). Trata-se da antiga lei de licitações, mas conforme foi comentado na introdução deste trabalho, ela ainda está vigente e, inevitavelmente, é documento indispensável para tratar do tema ora em estudo.

Atualmente, conforme citado no início desta sessão, o equilíbrio econômico financeiro goza de previsão constitucional. Esse status de superioridade legal gera implicações ao ordenamento jurídico brasileiro e, consequentemente, criam balizas para a atuação da Administração Pública e do Poder Legislativo, além de servir de paradigma para a interpretação realizada pelo Poder Judiciário e pelos órgãos de controle. Essas consequências são tratadas por Niebuhr (2022, p. 1114-1118).

Em primeiro lugar, esse autor cita que a manutenção do equilíbrio econômico financeiro se aplica a todas as relações contratuais, independentemente da necessidade de licitação prévia ou de nomenclatura específica. Isso ocorre porque a Administração Pública nem sempre possui rigor ao nomear suas relações com particulares. As autorizações e permissões, por exemplo, não são contratos, mas muitas vezes verdadeiras relações contratuais são estabelecidas sob essas nomenclaturas e, portanto, gozam do direito à manutenção da equação econômico-financeira.

Em segundo lugar, não é só o contratado que tem direito à recomposição patrimonial em caso de desequilíbrio do contrato. O instituto de reequilíbrio pode ser suscitado pela Administração Pública, caso os custos do contratado sejam reduzidos. Mais do que prerrogativa do contratado, o reequilíbrio é uma medida de justiça que pode ser invocada por qualquer dos contratantes.

Em terceiro lugar, o instituto ora estudado serve de reserva de proteção à superioridade da Administração Pública, visto que ela goza de superioridade nas contratações públicas por defender o interesse público. Esse status privilegiado, contudo, não pode incidir sobre a equação econômico-financeira.

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Em quarto lugar, variações de custos ordinárias não ensejam a recomposição da situação econômico-financeira original, porque são abrangidas na margem de risco inerente à atividade desenvolvida. Todavia, não é preciso que o contratado passe a incorrer em grave prejuízo ou que haja inviabilização da continuidade do contrato para que haja o reequilíbrio.

Em quinto lugar, o direito ao equilíbrio econômico-financeiro é referente ao momento de elaboração das propostas. Conforme consta no inciso XXI do artigo 37 da Carta Magna, devem ser [...]mantidas as condições efetivas da proposta[..], ou seja, não se fala em condições da assinatura do contrato, mas sim do momento da proposta.

Em sexto lugar, não deve haver hiatos de desequilíbrio. O dispositivo constitucional citado anteriormente acarreta, também, que a recomposição patrimonial deve retroagir até a data do fato que gerou esse desequilíbrio.

Em síntese, o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ser percebido como um direito, tanto do contratado quanto da Administração. Desse modo, identificado o fator extraordinário gerador do desequilíbrio econômico do contrato, a revisão necessária, para manutenção de sua equação econômico-financeira, independe de previsão contratual, pois tal direito deriva da Lei e da Constituição (TORRES, 2018, p.736).

Por fim, ainda em relação à proteção do contratado frente à superioridade da Administração Pública, a nova lei de licitações e contratos, Lei 14.133/2021, no art. 130, diz expressamente que quando houver alteração unilateral do contrato que aumente ou diminua os encargos do contratado, a [..]Administração deverá restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.. Ou seja, não há espaço para discricionariedade da Administração nesse caso, porquanto não é necessário o pedido do contratado para que o reequilíbrio ocorra (BITTENCOURT, 2021, p. 793).

Instrumentos do reequilíbrio econômico-financeiro segundo a Lei 14.133/2021

A Lei 14.133/2021, conhecida como a nova lei de licitações e contratos, continuou dividindo os mecanismos de recomposição da equação econômico-financeira original da mesma forma que eram estabelecidos pela doutrina sob a égide da Lei 8.666/93. Esses mecanismos, que já foram citados anteriormente, são o reajuste, a repactuação e a revisão de preços.

Naturalmente, todos os insumos e produtos ofertados pelo mercado sofrem variação em seus preços. Não se trata de fatos extraordinários, mas da mudança previsível de preços que ocorre de forma lenta por causa da inflação. Nesses casos, para fazer a compensação da variação ordinária de preços, utiliza-se o mecanismo de reajuste. Ele é definido no art. 6º, LVIII, da Lei 14.133/2021, como reajustamento em sentido estrito e consiste na aplicação de índice de correção monetária específico ou setorial previamente definido no contrato (NIEBUHR, 2022, p. 1119).

Ademais, quando há variação dos custos em contratos de prestação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou com predominância de mão de obra, referente à data-base da respectiva categoria, em que deve ocorrer acordo, convenção ou dissídio coletivo, surge o mecanismo da repactuação. Ele é uma modalidade especial de reajuste e tem previsão no art. 6º, LIX, da Lei 14.133/2021 (NIEBUHR, 2022, p. 1119-1120).

Por fim, o último instrumento de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro é a revisão de preços, também conhecido como reequilíbrio econômico-financeiro em sentido estrito. Essa é a espécie que será dado enfoque neste trabalho, por ser esse o mecanismo adequado para recompor o preço dos contratos que sofreram variações de preço por causa da pandemia de COVID-19.

Revisão de preços ou reequilíbrio econômico-financeiro em sentido estrito

A revisão de preços objetiva recompor o equilíbrio econômico-financeiro original do contrato administrativo nos casos de: força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado inicialmente, respeitada, em qualquer dos casos, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato, conforme previsão na alínea d do inciso II do art. 124 da Lei 14.133/2021 (FORTINI et al, 2021, p.381).

Em relação ao mesmo tema, na lei de licitações anterior, Lei 8.666/93, no art 65, II, d, a redação do dispositivo se assemelha à da lei atual. Contudo, segundo Niebuhr (2022, p 1147), constata-se uma alteração mais significativa, pois a referência à álea econômica extraordinária e extracontratual foi extraída na lei nova e foi substituída pela exigência de que os fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis [...] inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado [...]. Segue tabela para melhor compreensão:

Tabela 1: comparação do instututo da revisão de preços nas duas leis de licitações vigentes

Lei n. 8.666/1993

Alínea d do inciso II do artigo 65

Lei n. 14.133/2021

Alínea d do inciso II do artigo 124

[...] d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

[...] d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.

Fonte: Niebuhr (2022, p. 1147)

Dessa forma, em que pese essa diferença em seus textos, ambos diplomas legais preveem que as causas da revisão de preço são o caso fortuito, a força maior, o fato do príncipe ou a ocorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis.

O caso fortuito e a força maior, segundo Justen Filho (2012, p. 525), refere-se a eventos supervenientes, produzidos por causas alheias à vontade das partes. A doutrina costuma diferenciá-los da seguinte forma: o primeiro deles ocorre de eventos da natureza, como catástrofes ou ciclones, já o segundo resulta de uma ação humana, como é o caso, em regra, da greve. Nesses casos, caso a execução do contrato não seja inviabilizada, utiliza-se solução equivalente à adotada à teoria da imprevisão.

Em complemento, Meirelles e Burle Filho (2020, p. 228) dizem que o que caracteriza um evento como caso fortuito ou força maior [...] são, pois, a imprevisibilidade (e não a imprevisão das partes), a inevitabilidade de sua ocorrência e o impedimento absoluto que veda a regular execução do contrato.

Quanto ao fato do príncipe, que se refere à álea administrativa, o ponto nuclear [...] reside em que a lesão patrimonial derivada de um ato estatal válido, lícito e perfeito é objeto de indenização (JUSTEN FILHO, 2012, p. 522). Desse modo, o ente estatal atinge diretamente a relação contratual, mediante atuação extracontratual, geral e abstrata. Pode-se citar como exemplo o caso em que a Administração Pública Federal contrata empresa para transportar seus servidores e, posteriormente, triplica a alíquota de determinado tributo que incide sobre o combustível. Essa situação, indiscutivelmente, impacta nos encargos do contratado e, portanto, deve haver recomposição patrimonial em seu favor. (CARVALHO, 2022, p.795).

Esse instituto se fundamenta na mesma justificativa da indenização ao expropriado por utilidade pública ou interesse social, pois quando a Administração causa danos ou prejuízos aos administrados, principalmente aos seus contratados, ainda que em benefício da coletividade, surge o dever de indenizá-los (MEIRELLES; BURLE FILHO, 2020, p. 229)

Neste momento é oportuno citar a divergência doutrinária quanto à configuração do fato do príncipe. Maria Sylvia Zanella de Pietro e Matheus Carvalho seguem o entendimento vigente na França, segundo o qual só ocorre fato do príncipe se o agente que pratica a conduta onerosa for da mesma esfera do governo daquele que celebrou o contrato. Caso as esferas dos entes estatais forem diversas, trata-se de caso fortuito (CARVALHO, 2022, p. 796). Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho e Marçal Justen Filho não fazem essa distinção, já que a teoria do fato do príncipe do ordenamento jurídico brasileiro tem pouca relação com a figura existente na França (JUSTEN FILHO, 2012, p. 522).

Neste trabalho, em que pese as limitações de conhecimento do autor frente aos renomados juristas citados anteriormente, adota-se a segunda corrente, na qual o fato do príncipe é caracterizado independentemente da esfera à qual o ente estatal pertença. Essa posição, quanto aos efeitos, não se diferencia da primeira, visto que, no Brasil, a recomposição patrimonial à parte prejudicada ocorre de maneira integral.

Por seu turno, os fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis integram a álea econômica e são tratados por meio da teoria da imprevisão. Os requisitos para que se configure a aplicação dessa teoria serão tratados na sessão seguinte.

Para dar mais clareza aos institutos descritos anteriormente, segue figura elucidativa:

Figura 1: mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro

Fonte: autor

Para aplicar a teoria da imprevisão não basta que seja comprovado que no contrato foi gasto mais do foi previsto na proposta da contratada, porquanto, além disso, deve haver o preenchimento de determinados requisitos. Esse é o entendimento firmado em julgado do Tribunal Regional Federal da Quinta Região (TRF-5):

3. O direito ao reequilíbrio contratual, em sede de contrato administrativo decorrente de procedimento licitatório, não se configura pela simples alegação de que se gastou na execução mais do tinha sido previsto na proposta, ainda que se prove essa disparidade. Há requisitos específicos que devem ser preenchidos. De fato, não é suficiente, a movimentar o instrumental de restauração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, a constatação de discrepância entre os valores propostos e os efetivamente gastos na execução do serviço contratado. É preciso averiguar os fatores que resultaram nessa diferença, de sorte a se concluir sobre a cobertura da majoração pela Administração Pública, sem que isso caracterize violação às normas constitucionais e legais que regem as licitações e os vínculos contratuais com os entes públicos[2].

Nessa linha, segundo Justen Filho (2012, p. 523), a aplicação da teoria da imprevisão decorre dos seguintes pressupostos: imprevisibilidade do evento ou incalculabilidade de seus efeitos, inimputabilidade do evento às partes do contrato, grave modificação das condições do contrato e ausência de impedimento absoluto.

Em relação ao primeiro requisito, trata-se da impossibilidade de previsão dos fatos supervenientes, dentro de um panorama de razoabilidade. Ou seja, o evento danoso não se refere à álea ordinária, mas tão somente à álea extraordinária. Para exemplificar essa diferença pode-se utilizar o caso da inflação. Ela não é um evento imprevisível, pois sabe-se que os preços de insumos e produtos variam naturalmente com o tempo. Contudo, seus efeitos podem ser previsíveis, quando os índices inflacionários puderem ser estimados previamente e refletirem com precisão razoável a variação de preços de um determinado insumo. Por outro lado, os efeitos da inflação podem ser imprevisíveis, quando a variação do preço do insumo ultrapassa de forma impactante os limites das previsões generalizadas.

Quanto ao segundo requisito, a inimputabilidade do evento às partes significa que a teoria da imprevisão não pode ser aplicada quando a Administração Pública causa o efeito danoso, por se tratar de fato do príncipe e ensejar indenização. Ainda, não se aplica a teoria em tela às alterações unilaterais no contrato específico provocadas pela Administração Pública. Essa situação denota fato da administração e ensejam recomposição patrimonial ao contratado amparada pelos §§1o e 2o do artigo 104 e no artigo 130, ambos da Lei 14.133/2021 (Niebuhr, 2021, p. 1146).

Já se o contratado der causa ao fato, também não há aplicação da teoria da imprevisão. Acerca dessa possibilidade, Niebuhr (2021, p.1142) explica que não é permitido proceder à revisão do contrato [...] em razão de custos não previstos ou gerados pelo próprio contratado em decorrência de sua desídia ou negligência. É dever do contratado, à época da licitação, prever tudo o que for previsível.

Em relação ao terceiro requisito, a grave modificação nas condições do contrato, é oportuno relatar que o fato superveniente deve impactar de forma significativa a equação econômico-financeira. Nesse sentido, Reis (2021, p.255) cita que Essas disposições são aplicáveis, também, nas hipóteses de elevação extraordinária no preço de algum insumo específico, desde que o mesmo tenha efetivo impacto no custo global.

Portanto, não é qualquer alteração no preço de determinado insumo que pode dar causa ao reequilíbrio econômico-financeiro. Esse também é o entendimento do Tribunal de Contas da União que, a título de exemplo, por meio do Acórdão 852/2016 do Plenário foi exposto que o impacto total da alteração do custo da areia, da ordem de 1% do valor do ajuste, é um risco ordinário de construção, que não traz ônus insuportável à contratada, não coberto, portanto, pela cláusula rebus sic stantibus[3].

Finalmente, quanto ao quarto requisito, Justen Filho (2016, p. 1185) expõe que são fatores impeditivos do reequilíbrio da equação econômica financeira a ausência de elevação dos encargos do particular, a ocorrência de evento antes da formulação da proposta, a ausência de vínculo de causalidade entre o evento ocorrido e a majoração dos encargos do contratado, e a culpa do contratado pela majoração de seus encargos. Nesse último caso, o contratado tinha condições de prever a ocorrência do evento, mas não foi diligente o suficiente para fazê-lo.

Para sintetizar os pressupostos tratados nesta sessão, segue figura com resumo do tema:

Figura 2: requisitos para o reequilíbrio econômico-financeiro em sentido estrito

Fonte: autor

CONCLUSÕES

O reequilíbrio econômico-financeiro de contratos é garantia constitucional tanto para o particular quanto para a Admnistração nos contratos públicos. Desse modo, caso surja um evento superveniente, a equação econômico-financeira estipulada no início da relação contratual deve ser reestabelecida, mediante mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro em sentido amplo do contrato: o reajuste, a repactuação e a revisão de preços (ou reequilíbrio econômico-financeiro em sentido estrito).

Quanto à última espécie, ela pode ocorrer nos casos de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado inicialmente.

No que tange o fato do príncipe, ele ocorre quando o ente estatal atinge diretamente a relação contratual, mediante atuação extracontratual, geral e abstrata. Nesse caso, o ente particular é ressarcido mediante indenização. Por outro lado, no caso fortuito, na força maior e nos eventos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, seus efeitos são remediados por meio da teoria da imprevisão. Essa teoria se manifesta a partir dos seguintes requisitos: imprevisibilidade do evento ou incalculabilidade de seus efeitos, inimputabilidade do evento às partes do contrato, grave modificação das condições do contrato e ausência de impedimento absoluto.

Assim, o princípio do pacta sunt servanda não é aplicado aos contratos administrativos de maneira absoluta, porquanto, apesar do surgimento de álea extraordinária não desobrigar o contratado de adimplir suas obrigações, a Administração Pública tem o dever de auxiliá-lo nos acréscimos de encargos gerado pelo fato superveniente. Assim, o contrato é lei entre as partes desde que se mantenham as condições originais, em respeito à cláusula rebus sic stantibus.

REFERÊNCIAS

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MEIRELLES, Hely Lopes; BURLE FILHO, José Emanuel. Direito administrativo brasileiro. 44. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípio gerais de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007

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REIS, Paulo Sérgio de Monteiro. Contratos da Administração Pública: administração direta e estatais formalização, conteúdo e fiscalização de acordo com as Leis nº 8.666/1993, nº 14.133/2021 e nº 13.303/2016. Belo Horizonte: Fórum, 2021.

TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 9ª edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

THE ECONOMIC-FINANCIAL REBALANCE IN THE STRICT SENSE IN ADMINISTRATIVE CONTRACTS

ABSTRACT

This article deals with economic-financial rebalancing, which is a constitutional guarantee to the parties to administrative contracts and consists of a mechanism for maintaining the originally agreed economic-financial equation. Moreover, it talks about the different species of this institute, notably the price review, also called economic-financial rebalancing in the strict sense. Furthermore, it goes back to the French administrative law of the 19th century, to show the origin of the price revision caused by the first world war. Finally, it deals with the assumptions for the application of the theory of unpredictability in the economic-financial rebalancing in the strict sense, which is considered an economic alle, and differentiates it from the fact of the prince, which is a fact of the administration.

Keywords: Administrative law. Administrative contracts. Price review.

  1. Aluno de graduação do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

  2. BRASIL. Tribunal Regional Federal - Quinta Regiao. Acórdão nº 2001.85.00.003583-7, Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti. Dje. [Recife], . Disponível em: http://www.trf5.gov.br/archive/2012/06/200185000035837_20120611_3687784.pdf. Acesso em: 28 abr. 2022.

  3. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 852/2016, Plenário. Relator: Ministro Benjamim Zymler. Ata 12/2016 - Plenário. Brasília, . Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A852%2520ANOACORDAO%253A2016%2520COLEGIADO%253A%2522Plen%25C3%25A1rio%2522/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520. Acesso em: 24 abr. 2022.

Sobre o autor
Bruno Grande Rodrigues

Aluno de graduação do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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