UNIVERSIDADE TIRADENTES - UNIT
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
DISCIPLINA: DIREITO DE FAMÍLIA
ATIVIDADE AVALIATIVA
Vanusa Viana Góis[1]
POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO LIMINAR À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O direito de família é um dos ramos jurídicos que mais evoluiu ao longo dos anos, sobretudo, no que diz respeito ao instituto do divórcio.
Destarte, de acordo com o art. 226, §6°, da Constituição Federal de 1988[2]: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado: §6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
Alterado pela Emenda Constitucional 66 de 2010, o pedido de divórcio pode ser feito de forma direta, sem observância de qualquer prazo, nem mesmo sendo necessária a prévia decretação de separação judicial, além disso, para que haja o divórcio é necessária apenas à existência de um casamento válido e a vontade de um dos cônjuges em dissolver a sociedade conjugal.
Outrossim, o divórcio tem o poder de dissolver o vínculo conjugal, possibilitando aos consortes a realização de novo casamento, sendo um instituto jurídico que foi introduzido aos poucos na sociedade brasileira e a Constituição Federal de 1988 promoveu intensas modificações no direito de família, ampliando a possibilidade de realização do divórcio, que foi ainda mais aprimorada com a Emenda Constitucional 66 de 2010, nesse viés, a referida alteração constitucional atribuiu ao divórcio caráter de direito potestativo, a saber, é dizer que para sua decretação é bastante a manifestação de vontade de uma das partes no sentido de dissolver o vínculo matrimonial, cabendo ao outro unicamente a obrigação de não obstar o exercício daquele direito, impossibilitando que discussões de cunho subjetivo impeçam sua decretação, consequentemente, evidenciando a necessidade de analisar a possibilidade jurídica do divórcio liminar.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, diz que a aprovação da Emenda Constitucional 66 de 2010 foi fruto de grande esforço doutrinário, em especial, de juristas integrantes do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que desembocou na PEC nº 413/05, e, posteriormente, se tornou a Proposta de Emenda Constitucional nº 33/2007, tendo sido inicialmente proposta pelo Deputado Antônio Carlos Biscaia e concluída pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro[3].
Verifica-se, que a emenda constitucional em debate deu nova redação ao §6º do art. 226 da Constituição Federal, para suprimir os requisitos relativos ao lapso temporal, bem como, para extinguir os requisitos subjetivos para a concessão do divórcio.
Para tanto, a Emenda Constitucional 66 de 2010 foi responsável por incitar um intenso debate no cenário jurídico brasileiro acerca da sobrevivência do instituto da separação judicial após a supressão realizada no texto constitucional. A separação judicial tem por objeto findar a sociedade conjugal, sem, no entanto, romper o vínculo matrimonial, diferenciando-se do divórcio em razão deste fulminar o vínculo matrimonial, provocando um rompimento definitivo[4].
Nesse prisma, Carlos Alberto Gonçalves[5]:
Antes da Emenda Constitucional 66/2010 a infração de cada um desses deveres conjugais constituía causa para a separação judicial, contudo, após a alteração promovida pela referida emenda, os deveres elencados no artigo 1.566 do CC ficaram contidos em sua matriz ética, desprovidos de sanção jurídica, exceto no caso de violação dos deveres de sustento, guarda, educação dos filhos e de mútua assistência, que podem resultar em condenação de acordo com a hipótese prevista. (GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito civil brasileiro. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p.190 et seq., v.6.).
Em sua linha de raciocínio, Walsir Edson Rodrigues Júnior[6], o instituto da separação judicial permanece vivo no sistema jurídico brasileiro, considerando que não é porque um instituto deixou de estar previsto na Constituição que ele deixa de existir, somente ocorrendo tal situação quando o próprio texto constitucional expressamente previsse a eliminação. Para o referido autor, a permanência da separação judicial após a Emenda Constitucional 66 de 2010 respeitaria a autonomia privada dos sujeitos escolherem a forma como querem pôr fim aos seus casamentos.
Posicionou-se a 8ª câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[7]:
APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE CONVERSÃO EM DIVORCIO. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010. NOVA REDAÇÃO AO § 6º do art. 226 da Constituição Federal. vigência da LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL (ART. 1.580 DO CÓDIGO CIVIL). REQUISITOS PRESERVADOS, POR ORA.1. A aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010, ao dar nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, efetivamente suprimiu, do texto constitucional, o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos .2. Não houve, porém, automática revogação da legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. Para que isso ocorra, indispensável seja modificado o Código Civil, que, por ora, preserva em pleno vigor os dispositivos atinentes à separação judicial e ao divórcio. Inteligência do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42). NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (TRIBUNAL, de Justiça do Rio Grande do Sul, TJ-RS Apelação Civil: AC 70039827159 RS).
Não obstante, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a Emenda Constitucional 66 de 2010 foi responsável por unificar as causas dissolutórias do matrimônio, não havendo sentido em preservar um obsoleto instituto que não possuía mais aplicabilidade prática, em virtude de seus efeitos serem alcançados pela simples separação de fato[8].
Em sequência, Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze[9] asseguram que a partir da promulgação da referida Emenda Constitucional foi extinta do ordenamento jurídico brasileiro a separação judicial, em razão de não ter sido recepcionada pela Constituição Federal, tendo, dessa forma, sido revogados os artigos 1.572 a 1.578 do Código Civil vigente, além disso, não haveria também que se falar em divórcio indireto, tendo em vista que não mais havia o que se converter, em virtude da inexistência de separação judicial.
Pois bem, casamento é um instituto que esteve presente na sociedade brasileira desde os primórdios, considerado a forma básica de estruturação familiar, por outro lado o divórcio, foi inserido na sociedade brasileira aos poucos, inicialmente sendo admitido apenas de maneira extraordinária e depois sendo institucionalizado com a lei do divórcio, e com isso trazendo a possibilidade da decretação de divórcio por liminar.
A decretação de divórcio por liminar é um conceito tipicamente cronológico, indica que a medida foi tomada in limine litis, ou seja, no inicio do processo, sem que tenha havido a oitiva da parte contrária[10], sendo assim, a tutela antecipada e medida liminar não são institutos diferentes.
Com efeito, diante das situações emocionais em que, muitas vezes, encontravam-se as pessoas envolvidas em um processo de divórcio, a Emenda Constitucional nº 66 de 2010, representou um grande avanço para o direito de família, atendendo à realidade do mundo dos fatos, onde os prazos estabelecidos pareciam absurdos.
O Juiz de direito, Alberto Raimundo dos Santos, da 6ª Vara de Família de Salvador pensando neste desgaste emocional, defende a possibilidade do divórcio por liminar:
A antecipação da tutela quanto à decretação do divórcio do casal, não ofende ao princípio do contraditório, tendo em vista que, manter-se casado, é matéria apenas de direito e, quanto as demais questões, que porventura possa a Ré pretender se indispor, poderão ser objeto de debate continuado nos próprios autos, liberando, portanto, as partes para realização da felicidade afetiva. (SANTOS, Alberto Raimundo dos, Juiz de Direito - TJ/BA. Processo nº 0518107-66.2013.8.05.0001. Decisão interlocutória).
A antecipação dos efeitos definitivos incontroversos da sentença, uma vez que o divórcio é um direito potestativo, não há justificativa de mérito capaz de impedir sua decretação, podendo o casal obter uma simples liminar enquanto o processo tramita para o julgamento final dos demais pedidos, Pablo Stolze Gagliano[11].
É possível decisões de divórcio por liminar, conforme julgados dos Tribunais.
Vejamos a seguinte decisão[12]:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRSIO LITIGIOSO. LIMINAR DEFERIDA. DIREITO POTESTATIVO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. O divórcio é um direito potestativo e incondicionado, podendo ser exercido por só um dos cônjuges, e conforme disposição do artigo 1.581 do Código Civil e jurisprudência. (TRIBUNAL, de Justiça do Mato Grosso TJ-MT: 1016058-49.2021.8.11.0000 MT).
Corroborando com o mesmo entendimento, interessante colacionar o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[13]:
EMENTA: FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DECRETAÇÃO LIMINAR DO DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE. DIREITO POTESTATIVO.
-Após edição da EC 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal, o divórcio é considerado um direito potestativo, que independe de qualquer outro pré-requisito, podendo ser decretado antes de dirimar a partilha, nos moldes do art. 731 do Código de Processo Civil Dessa forma, o juiz pode proferir sentença parcial do mérito sem a necessidade de oitiva do outro cônjuge e o processo deve prosseguir em relação às questões de direito que exigem o contraditório. (TRIBUNAL, de Justiça de Minas Gerais TJ-MG Agravo de Instrumento-Cv: AI 1404058-92.2021.8.13.0000 MG).
É indubitável, portanto, a possibilidade de concessão de divórcio liminar, pois, a Emenda Constitucional 66 de 2010 atribuiu ao divórcio caráter de direito potestativo, no qual basta à manifestação de vontade de uma das partes no sentido de dissolver o vínculo matrimonial, cabendo ao outro unicamente a obrigação de não obstar o exercício daquele direito, já os litígios relacionados à partilha de bens, guarda e alimentos, devem se sujeitar ao contraditório, com a ressalva no sentido de ser possível a concessão de alimentos provisórios.
Ao passo que, o direito ao divórcio deve ser assegurado com efetividade e rapidez, em prevalência ao estado integral da dignidade dos cônjuges que estejam sob rompimento da união conjugal passível de desentendimentos ou de litígios.
Podemos concluir que juridicamente é possível que o casal obtenha o divórcio mediante medida liminar, devidamente fundamentada, enquanto ainda tramita o procedimento para o julgamento final dos demais pedidos cumulados, ademais, antes era exigido para o divórcio, como a motivação vinculante na separação judicial, além do requisito temporal existente tanto na separação judicial - prazo de 01 ano - quanto na separação de fato prazo de 02 anos, acabou desaparecendo com o advento da Emenda Constitucional 66 de 2010, que alterou o art. 226 da Constituição Federal e estabeleceu nova redação: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. §6º O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 02 mai. 2022.
RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. O sistema dual facultativo de dissolução do casamento no projeto do Novo Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre. DANTAS, Bruno. NUNES, Dierle. DIDIER JR., Fredie. MEDINA, José. FUX, Luiz. VOLPE, Luiz. MIRANDA, Pedro. (Orgs.). Novas tendências do Processo Civil: estudos sobre o Novo CPC. Salvador: jusPODIVM, 2014, p. 791 et seq.
DIDIER JR. Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 7ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 488, v.2, et seq.
FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 200.
______.FARIAS, Cristiano Chaves de ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 4ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 310 e p. 412 et seq., v.6.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Divórcio liminar. Revista Síntese Direito de Família, São Paulo, SP, v. 15, n. 87, jan. 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O Novo Divórcio. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p.56 et seq.
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito civil brasileiro. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p.190 et seq., v.6.
RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. O sistema dual facultativo de dissolução do casamento no projeto do Novo Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre.
SANTOS, Alberto Raimundo dos, Juiz de Direito - TJ/BA. Processo nº 0518107-66.2013.8.05.0001. Decisão interlocutória). Disponível em: < https://tj-ba.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1195181231/divorcio-litigioso-5181076620138050001-salvador-ba/inteiro-teor-1195181234>. Acesso em: 04 mai. 2022.
VOLPE, Luiz. MIRANDA, Pedro. (Orgs.). Novas tendências do Processo Civil: estudos sobre o Novo CPC. Salvador: jusPODIVM, 2014, p. 791 et seq.
TRIBUNAL, de Justiça de Minas Gerais TJ-MG Agravo de Instrumento-Cv: AI 1404058-92.2021.8.13.0000 MG. Disponível em: < https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1321657527/agravo-de-instrumento-cv-ai-10000211404041001-mg>. Acesso em: 04 mai. 2022.
TRIBUNAL, de Justiça do Mato Grosso TJ-MT: 1016058-49.2021.8.11.0000 MT. Disponível em: < https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1378285864/10160584920218110000-mt> Acesso em: 04 mai. 2022.
TRIBUNAL, de Justiça do Rio Grande do Sul, TJ-RS Apelação Civil: AC 70039827159 RS. Disponível em: < https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22908975/apelacao-civel-ac-70039827159-rs-tjrs/inteiro-teor-111165172>. Acesso em: 03 mai. 2022.
Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil/Universidade Tiradentes. E-mail: [email protected]
FARIAS, Cristiano Chaves de ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 4ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 310.
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