CRÉDITO E PRECONCEITO

14/06/2022 às 14:37
Leia nesta página:

Qual os requisitos para concessão de crédito? Fintechs podem ser úteis na redução ao preconceito creditício?

 

FINTECH, CRÉDITO E PRECONCEITO

Chamada de Conta Black a Fintech focada no mercado de desbancarizados,  fundada por Sérgio All, ela surgiu para resolver um dos maiores problemas do Brasil, a desbancarização, algo que por alguns cálculos, considera ser um mercado de 50 milhões de brasileiros que não tem conta bancária, um número que representaria algo maior do  população de Argentina, e Uruguai juntos, e o curioso é que a nossa Constituição Federal trás eu seu preambulo a defesa do desenvolvimento e da dignidade humana, e como pensar nesses princípios com esse número de excluídos do sistema bancário?

Cidadãos que por força do modelo bancário são excluídas, pois pelo modelo tradicional não possuem renda ainda que estimativas consideram o fato de que correm por fora do sistema financeiro 437 bilhões de reais.

Para Sérgio All, que é negro, sua dificuldade de obter linha de crédito devia-se ao fato de ser negro, mesmo sem nenhuma restrição creditícia, provando que o sistema atual de score bancário é atrasado.

Dono de uma agência de comunicação, empregava 30 pessoas. Tinha casa própria, carro. Nome ilibado. Não posso emprestar para você, foi o que ouviu do gerente do banco.

No meio da conversa, ele se deu conta da situação. O problema não estava em seu perfil de risco, mas em sua cor. All é negro. Seus pais o prepararam para a vida. Sempre diziam para manter o nome limpo, não fazer dívidas desnecessárias e ser responsável. Ele seguiu o conselho. Mas, nada prepara uma pessoa para o racismo

Somente Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, movimenta 950 milhões, dentro e fora do sistema, a partir de 1.500 negócios locais, com crédito para poucos o atual sistema acaba se dando ao luxo de ser preconceituoso na disponibilidade de crédito.

Isso implica dizer que existe racismo entre investidores? O fundador da fintech acredita que sim,

O nome Conta Black, por sinal, é uma ironia com os cartões black, categoria que costuma reunir os produtos mais exclusivos das grandes bandeiras, sem limites. A fintech também é Black por ser voltada ao público negro.

A Conta Black tem, atualmente, 23 mil associados, logo sua existência é uma prova velada da existência do preconceito.

Mas existe diversas formas de análise de crédito que beiram ao preconceito também.

Um recente estudo publicado em 2020 pelo Fundo Monetário Internacional, analisa à possibilidade de usar o histórico de navegação de um usuário para avaliar a sua credibilidade e dessa forma criar também um score de crédito, sendo esse instrumento utilizado também como referência para determinar desde o limite dos cartões de crédito que você pode solicitar, até a possibilidade de obter a aprovação de um crédito de um determinado valor por uma instituição financeira. Literalmente seria dizer que seu valor está no que você curtir? Pobre daqueles que não tem vida em rede social então?

Assustado? Bem na prática, a ideia é pouco mais do que uma reflexão sobre como as empresas de tecnologia podem facilmente acessar dados mal estruturados, mas de alta qualidade, desde recursos de navegador e hardware até o histórico de navegação, pesquisa ou compras online, com os quais algoritmos podem ser alimentados para determinar a credibilidade de um usuário muito mais precisamente do que com o tipo de dados que as instituições financeiras tradicionais geralmente recorrem, e dessa forma podem também serem fornecedores das instituições, com uma nova família de receita. O estudo diferencia a contribuição das inovações na obtenção de informações que essas empresas de tecnologia podem ter à sua disposição, a partir de inovações na interação e no canal de distribuição, que visa a substituição de ramos de bancos tradicionais por aplicativos de mensagens instantâneas.

Nesse momento o uso de métricas de credibilidade em instituições financeiras tradicionais muitas vezes erra pelo seu relativo simplismo, e dessa forma acaba gerando situações que em alguns casos são absurdamente injustos e, em outros casos, simplesmente absurdas.

Ter dados sobre o uso da minha rede pode contribuir com alguma coisa para a minha avaliação de crédito? Com base nesse estudo sim, considerando o elevado número de interações que todos fizemos nas mais diversas redes sociais. Todo esse histórico, pode indicar um certo poder de compra, mas logicamente, o acesso a esses dados teria potencialmente um grande impacto na minha expectativa de privacidade. E ai fica a grande pergunta seus dados das redes sociais podem ser utilizados para aferir renda, isso estaria no caso brasileiro adequado a LGPD?

Bem no caso brasileiro sim, pois a própria Lei Geral de Acesso aos dados das Pessoas, deixa de fora as instituições financeiras quando o assunto é dar e analisar crédito.

Porém faço aqui o primeiro alerta sobre essa autorização legal, ela é sem limites? As redes sociais podem ser utilizadas para isso?

Os dados das redes sociais não estão protegidos pela LGPD?

De fato estão, não o que você publica e libera como público, mas a análises dos seus hábitos, quem curti, quando curti, quantas vezes curti, são necessários para avaliação do seu crédito, ou são hábitos da sua vida privada que não são objetivos o suficiente para concessão de crédito?

Hoje em dia, é muito possível que a partir do tipo de dados gerados por uma análise de variáveis como navegação, hardware utilizado ou as compras realizadas através da rede, podem ser obtidas correlações que permitem avaliar a capacidade de crédito de uma pessoa, embora aparentemente não precise intuir uma relação direta. Outra coisa, obviamente, é que a pessoa vai concordar em fornecer esses dados para um tipo de uso que pode determinar algo tão crítico quanto seu acesso ao crédito. Mas, em muitos casos, como quando uma empresa oferece um meio de pagamento de algum tipo, esses dados ou metadados relacionados podem se tornar relativamente fáceis de obter.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ou seja, não é pequena a polêmica para construção dessa avaliação, pois além das possíveis medidas que poderiam ser consideradas para anonimizar esses dados ou processá-los de forma respeitosa, as grandes empresas de tecnologia têm acesso muito mais fácil a dados que podem ser usados para avaliar a credibilidade de um usuário, e com canais de comunicação muito mais convenientes para uma interação relacionada à oferta de produtos financeiros?

Em 2019, antes da pandemia o governo chinês impediu que 17,5 milhões de pessoas comprassem passagens de avião como forma de punição por alguns crimes, incluindo a falta de pagamento de multas e que afeta diretamente o controverso score social existente na China, conforme matéria publicada no The Independent.

Para quem desconhece, o score social mais parece uma daquelas ideias que saíram de um filme de ficção científica, que inspirado no score financeiro tratado acima, mensura diversos campos da sua vida: pessoas com quem mantém um círculo de amizade, compras realizadas, filmes assistidos e até mesmo as suas postagens nas redes sociais. Outra diferença é que o score financeiro é controlado por um banco, enquanto que o social é vigiado pelo governo, no caso o Chinês..

Desde 2014, com o nome Zhima Credit, foi criado pelo Conselho de Estado da China, ele começou a ser usado no primeiro momento, nas relações de consumo na China. Além das passagens aéreas, a reportagem também afirmou que cerca de 5,5 milhões de pessoas também foram proibidas de viajar de trem pelo mesmo motivo. A ideia, segundo alega a matéria, é melhorar o comportamento da população.

Governos ditatórias querem controlar tudo, logo as big techs adoram esse controle e o chama de melhorias na experiência do usuário, um gigantes perigo que desiguala à todos e invade a privacidade com o pretexto de análise creditícia.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos