Artigo original em https://advambiental.com.br/nao-crime-se-licenca-ambiental-e-concedida-depois/
Não incorre no crime ambiental descrito no artigo 60 da Lei 9.605/98, o empreendedor que explore, sem a devida licença ambiental, atividade potencialmente poluidora, mas que busca a efetiva regularização de sua situação perante o órgão competente.
Com efeito, o objeto material do crime do art. 60 da Lei 9.605/98 são os estabelecimentos, as obras ou os serviços potencialmente poluidores sobre os quais deve recair uma conduta específica de construí-los, reformá-los, ampliá-los, instalá-los ou fazê-los funcionar, sem autorização ou licença dos órgãos ambientais competentes.
Trata-se, pois, de prática de atividade perigosa que, uma vez consentida, deixa de ser punível, isto é, se concedida a autorização ou licença ambiental, ainda que posterior ao início da obra, serviço ou funcionamento do estabelecimento, haverá a exclusão da tipicidade material do fato.
Dito de outra forma, a autorização ou licença posterior funciona, na prática, como causa extintiva da punibilidade do fato. Se alguma obra ou serviço foi iniciado antes ou depois da licença concedida, tal fato, pela intervenção do órgão ambiental competente, tornou impunível a conduta incriminada do art. 60 da Lei de Crimes Ambientais.
1. AUSÊNCIA DE LICENÇA É CRIME DE PERIGO CONCRETO
O crime ambiental do art. 60 da Lei 9.605/98 é crime de perigo concreto, e, para sua configuração, exige seja comprovada pericialmente a potencialidade poluidora. Exige-se, para o aperfeiçoamento do tipo penal em questão, a existência de risco concreto para o meio ambiente.
Assim, ausente qualquer referência acerca do potencial da obra, serviço ou estabelecimento de causar degradação ao meio ambiente, como exige a descrição típica invocada, não se pode afirmar que caracterizada a infração.
Conforme lecionam Vladimir e Gilberto Passos de Freitas[1], potencialmente poluidora é:
[...] a atividade que possa causar degradação ao meio ambiente, isto é, alteração adversa das características do meio ambiente. É imprescindível perícia para atestar que o estabelecimento construído é potencialmente poluidor.
Não custa lembrar as ponderações bem lançadas por Luiz Regis Prado[2], no sentido de que:
A orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do mio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa.
Não se pode olvidar jamais que se trata de matéria penal, ainda que peculiaríssima, submetida de modo inarredável, portanto, aos ditames rígidos dos princípios constitucionais penais - legalidade dos delitos e das pernas, intervenção mínima e fragmentariedade, entre outros - pilares que são do Estado do Direito democrático.
A sanção penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico, devendo ser utilizada tão-somente para as hipóteses de atentados graves ao bem jurídico ambiente.
O Direito Penal nesse campo cinge-se, em princípio, a uma função subsidiária, auxiliar ou de garantia de preceitos administrativos, o que não exclui sua intervenção de forma direta e independente, em razão da gravidade do ataque.
2. INEXISTÊNCIA DE CRIME AMBIENTAL DO ART. 60
Não deve ser punido com uma sanção penal aquele que procurou de forma diligente legalizar sua atividade mineradora, mesmo que obtida após a ocorrência dos fatos por questões meramente burocráticas.
Sem ignorar a independência das esferas administrativa, civil e penal, assim como a possibilidade de responsabilização cumulativa do agente nessas três esferas quanto às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, inexiste a tipicidade do comportamento formalmente subsumido à descrição legislativa do art. 60, se o agente buscar a competente licença para executar o serviço, obra ou empreendimento, ainda que inicie sem ela.
A respeito do tema, Edis Milaré discorre que:
Em princípio, a responsabilidade criminal independe das outras esferas de responsabilização, segundo a tradição do nosso Direito. Assim parece ser lógico concluir que a assunção de responsabilidade no compromisso de ajustamento de conduta pelo causador do dano não afirma nem elide, por si só, eventual responsabilidade penal.
Mas, salienta o autor, deve-se:
Apurar sobre a real necessidade da persecução criminal. (...) o Direito do Ambiente tem por vocação a prevenção e a reparação do dano, que são exatamente o objeto do Compromisso de Ajustamento de Conduta.
Este instrumento, ao estabelecer condicionantes técnicas e cronograma para a execução de terminadas obrigações, garante a regularização das atividades e, ao mesmo tempo, a sua continuidade.
É a forma legal de conciliação entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, que se traduz exatamente no ideal do desenvolvimento sustentável.
Segundo essa ordem de ideias, a abordagem do Direito Penal surge como a ultima ratio, devendo este ramo do Direito incidir sobre o caso concreto somente quando as demais instâncias de responsabilização jurídica - civil e administrativa, que são menos gravosas - tenham se mostrado insuficientes para coibir a conduta infracional. Isso advém do reconhecimento da liberdade como direito fundamental do homem e valor supremo para a vida em sociedade, essencial no Estado Democrático de Direito.
Qualquer ação estatal que envolva restrição a esse direito encontra seus limites na exata medida do necessário e suficiente para atender ao fim público a ser tutelado em cada situação.
3. CONCLUSÃO
Logo, não comete crime ambiental, por ausência de ilicitude, o empreendedor que explore, sem a devida licença ambiental, atividade potencialmente poluidora, mas que busca a efetiva regularização de sua situação.
Por não comportar a modalidade culposa, eventual denúncia pela suposta prática do tipo do artigo 60 da Lei 9.605/98 deve demonstrar o dolo do agente na instalação, reforma ou funcionamento de empreendimento poluidor sem licenciamento ambiental válido, ou seja, não vencido .
Portanto, tem-se como insustentável a persecução penal que se funda no mero desacerto da interpretação jurídica do agente, pois muito embora este se convença de que estaria amparado por situação jurídica consolidada, busca regularizar o seu licenciamento ambiental o que torna a conduta atípica.
[1] Crimes contra a Natureza, 6ª ed. Ver., atual. e ampl., São Paulo, RT, 2000, p. 195.
[2] Crimes Contra o Ambiente. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2001. p. 33.
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