Ausência de “floresta” não configura o crime ambiental do art. 38

14/06/2022 às 18:20

Resumo:


  • A destruição ou danificação de floresta considerada de preservação permanente configura crime ambiental previsto no art. 38 da Lei n. 9.605/98.

  • Para a tipicidade do delito, é necessário que a formação vegetal destruída se enquadre no conceito técnico de "floresta", com características específicas de altura, cobertura de copa e densidade de árvores.

  • A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o conceito de "floresta" para fins do crime do art. 38 da Lei n. 9.605/98 se refere a formações arbóreas densas, de alto porte e homogêneas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O elemento normativo "floresta", constante no crime ambiental do art. 38 da Lei n. 9.605 /98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande

Imagem: IBAMA. Artigo original em https://advambiental.com.br/ausencia-de-floresta-nao-configura-o-crime-ambiental-do-art-38/ 

 

A prática de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente configura crime ambiental previsto no art. 38 da Lei n. 9.605/98, que é assim tipificado:

Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Por se tratar de norma penal em branco, para a configuração do delito é necessário consultar a legislação extrapenal, especialmente o Código Florestal de 2012.

1. TIPICIDADE DO DELITO DO ART. 38 DA LEI N. 9.605/98

Imperioso analisar as elementares do tipo penal do art. 38 da Lei n. 9.605/98.

Como se viu acima, o preceito primário do referido tipo penal estabelece como crime a conduta de "Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção.

Portanto, não basta à caracterização do delito que haja a destruição de vegetação em área de preservação permanente, deve, ainda, a formação vegetal enquadrar-se no conceito de "floresta".

Acerca da elementar ora em comento, a literatura técnica geográfica ensina que floresta é a "área medindo mais de 0,5 ha com árvores maiores que 5 m de altura e cobertura de copa superior a 10%, ou árvores capazes de alcançar estes parâmetros in situ", conceito fornecido pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação).

A UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) conceitua floresta de acordo com as mesmas características, como sendo a:

Área de no mínimo 0,05-1,0 ha com cobertura de copa (ou densidade equivalente) de mais de 10-30%, com árvores com o potencial de atingir a altura mínima de 2-5 metros na maturidade in situ.

Uma floresta pode consistir tanto de formações florestais fechadas (densas), onde árvores de vários estratos e suprimidas cobrem uma alta proporção do solo, quanto de florestas abertas.

Povoamentos naturais jovens e todas as plantações que ainda atingirão densidade de 10-30% e uma altura entre 2 e 5 metros são incluídos como floresta, assim como áreas que normalmente fazem parte da área florestal e que estão temporariamente desflorestadas como resultado da intervenção humana, como a colheita ou causas naturais, mas cuja reversão da floresta é esperada.[1]

2. JURISPRUDÊNCIA

Para o Superior Tribunal de Justiça, é pacífico que o conceito de floresta cinge-se à formação arbórea densa, de alto porte e homogênea. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME AMBIENTAL. ART. 38 DA LEI N. 9.605/1998. DESTRUIÇÃO DE FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ELEMENTARES DO TIPO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO. DENÚNCIA QUE NÃO INDICA AS ELEMENTARES DO TIPO PENAL IMPUTADO. DESCRIÇÃO QUE NÃO SE AMOLDA AO ART. 38 DA LEI N. 9.605/1998. NARRATIVA INCOMPLETA. AMPLA DEFESA INVIABILIZADA. 4. RECURSO EM HABEAS CORPUS A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL.

1. O trancamento da ação penal somente é possível, na via estreita do habeas corpus, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

2. O art. 38 da Lei n. 9.605/1998 dispõe que é crime "destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção".

3. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar referido tipo penal, assentou que "o elemento normativo 'floresta', constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei nº 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte". [...]. (RHC n. 63.909/CE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 26/03/2019 - grifou-se).

3. NECESSIDADE DE PERÍCIA PARA COMPROVAR O CRIME AMBIENTAL DO ART. 38

Ainda que realizado exame pericial e que se ateste que realomente houve a destruição de vegetação em área de preservação permanente, é necessário que se aponte que a formação vegetal que fora danificada se tratava de floresta.

Ao contrário, se não ficar comprovada a destruição de vegetação era de grande porte - características não compatíveis com o conceito de floresta não há se falar em crime ambiental do artigo 38.

Nota-se, assim, que o arcabouço probatório não for suficientemente seguro quanto à elementar "floresta", restará afastada a caracterização do referido conceito, obstando eventual condenação.

Entende-se, assim, que, ausente as elementares do tipo penal (floresta de preservação permanente), mostra-se impossível uma condenação, não bastando, para tanto, somente a presença de indícios isolados ou a mera certeza moral do preenchimento de todos os elementos do tipo penal.

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3. O QUE DIZ A DOUTRINA SOBRE O CRIME AMBIENTAL DO ARTIGO 38

Com efeito, no processo penal, para que se possa concluir pela condenação, necessário que as provas juntadas ao longo da instrução revelem, de forma absolutamente indubitável, sua responsabilidade por fato definido em lei como crime.

Ao contrário, pode-se invocar o princípio do in dubio pro reo quando houver dúvida acerca da presença de uma das elementares do tipo penal (floresta de preservação permanente) - o que traduz a inexistência de prova suficiente para a condenação -, e conduz à absolvição do acusado.

Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci[2] leciona:

Na relação processual, em caso de conflito entre a inocência do réu - e sua liberdade - e o direito-dever do Estado de punir, havendo dúvida razoável, deve o juiz decidir em favor do acusado. [...]

Por outro lado, quando dispositivos processuais penais forem interpretados, apresentando dúvida razoável quanto ao seu real alcance e sentido, deve-se optar pela versão mais favorável ao acusado, que, como já se frisou, é presumido inocente até que se prove o contrário.

Por isso, melhor refletindo, a sua posição, no contexto dos princípios, situa-se dentre aqueles vinculados ao indivíduo e, ainda, é constitucional implícito.

Na realidade, ele se acha conectado ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), constituindo autêntica consequência em relação ao fato de que todos os seres humanos nascem livres e em estado de inocência. Alterar esse estado dependerá de prova idônea, produzida pelo órgão estatal acusatório, por meio do devido processo legal.

4. CONCLUSÃO

Cumpre observar que, nos casos em que a destruição de vegetação ocorre no Bioma Mata Atlântica, somente será possível eventual desclassificação da conduta para aquela prevista no art. 38-A da Lei n. 9.605/98, se a ficar comprovada que a destruição ocorreu em vegetação primária ou secundária em estágio avançado ou médio de regeneração, conforme prevê o referido artigo:

Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção.

Isso porque, ainda que se comprove a existência de área pertencente ao Bioma Mata Atlântica, se a formação destruída cuidava de vegetação secundária em estágio inicial, não se enquadra na elementar do tipo.

Por fim, vale destacar que não pode interpretar o conceito de floresta previsto no crime ambiental do art. 38 da Lei 9.605/98 de forma irrestrita, pois não pode o julgador, ao aplicar a lei, ampliar conceitos que o legislador não o fez, sob pena de ferir-se o princípio da legalidade.

[1]https://snif.florestal.gov.br/pt-br/conhecendo-sobre-florestas/167-definicao-de-floresta#:~:text=%22Floresta%20%C3%A9%20uma%20%C3%A1rea%20de,metros%20na%20maturidade%20in%20situ.

[2] Manual de processo penal e execução penal. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 96/97.


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Sobre o autor
Cláudio Farenzena

Escritório de Advocacia especializado e com atuação exclusiva em Direito Ambiental, nas esferas administrativa, cível e penal. Telefone e Whatsapp Business +55 (48) 3211-8488. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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