RESUMO
As dificuldades probatórias para a comprovação da qualidade de segurado especial estão presentes no dia a dia dessa classe trabalhadora. Este estudo bibliográfico faz uma análise no contexto do trabalhador rural, mostrando as dificuldades por ele enfrentadas e, ao mesmo tempo, busca na lei, doutrina e jurisprudência alternativas para facilitar a comprovação como segurado especial por meio de provas materiais e testemunhais, com o intuito de garantir o acesso aos benefícios previdenciários.
Palavras-chave: Segurado especial. Trabalhador rural. Instrução Normativa. Provas materiais.
ABSTRACT
The evidentiary difficulties for proving the condition of a special insured person are present in the daily life of this working class. This bibliographic study makes an analysis in the context of the rural worker, showing the difficulties they faced and, at the same time, seeks in the law, doctrine and jurisprudence alternatives to make easier the proof as a special insured through material and testimonial evidence, in order to guarantee and the access to social security benefits.
Keywords: Special insured. Rural worker. Normative Instruction. Material evidence.
-
INTRODUÇÃO
Passados mais de 50 anos desde o surgimento das primeiras leis sobre os trabalhadores rurais, é notório que essa classe ainda enfrenta diversas dificuldades probatórias para a obtenção de algum benefício perante o Instituto Nacional do Seguro Social INSS.
É a partir de olhar atento a essas questões que entrelaçam o direito previdenciário com a específica realidade social que o presente trabalho visa a analisar o trabalhador rural e a dificuldade probatória da condição de segurado especial, fazendo uma análise em sua perspectiva ante os critérios para a configuração como segurado especial perante o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
O tema escolhido é fundamental para a classe trabalhadora rural pois diante de todas as dificuldades enfrentadas, irá auxilia-los na maneira de comprovar a condição de segurado especial na esfera administrativa e judiciária.
A partir do exposto, a questão que se pretende responder ao final deste trabalho pode ser colocada da seguinte maneira: É possível a configuração como segurado especial perante o INSS com pouca ou nenhuma prova documental?
Ante a problemática acima, busca-se promover a análise do segurado especial através de três eixos principais, quais sejam: (i) Conceituar quem pode ser considerado segurado especial perante o INSS; (ii) Analisar quais as dificuldades probatórias na perspectiva do Trabalhador Rural; e (iii) Verificar mediante lei, doutrina e jurisprudência, a possibilidade de concessão de benefícios previdenciários ante o déficit de provas materiais.
2. DA SEGURIDADE SOCIAL
Presente na saúde, assistência e na previdência social, a seguridade social está inserida em várias esferas da sociedade, desse modo, para uma melhor compreensão sobre o assunto, é necessário observar a evolução histórica da seguridade do social até os dias atuais.
2.1 O Contexto Histórico Da Seguridade Social No Brasil
O marco inicial da previdência social no Brasil se deu com a Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682 de 24 de Janeiro de 1923). Considerada como a base da previdência social brasileira, esta lei criou uma Caixa de Aposentadoria e Pensões para os ferroviários que garantia aos trabalhadores benefícios como aposentadoria por invalidez, aposentadoria ordinária, pensão por morte e assistência médica (BRASIL, 1923).
Prosseguindo com o aumento de leis para beneficiar os trabalhadores urbanos nos âmbitos trabalhista e previdenciário, adveio a Lei 3.782 de 22 de Julho de 1960, (BRASIL, 1960), criando o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio que, a partir de 1º de Fevereiro de 1961 passaria a se chamar de Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).
Entretanto, apenas em março de 1963 com a Lei 4.214 (40 anos após a implementação de bases previdenciárias para os trabalhadores urbanos), deram-se os primeiros passos na busca dos direitos dos segurados especiais criando o Estatuto do Trabalhador Rural e o Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), dando assistência aos trabalhadores rurais da indústria canavieira.
Esta lei regularizou os sindicatos rurais e trouxe como um de seus direitos a eleição de representantes de classe e, como um de seus deveres prestar serviços de assistência aos associados (BRASIL, 1963).
Em 28 de fevereiro de 1967, com o Decreto nº 276, foi instituído ao FUNRURAL (Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural) uma contribuição de 1% a ser paga pelo produtor sobre o valor dos produtos rurais destinada a custear a assistência prestada ao trabalhador rural (BRASIL, 1967).
Eis que após a instituição do FUNRURAL, foi criado o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) em 25 de maio de 1971, com a Lei Complementar n°11.
A criação do PRORURAL foi de suma importância, haja vista, que até aquele momento, a assistência prestada pelos sindicatos incluía apenas os trabalhadores rurais canaviais, de modo que, com o advento da Lei Complementar n° 11, foram inclusos outros tipos de trabalhadores rurais, ampliando o conceito de trabalhador rural, vejamos:
Art. 3º São beneficiários do Programa de Assistência instituído nesta Lei Complementar o trabalhador rural e seus dependentes.
§ 1º Considera-se trabalhador rural, para os efeitos desta Lei Complementar:
a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie.
b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mutua dependência e colaboração (BRASIL, 1971).
A importância do PRORURAL destaca-se no oferecimento de benefícios como aposentadoria por invalidez, aposentadoria por velhice, auxílio-funeral, pensão, serviço de saúde e serviço social aos trabalhadores e seus dependentes.
Mais uma mudança trazida pela Lei Complementar n° 11, presente em seu artigo 15°, estabelece que o custeio do PRORURAL viesse das seguintes fontes:
I - da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida:
a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em todas as obrigações do produtor;
b) pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos vendê-los ao consumidor, no varejo, ou a adquirente domiciliado no exterior;
II - da contribuição de que trata o art. 3º do Decreto-lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qual fica elevada para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatro décimos por cento) ao FUNRURAL (BRASIL, 1971).
Após a aprovação do regulamento do PRORURAL pelo Decreto 69.919 de 11 de janeiro de 1972, adveio o Decreto 71.498 de 5 de dezembro de 1972, trazendo mais um avanço para os trabalhadores rurais incluindo o pescador artesanal como beneficiário do programa:
São beneficiários do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL, instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, os pescadores que sem vínculo empregatício, na condição de pequeno produtor, trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar, façam da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida e estejam matriculados na repartição competente (BRASIL, 1972b).
Algumas alterações e providências foram trazidas pela Lei Complementar 16, de 30 de outubro de 1973, como a inclusão de empregados que prestam serviços de natureza rural às empresas agroindustriais e agrocomerciais para serem beneficiários do PRORURAL, dentre outras (BRASIL, 1973).
O Decreto nº 73.617, de 12 de fevereiro de 1974, revogou os decretos 69.919 e 71.498, ambos de 1972, e passou a ser o regulamento do PRORURAL. Este decreto perdurou até 1988, quando a Constituição Federal fez algumas alterações na Previdência Social e na Previdência Rural, concedendo os mesmos direitos do trabalhador urbano ao trabalhador rural e criando regras para a contribuição do agricultor e pescador artesanal (BRASIL, 1974).
2.2 O Segurado Especial Na Atualidade
O conceito mais atual de segurado especial encontra-se no art. 11, VII da Lei 8.213/91, está inserido como um dos segurados obrigatórios da Previdência Social e conceituado como a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, encontre-se na condição de produtor, explorador agropecuário (em área de até 4 quatro - módulos fiscais), seringueiro, extrativista vegetal e pescador artesanal (que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida), estando na condição de proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais. Se enquadram também o cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, que, comprovadamente, trabalhem ativamente nas atividades rurais do grupo familiar respectivo.
Um conceito mais curto de segurado especial encontra-se definido no art. 195, §8° da CF/88:
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (BRASIL. 1988).
No âmbito administrativo, o conceito de segurado especial se expandiu, a nova Instrução Normativa n° 128, de 28 de março de 2022 do Instituto Nacional do Seguro Social, enquadrou vários outros beneficiários na classe do segurado especial em seu artigo 109 e 110, abaixo:
Art. 109. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.
(...)
§ 4º Enquadra-se como segurado especial o indígena cujo(s) período(s) de exercício de atividade rural tenha(m) sido objeto de certificação pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, inclusive o artesão que utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades ().
Art. 110. Para efeitos do enquadramento como segurado especial, considera-se produtor rural o proprietário, condômino, usufrutuário, posseiro/possuidor, assentado, parceiro, meeiro, comodatário, arrendatário rural, quilombola, seringueiro, extrativista vegetal ou foreiro, que reside em imóvel rural, ou em aglomerado urbano ou rural próximo, e desenvolve atividade agrícola, pastoril ou hortifrutigranjeira, individualmente ou em regime de economia familiar (...) (PRÊVIDENCIA, 2022).
Sabendo do conceito de segurado especial, é importante analisar quais benefícios e serviços são oferecidos a eles, deste modo, a Lei 8.213/91, aduz em seu art. 18, I, a lista de benefícios e serviços oferecidos no Regime Geral da Previdência Social, para todos os segurados, incluindo os especiais, são eles:
I - quanto ao segurado:
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
c) aposentadoria por tempo de contribuição
d) aposentadoria especial;
e) auxílio-doença;
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
II - quanto ao dependente:
a) pensão por morte;
b) auxílio-reclusão;
III - quanto ao segurado e dependente:
b) serviço social;
c) reabilitação profissional. (BRASIL. 1991).
Sobre o modo de contribuição dos segurados especiais, a Lei 8.212, também de 1991, aduz em seu artigo 25 que o empregador rural pessoa física e o segurado especial podem contribuir com a Seguridade Social das seguintes formas:
I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho. (BRASIL. 1991).
Este tipo de contribuição é realizada pela empresa que compra os produtos, no entanto, este modo de contribuir dificilmente acontece, posto que o segurado especial também tem direito aos benefícios previdenciários mesmo não apresentando contribuições recolhidas, tendo que comprovar apenas o tempo mínimo exigido de exercício da atividade
Neste mesmo sentido, Mariza Ferreira dos Santos (2020), declara que:
O segurado especial não comprova carência porque não paga contribuições, tendo direito àqueles benefícios só pelo fato de ser segurado especial. Embora não comprove carência, tem que comprovar que efetivamente trabalhou nas lides rurais, em regime de economia familiar, ainda que de forma descontínua, por período igual ao número de meses correspondente à carência do benefício que pretende. (SANTOS, 2020, p. 502).
Conforme observado, o segurado especial não paga contribuições, tendo direito aos benefícios só pelo fato de ser segurado especial, no entanto, não é fácil a sua comprovação como segurado especial, sendo esse o motivo de diversos indeferimentos para a concessão de benefícios previdenciários.
3. AS DIFICULDADES PROBATÓRIAS NA PERSPECTIVA DO TRABALHADOR RURAL
As dificuldades probatórias dessa categoria que é algo visível por diversos motivos, tais como, o difícil acesso aos órgãos públicos para a obtenção de documentos que comprovem a condição de trabalhador rural, a baixa escolaridade e o analfabetismo na Zona Rural. Tais dificuldades fazem com que as pessoas desconheçam os seus direitos ou mesmo que os conheçam, não saibam como dar entrada para o devido recebimento, com quais provas e afins.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), em uma pesquisa sobre o analfabetismo realizada em 2018 com a população brasileira nas áreas urbanas e rurais, entre negros, pardos e brancos, podemos observar a exorbitante taxa de moradores nas zonas rurais analfabetos pelo gráfico abaixo:
Gráfico 1 - Analfabetismo na zona urbana e rural
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 2º trimestre, 2018.
Outrossim, esta mesma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ainda demonstra que o percentual de pessoas analfabetas no Brasil com a faixa etária de 65 anos ou mais é de 21,5% (vinte e um vírgula cinco por cento).
Além das dificuldades citadas acima, o rol das provas materiais aceitas não é algo robusto, algumas destas provas estão contidas no art. 106 da Lei 8.213/91, com a redação conferida pela Lei n. 11.718/2008:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - (revogado);
IV - comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;
V - bloco de notas do produtor rural;
VI - notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII - documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
IX cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008), (BRASIL, 1991).
No âmbito administrativo, o rol de provas materiais encontrava-se previsto na Instrução Normativa n° 77 de 21 de janeiro de 2015 do Instituto Nacional do Seguro Social em seu artigo 54 e seguintes, dentre as provas contidas, estavam presentes: a certidão de nascimento ou de batismo dos filhos, certidão de casamento civil ou religioso, certidão de união estável, comprovante de matrícula escolares, carteira de vacinação, ficha de atendimento médico e odontológico. (PREVIDÊNCIA, 2015).
Com a chegada da Instrução Normativa n° 128 de 28 de março de 2022, além de revogar a Instrução Normativa n° 77 de 21 janeiro 2015, trouxe em seu artigo 116 a unificação e ampliação do rol das provas materiais. Essa nova Instrução Normativa contém elementos previstos na Lei n° 8.213/91 e a Instrução Normativa n° 77/2015. Algumas das provas da Instrução Normativa n° 128, estão contidas no quadro 1, abaixo:
Quadro 1 Documentos para comprovação de atividade rural
Comprovante de pagamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, Documento de Informação e Atualização Cadastral do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - DIAC e/ou Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - DIAT, com comprovante de envio à RFB, ou outros que a RFB vier a instituir. |
Certidão fornecida pela FUNAI, certificando a condição do índio como trabalhador rural, observado o contido no § 5º. |
Certidão de tutela ou de curatela |
Procuração |
Título de eleitor, ficha de cadastro eleitoral ou certidão eleitoral. |
Certificado de alistamento ou de quitação com o serviço militar |
Ficha de associado em cooperativa |
Comprovante de participação como beneficiário em programas governamentais para a área rural nos Estados, no Distrito Federal ou nos Municípios |
Comprovante de recebimento de assistência ou de acompanhamento de empresa de assistência técnica e extensão rural |
Escritura pública de imóvel |
Registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como testemunha, autor ou réu |
Ficha ou registro em livros de casas de saúde, hospitais, postos de saúde ou do programa dos agentes comunitários de saúde. |
Carteira de vacinação e cartão da gestante. |
Título de propriedade de imóvel rural. |
Recibo de compra de implementos ou de insumos agrícolas. |
Comprovante de empréstimo bancário para fins de atividade rural. |
Fonte: Adaptado de Previdência Social (2022)
É válido denotar que para fins de comprovação da atividade do segurado especial os documentos citados acima são considerados para todos os membros do grupo familiar e válidos mesmo que anteriores ao período a ser comprovado.
É de suma importância ressaltar que além do difícil acesso aos órgãos públicos, existe uma grande taxa de analfabetismo na zona rural e o trabalho no campo é continuo, portanto, há muitas barreiras para ter posse desses documentos.
Ressalte-se, que para a obtenção de benefícios previdenciários pelos segurados especiais as provas exclusivamente testemunhais não são suficientes, conforme aduz a súmula 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola para efeito de obtenção de benefício previdenciário (BRASIL, 1995).
Após observar um pouco das dificuldades probatórias do segurado especial, percebe-se que infelizmente, para a obtenção de benefícios previdenciários não basta apenas prova testemunhal, sendo necessário também início de prova material.
3.1 Verificação Da Possibilidade De Concessão De Benefícios Previdenciários Ante O Déficit Das Provas Materiais
Diante de tanta dificuldade para comprovação da condição de segurado especial, os Tribunais tem se mostrado flexíveis em relação às provas admitidas. O Superior Tribunal de Justiça - STJ e a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais TNU trazem um grande avanço em suas Súmulas em relação aos segurados especiais.
A súmula 14 da TNU afirma que: para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício (BRASIL, 2004), o que torna mais fácil a obtenção de documentos para comprovar a qualidade de segurado especial do trabalhador, haja vista não precisar juntar documentos de todos os anos trabalhados.
A súmula 6 também da TNU aduz que: A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola (BRASIL, 2003). Essa súmula é muito importante, uma vez que a expressão outro documento idôneo abre margem para mais opções de comprovação material.
Já o Superior Tribunal de Justiça em sua súmula n° 577 denota que: é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório (BRASIL, 2016).
Esta súmula é um enorme avanço no campo do acesso à justiça e melhoria na instrução probatória do Processo Previdenciário, especialmente por estar em jogo interesses e direitos da sofrida população rural.
Além de entender quais meios de provas são necessários para a obtenção de algum benefício previdenciário rural, é importante saber algumas especificidades, como por exemplo o que aduz a Súmula 46 da TNU, a qual relata que o exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto (BRASIL, 2012).
Uma pessoa trabalhou a vida inteira plantando e colhendo para a sua subsistência, eis que surge uma oportunidade de trabalho temporário de carteira assinada, por exemplo, não seria justo se ocorresse a perda da sua qualidade de segurado especial por ter laborado de modo urbano por alguns meses.
No entanto, insta ressaltar que o exercício de atividade diversa da rural pelo segurado especial, deve limitar-se ao período de 120 (cento e vinte) dias, e conforme entendimento de Kertzman (2015, p. 121), deve ser realizado no período de entressafra no caso do produtor, ou período de defeso, no tocante ao pescador artesanal, pois se referem, respectivamente, aos períodos de espera para colheita da produção campesina e da reprodução dos peixes.
Outro fato importante está previsto em outra súmula da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais TNU, é o que relata a de número 41, a qual aduz que:
A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto. (BRASIL, 2010).
Se uma família trabalha no campo em regime de economia familiar, e um dos seus integrantes queira ir para a cidade e por lá exerce atividade urbana, isso por si só não irá prejudicar a situação de sua família como trabalhadores rurais, tampouco a sua situação, sendo possível essa verificação no caso concreto.
Além das Súmulas, para uma melhor aplicação do direito e sua facilidade na hora da concessão dos benefícios rurais, é extremamente necessária a análise jurisprudencial, haja vista a vasta interpretação do direito, como exemplo, a jurisprudência a seguir afirma que o rol do art. 106 da Lei 8.123/91 é meramente exemplificativo:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. ART. 106 DA LEI N.º 8.213/91. ROL DE DOCUMENTOS EXEMPLIFICATIVO. EXISTÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL E DE PROVA TESTEMUNHAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 é meramente exemplificativo, e não taxativo, podendo ser aceitos como início de prova material outros documentos que corroborem a prova testemunhal da atividade rurícola alegada, como ocorre na hipótese. 2. Na ausência de fundamento relevante que infirme as razões consideradas no julgado agravado, deve ser mantida a decisão por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 855117 SP 2006/0111760-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 29/11/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 17/12/2007 p. 302). Grifei.
Ante todo o exposto, conclui-se que diante de toda a dificuldade sofrida pelo trabalhador rural, é necessário para os operadores do direito uma minuciosa análise tanto documental, quanto legislativa e jurisprudencial acerca do caso concreto, haja vista que o direito deve ser observado como um todo e que o direito previdenciário em si, tem natureza humana e fundamental.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste estudo observou-se que o segurado especial está inserido como segurado obrigatório da Previdência Social, sendo caracterizado como todo produtor rural que explora área menor que 4 módulos fiscais, individualmente ou em regime de economia familiar, enquadrando-se também o quilombola e o extrativista vegetal.
Para a comprovação da qualidade de segurado especial é essencial uma análise das provas materiais que estão previstas na lei, instruções normativas do INSS, na jurisprudência e nas súmulas dos Tribunais Superiores, não sendo possível esta comprovação por prova exclusivamente testemunhal.
É necessário compreender as dificuldades probatórias que afetam os segurados especiais. O trabalho contínuo para a subsistência, o analfabetismo, baixa escolaridade e o difícil acesso aos órgãos públicos são fatores relevantes para os vastos indeferimentos de algum benefício previdenciário devido a esta categoria.
Esse estudo procurou apenas fazer uma análise prévia do segurado especial apresentando algumas das dificuldades probatórias para a configuração como segurado especial e a verificação de benefícios previdenciários por meio das provas testemunhais e materiais, sendo os objetivos deste artigo científico alcançados por meio de pesquisa bibliográfica.
Sugere-se que estudos posteriores, especialmente aqueles aplicados aos segurados especiais, possam se interessar por essa temática, buscando compreender ainda mais as dificuldades probatórias dessa categoria, para que tais dificuldades sejam cada vez mais minoradas, até que um dia, de fato, sejamos todos iguais perante a lei.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Decreto-lei nº 276, de 28 de Fevereiro de 1967. Altera dispositivos da Lei nº 4.214, de 2 de março de 1963, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0276.htm#:~:text=DECRETO%2DLEI%20N%C2%BA%20276%2C%20DE%2028%20DE%20FEVEREIRO%20DE%201967.&text=O%20PRESIDENTE%20DA%20REP%C3%9ABLICA%2C%20usando,m%C3%A9dico%2Dsocial%20ao%20trabalhador%20rural. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Decreto nº 4.682, de 24 de Janeiro de 1923. Crea, em cada uma das emprezas de estradas de ferro existentes no paiz, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/dpl4682-1923.htm. Acesso em 20 nov. 2021.
BRASIL. Decreto nº 69.919, de 11 de Janeiro de 1972a. Aprova o Regulamento do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-69919-11-janeiro-1972-418266-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Decreto nº 71.498, de 05 de Dezembro de 1972b. Define como beneficiários do Programa instituído pela Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, os pescadores, nas condições que menciona e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-71498-5-dezembro-1972-420021-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Decreto nº 73.617, de 12 de Fevereiro de 1974. Aprova o Regulamento do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-73617-12 fevereiro-1974-422152-publicacaooriginal-1 pe.html#:~:text=Aprova%20o%20Regulamento%20de%20Programa%20de%20Assist%C3%AAncia%20do%20Trabalhador%20Rural. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Lei Complementar nº 11 de 25 de Maio de 1971. Institui o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp11.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Lei Complementar nº 16 de 30 de Outubro de 1973. Altera a redação de dispositivos da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp16.htm#:~:text=LEI%20COMPLEMENTAR%20N%C2%BA%2016%2C%20DE%2030%20DE%20OUTUBRO%20DE%201973&text=Altera%20a%20reda%C3%A7%C3%A3o%20de%20dispositivos,Art. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Lei nº 3.782, de 22 de Julho de 1960. Cria os Ministérios da Indústria e do Comércio e das Minas e Energia, e dá outras providências. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l3782.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Lei nº 4.214, de 02 de Março de 1963. Dispõe sobre o Estatuto do Trabalhador Rural. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/19501969/l4214.htm#:~:text=L4214&text=LEI%20No%204.214%2C%20DE%202%20DE%20MAR%C3%87O%20DE%201963.&text=aqui%20expressamente%20referidos,Art.,natura%20e%20parte%20em%20dinheiro. Acesso em: 12 out. 2021.
BRASIL. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 25 jul. 1991.
BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 1991.
BRASIL. Súmula n. 06 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, de 25 de setembro de 2003.
BRASIL. Súmula n. 14 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, de 24 de maio de 2004.
BRASIL. Súmula n. 41 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, de 03 de março de 2010.
BRASIL. Súmula n. 46 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, de 15 de março de 2012.
BRASIL. Súmula n. 149 do Superior Tribunal de Justiça. Terceira Seção, julgado em 07 de dezembro de 1995. DJ 18/12/1995, p. 44864.
BRASIL. Súmula n. 577 do Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção, julgado em 22 de junho de 2016. DJe 27/06/2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Acórdão da 5a. Turma do STJ. Relator: Ministra Laurita Vaz. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8797522/agravo-regimental-norecurso-especial-agrg-no-resp-855117-sp-2006-0111760-6. Acesso em: 21 nov. 2021.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 2º trimestre, 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9221-sintese-de indicadores-sociais.html?=&t=downloads. Acesso: 19 nov. 2021.
KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 12 ed. Salvador: JusPODIVM, 2015.
PREVIDÊNCIA. Instrução Normativa INSS/PRES n. 77, de 21 de junho de 2015. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/32120879/do1-2015-01-22 instrucao-normativa-n-77-de-21-de-janeiro-de-2015-32120750. Acessado em: 20 abril de 2022.
PREVIDÊNCIA. Instrução Normativa INSS/PRESS n. 128 de 28 de março de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-pres/inss-n-128-de-28-de-marco-de-2022-389275446. Acesso em: 20 de abril de 2022.
SANTOS, Marisa Ferreira. Direito - previdenciário esquematizado Coleção esquematizado 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.