O Código de Defesa do Consumidor completou 30 anos de existência em setembro de 2020. Desde sua criação muitos institutos jurídicos foram estabelecidos em prol das relações de consumo, especialmente no que tange a proteção do consumidor como um agente hipossuficiente em matéria de negócio jurídico.
Para maior aplicabilidade desse importante instrumento de proteção, é necessário veicular informações acerca dos direitos inerentes aos consumidores como também incentivar os fornecedores a adequar-se a esse dispositivo legal.
Nesse sentido, a informação correta sobre a garantia dos produtos e serviços oferecidos no mercado, se faz necessária, à medida em que as necessidades de consumo aumentam em velocidade record. Para melhor compreensão dos termos que abrangem o quesito Garantia, precisamos entender o que o CDC define por produtos e serviços.
O conceito de produto, de acordo com o artigo 3º, § 1º do CDC, é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. O conceito de bem móvel e imóvel, decorre do disposto nos artigos 79 a 84 do Código Civil. Um produto móvel por exemplo, pode ser um lápis e um imóvel uma casa. Para o CDC não importa o valor do bem, destacando apenas sua classificação. Os bens materiais são aqueles tangíveis, ou seja, palpáveis. Em contrapartida os bens imateriais são aqueles intangíveis, que não possuem matéria, não são palpáveis, como exemplo podemos citar um software.
Por serviço, o artigo 3º, § 2º do CDC entende ser qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Dito isso, podemos estabelecer três tipos de garantias aplicáveis a produtos e serviços comercializado nas relações de consumo: garantia legal, garantia contratual e garantia estendida.
O CDC não denomina expressamente o termo Garantia Legal, mas ela decorre da própria norma retratada no artigo 26º. Os próprios prazos decadenciais relativos a vícios de produtos e serviços, são iguais ao prazo de garantia legal.
Portanto, a garantia legal é obrigatória, está intrínseca ao negócio jurídico, não depende de termo expresso e não há possibilidade de exclusão por parte do fornecedor. Para os vícios aparentes e de fácil constatação, o CDC garante 30 (trinta dias) para produtos e serviços não-duráveis e 90 (noventa dias) para produtos e serviços duráveis, contando-se a partir da efetiva tradição do produto ou término do serviço.
Para preencher a lacuna de interpretação do que seriam produtos e serviços duráveis e não duráveis, podemos dizer que duráveis são aqueles que não perecem imediatamente, não desaparecem com seu primeiro uso ou logo em seguida, como exemplo podemos citar os veículos. Já os não duráveis, possuem a característica de imediaticidade, são consumidos instantaneamente, ao primeiro uso, como os alimentos.
Ocorre que nem sempre os vícios são visíveis no momento da aquisição do bem ou serviço, sendo admissível a reparação em caso de vício oculto, que nada mais é do que o problema não aparente e de difícil constatação. Nesses casos, os prazos de trinta ou noventa dias também são aplicáveis, porém a contagem decadencial se inicial a partir da constatação do vício, conforme previsto no artigo 26, § 3º do CDC.
Neste caso, a responsabilidade do fornecer perdura por um lapso temporal maior, conforme explica o ministro Vilas Bôas Cueva:
"A dificuldade, no entanto, apresenta-se quando o defeito aparece após o prazo da garantia contratual, hipótese retratada nos autos. Nessas situações, em virtude da ausência de um prazo legal preestabelecido para limitar a responsabilidade do fornecedor, consagrou-se, a partir de valiosos provimentos doutrinários, o entendimento de que o fornecedor não é eternamente responsável pelos vícios observados nos produtos colocados em circulação, mas a sua responsabilidade deve ser ponderada, de forma casuística, pelo magistrado, a partir do conceito de vida útil do produto"
Nesse mesmo sentido, apregoa o ministro Luis Felipe Salomão:
"Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, o prazo para reclamar a reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende 'durável'. A doutrina consumerista sem desconsiderar a existência de entendimento contrário tem entendimento que o CDC, no § 3º do artigo 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. Assim, independentemente do prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (artigo 18 do CDC)".
É relevante observar que a tutela despendida em casos de vício oculto é mais eficaz no direito consumerista do que nas relações civilistas. O chamado vício redibitórios, previsto no Código Civil em seu artigo 445, §1º, determina que os vícios identificados mais tarde, contar-se-á o prazo do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis e de um ano para os imóveis. Havendo a constatação do vício, o comprador poderá rejeitar a coisa ou reclamar abatimento do preço.
Perceba que neste aspecto, o CDC apresenta maior amplitude em favor do consumidor, a fim de sanar o problema. O dispositivo legal que trata dos vícios ocultos no CDC, não menciona por quanto tempo o fornecedor possui responsabilidade após a tradição do bem ou término do serviço.
Para esclarecer esse período, a doutrina, bem como a jurisprudência, adota a teoria da vida útil do produto, independente da garantia. Nesse caso, para a solução do conflito, deve ser observado o caso concreto a fim de determinar qual é a durabilidade mínima admitida para um bem ou serviço.
Outra espécie de garantia é a contratual, conhecida popularmente como garantia de fábrica. Trata-se de uma garantida complementar à legal e deve ser conferida mediante termo escrito, em conformidade com o artigo 50 do CDC. Pode ser total ou parcial, pois depende da manifestação de vontade do fabricante.
A garantia contratual é um anexo voluntário com caráter acessório, oferecido de forma facultativa pelo fabricante e deve ser somada à garantia legal. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência assentaram que havendo garantia contratual, essa deve ser contabilizada antes da garantia legal, somando-se as duas ao final.
Para melhor entendimento, imagine que o consumidor comprou um produto durável que, obrigatoriamente, possui a garantia legal de noventa dias e o fabricante oferece uma garantia contratual de nove meses. Nesse caso, o consumidor terá um produto com doze meses de garantia (nove meses de garantia contratual mais três meses de garantia legal), necessariamente nesta ordem.
Importante ressaltar que incorre em infração penal, prevista no artigo 74 do CDC, aquele fabricante que oferecer a garantia contratual para quem adquire seus produtos, mas deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo (Pena Detenção de um a seis meses ou multa).
Embora não prevista no Código de Defesa do Consumidor, o mercado consumerista também dispõe da garantia estendida. Com fulcro no princípio da autonomia da vontade, norteado pelo direito à liberdade de escolha do consumidor contratar ou não um serviço, essa espécie de garantia é uma modalidade de seguro, regulamentada pela Superintendência de Seguros Privados SUSEP, e deve conter cláusulas expressas em contrato e devido aceite do consumidor.
É uma modalidade contratada mediante pagamento e destinada ao consumidor final, cujo limite máximo de pagamento da indenização está limitado ao valor da nota fiscal do produto. Trata-se de um serviço adicional e começa a valer no dia seguinte em que o prazo legal, ou do fabricante, termina.
Para que o consumidor não seja surpreendido após a aquisição de um produto ou contratação de um serviço, é recomendável obter informações claras, precisas e objetivas, a respeito da garantia oferecida, bem como seu prazo de vigência, condições e coberturas.
Cumpre destacar que apesar da redução de interferência estatal na ordem econômica, cabe aos órgãos de proteção do consumidor garantir, enquanto elemento fundamental para o desenvolvimento econômico do estado, a aplicabilidade do princípio da boa-fé para a harmonização das relações de consumo.
BIBLIOGRAFIA
BESSA, Leonardo Vale. Código de defesa do consumidor comentado. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2021, p. 170-177.
MARQUES, Claudia Lima. BENJAMIN, Antonio H. V., MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo, Ed. Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 649-671.
SUSEP. Superintendência de seguros privados. Seguro de garantia estendida. Disponível em: http://www.susep.gov.br/menu/informacoes-ao-publico/planos-e-produtos/seguros/seguro-de-garantia-estendida-1. Acesso em 07 de jun. 2022.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 984.106-SC. Relator: Luis Felipe Salomão, Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 04 out. 2012. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200702079153&dt_publicacao=20/11/2012. Acesso em: 08 jun. 2022.