Resenha crítica acerca das fontes, interpretação, legalidade e anterioridade das Leis Penais sob a luz da doutrina de Guilherme de Souza Nucci
Resenhista: Victor Hugo Gomes, discente do curso de Direito da Faculdade Santa Rita de Cássia UNIFASC
Referência: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal 10 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014
A presente resenha se propõe a realizar uma análise reflexiva acerca dos Capítulos IV e V do Manual de Direito Penal de Guilherme de Souza Nucci, um dos mais conceituados doutrinadores no âmbito do Direito Penal e Direito Processual Penal, Mestre e Doutor em Direito Processual Penal pela PUC/SP e Desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Obsta dizer que esta obra, a qual já está em sua décima edição, o autor permanece fiel em suas críticas ao Direito Penal, propondo soluções e sugestões, não de forma pura e simples, mas com alternativas concretas para a melhoria sistêmica das ciências criminais.
Inicialmente, no que se refere às fontes do Direito Penal, o autor considera como fonte material a criação pelo Estado das normas penais, conforme previsto no art. 22 da nossa Carta Magna. Contudo, de forma excepcional, a referida legislação prevê também autorização aos Estados de legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no dispositivo em questão, visando a regionalização de algumas questões penais, mas sempre em consonância à Lei Federal.
Já as fontes formais, aduz o autor, são aquelas que permitem o conhecimento do direito, isto é, exteriorizam as normas penais. São conhecidas e tipificadas também por Imediatas, que correspondem a lei em sentido estrito, e Mediatas, que são os princípios gerais que auxiliam na interpretação e aplicação da normativa penal, como por exemplo as súmulas dos Tribunais Superiores. Nucci ressalta que, apesar de não gerarem o direito de forma direta, são capazes de auxiliar o aplicador da lei na sua interpretação.
No que se refere à menção dos costumes como fonte do direito penal, Nucci, em seu livro, salienta que estes não criam ou revogam lei criminal; de modo que, atualmente, a constante liberalidade de comportamentos não revoga a normativa em si. A exemplo, cita o art. 215 do Código Penal, o qual dispõe sobre a violação sexual mediante fraude, o qual não pode ser considerado revogado mesmo que os costumes contemporâneos indicam não haver possibilidade de ludibriação da vítima pelo autor, a fim desta dar consentimento para uma relação sexual.
Nas palavras do autor, mesmo que o costume contemporâneo se mostre contrário à lei penal tipificada em outros tempos, faz-se necessário que outra normativa a revogue, mas ressalta que os costumes ainda auxiliam na interpretação do ato delitivo. Nucci também faz uma crítica quanto ao plebiscito convocado pelo Congresso Nacional dar origem a legislação penal, pois estes somente aprovam ou rejeitam uma lei penal já materializada ou a ser criada pelo Parlamento.
Já a interpretação, para Nucci, deve ser admitida no âmbito do direito penal sob qualquer forma, pois trata-se da evidenciação do conteúdo da lei, e não da criação da normativa. Neste contexto, a interpretação pode ser extensiva, ao dispor sobre o significado autêntico da norma, ou seja, atentando-se à real finalidade do texto normativo; e analógica, quando se averígua o sentido da norma jurídica sob aspectos fornecidos pela própria lei como semelhança.
O autor se atenta ainda ao fato de que tanto as interpretações extensivas quanto analógicas são aceitas tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina majoritária, de modo que somente quando houver dúvidas sobre a interpretação da normativa penal é que deve se prevalecer o sentido restritivo da lei em benefício do réu, e de forma extensiva quando lhe for favorável.
Nucci afirma que, com a analogia, cria-se uma norma penal onde, originalmente, não existe, mas enfatiza que empregar a analogia deve se valer de um significado lógico para preencher as lacunas do ordenamento jurídico, sendo avaliada de forma cautelosa para não ferir o princípio constitucional da legalidade.
Partindo para análise da doutrina sobre a legalidade, o Nucci cita a observância sob a ótica política, jurídica e reserva legal qualificada No que se refere à perspectiva jurídica, o autor destaca o sentido estrito, de que não há crime sem que a lei assim o defina; e amplo, onde o indivíduo não será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude da lei. Já a reserva legal qualificada trata da reserva da lei conforme especificado na Constituição Federal, no sentido de que deve ser respeitado o cenário estabelecido pelo legislador e não somente a edição da lei em si.
Nesse sentido, Nucci remete à raiz histórica do princípio da legalidade, conforme a Magna Charta Libertatum de 1215 assinada pelo rei João da Inglaterra, a qual dispõe que by the law of the land, ou seja, nenhum homem pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgamento de seus pares ou pela lei da terra, posteriormente conhecido por due process of law ou devido processo legal.
No que se refere à legalidade, Nucci a diferencia tanto no aspecto de mera legalidade como aquela atribuída aos juízes na prescrição e aplicação das leis em regra, quanto relacionada à estrita legalidade, a qual se refere a norma dirigida ao legislador responsável pelas formulações legais. O autor salienta a importância de que os juristas não se atentem apenas a mera legalidade, pois nem todo tipo penal obedece ao princípio da taxativiade, culminando na necessidade de equilibrar-se as duas espécies de legalidade.
Outrossim, o autor esclarece que a legalidade substancial ou material não dá total garantia ao indivíduo, posto que o conceito de crime não corresponde à lei em sentido estrito, mas do dito popular, mesmo que no Brasil adota-se o direito codificado aplicado na legalidade formal.
Nucci salienta que o princípio da legalidade deve ser priorizado quando se tratar da privação da liberdade do indivíduo, citando ainda uma fala de Pierangeli e Zaffaroni ao mencionar que, com exceção dos inimputáveis, existe uma penalidade sempre que se tira a liberdade do ser humano por um ato por ele praticado, pois toda privação da liberdade culmina em um conteúdo penoso para o réu, estando as medidas de segurança sujeitadas totalmente aos princípios da legalidade e da anterioridade.
Ao final destes capítulos, o autor expõe que as descrições genéricas dos tipos penais são puramente mais ameaçadoras do que a aplicação da analogia, pois esta última pelo menos traduz um parâmetro de similaridade com uma conduta correta, de modo que a aplicação do princípio da legalidade deve ser tratada com equilíbrio, ou seja, nem analogia e nem a utilização de modo extremo dos tipos vagos e genéricos, preterindo assim a aplicação do princípio da reserva legal.