A INFLUÊNCIA DO SISTEMA CAPITALISTA NO AUMENTO DA INSERÇÃO DO MENOR NA CRIMINALIDADE

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Neste trabalho, buscou-se trazer uma reflexão acerca da influência do sistema capitalista no aumento da criminalidade por menores, a partir da reflexão proposta por Marcuse.

A INFLUÊNCIA DO SISTEMA CAPITALISTA NO AUMENTO DA INSERÇÃO DO MENOR NA CRIMINALIDADE

THE INFLUENCE OF THE CAPITALIST SYSTEM ON THE INCREASING INSERTION OF MINORS IN CRIMINALITY

 

Thatianne Rodrigues Lara de Oliveira Gonçalves[1]

Tarsis Barreto Oliveira[2]

Kyldes Batista Vicente[3]

 

RESUMO

O sistema capitalista tem gerado uma sociedade consumista, influenciando, por sua vez, a formação de crianças e adolescentes. É preocupante o conflito gerado com as falsas necessidades criadas na atual sociedade, em que o ter é mais referenciado que o ser. Dessa maneira, são inúmeros os menores que, em busca de objetos que os possibilitem ingressar em algum meio ou grupo, têm se enveredado no caminho da criminalidade, cometendo atos infracionais como furtos e roubos, a fim de obterem para si a satisfação do consumo que a própria sociedade tem inculcado como necessidade vital. Nota-se que o sistema capitalista, totalmente materialista, tem influenciado na formação de jovens na inserção da criminalidade. O sociólogo e filósofo alemão Herbert Marcuse (1964) já previa a repercussão gravosa do avanço tecnológico e a sociedade consumista, informando as nuances severas e cruéis que o atual sistema pode gerar na atual sociedade. Neste trabalho, buscou-se trazer uma reflexão acerca da influência do sistema capitalista no aumento da criminalidade por menores, a partir da reflexão proposta por Marcuse.

Palavras-chave: sistema capitalista; crianças e adolescentes; criminalidade.

 

ABSTRACT

The capitalist system has generated a consumerist society, influencing, in turn, the education of children and adolescents. The conflict generated by the false needs created in the current society, in which having is more referenced than being, is worrying. In this way, there are countless minors who, in search for objects that will allow them to join some environment or group, have taken the path of criminality, committing infractional acts such as thefts and robberies, in order to obtain for themselves the satisfaction of consumption that society itself has inculcated as a vital necessity. We can see that the capitalist system, totally materialistic, has influenced the formation of young people into criminality. The German sociologist and philosopher Herbert Marcuse (1964) had already foreseen the serious repercussions of the technological advance and the consumerist society, informing the severe and cruel nuances that the current system can generate in today's society. In this paper, we sought to bring a reflection about the influence of the capitalist system on the increase of juvenile crime, based on the reflection proposed by Marcuse.

Keywords: capitalist system; children and adolescents; criminality.

 

Introdução

 

Embora não se trate de um discurso marxista, necessário se faz identificar o crescente número de crianças e adolescentes incursos no mundo da criminalidade com atos infracionais cometidos a fim de se obter o direito do consumo, tão utilizado pelo capitalismo desenfreado vivenciado atualmente.

Gera-se necessidade de consumo, sem realmente ser de fato uma necessidade vital, ou até uma prioridade, exemplos são inúmeros em que diversos pais se sacrificam diurtamente trabalhando incessantemente para adquirir um iphone para seu filho, ou então para lhe proporcionar roupas caras, de marcas famosas, a fim de que ele não seja ridicularizado na escola por ser desprovido de equipamentos eletrônicos modernos e roupas de marcas da hora.

O sociólogo e filósofo alemão Herbert Marcuse argumentava que as sociedades industriais avançadas criam falsas necessidades que obrigam as pessoas a fazer parte do sistema de produção e de consumo. De acordo com Marcuse, uma série de fatores, como a comunicação de massa, a cultura, a publicidade e os modos de pensamento contemporâneos reforçam o sistema existente. Trata-se de uma dominação e opressão em massa. Isso criaria um universo unidimensional, em que ideias e comportamentos se tornam homogêneos e o pensamento crítico é anulado. Ou seja, ao escolher entre essas falsas necessidades, o homem contemporâneo pensa que é livre, quando na verdade ele é um ser autômato, incapaz de se opor a esse aparato tecnológico (LIMA, 2020).

Tão verdade o que previu Marcuse que o início do século XXI, com a tecnologia cada vez mais robusta, tem feito dos consumidores agentes dependentes de seus produtos, alienando-se ao contexto de vida desenfreado, de sempre ter mais, nunca o suficiente.

Neste interim muitos são inseridos à criminalidade, em razão dos valores distorcidos inculcados à sociedade consumista, onde só pode ser quem ter; portanto, crianças e adolescentes de todas as esferas sociais podem vir a cometer atos ilícitos a fim de se sentirem aceitos nos grupos.

O presente trabalho busca trazer uma reflexão sobre o assunto que deveras é atual e gritante no contexto brasileiro, posto que é notório o alarmante crescimento de menores incursos no mundo da criminalidade.

 

O avanço da tecnologia no mundo contemporâneo e seus resultados

 

Com o avanço da tecnologia, especialmente a partir da revolução industrial, as necessidades também aumentaram, posto que o ente social passou a ser mais exigente, querer mais o conforto ocasionado pela tecnologia; criou-se, portanto, mais itens necessários para se viver, que outrora, não eram exigidos, tão pouco, necessários para a vida.

A livre escolha entre a larga quantidade de bens e serviços não significa liberdade quando estes bens e serviços mantêm o controle social sobre uma vida de esforços e medo, ou seja, de alienação (MARCUSE 1964).

Seguindo essa linha de pensamento, Marcuse formulou uma teoria social crítica sobre a ideologia das sociedades tecnológicas avançadas, ao se analisar o poder de consumo que se gera com o avanço da tecnologia.

Atualmente já há índice preocupante de crianças e adolescentes obesos em razão da alimentação inadequada e ausência de atividade física. Mas qual é a relação disso com o avanço da tecnologia? A relação está no fato de que, especialmente, no que tange aos brinquedos eletrônicos, celulares, vídeo games e tantos outros, tem furtado lentamente a criatividade e especialmente tem tirado as crianças das atividades físicas, uma vez que preferem os equipamentos eletrônicos, e, sem controle algum, tornam-se viciados a essas tecnologias.

Veja-se que no Brasil na década de 1970 ainda havia várias cidades interioranas que não possuíam energia elétrica, e as que possuíam tinham geradores que funcionavam até certa hora, até que todos os moradores teriam que se recolher em suas casas, em razão da energia que era pontualmente desligada. Hoje há crianças e adolescentes que não sabem o que fazer se faltar energia em suas casas, e pior, se faltar internet, impedindo que estejam interligados.

Inegável que a tecnologia trouxe inúmeros benefícios que marcaram de forma significante a sociedade mundial; contudo, seu avanço também trouxe perigos inimagináveis para os indivíduos.

Os países que detêm maior avanço tecnológico se destacam no cenário mundial; afinal vendem tecnologia, na maioria deles desenvolvidos e com a economia estabelecida em grande parte nos seus produtos tecnológicos produzidos. Mas nesse contexto, Marcuse traz uma reflexão:

[...] atrás do véu tecnológico, por trás do véu político de democracia, surge a realidade, a servidão universal, a perda de dignidade humana em uma liberdade de escolha prefabricada. E a estrutura do poder já não é sublimada no estilo de uma cultura liberalista, já não é sequer hipócrita (quando retinha, pelo menos, as formalidades, a concha da dignidade), mas brutal, despida de todas as falsas aparências de verdade e justiça (MARCUSE, 1981, p. 23).

Outra reflexão intimamente ligada à tecnologia é o impulso crescente do ter, em que as pessoas por vezes são reconhecidas pelo que possuem e não pelo que são; a sociedade de consumo tem inculcado falsas necessidades, fantasiando uma prioridade que não é prioridade para uma vida digna. Como mencionado, muitos se esforçam de forma descomunal para obter para si objetos (carros, eletrodomésticos, celulares etc.) a fim de mostrar à sociedade que conseguem obter; no entanto, se tornam pessoas endividadas, estressadas, doentes e escravas do consumo.

Nesse diálogo, o psiquiatra e escritor Augusto Cury retrata algo intrigante que estamos vivenciamos:

Nunca tivemos uma fonte tão grande de estímulos para excitar a emoção como na atualidade. A indústria da moda, os parques temáticos, os campeonatos esportivos, a internet, a televisão, a música e a literatura explodiram nas últimas décadas. Esperávamos que esta geração vivesse o mais intenso oásis de prazer e tranquilidade. Mas nos enganamos. Jamais fomos tão tristes e inseguros. Muitas pessoas precisam de incontáveis estímulos para sentir migalhas de prazer: o que está acontecendo? Quem deseja ter uma mente livre deve ser questionar profundamente.

A solidão está aumentando. As sociedades estão adensadas. No começo do século XX, éramos pouco mais de 1 bilhão de pessoas. Hoje só na China e a Índia já tem, cada uma, mais de 1 bilhão de habitantes. Por vivermos tão próximos fisicamente, pensávamos que não haveria solidão. Mas nos enganamos novamente: a solidão nos contaminou. As pessoas estão sozinhas nos elevadores, no ambiente de trabalho, nas ruas, nos estádios. Estão sozinhas no meio da multidão (2017, s/p).

A avalanche da tecnologia proporcionou ao homem muitas descobertas, entretanto, também o afastou de si mesmo.

A tecnologia da informação foi a mais crescente entre tantos produtos. Com esse crescimento outras demandas também surgiram com a mesma velocidade. De acordo com Silva; Cavalcanti (2016, p. 76):

Com o surgimento do transistor, da cibernética, da internet e, principalmente, do bit, o mundo antropocêntrico deu lugar ao mundo bitcêntrico no qual o espaço real cede lugar ao Ciberespaço, onde os átomos são os bits. O ciberespaço representa uma nova realidade, um universo sem limites orgânicos e sem fronteiras espaciais ou temporais. Nasce a era da informação na qual a difusão de informações que demoravam dias para alcançar locais além da comunidade local, passaram a percorrer o globo em frações de segundos e com a mesma velocidade com que surge, desaparecem. Vivemos num momento em que pequenos problemas locais, antes irrelevantes, passaram a ter o condão de, em poucos segundos, alçarem a esfera global e trazerem consigo consequências imensuráveis.

Hoje há vários estudos que buscam conter o avanço da criminalidade no espaço virtual, numa realidade em que criminosos ocasionam tragédias no mundo cibernético.

 

O consumo na sociedade moderna

 

Ao se pesquisar sobre o assunto, verificou-se vários artigos científicos abordando o presente tema, em especial, a atual sociedade consumista.

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Barbosa (2004) identifica na cultura do consumidor ocidental contemporâneo o consumo como foco central da vida social. Segundo a autora, práticas sociais, valores culturais, aspirações e identidades seriam definidos e orientados em relação ao consumo, e não para outras esferas da sociedade, como o trabalho ou a religião. Nesse aspecto, a sociedade contemporânea seria concebida negativamente como uma sociedade materialista, na qual o valor social das pessoas é aferido pelo que elas têm e não pelo que elas são.

Em consonância com as respostas obtidas a partir do estudo de Barbosa (2004), o Instituto Ipsos, terceira maior empresa de pesquisa e inteligência de mercado no mundo, com sede na França e filial no Brasil, divulgou, em dezembro de 2013, os resultados de uma pesquisa que mediu o índice de consumismo e materialismo de sociedades de vinte países, dentre eles o Brasil. A pesquisa indicou o Brasil como o quarto país mais consumista e materialista dos que foram avaliados. Uma das perguntas centrais da pesquisa relacionava o sucesso pessoal à aquisição de bens materiais (meu sucesso é medido pelas coisas que eu tenho?). Como resultado, constatou-se que 48% dos entrevistados brasileiros responderam afirmativamente. Para essa mesma pergunta, apenas 7 % dos entrevistados da Suécia, o país que ficou em último lugar, responderam afirmativamente. (RANGEL, 2016).

Isherwood; Douglas (2013, citados por RANGEL, 2016), um economista e uma antropóloga, também estudaram a cultura do consumo nas sociedades contemporâneas. Os autores puderam destacar o pertencimento e a exclusão como efeitos do consumismo, concebendo as mercadorias almejadas e obtidas pelos indivíduos não como objetos fins em si mesmos, mas como meios de alcançar determinados fins. As mercadorias, os bens materiais, seriam então utilizados para marcar e classificar indivíduos, separando-os em grupos diversos, unindo determinados indivíduos que fariam parte do mesmo grupo, e excluindo outros que a esse grupo não teriam condições socioeconômicas de pertencer.

  Isherwood; Douglas ainda foram capazes de identificar como os bens materiais que não são essencialmente vinculados à sobrevivência humana se tornaram objetos de necessidades pouco ou nada explicáveis racionalmente. Muito em decorrência do que é imposto ao indivíduo pelos meios de comunicação, objetos como uma televisão moderna ou um telefone celular sofisticado exercem imperativos de aquisição, como se, diante da ausência desses bens, o indivíduo regredisse a uma era mais primitiva (RANGEL, 2016).

Analiticamente obtém-se a triste realidade do homem contemporâneo que busca incessantemente a satisfação do consumo, gerado por uma pseudonecessidade, que tem contaminado as gerações mais jovens e até mesmo as crianças e os adolescentes.

 

A inserção do adolescente na criminalidade

 

Dentre vários fatores, é perceptível o número crescente de adolescentes infratores. Nessa ordem, vê-se que os efeitos da tecnologia e o consumo desenfreado têm gerado nos menores uma necessidade de identidade correlacionada com o que se pode ter, na grande maioria os pequenos furtos e delitos praticados por menores são resultado de sentir-se aceito em meio à sociedade consumista.

A família tem estado cada vez mais distante, pais não possuem tempo para os filhos e por sua vez os filhos não se sentem amados nem educados como deveriam, e são adotados por meliantes, traficantes, facções criminosas que lhes dão mais atenção que seus pais, que, de outra banda, estão correndo desenfreadamente para conquistar mais, dar mais presentes, mais oportunidades aos filhos. Dessa feita, os pais trabalham, sacrificam suas vidas e a família, para obterem o ter, os presentes, e na realidade o que os filhos almejam é a presença de seus pais.

Para o adolescente, a falta de dinheiro faz a vida mais difícil. Sem qualificação o pai não consegue emprego e sem emprego não há recursos financeiros para viver dignamente em sociedade. O cenário é propício para o convite a que se integre no mundo do crime, através de mecanismos de cooptação afetivamente convincentes. (SILVA, BRANCO, s/d).

Silva e Branco ainda trazem a reflexão de que na sociedade consumista, as autoridades são crescentemente desvalorizadas pela sociedade, cujo entendimento é o de que não é necessário ter moral, mas apresentar a marca certa, a griffe adequada, que impõe respeito, dá visibilidade e traz a sensação de ser melhor que os outros, de ser mais poderoso, mesmo que para tanto seja necessário entrar no campo da criminalidade.

Objeto de luta material, objeto de luta simbólica, instaurador de lugares identitários, de status, ordenador do espaço vivido e relacional, o dinheiro e suas representações, muito além do poder imediato da compra e da posse concreta de objetos que propicia, nos conduz por caminhos de um imaginário constitutivo das relações e das práticas sociais em sua pesada materialidade. (GALANTE, 1998, p. 147).

A partir disso, nos vinculamos a essa análise de Samuel Costa da Silva e Lúcio de Brito Castelo Branco:

O consumismo capitalista estimulado paradigmaticamente na sociedade ocidental impõe diferenças sociais e exalta os que desfilam vestidos com os símbolos visuais que ostentam poder social. Automóveis, imóveis, vestuário, e uma infinidade de outros símbolos, numa sociedade consumista, têm a tarefa de distinguir objetivamente quem pode exibir-se na sociedade com as griffes de poder dentre os excluídos e destituídos de instrumentos para se exibirem como portadores de poder social. O verbo ter torna-se sinônimo de ser, o que implica a negação ou exclusão dos desprovidos. Aos ocupantes dos extratos sociais mais baixos da sociedade brasileira, desqualificados para o mercado de trabalho, que cada vez exige maior aprendizagem e qualificação, e bombardeados pelo apelo consumista, resta-lhes conformar-se com a miséria de seu status quo, ou rebelar-se. E é através da rebelião e da transgressão das leis sociais que muitas crianças e adolescentes conquistam os símbolos de poder, dos quais antes de entrar no campo da infração estavam privados de usufruí-los. A violência é (...) antes de tudo uma resistência da identidade ameaçada, ou a caminho da destruição (WIEVIORKA, 1997, p. 34).

Os valores estão distorcidos, cada vez mais distantes de uma sociedade igualitária, distantes dos direitos fundamentais elencados na Constituição garantista de 1988.

São diversos os fatores que engendram probabilidade maior de o menor se envolver com atos infracionais, tais como a baixa escolaridade, desestrutura familiar, aliciamento com drogas, e, claro, a necessidade crescente do consumismo atrativo, introduzido pelo sistema capitalista.

A Revolução Industrial instituiu um novo modelo de economia, a economia capitalista. Se no modo de produção feudal o objetivo era obter as mercadorias necessárias para a sobrevivência (valor de uso), no capitalismo, o fim da circulação é o dinheiro, onde a mercadoria passa a ter valor de troca e a sociedade é estimulada a consumir desenfreadamente. Assim, percebemos a presença marcante do sistema capitalista de produção permeando a vida de milhares de adolescentes, e influenciado direta e indiretamente a entrada destes no mundo da criminalidade. (MELO, BARAÚNA, SILVA, 2009).

De acordo com Iamamoto (2008) a questão social condensa um conjunto de desigualdades e lutas sociais produzidas e reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais e que alcança plenitude a partir das expressões e matizes em tempos de capital fetiche. Ela expressa, portanto, uma arena de lutas políticas e culturais na disputa entre projetos societários de diferentes interesses de classe na condução das políticas econômicas e sociais.

Quais têm sido as ações de proteção às crianças e adolescentes no contexto hodierno da invasão tecnológica e do consumismo desenfreado? Como sociedade, no dever constitucional de proteção aos menores, o que de fato tem realizado para coibir a manipulação avassaladora do consumo, raiz do capitalismo, na mente de um adolescente?

Tais perguntas ecoam sobre a educação, sobre a família do indivíduo, os valores morais e éticos, como num grito de socorro, emergem numa realidade desordenada onde vários jovens, famílias, crianças e adolescentes são reféns do avanço da tecnologia e do capitalismo selvagem.

 

Da dignidade da pessoa humana

 

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparece como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil.

O texto normativo da Declaração Universal da ONU de 1948, em seu artigo 1º, vem ressaltar a importante contribuição acerca da dignidade da pessoa humana, tornando-a universal e unificando as premissas descritas por Kant. Senão, vejamos: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade.

O desrespeito à integridade psíquica, física e moral que são perpetrados contra as crianças, são considerados de alta gravidade, posto que podem comprometer o desenvolvimento emocional do menor, levando-os a marginalidade ou a comprometimentos psicológicos futuros.

O artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta, especificamente, o disposto no artigo 227 da Constituição Federal, ao afirmar ser dever de todos velar pela dignidade das crianças, pondo-as a salvo de quaisquer tratamentos desumano, violento, aterrorizante ou constrangedor.

Assim, não é exagero dizer, em conformidade com os ensinamentos do cientista político, Deodato Rivera que, o legislador situou neste artigo 18 do referido Estatuto da Criança e do Adolescente o ponto fulcral da doutrina da proteção integral, cujo fundamento está precisamente nessa "dignidade inerente que as pessoas em desenvolvimento partilham com todas as demais pessoas humanas. (2002, apud CURY, 2002, p. 83)

A sociedade consumista, que gera necessidades desnecessárias e conduz a criança e ao adolescente a ter, valorizando-se o que se possui e não o que o ser humano em si representa, lega ao adolescente que não nasceu em berço de ouro, que não produz nem trabalha nos termos econômicos, a condição de ser considerado para própria sociedade um fardo improdutivo.

Nesse turno, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana se retrata como primordial para a existência do Estado Democrático de Direito, impondo parâmetros nas ações do Estado para com o cidadão.

A educação constitui o retrato do cumprimento desse direito. Uma vez propagada, difundida e inserida para proporcionar meios eficazes de transformação de vidas de enredos de miséria e desemprego, a educação será um meio pelo qual se demonstra o devido cumprimento da dignidade da pessoa humana em um Estado Democrático de Direito. Para a criança e o adolescente a educação é medida que se impõe para seu desenvolvimento intelectual e ainda desenvolvimento humano, devendo estar presentes reflexões sobre o sistema capitalista e suas nuances, especialmente no que tange ao consumismo.

 

Conclusão

 

De acordo com as pesquisas trazidas e o conhecimento evidenciado de sociólogos como Herbert Marcuse, pode-se concluir que o sistema capitalista traz atualmente em seu bojo consequências avassaladoras para a sociedade moderna, especialmente no que tange ao consumismo.

Estamos na era do capitalismo selvagem, na expressão em que ter é maior do que ser, e, isso, indubitavelmente, tem influenciado as crianças e adolescentes desta era moderna, em que princípios são distorcidos e o individualismo tem sido crescente, cada um por si, e, claro, com sua tecnologia de ponta.

Outro aspecto identificado foi o avanço tecnológico, que deveras, tem trazido muitos benefícios para o homem contemporâneo; contudo, há ainda mecanismos alarmantes que têm proporcionado através desta tecnologia um uso exacerbado, gerando usuários viciados na tecnologia, o que já não é bom, inclusive, quando se trata de crianças e adolescentes. Dessa feita, tem-se gerado dependentes da tecnologia, o que há pouco tempo não existia.

Em razão da sociedade consumista criar valores distorcidos, muitos adolescentes têm se voltado ao mundo da criminalidade com o intuito de adquirirem bens para serem aceitos nos grupos de que fazem parte, realizando pequenos furtos, a fim de obterem para si um celular mais sofisticado, ou uma roupa de grife, para serem incluídos no meio em que desejam obter reconhecimento e valorização.

Nesse contexto tem-se indagado o que a sociedade consumista tem gerado na presente geração de crianças e adolescentes que estão em formação para serem adultos amanhã, quais valores têm-se agregado na identidade de cada um deles e qual o papel da educação como ferramenta eficaz de desenvolvimento.

A educação deve tratar de assuntos tão pertinentes como o que se aborda no presente trabalho, vez que a conscientização sobre o atual sistema e suas consequências deve pairar sobre uma visão mais analítica e realista para melhor atribuir formas de escolha ao cidadão que está em formação, em especial às nossas crianças e adolescentes.

 

Referências

 

BARBOSA, L. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

CURY, Augusto. Superação: enfrentando a dependência e a insegurança, ed. Sextane, Rio de Janeiro- RJ, 2017.

GALANTE, Luis Augusto Vicente. As falas do dinheiro: imagens e representações

sociais. Dissertação apresentada ao Departamento de História do Instituto de

Ciências Humanas da Universidade de Brasília, Brasília: UnB, 1998.

IAMAMOTO, M. V. A questão social no capitalismo. Revista Temporalis Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2. Nº 3 (jan/jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001.

LIMA, Renê Ivo da Silva. O conceito de tecnologia no pensamento de Herbert Marcuse: estudo introdutório. Revista Lampejo - vol. 9 nº 1, 2020, pp. 222-234.

MARCUSE, H. Liberdade e agressão na sociedade tecnológica. Revista Civilização Brasileira, v.3, n.18,1068a.

________. Contra-revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

MELO, Paula Suellen Frota de; BARAÚNA, Carole Cordeiro; SILVA, Márcia Perales Mendes. O adolescente infrator no sistema capitalista de produção: um olhar a partir da doutrina de proteção integral. IV Jornada Internacional de Políticas Públicas (JOINPP), 2009. Disponível em <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIV/eixos/9_estados-e-lutas-sociais/o-adolescente-infrator-no-sistema-capitalista-de-producao-um-olhar-a-partir-da-doutrina-de-pro.pdf>

RANGEL, Pedro Lobato. Consumismo e criminalidade. Revista Âmbito Jurídico. 2016. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/consumismo-e-criminalidade/>

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VALLE, Maria Ribeiro do. Herbert Marcuse e a defesa da violência revolucionária nos anos 60. Estudos de sociologia, Araraquara, 15, 45-61, 2003.

WIEVIORKA, Michel. O novo paradigma da violência. Tempo social. São Paulo. v. 9, n. 01, p. 5-41, maio de 1997.

  1. Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (2006). Pós-graduada em Ciências Criminais e Criminologia (ESMAT, 2013), Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (ESMAT-2019). Atuou como professora substituta na Universidade de Gurupi (UNIRG), nas práticas forenses cíveis e penais (2015-2020). Conciliadora e Mediadora (2015). Oficial de Justiça Avaliadora - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Pastora eclesiástica na Igreja Batista Getsêmani em Formoso do Araguaia-TO.

  2. Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado 2 de Direito Penal da Universidade Federal do Tocantins. Professor Adjunto de Direito Penal da Universidade Estadual do Tocantins. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Coordenador e Professor da Especialização em Ciências Criminais da UFT. E-mail: [email protected]; https://orcid.org/0000-0003-0931-8915.

  3. Graduada em Letras (pela UFG), Mestre em Letras e Linguística (pela UFG) e Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (pela UFBA). Atualmente, é professora da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins) e do Centro Universitário ITOP (Unitop). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1249709305972671. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-8473-2828. E-mail: [email protected]

Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

Thatianne Rodrigues Lara de Oliveira Gonçalves

Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (2006). Pós-graduada em Ciências Criminais e Criminologia (ESMAT, 2013), Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (ESMAT-2019). Atuou como professora substituta na Universidade de Gurupi (UNIRG), nas práticas forenses cíveis e penais (2015-2020). Conciliadora e Mediadora (2015). Oficial de Justiça Avaliadora - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Pastora eclesiástica na Igreja Batista Getsêmani em Formoso do Araguaia-TO.

Kyldes Batista Vicente

Graduada em Letras (pela UFG), Mestre em Letras e Linguística (pela UFG) e Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (pela UFBA). Atualmente, é professora da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins) e do Centro Universitário ITOP (Unitop).

Informações sobre o texto

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