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A conduta promover construção em solo não edificável configura crime ambiental previsto no art. 64 da Lei 9.605/98, que possui a seguinte redação:
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
A conduta descrita no tipo é a de "promover construção", ou seja, realizar atos que resultem em construção.
Por construção deve se entender, segundo doutrina[1], "toda realização material e intencional do homem, visando a adaptar o imóvel às suas conveniências. Neste sentido tanto é construção a reforma, como a demolição, o muramento, a escavação, o aterro, a pintura e demais trabalhos destinados a beneficiar, tapar, desobstruir, conservar ou embelezar o prédio".
O tipo penal do art. 64 diz que a conduta de construir (promover) configura crime, se a construção for realizada em "solo não edificável" e "sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida".
Em casos assim, é necessário identificar se a construção foi realizada sobre solo não edificável. A expressão "solo não edificável" significa área não edificável, lugar não edificável por força de norma.
O art. 64 da Lei 9.605/98 veicula "norma penal em branco", norma que exige complementação por outra norma. No caso, complementam o tipo penal a Lei 12.651/12 (Código Florestal), que estabelece a vedação de construções em áreas de preservação permanente. Verbis:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos dágua de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos dágua que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos dágua que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos dágua que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos dágua que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo dágua com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios dágua artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos dágua naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos dágua perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º , equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho dágua adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.
Como se vê, para enquadramento no art. 64 da Lei de Crimes Ambientais, necessário que se demonstre de forma suficiente que a construção realizada em solo não edificável, assim considerado nos termos do art. 4º do Código Florestal acima reproduzido.
1. REFORMA NÃO CONFIGURA O CRIME AMBIENTAL DO ART. 64
Percebe-se que o art. 64 da Lei 9.605/98 fala em promover construção em solo não edificável ou em seu entorno. O objetivo da norma é evitar danos ambientais, ou seja, que sejam feitas construções que efetivamente prejudiquem o meio ambiente.
Para que a ação humana se amolde à figura delitiva, necessário que estejam presentes todos os elementos constitutivos do crime. O fato deve se amoldar à descrição contida na lei (subsunção), configurando-se a tipicidade formal.
Deve o fato também ser materialmente ofensivo (tipicidade material), reprovável ou perigoso ao bem jurídico tutelado pela norma jurídica. Não basta, portanto, a subsunção do comportamento à norma incriminadora, porquanto ações toleradas pela coletividade ou causadoras de danos desprezíveis ao bem protegido não deverão ser abrangidas pelo tipo legal.
Assim, para a configuração do crime previsto no artigo 64 da Lei n. 9.605/1998 é necessário que a construção seja nova, isto é, a partir do solo in natura seja promovida a construção.
A reforma, por si só, não se enquadra no verbo nuclear do tipo penal, cujo elemento objetivo é promover construção, o que remete a algo novo, até então inexistente.
Até porque, a reforma de imóvel sem o aumento da área ou ampliação da construção pré-existente não é prevista no tipo penal, conquanto a conduta punível é promover construção em solo não edificável.
Dito de outra forma, como a construção já foi realizada em anos anteriores, a mera reforma sobre a área já construída não acarreta "nova incidência" ou "renovação" do crime.
O fundamento acima apresentado, estabelece, pois o elemento objetivo, qual seja, o de que o solo deve estar intocado (in natura) antes da conduta de promoção da construção.
Portanto, se houve a reforma de um imóvel já existente em solo não edificável, cuja permanência foi tolerada pela Administrativa por anos, sem haver prova de acréscimo da área construída, não haverá qualquer ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal.
2. CONCLUSÃO
Vale destacar, por fim, que a mera substituição de estrutura antiga e decadente por material de alvenaria em nada representa ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, o meio ambiente, sendo certo que a legislação ambiental não estipula preferência entre materiais de construção.
Ainda que a atividade dependa de autorização dos órgãos ambientais, em âmbito penal não há relevância material da conduta imputada.
Desse modo, ausente a tipicidade material necessária a ensejar a condenação penal, pois, ainda que haja subsunção da conduta ao tipo penal, não haverá lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal.
Vale lembrar, que o direito penal atua como ultima ratio, ou seja, como última medida a ser utilizada pelo Estado em situações em que não seja possível a proteção e tutela de certos bens jurídicos pelos outros ramos do direito.
Não se nega a possibilidade de o acusado vir a sofrer as consequências jurídicas de sua ação, entretanto sua responsabilidade deve estar adstrita a outras áreas do direito, que não a penal.
Portanto, ausente as provas de se tratar de construção nova, não há se falar em subsunção da conduta de reformar ao tipo penal do art. 64, de modo que, não estando configurada a tipicidade material, a conduta é atípica.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir, São Paulo, Malheiros, 1990, p. 28.
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