Contrato com o paciente: Segurança para médicos e dentistas

15/06/2022 às 11:02
Leia nesta página:

O contrato prevê os direitos e deveres de ambas as partes. Quando não há contrato, a regra é que os pacientes só tenham direitos, e os médicos e dentistas, só deveres.

O prisma jurídico da relação médico-paciente se modificou com o passar dos anos, assim como o de todas as demais relações sociais e profissionais. Atualmente a relação se encaixa em um padrão social e jurídico equivalente às demais relações profissionais, sendo desconsideradas as peculiaridades dos serviços de saúde, e a incidência de uma grande variedade de condições que os diferem dos demais.

 

Destacamos a aplicabilidade da Lei 8.078/90, também chamada de Código de Defesa do Consumidor (ou somente CDC). Embora discordemos de tal aplicação (por motivos óbvios), a doutrina e jurisprudência majoritárias a entendem como cabível, e o CDC é aplicado na maioria dos processos que tratam do tema, trazendo uma série de distorções à tradicional relação entre o dentista ou médico, e o paciente. Sobretudo quando aplica regras que foram criadas para equilibrar situações de extremo desequilíbrio, como a inversão do ônus da prova (ocasionando situações em que o paciente só precisa alegar, e o profissional deve sempre provar o contrário).

 

Por estes e outros motivos, é essencial que os médicos e demais profissionais da saúde se adequem às necessidades atuais de sua profissão, abandonando a visão romântica e ultrapassada de uma relação com os pacientes que não existe mais. Nossos institutos jurídicos evoluíram rapidamente desde a redemocratização do país, e infelizmente foram politicamente conduzidos a uma superproteção da parte mais fraca em praticamente todas as relações jurídicas. Medida que embora claramente equivocada é a atualmente vigente, cabendo aos profissionais se proteger de tais distorções e injustiças, sob pena de pagarem caro pela teimosia ou negligência.   

O contrato prevê os direitos e deveres de cada uma das partes, trazendo segurança jurídica a ambos, mas sobretudo ao médico e dentista. Pois quando não há contrato, a regra em caso de conflito é que os pacientes só tenham direitos, e aos profissionais da saúde, só restem deveres. Portanto, o contrato de prestação de serviços médicos e odontológicos não é somente importante, mas essencial.

 

Em linhas gerais, um contrato bem estruturado traz a identificação das partes (profissional e paciente), o objeto (tratamento contratado) e o valor dos honorários, assim como a forma de pagamento. Mas dadas as peculiaridades da relação, no caso dos profissionais da saúde, o conteúdo precisa ser ainda mais abrangente.

 

Em primeiro lugar, o contrato deve delimitar de forma clara e cristalina, o acordo entre as partes. Este ponto é vital, visto que limita as exigências do paciente somente ao que foi acordado. Pois atualmente os pacientes não cobram do médico só o tratamento contratado, mas o pleno e total atendimento às suas expectativas, que em muitos casos são inalcançáveis e irreais. Daí a importância de esclarecer este ponto, inclusive sobre o fato de a obrigação do profissional ser de meio, e não de resultado (salvo exceções).  

 

Sem um contrato claro e objetivo indicando exatamente qual foi o acordo entre as partes, fica em aberto a possibilidade de que o paciente alegue que a promessa foi de total atendimento às suas expectativas. Com a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova, o resultado mais comum é a condenação do profissional em atender àquela expectativa, seja qual for.    

 

São comuns também os casos em que o paciente contrata um procedimento mais acessível e limitado (mesmo tendo a opção de um mais oneroso e abrangente), e ao final, não satisfeito com o resultado alcançado, exige novos serviços, alegando que contratou algo superior, que não foi entregue. E caso o médico não tenha um contrato consistente, ele dificilmente provará o contrário (pois a palavra do paciente ou consumidor - sempre pesa mais).

 

Cabe ainda citar o caso das cirurgias e tratamentos estéticos, pois como a justiça brasileira adotou para estes a regra da obrigação de resultado, é essencial que o médico ou dentista delimite em contrato qual foi o resultado proposto, sob pena de ver-se vinculado à expectativa do paciente (que além de inalcançável, pode variar com o tempo, conforme sua própria conveniência).   

 

Outro ponto essencial é o valor, e a forma de pagamento. São comuns os casos em que os médicos e dentistas encontram grandes dificuldades para receber seus honorários, após a prestação dos serviços. Em muitos casos, as queixas e acusações dos pacientes ocorrem exatamente com este objetivo (obter a isenção, ou a devolução do valor). E na falta da segurança jurídica que o contrato proporciona, o profissional acaba cedendo, e abrindo mão de sua remuneração.

 

Com um contrato bem elaborado, além de ter segurança jurídica para garantir sua remuneração, o profissional pode até mesmo o protestar ou executar judicialmente caso não seja pago (como faria com um cheque bancário), pois o documento vale como título executivo extrajudicial.

 

O contrato pode prever ainda uma série de situações gerais, como a forma de comunicação entre as partes. E também as possibilidades, meios e condições de desistência do negócio e rescisão contratual. Ou seja, quanto mais completo e específico, maior a segurança do profissional, em qualquer situação.

 

O contrato reforça a confiança entre as partes. Delimita os direitos e deveres de cada um. E prevê as condições em que a relação começa, e termina. Ao lado do Termo de Consentimento, compõe a documentação inicial indispensável na relação entre os profissionais da saúde e os pacientes. E em caso de ação judicial contra o médico ou dentista, o contrato faz toda a diferença no resultado.

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Portanto, caso ainda atue sem a formalização de um contrato adequado e específico para cada tipo de tratamento ou procedimento (sobretudo os cirúrgicos, e ainda mais os estéticos), procure imediatamente o advogado especialista de sua confiança.

 

Renato Assis é advogado, especialista em Direito Médico e Odontológico há 15 anos, e conselheiro jurídico e científico da ANADEM. É fundador e CEO do escritório que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o país. [email protected]

Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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