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A CORSAN (Companhia de Saneamento Básico do Rio Grande do Sul) e o Município de Passo Fundo/RS, foram condenados a pagar indenização de modo individual, a moradores que sofrem com problemas de esgoto a céu aberto, em frente a sua residências.
Para o Tribunal de Justiça Gaúcho, é alegado que tudo não passa de mero dissabor, o que beira deboche e má-fé. Mau cheiro e proliferação de insetos vão muito além do mero dissabor, ainda mais quando não eventuais e ou imprevisíveis, mas repetitivos, como no caso.
O novo marco do saneamento básico, Lei 14.026/2020, inclusive traz metas ao Poder Público, visando universalizar todo o sistema de esgoto, pois estudos mostram que uma política eficiente, com investimentos maiores nesse setor acaba diminuindo gastos com saúde pública.
1. Entenda o caso
Os Autores do processo relataram em sede inicial que residem em uma rua que não possuía canalização para o esgotamento cloacal, dessa forma, o esgoto das casas corre a céu aberto.
Diversos são os transtornos enfrentados pelos Autores, uma vez que além do mau cheiro, a rua possui fama pela quantidade de mosquitos e moscas varejeiras presentes no local.
Os Autores entraram em contato com a secretaria de obras, além de reclamações com a empresa CORSAN, porém, não obtiveram retorno.
Tal situação durou meses, sendo simplesmente insuportável aos Autores, pois se alimentavam e dormiam sentido um cheiro terrível, além de ter que proibir as crianças de brincarem nas ruas, uma vez que a quantidade de insetos era grande, ou seja, os moradores viviam em uma situação de insalubridade extrema.
Restou evidente que os Autores tiveram que mudar suas rotinas, devido ao descaso do poder público, bem como da Companhia Saneadora responsável pelo esgoto do local.
2. Leia a íntegra do Voto do Relator
Em resumo, severa degradação ambiental e agressão à saúde pública, consistente em mau cheiro de esgoto a céu aberto, vetor de mosquitos, moscas etc., e por isso requereram indenização por danos morais, tendo em conta o mau cheiro, mais condenação dos réus à adequação do sistema de esgoto, para que não permaneça a céu aberto na rua, sob pena de multa.
A final, a sentença condenou os réus solidariamente:
(a) a pagarem o valor de R$ 2.500,00 para cada autor, com juros de 6% ao ano a contar do evento danoso (ausente comprovação da data de início dos problemas mencionados na inicial, considerada a data de 7-8-2014, data do pedido administrativo da fl. 40), Súmula 54 do STJ, e correção monetária pelo IPCA-E a contar da sentença, Súmula 362 do STJ. Nos períodos de deflação, os índices negativos de correção monetária devem ser considerados no cálculo do valor devido. Porém, deve prevalecer o valor nominal se a atualização resultar em redução do valor principal (...);
(b) a realizarem a adequação no sistema de tratamento de coleta e tratamento de esgoto no âmbito da região informada na inicial, no prazo de 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, em caso de descumprimento, a ser consolidada no prazo de 120 dias, sem prejuízo de eventual responsabilização nas áreas cível e criminal face ao descumprimento do determinado. A multa a multa cominatória ser revertida em favor dos autores, em partes iguais.
Os honorários foram estabelecidos em 10% sobre o valor da condenação, à base de 50% para cada réu, atualizados pelo IPCA-E, com juros da caderneta de poupança, a partir do trânsito em julgado, respondendo a CORSAN por metade da Taxa Única de Serviços Judiciais, isento o Município de Passo Fundo.
Autores apelam para elevar os danos morais a no mínimo R$ 10.000,00, e os honorários a 20%.
Igualmente os réus apelam: (a) o Município insiste na sua ilegitimidade passiva, e, no mérito, alega inexistência de responsabilidade, uma vez que são os próprios demandantes os agentes poluidores; e (b) a CORSAN também insiste na sua ilegitimidade passiva, e, no mérito, adere à tese do Município.
Eminentes colegas, pelos termos da inicial, inclusive dados específicos, por exemplo, pedido administrativo dos moradores em 7-8-2014 e ambas ajuizadas em agosto/2015, tem-se que os problemas envolvem a mesma rua, ou no máximo rua próxima, objeto de outra ação idêntica, contra os mesmos réus, ajuizada por outro grupo de moradores, aqui julgada. Refiro-me à Ap 5000265-67.2015.8.21.0021-Eproc/RS, da minha relatoria.
Os argumentos dos réus nas defesas são exatamente os mesmos, e a sentença, proferida pela mesma ilustre Magistrada, foi idêntica, inclusive quanto aos itens do dispositivo.
Assim sendo, peço vênia para reproduzir o voto que proferi naquela oportunidade:
APELAÇÕES DOS RÉUS
Há preliminares de ilegitimidade passiva e mérito.
1.1 PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. Em síntese, o Município alega que não é parte passiva legítima, porque concedeu os serviços de coleta de esgotos pluviais e sanitários à CORSAN, que por sua vez alega que os serviços de esgotos pluviais não constam na concessão.
1.1.1 MUNICÍPIO. A concessão de serviço público pelo Município não exclui a responsabilidade solidária por conduta dolosa ou culposa, omissiva ou comissiva, do concessionário.
Nesse sentido, precedente do STJ, na essência idêntico ao caso sub judice: Direito administrativo e ambiental. Arts. 23, VI, e 223, da CF. Concessão de serviço público. Responsabilidade objetiva do Município. Solidariedade do Poder concedente. Dano decorrente da execução do objeto do contrato de concessão firmado entre a recorrente e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SABESP (delegatária do serviço municipal. Ação Civil Pública. Dano ambienta. Impossibilidade da exclusão da responsabilidade do Município por ato da concessionária, da qual é fiador da regularidade do serviço concedido. Omissão no dever de fiscalização da boa execução do contrato perante o povo. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade passiva do Município. (REsp 28222-SP, 2ª Turma, Redatora para o Acórdão Min. Nancy Andrighi, em 15-2-2001, DJ de 15-10-2001).
Portanto, o Município é responsável civil, independentemente de haver, ou não, concessão do serviço.
1.1.2 CORSAN. O problema não está no sistema de esgotos pluviais, que alega continuar sob a responsabilidade do Município, e sim no sistema de esgotos sanitários, cujos dejetos escorrem a céu aberto, exalam mau cheiro e formam ambiente favorável à proliferação de insetos.
Ademais, considerando as obrigações que emanam naturalmente do contrato, não se ostenta razoável a alegação de que está implantando o Sistema de Esgotamento Sanitário SES em vários bairros, sendo que o Município, em relação ao dos autores, ainda não priorizou obras.
1.2 MÉRITO. Evidencio cinco pontos, conforme segue: (a) questão de fundo; (b) ausência de danos morais; (c) redução do valor de R$ 2.500,00 fixado na sentença; (d) exorbitância do valor da multa de R$ 1.000,00 por dia de atraso; e (e) ampliação do prazo de noventa dias.
1.2.1 QUESTÃO DE FUNDO. A degradação ambiental e agressão à saúde pública estão provadas, não por acaso foram objeto de reportagem de televisão; e, ainda, o fato de haver falta de colaboração de alguns moradores que lançam esgotos sanitários in natura na rua ou na rede de esgotos pluviais, não é ao invés do que alegam os réus excludente de suas responsabilidades face aos autores, que são vítimas, e não agentes.
1.2.2 AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. É alegado que tudo não passa de mero dissabor, o que beira deboche e má-fé. Mau cheiro e proliferação de insetos vão muito além do mero dissabor, ainda mais quando não eventuais e ou imprevisíveis, mas repetitivos, como no caso. Temos vários precedentes nesse sentido envolvendo a Estação de Tratamento de Esgoto ETE no Bairro Parque Marinha da cidade do Rio Grande, construída pela CORSAN, por exemplo, a Ap 70 074 203 357, da minha relatoria.
1.2.3 REDUÇÃO DO VALOR DE R$ 2.500,00 FIXADO NA SENTENÇA. Não merece acolhida, até porque, como veremos, nos processos da ETE do Rio Grande foi estabelecida quantia cem por cento superior.
1.2.4 EXORBITÂNCIA DO VALOR DA MULTA DE R$ 1.000,00 POR DIA DE ATRASO. A ação foi ajuizada em agosto/2015 e, até agora, pelo quanto informam os autos os réus se mantiveram inertes quanto à solução do problema. Apenas fizeram vergonhoso jogo de empurra e, ainda, ousam defender a tese de que catinga de esgoto e proliferação de insetos não passa de mero dissabor.
Esta Câmara examinou situação de fato muito semelhante, senão idêntica, na Ap 70 072 657 828, da relatoria do eminente Des. Newton Luís Medeiros Fabrício, em que, tendo em conta o total descaso tanto do Município de Capão da Canoa quanto da CORSAN, durante o longo período de dez anos, foi confirmada a sentença que concedeu o prazo de noventa dias à realização das obras, sob pena de multa de R$ 10.000,00 por dia de atraso.
No caso, o problema é o mesmo, e para resolvê-lo no local, mesmo emergencialmente, não é preciso implantar Sistema de Esgotamento Sanitário SES em todo o bairro. Porém, considerando o período anterior ao ajuizamento, ocorrido em agosto/2015, já se passaram mais de cinco anos.
Assim, comparativamente, a multa por dia de atraso deveria ser de pelo menos R$ 5.000,00; logo, pode-se até dizer que, fosse o caso de modificar a R$ 1.000,00, teria que ser para cima, e não para baixo.
1.2.5 AMPLIAÇÃO DO PRAZO DE NOVENTA DIAS. Nas circunstâncias, tendo em conta a espécie de problema mau cheiro e agressão à saúde pública , e que a solução, no local, mesmo emergencialmente, não pressupõe a implantação do Sistema de Esgotamento Sanitário SES em todo o bairro, o prazo de noventa dias é suficiente, merecendo inclusive deferida a tutela de urgência.
APELAÇÃO DOS AUTORES
Suscitam dois pontos: (a) elevação do valor dos danos morais; (b) elevação dos honorários.
2.1 ELEVAÇÃO DOS DANOS MORAIS. Com a devida vênia, a quantia de R$ 2.500,00 fixada pelo juízo singular está excessivamente módica. Devemos adotar, inclusive por isonomia judiciária, o mesmo valor de R$ 5.000,00, por autor, que prevaleceu nos diversos precedentes no caso já acima referido da Estação de Tratamento de Esgoto ETE no Bairro Parque Marinha da cidade do Rio Grande.
Acolhe-se, em parte, a apelação nesse ponto, com o registro de que a CORSAN, conforme deliberado naqueles precedentes e que referi na Ap 70 074 203 357, não faz jus ao regime de precatório ou de RPV, sendo que são impenhoráveis os diretamente afetados ou comprometidos com a prestação do serviço público essencial.
2.2 ELEVAÇÃO DOS HONORÁRIOS. A verba de dez por cento fixada pela sentença está conforme o art. 85, § 3º, I, do CPC, e segue o estabelecido nos precedentes já acima referidos.
DISPOSITIVO. Nesses termos, voto por desprover as apelações dos réus, e por prover em parte a dos autores (= elevação dos danos morais para R$ 5.000,00 a cada autor), com elevação dos honorários devidos pelos réus para 12,5% (CPC, art. 85, § 11), bem assim defiro a tutela de urgência, devendo os réus, no prazo de noventa dias, contado a partir da publicação desta Decisão, realizar as obras necessárias, sob pena da multa de R$ 1.000,00 por dia de atraso.
Nesses termos, desprovejo as apelações dos réus e provejo em parte a dos autores (elevação dos danos morais para R$ 5.000,00 a cada autor, com elevação dos honorários devidos pelos réus para 12,5% (CPC, art. 85, § 11), bem assim defiro a tutela de urgência, devendo os réus, no prazo de noventa dias, contado a partir da publicação desta Decisão, realizar as obras necessárias, sob pena da multa de R$ 1.000,00 por dia de atraso.
3. Conclusão
Vale mencionar que no caso acima descrito, além do pedido de indenização por danos morais ambientais individuais, houve o requerimento da obrigação de fazer, qual seja, a realização de obras de melhoria no local.
Nesse sentido, a decisão da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, determinou uma multa de R$ 1.000,00, por dia, caso as obras no local não sejam realizadas dentro do prazo de noventa dias.
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