Teoria do Jogo como Elemento da Cultura e seu Diálogo com o Direito Criminal e o Direito Administrativo Sancionador

08/06/2022 às 16:53

Resumo:

- A teoria do jogo como elemento da cultura, proposta por Johan Huizinga, pode ser interpretada nos limites do Estado Democrático de Direito como corolário do processo civilizador tardio das sociedades ocidentais.
- A aplicação da teoria do direito penal secundário, de Jorge de Figueiredo Dias, no contexto dos poderes administrativos hierárquico e disciplinar do Estado, revela a importância do devido processo legal na punição de infrações funcionais.
- A relação entre o jogo como elemento da cultura e a observância das regras inerentes ao exercício dos poderes administrativos estatais, especialmente o poder disciplinar, evidencia a necessidade de limites ao arbítrio estatal e a importância do controle social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O tema deste estudo envolve as relações entre a teoria do jogo como elemento da cultura de Johan Huizinga e o Estado como modelo de sociedade organizada humana a partir da Idade Moderna, à luz da aplicação da teoria do direito penal secundário proposta por Jorge de Figueiredo Dias no exercício dos poderes administrativos hierárquico e disciplinar, especialmente na aplicação de sanções por faltas funcionais na burocracia estatal. A hipótese a ser comprovada é de que a teoria do jogo como elemento da cultura deve ser interpretada nos limites do Estado Democrático de Direito como corolário do processo civilizador tardio das sociedades ocidentais, no fim do século XX. A metodologia aplicada envolve pesquisa exploratória e qualitativa, de natureza dedutiva e baseada em levantamento bibliográfico de obras referenciadas no âmbito do direito criminal, direito administrativo sancionador, sociologia e economia política.

Palavras-chave: Direito Penal, Direito Administrativo, História, Filosofia, Estado, Jogo.

ABSTRACT

The subject of this study involves the relationship between the theory of game as an element of culture by Johan Huizinga and the State as a model of human organized society from the Modern Age onwards, in the light of the application of the theory of secondary criminal law proposed by Jorge de Figueiredo Dias in the exercise of hierarchical and disciplinary administrative powers, especially in the application of sanctions for functional faults in the state bureaucracy. The hypothesis to be confirmed is that theory of game as an element of culture must be interpreted within the limits of the Democratic State of Law as a corollary of the late civilizing process of Western societies, at the end of the 20th century. The methodology applied involves exploratory and qualitative research, of a deductive nature and based on a bibliographic survey of works referenced in the scope of criminal law, sanctioning administrative law, sociology and political economy.

Keywords: Criminal Law, Administrative Law, History, Philosophy, State, Game.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As civilizações humanas desde tempos imemoriais perseguem mecanismos para solucionar as naturais controvérsias existentes nas relações entre o povo. A filosofia clássica, parafraseando Aristóteles (384-322 AEC1), já afirmava que o homem é um animal político, e como tal a sua conformação em torno de sociedades organizadas é inerente à condição que ostenta frente aos demais animais da Terra, ditos irracionais.

Todavia, o que separa os homens dos animais? A cultura? A sua estrutura biológica, consistente num cérebro mais desenvolvido que o dos demais seres vivos? Ou algo mais singelo poderia ser considerado um divisor e, simultaneamente, um elo entre os seres humanos em sua visível racionalidade e os demais animais?

Além disso, em especial a partir da Baixa Idade Média, os seres humanos encontraram na formação dos Estados nacionais um ente abstrato que seria capaz de conjugar seus anseios por uma organização social mais desenvolvida, cercada por regras de convivência e, também, de institucionalização do exercício do poder político que já se afigurava desde a formação das cidades-Estado na Antiguidade Clássica, com destaque para as experiências grega e romana.

Ora, a formação de Estados nacionais pressupôs o desenvolvimento de uma burocracia que pudesse elaborar as regras de convivência necessárias para a solução de controvérsias entre os seres humanos, bem como apreciar e julgar semelhantes controvérsias, além de fazer executar as leis criadas, especialmente a partir do nascente fenômeno do constitucionalismo, característico do crepúsculo da Idade Moderna.

Nesse sentido, a teoria da divisão funcional do poder, proposta por Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu (1689-1755 EC), trouxe novas luzes ao debate e ao processo civilizador ocidental, sem prejuízo das demais formas de organização social exitosas noutras partes do mundo2.

Os assim chamados Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário compõem-se, pois, de funcionários públicos submetidos ao ápice da supremacia do interesse público típico da forma de atuação do Estado desde sua potencial origem na Baixa Idade Média3.

Ao longo dos anos, em especial na realidade brasileira, com a concessão de maior independência às funções jurisdicional e legiferante que não a simplesmente orçamentária, os funcionários públicos jungidos à função executiva tornaram-se, segundo sustentado neste estudo, mais sujeitos aos poderes hierárquico e disciplinar4.

É neste contexto que se insere a presente investigação. A teoria histórica desenvolvida por Johan Huizinga (1872-1945 EC), insigne historiador e linguista holandês, especialmente em sua obra de 1938 intitulada Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura (cf. HUIZINGA, 2019), sustenta-se, é apta a conferir fundamento sócio-histórico à efetividade do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, bem como à incidência dos poderes administrativos hierárquico e disciplinar nas relações funcionais travadas entre o ente estatal abstrato e sua burocracia.

Logo, o tema da pesquisa que resultou no presente estudo envolve a relação entre a teoria histórica de Huizinga acerca do jogo como elemento da cultura e as regras inerentes à estrutura interna dos Estados nacionais de perfil ocidental, que aplicam em diversos graus os poderes administrativos hierárquico e disciplinar a seus funcionários públicos, especialmente diante da prática de infrações funcionais e crimes contra a administração pública (os últimos ensejadores tanto de responsabilidade administrativa quanto penal, diante da independência de instâncias que caracteriza o direito penal secundário no Brasil).

Neste sentido, enseja-se contribuir para o estudo do referido direito penal secundário, cuja denominação oriunda do português lusitano não possui semântica idêntica àquela comum ao português brasileiro, que associa secundário à ideia de algo subsidiário, de segunda ordem. Ao contrário, o direito penal secundário visa ao estudo de atos ilícitos que repercutem em bens jurídicos transindividuais caros à Administração Pública o que, por consequência, amplia o espectro de influência do Direito Penal no mundo fenomênico sem perda do rigor característico da aplicação do princípio da intervenção mínima, um de seus principais baluartes.

O objetivo geral deste estudo é o de fundamentar a efetividade do poder disciplinar do Estado e seu principal instrumento de aplicação (procedimento administrativo disciplinar) à luz da teoria histórica de Huizinga, na medida em que as regras materiais e procedimentais de aplicação das sanções funcionais à burocracia estatal encontram azo, assim como o próprio ente estatal, na noção de jogo como elemento da cultura.

Os objetivos específicos, por sua vez, são os de apresentar a importância do regime de interdisciplinaridade no estudo da dogmática jurídica criminal, em especial sob um recorte geográfico brasileiro, bem como contribuir ao desenvolvimento, no Brasil, dos estudos sobre o Direito Penal Secundário, teoria desenvolvida potencialmente por Jorge de Figueiredo Dias à luz do repertório teórico proporcionado pela compreensão da Ciência Total do Direito Penal (cf. DIAS, 2007).

Conforme relatado, o recorte lógico da pesquisa envolve a relação entre o exercício do poder disciplinar do Estado, o direito penal secundário e a teoria histórica de Huizinga sobre o jogo como elemento da cultura abeberando-se das interpretações contemporâneas de sua obra (cf. CARNIO, 2021).

O recorte geográfico, por sua vez, envolverá o ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que a temática segue dotada de relativo ineditismo; enfim, o recorte temporal envolverá o período pós-século XXI, haja vista o recente desenvolvimento legal, doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria no Brasil, tanto no âmbito do direito penal secundário quanto do direito administrativo sancionador (reconhecido no Brasil e oriundo de óptica própria da matéria na doutrina comparada espanhola).

A problematização desdobrada no presente estudo envolve as seguintes indagações: é possível estabelecer uma relação entre a teoria histórica de Huizinga sobre o jogo como elemento da cultura e a observância de regras inerentes ao exercício do poder administrativo disciplinar do Estado, especialmente na prática de atos que repercutam na esfera funcional e criminal? O direito penal secundário, como manifestação da disciplina jurídica dos crimes funcionais próprios, possui guarida no ordenamento jurídico brasileiro ou é apenas uma parte desprovida de autonomia do próprio direito criminal?

A hipótese a ser comprovada é a de que o jogo como elemento da cultura fundamenta tanto a existência dos Estados nacionais como entes abstratos quanto a observância natural (bem como a ausência de contrapontos quanto à coercibilidade das medidas nas hipóteses de descumprimento) das regras atinentes ao exercício do poder administrativo disciplinar exercido sobre os membros da burocracia estatal, mormente quanto à aplicação do direito penal secundário e do direito administrativo sancionador no Brasil.

O referencial teórico aplicado na pesquisa que ensejou esta investigação envolve a teoria do direito penal secundário capitaneada na doutrina comparada lusitana por Jorge de Figueiredo Dias (cf. RIBEIRO, 2015), bem como as considerações sobre a matéria empreendidas no Brasil por Luiz Regis Prado tanto em âmbito geral (cf. PRADO, 2019, 2021a) quanto no especial âmbito dos crimes econômicos (cf. PRADO, 2021b).

Enfim, a metodologia aplicada ao presente estudo envolveu pesquisa exploratória e qualitativa, sob uma perspectiva dedutiva e calcada no levantamento bibliográfico de obras relacionadas ao recorte lógico temático, especialmente ligadas à historiografia, à teoria geral do direito, à filosofia jurídica, ao direito penal e ao direito administrativo.

2 CONCEITO DE ESTADO E SEU REGIME DE HISTORICIDADE

Em proêmio, sustenta-se que a teoria de Huizinga viabiliza um fundamento sócio-histórico ao Estado como ente abstrato caracterizado pela institucionalização do exercício do poder político, o que enseja tanto a manifestação da supremacia do interesse público sobre o privado como um de seus cânones (cf. MELLO, 2010) quanto à efetividade dos poderes administrativos hierárquico e disciplinar este último estabelecido sob balizas procedimentais que remetem ao jogo como elemento da cultura.

O conceito de Estado, nesse sentido, constitui-se em premissa válida para que se possa compreender a efetividade dos poderes administrativos a ele inerentes, com destaque para o hierárquico e disciplinar, na medida em que estes configuram a relação funcional travada entre a burocracia estatal e a própria figura dos Estados soberanos.

Torna-se pertinente, nesse desiderato, o escólio doutrinário da lavra de Marcus Cláudio Acquaviva (2010, pp. 13-14), especialmente quanto à influência das sociedades organizadas na vida das pessoas bem como o conceito de Estado norteado na institucionalização do poder:

[] Houve época, conta-nos Fustel de Coulanges, em sua obra imortal A Cidade Antiga (Capítulo XVIII), que, na antiga Grécia, o Estado sufocava por inteiro a liberdade natural do indivíduo, a ponto de em algumas cidades-Estado helênicas os homens serem obrigados a deixar crescer a barba e as mulheres não poderem levar, em viagem, mais do que três vestidos. Em outras cidades, as mães, que recebiam os cadáveres dos filhos mortos em batalha, deviam mostrar alegria, mesmo forçada, pois, se chorassem, estariam cometendo crime contra o Estado. Modernamente, a exacerbação do poder do Estado se mostra cristalina e aterradora no delírio de dominação dos Estados fascista, na Itália, e nacional-socialista, ou nazista, na Alemanha, sem falarmos os horrores da ditadura totalitária do proletariado, na União Soviética, estalinista. [] Seja como for, não podemos deixar de fazer algumas referências a tais definições, colhendo-as na seara do próprio Direito ou da Sociologia. Assim, Giorgio Del Vecchio define o Estado, do ponto de vista jurídico como o sujeito da Ordem Jurídica, na qual se realiza a comunidade de vida de um povo (Philosophie du droit, Paris, Dalloz, p. 351-2). Para Georges Bourdeau, eminente publicista contemporâneo, o Estado se forma quando o poder torna-se uma instituição, não se confundindo mais com aquele que o encarna, mediante o fenômeno da institucionalização do poder (Traité de science politique, t. 2, p. 128). No plano da Sociologia, Oswald Spengler, citada por Paulo Bonavides, surpreende no Estado a História em repouso, e na História o Estado em marcha (Ciência Política, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 52).

Neste desiderato, considera-se para todos os fins no presente estudo que o Estado tal como se conceitua apenas completou sua formação na Baixa Idade Média (século XIV), uma vez que neste período as sociedades organizadas ocidentais, estruturadas na forma de reinos e impérios, efetivamente centralizaram o poder político no organismo estatal, ainda que tenha se mantido o personalismo e o patrimonialismo de Estado pelos séculos seguintes, antes da efetiva ruptura causada pela Revolução Francesa (1789 EC), que de fato moldou a faceta dos Estados contemporâneos, hoje alinhados à perspectiva do desenvolvimento e da internacionalização da economia, tanto no Ocidente quanto nas relações com o Oriente (cf. CAVADAS, 2018).

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Logo, o conceito de Estado que ora se vindica (sociedade organizada em torno da institucionalização do exercício do poder político, composta por povo, território, soberania e finalidades, tendo como sua principal finalidade o bem comum de seu povo) é orientado por ideias apenas presentes a partir do Renascimento, com destaque para o jurista francês Jean Bodin (1530-1596 EC).

Nada obstante, acolhe-se entendimento de Ferreira Júnior, Guanabara e Jorge (2008, p. 33) quanto à importância deferida à intelligentsia do período pós-iluminista na conformação das balizas do Estado moderno, na forma do excerto doutrinário abaixo, in verbis:

O Estado Moderno surgiu na segunda metade do século XV e o Estado absolutista ou absoluto foi a primeira forma que esse tipo de Estado adquiriu. Sua formação foi consequência de dois processos que ocorreram paralelamente: a concentração e a centralização do poder em um determinado território. O primeiro é o processo pelo qual os poderes através dos quais se exerce a soberania [] são atribuídos de direito pelos legistas e exercido de fato pelo rei e pelos funcionários dele diretamente dependentes (BOBBIO, 2015: 115). O segundo é o processo de eliminação ou de exaustoração de ordenamentos jurídicos inferiores, que apenas sobrevivem não mais como ordenamentos originários e autônomos, mas como ordenamentos derivados de uma autorização ou da tolerância do poder central (BOBBIO, 2005: 115). As características do Estado absoluto, portanto, são: é um Estado forte e centralizado, o exercício da soberania do Estado em um determinado território e a distinção entre Estado e sociedade civil. De acordo com BOBBIO, autores alemães (Otto von GIERKE, Max WEBER, dentre outros) identificam entre o Estado feudal e o Estado absoluto ou absolutista um formato intermediário que eles denominaram de Estado estamental. BOBBIO define esse tipo de Estado [...] organização política na qual se foram formando órgãos colegiados, os Stände ou estados, que reúnem indivíduos possuidores da mesma posição social, precisamente os estamentos, e enquanto tais fruidores de direitos e privilégios que fazem valer contra o detentor de poder soberano através das assembleias deliberantes como os parlamentos (BOBBIO, 2005: 114). São os famosos contra-poderes de MONTESQUIEU.

Verifica-se, pois, que o Estado como ente abstrato marcado pela institucionalização do exercício do poder político é cercado por regras para que se manifeste a incidência de sua força coercitiva, o que dialoga sobremaneira com a teoria histórica de Huizinga, na medida em que tais regras revelam, em sua mais primária estrutura, aquilo que simultaneamente aproxima e separa os seres humanos dos demais animais, o que civiliza ao mesmo tempo em que revela o mais profundo âmago dos homens: o jogo. Este, como elemento da cultura nos termos da principal teoria histórica desenvolvida por Huizinga, será o fio condutor da presente investigação.

3 JOGO COMO ELEMENTO DA CULTURA NO ESTADO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Johan Huizinga, eminente historiador holandês, teve sua obra influenciada por eventos de sua própria vida: iniciando-se no estudo da linguística ao defender tese de doutorado sobre a literatura sânscrita, passa a nortear suas pesquisas em torno da História, ciência nascente na segunda metade do século XIX. Medievalista, redigiu festejada obra sobre a Baixa Idade Média, intitulada O Outono da Idade Média: estudo sobre as formas de vida e de pensamento dos séculos XIV e XV (1919), notabilizando-se no âmbito da História Cultural.

Como contemporâneo da virada do século XIX para o século XX, vivenciou a I Grande Guerra (1914-1918 EC) e a II Grande Guerra (1939-1945 EC). Conflituoso com a cultura de sua época na Europa continental, em especial com a ascensão do marxismo, do nacional-socialismo e da Psicanálise freudiana, rompeu relações com o amigo e historiador André Jolles, simpatizante do nazismo. Capturado pelos nazistas e preso pela Gestapo em 1942 após atrito com o professor nazista Johann von Leers5, faleceu semanas antes do término da II Grande Guerra.

Logo, é possível afirmar que a teoria de Huizinga foi bastante influenciada por sua própria vida, como sói ocorre com os grandes intelectuais. O arbítrio de um Estado governado por bárbaros trouxe à lume a teoria que notabilizou o historiador holandês como um expoente da história cultural: o jogo como elemento da cultura, na medida em que se constitui como a conduta mais primitiva e institiva do ser humano, parâmetro para a maioria dos fenômenos culturais, desde o direito até a religião.

Interessante mencionar que, não obstante a veemente crítica de Huizinga à psicanálise freudiana como repertório cultural nascente em seu período, sua teoria histórica curiosamente aproxima-se de tal saber, uma vez que aborda conduta enraizada no inconsciente humano6. Ainda assim, a compreensão de Huizinga acerca do jogo como elemento da cultura é própria e trouxe a sua obra renome tanto em vida quanto, em especial, postumamente.

Segundo a teoria histórica de Huizinga, o jogo pode ser considerado a irracionalidade que nos traz racionalidade: introjetado em nosso inconsciente, é inafastável e caracteriza tanto a existência quanto a organização humana. Neste sentido, pertinente escólio de sua lavra (HUIZINGA, 2019, pp. 4-5):

Como a realidade do jogo ultrapassa a esfera da vida humana, é impossível que tenha seu fundamento em qualquer elemento racional, pois nesse caso, limitar-se-ia à humanidade. A existência do jogo não está ligada a qualquer grau determinado de civilização, ou a qualquer concepção do universo. Todo ser pensante é capaz de entender à primeira vista que o jogo possui uma realidade autônoma, mesmo que sua língua não possua um termo geral capaz de defini-lo. A existência do jogo é inegável. É possível negar, se se quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza, a verdade, o bem, espírito, Deus. É possível negar-se a seriedade, mas não o jogo. Mas ao se reconhecer o jogo, se reconhece o espírito, pois o que quer que seja o jogo, ele não é algo material. Ultrapassa, mesmo no mundo animal, os limites da realidade física. Do ponto de vista da concepção determinista, de um mundo regido pela ação de forças cegas, o jogo seria inteiramente supérfluo. Só se torna possível, pensável e compreensível quando a presença do espírito destrói o determinismo absoluto do cosmos. A própria existência do jogo é uma confirmação permanente da natureza supralógica da situação humana. Se os animais são capazes de brincar, é porque são alguma coisa mais do que simples seres mecânicos. Se brincamos e jogamos, e temos consciência disso, é porque somos mais do que simples seres racionais, pois o jogo é irracional.

Desde os jogos de guerra (cujo prêmio é a soberania de um Estado), regidos por normas jurídicas, até os jogos de fé (cujo prêmio é a salvação da alma imortal), regidos por regras morais existentes na maioria das religiões organizadas, o jogo é elemento fundamental da cultura, o que revela traços não apenas historiográficos na teoria proposta por Huizinga, mas principalmente filosóficos. Considera-se neste estudo, pois, que Huizinga apresentou à comunidade acadêmica tese em sua obra alinhada tanto à história quanto à filosofia.

As considerações de Carnio (2021, p. 157) à teoria desenvolvida por Huizinga tornam-se, pois, relevantes neste momento, a fim de se promover um comprovar sua capilaridade no Direito, bem como a própria natureza muitas vezes jocosa deste, na medida em que se prende a paradigmas e interpretações do tempo presente deslocados da realidade social:

Precisamos explorar mais os conceitos de jocus e o ludus no direito, é tempo de brincarmos, fazermos troça, chiste, tal qual fez seriamente Jhering com suas críticas aos teóricos e filósofos do direito. Trazendo para o plano de nosso País, em que agora temos visto insistentemente um trabalho para a construção de uma jurisprudência dos princípios e de uma teoria da decisão judicial que merece mesmo troça , pois o que impera ali é algo como o que ocorria no céu dos conceitos jurídicos e na Santíssima Trindade: somente os eleitos podem ver, já que, no fundo, o que se impõe é a questão de princípios, a questão dos princípios, que nada mais é do que a do principal, do soberano, do príncipe e do principado que mantém a estrutura da captura da nossa violenta racionalidade, aquela mesma que reverbera e sustenta, dentre outras falácias, um modo propriamente violento que impõe o dualismo entre homem e animal e, portanto, daquele que impõe pelo direito e pela filosofia essa muitas vezes tratada sem qualquer seriedade e rigor, o que o jogo também ensina a metodologia do aprisionamento de si e dos outros, própria de um direito que não conhece (entre) o sério e o jocoso.

Na ciência jurídica7, logo, não é diferente. A existência do Estado como ente abstrato apto a promover a ordem social implica na imperiosa necessidade da vigência de normas jurídicas, dotadas de bilateralidade-atributiva, abstração, generalidade, imperatividade e coercibilidade (cf. REALE, 2002).

Ademais, conforme supramencionado, o Estado brasileiro manifesta-se por meio de determinados poderes administrativos conforme assentado em abalizada doutrina e jurisprudência já mencionados ao longo do presente estudo.

Neste estudo, destacam-se dois destes poderes administrativos: o poder hierárquico e o poder disciplinar, que permitem inferir a possibilidade de acolhimento no Brasil da teoria do direito penal secundário, da lavra do criminalista lusitano Jorge de Figueiredo Dias.

Reputa-se como mais preciso conceito de poder hierárquico e poder disciplinar aquele da pena do insigne jurista brasileiro Hely Lopes Meirelles (2016, pp. 137, 142 e 145), cujo escólio doutrinário acerca dos poderes administrativos em geral e do objeto desta investigação em espécifico segue, in verbis:

Para bem atender ao interesse público, a Administração é dotada de poderes administrativos distintos dos poderes políticos consentâneos e proporcionais aos encargos que lhe são atribuídos. Tais poderes são verdadeiros instrumentos de trabalho, adequados à realização das tarefas administrativas. Daí o serem considerados poderes instrumentais, diversamente dos poderes políticos, que são estruturais e orgânicos, porque compõem a estrutura do Estado e integram a organização constitucional. [] Poder hierárquico é o de que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal. Poder hierárquico e poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos, por serem os sustentáculos de toda organização administrativa. [] Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.

O conceito dos poderes administrativos hierárquico e disciplinar no direito brasileiro, pois, é ínsito ao estabelecimento de regras para o funcionamento e organicidade do Estado como ente abstrato criado para institucionalizar o exercício do poder político e promover o controle social das civilizações humanas a partir da Idade Moderna, em especial, sem prejuízo dos modelos de sociedades organizadas que o precederam.

Nesse sentido, a par de considerações que poderiam ultrapassar os lindes do presente estudo8, fato é que o jogo como elemento da cultura fundamenta a própria existência do Estado e, por via de consequência, dos mecanismos que garantem sua existência, como a sistemática dos poderes administrativos no Brasil, em particular para esta investigação os que estão sob apreciação.

A principal manifestação do poder disciplinar, especialmente quanto à punição de agentes públicos por infrações funcionais, remete ao procedimento administrativo disciplinar como condição inafastável para tanto, em apreço ao princípio constitucional do devido processo legal (Constituição do Brasil de 1988, art. 5º, LIV), aplicável aos procedimentos administrativos.

Segundo teoria propugnada pelo jurista lusitano Jorge de Figueiredo Dias, os crimes contra a administração pública, especialmente os de natureza funcional (praticados por funcionários públicos para fins penais nos termos do art. 327 do Código Penal Brasileiro Decreto-lei Federal n. 2.848/1940), comporiam na esfera das penalidades administrativas categoria na ontologia jurídico-criminal denominada de Direito Penal Secundário. Pertinentes, nesse sentido, as considerações gerais de Ribeiro (2015, pp. 38-39) sobre a teoria do direito penal secundário, em excerto que segue adiante:

Inicialmente, é preciso consignar que Figueiredo Dias entende que o direito penal secundário situa-se na mesma ordem jurídica do direito penal judicial, compondo a esfera jurídica legitimadora do exercício do jus puniendi pelo Estado. Assim, identifica-se nas duas esferas de intervenção punitiva a aplicação de penas, em que pese a natureza diferente que irão dar conforme próprios a cada uma dessas esferas de atuação penal. Dogmaticamente essa identidade ainda é pouco reconhecida, fruto do apego à superada dicotomia entre as ordens jurídica e administrativa. Nessa última ordem de intervenção estatal, é onde se situava o antigo direito penal policial, que seria sucedido, no final do século XIX, conforme assentado, no direito penal administrativo que o incorporaria. A imposição do princípio da legalidade ao Estado nesse período conduziu a ordem administrativa à ordem jurídica, pois agora também se vincularia às normas de direito material. Assim, embora já pareça superada a separação absoluta entre as ordens jurídicas e administrativas, as marcas que essa concepção imprime ainda hoje no ordenamento jurídico serão determinantes para a compreensão do estado da controvérsia. Pois é assentando-se nessa dicotomia que surge a concepção clássica de um direito penal como âmbito de proteção de bens jurídicos penais relevantes e indispensáveis à coesão da malha social e de natureza eminentemente sancionatória, em oposição a um direito administrativo, cuja proteção recairia sobre bens administrativos, e cuja ilicitude repousaria na desobediência às normas programáticas impostas pela Administração Pública com vista à realização dos fins do Estado.

A aplicação do direito penal secundário para os fins deste estudo, nesses termos, não se confundem com a aplicação do direito administrativo sancionador, conforme denominação oriunda da doutrina comparada espanhola: neste, há a incidência de normas eminentemente administrativas, com a mera influência dos princípios aplicáveis ao direito penal; na proposta de Jorge de Figueiredo Dias, ao contrário, o direito penal secundário seria uma conformação nova em que normas penais e administrativas aplicar-se-iam com sistematicidade própria, o que ensejaria uma nova percepção sobre o jus puniendi e as regras de seu controle à luz do Estado democrático de direito, visando a coibir o arbítrio característico da atuação do Estado sobre a vida dos indivíduos.

Verifica-se, pois, que o procedimentalismo na aplicação de sanções administrativas tal como ocorre na aplicação de sanções penais revela as regras de um jogo mantido entre os que representam o ente abstrato estatal e as pessoas comuns ainda que eventualmente também integrem a estrutura do Estado, o que revelaria inclusive um jogo em segundo grau (tanto o que fundamenta o Estado em si quanto o que fundamenta a aplicação de punição por meio de procedimento administrativo disciplinar).

4 REFLEXÕES FINAIS

A presente investigação, crê-se, comprovou a hipótese de que o jogo como elemento da cultura, nos termos da teoria proposta pelo historiador holandês Johan Huizinga, tanto é apto a fundamentar a existência do Estado quanto a necessidade de se observar o princípio constitucional do devido processo legal na incidência de penalidades por faltas funcionais a funcionários públicos, na forma de prévio procedimento administrativo disciplinar.

As regras desses jogos (exercício dos poderes administrativos estatais e procedimento administrativo disciplinar), segundo crê-se, são aptas a conter o arbítrio e a barbárie, afastando-nos dos demais animais ditos não racionais por meio de conduta que deles nos aproxima.

Daí o tirocínio e acerto teórico-metodológico na teoria de Huizinga, que fundamenta as civilizações humanas por meio de algo tão singelo quanto o jogo. Tal conclusão leva o estudioso muitas vezes à descrença na suposta seriedade típica das solenidades que cercam o Estado, o que se coaduna com a biografia de Huizinga, que passou pela maior barbárie da história contemporânea ocidental: a ascensão e queda do nacional-socialismo na Europa continental.

Por isso sustenta-se que é necessário cautela: o Estado existe, o devido processo legal também, e ambos se afiguram como sustentáculos das civilizações humanas especialmente a partir da Idade Moderna. A crítica é válida, mas não pode ser convertida em inconoclastia, com a devida vênia às posições em sentido contrário, válidas à luz dum arcabouço teórico que negue a permanência do Estado como modelo de organização social humana.

Sob óptica pessoal, a teoria de Huizinga aplicada às relações entre Estado e indivíduo, em meu sentir, deve ser interpretada à luz do repertório teórico que circunda a manifestação do Estado Democrático de Direito a partir do final do século XX, considerando ser tal modelo póstumo ao ilustre historiador holandês.

Esse novo modelo de Estado, segundo creio, enfim pacificou a controvérsia sobre a ingerência estatal na vida das pessoas (e de seus próprios agentes), ainda que a partir do século XXI tenha sofrido virulentos ataques de grupos que, crê-se, com ele não se encontram comprometidos, calcados em verdade no oportunismo e em falsas narrativas políticas que os aproximam do amplo conceito de fascismo propugnado pelo insigne filósofo italiano Umberto Eco (2018).

Logo, aliando-se a premissa do Estado democrático de direito à teoria do direito penal secundário de Jorge de Figueiredo Dias que compõe repertório teórico característico do movimento intelectual do minimalismo penal (cf. DIAS, 1998) , a teoria do jogo como elemento da cultura de Huizinga toma dimensões certeiras numa compreensão jusfilosófica sobre o papel do Estado e sua atividade de repressão a infrações funcionais cometidas no seio de sua burocracia.

Torna-se mister, pois, que se envidem maiores esforços na elaboração de mecanismos de controle e limites ao jus puniendi estatal, visto que se reputa como direito potestativo que apenas sob a batuta do direito penal (primário e, neste particular, secundário) dispõe de lindes que se coadunam com a plena manifestação do Estado democrático de direito como modelo exitoso de sociedade organizada.

O diálogo entre direito, história, sociologia, economia política e filosofia é assaz relevante e expõe a natureza transdisciplinar de diversas matérias de interesse em tais ciências e saberes. Portanto, a compreensão do jogo como elemento da cultura na raiz do exercício dos poderes administrativos estatais, em especial os poderes disciplinar e hierárquico, com a possibilidade de exercício do contraditório e ampla defesa em apreço ao princípio constitucional do devido processo legal, promove referido diálogo e aplica, no âmbito das políticas públicas, elementos que a uma primeira e míope vista poderiam ser deveras abstratos para tal objetivo.

Sustenta-se, enfim, que o ser humano, nos termos ora dispostos, apenas concluiu seu processo civilizador em fins do século XX com a adoção de tal modelo que garante a sociabilidade, o controle social e a proteção dos direitos humanos tanto das maiorias (inclusive eventuais) quanto das minorias historicamente subjugadas pela repressão estatal e opressão social. Relevante, pois, a sua permanência e rechaço às tentativas de alegada superação do modelo, oriundas hoje de uma nova conformação do fascismo, que lamentavelmente resiste.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução: João Paulo Monteiro e Newton Cunha. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019.

HUIZINGA, Johan. O Outono da Idade Média: estudo sobre as formas de vida e de pensamento dos séculos XIV e XV na França e nos Países Baixos. Tradução: Francis Petra Janssen. São Paulo: Penguin Books / Companhia das Letras, 2021.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-penal e Constituição. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal Brasileiro. v. 3. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

RIBEIRO, Bruno Salles Pereira. Análise Crítica do Direito Penal Secundário: investigação sobre a proposta de divisão do direito penal, à luz da dogmática e da política criminal. São Paulo: LiberArs, 2015.

1Opta-se pelo uso das siglas AEC (Antes da Era Comum) e EC (Era Comum) em vez das tradicionais a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo) em apreço a um perfil laico de pesquisa no âmbito das ciências humanas e sociais aplicadas (intituladas de estudo das humanidades).

2Neste desiderato, não se olvida da existência doutras conformações sociais aptas à organização das relações interpessoais, existentes tanto no Oriente quanto em sociedades tribais ocidentais e orientais, haja vista que o estudo antropológico e etnológico contemporâneo já permitiu a crítica à perspectiva intelectual de outrora, arraigada em etnocentrismos que proporcionaram lamentáveis conclusões e ensejaram, inclusive, a ascensão do determinismo biológico na virada do século XIX para o século XX que resultou no fundamento intelectual da barbárie nazifascista. Logo, este estudo alinha-se à óptica predominante do século XXI, que inclusive traz poderosa crítica ao conceito de processo civilizador - não rejeitando, contudo, a expressão, em apreço à sua importância na História das Idéias, especialmente no âmbito das Humanidades.

3Considera-se para os fins deste estudo como marco temporal para a formação dos Estados nacionais no Ocidente a centralização do poder político ocorrida em Portugal após a Revolução de Avis (1383-1385 EC), seguida por desdobramentos semelhantes noutras regiões da Europa continental, resultando no absolutismo monárquico como conformação estatal predominante nos séculos seguintes.

4No Brasil pós-Constituição de 1988, verifica-se tal fenômeno em decisões da Suprema Corte que evidenciam a não extensão da prerrogativa de independência funcional aos membros da Advocacia Pública, justamente sob o fundamento de seu suposto maior alinhamento qualificado ao Poder Executivo, resultando em parcialidade no seu agir administrativo (cf. STF, ADI n. 1246, Plenário, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 11/4/2019), ensejando, por natural consequência interpretativa, em maior incidência dos poderes hierárquico e disciplinar do Estado sobre os funcionários públicos que integram a estrutura própria e direta do Poder Executivo, o que revela grave distorção na estrutura burocrática das funções estatais.

5O episódio ficou conhecido como incidente von Leers. Conta-se que Huizinga teria recusado hospitalidade acadêmica como reitor da Universidade de Leiden ao professor Johann von Leers após ter ele publicado panfleto antissemita intitulado A Exigência do Momento Presente: fora com os judeus!, apresentando lendas e informações falsas sobre o povo judeu como se verdades e fatos históricos fossem. Nada muito diferente dos lamentáveis incidentes também ocorridos a partir do término da segunda década do século XXI em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, ligados à pós-verdade e às fake news, o que apenas confirma a máxima de que a história da humanidade é cíclica.

6Afirma-se que as principais críticas de Huizinga à psicanálise freudiana diziam respeito a supostas posições de tal saber que conflitavam com o Cristianismo, por ele professado e que influenciara sua obra acadêmica calcada no medievalismo e na crítica à ideia enraizada no senso comum de que a Idade Média seria a Idade das Trevas.

7A presente investigação considera e sustenta a existência efetiva de uma ciência jurídica, sem olvidar da crítica realizada por parte dos jusfilósofos a tal conceito, na medida em que o direito supostamente não reuniria determinados pressupostos a caracterizá-lo como ciência. A negação científica do direito é bem desenvolvida na obra Fundamentos da Sociologia do Direito (1913), do jurista ucraniano Eugen Ehrlich (cf. EHRLICH, 1986).

8Ao longo da pesquisa que ensejou este estudo, numa óptica pessoal, por vezes a indagação sobre a finalidade do Estado permeou mente do autor da presente investigação. O Estado deveria existir? Ele é necessário? É uma abstração que impede os seres humanos de permanecer em estado de barbárie? As regras desse jogo nos separam dos animais? Mas, segundo a teoria de Huizinga, também nos aproximaríamos destes mesmos animais! Como justificar a violação proposital de normas jurídicas por espíritos livres que simplesmente sustentam o anarquismo ou outra ideologia que compreende pela impossibilidade de permanência da figura do Estado como veículo de controle social? Todavia, entendeu-se que tais considerações poderiam tergiversar o norte metodológico deste trabalho acadêmico, pelo que deixam-se consignadas, sem prejuízo doutros estudos futuros sobre a mesma matéria.

Sobre o autor
Divo Augusto Cavadas

Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal, Direito Tributário e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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