Artigo original em https://advambiental.com.br/perda-de-funcao-ambiental-app-impede-demolicao-de-casa/
Nos termos do artigo 3º, II, da Lei n. 12.651/12 (Código Florestal de 2012), área de preservação permanente APP, é a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Especialmente sobre as APPs de curso d'água, Frederico Amado[1] ensina que elas têm como principais funções ambientais prevenir o assoreamento dos cursos d'água e resguardar a segurança das pessoas contra as enchentes, auxiliando na absorção das águas durante as cheias.
O dispositivo acima mencionado, bem anota a doutrina, estabelece, assim, as funções ambientais da área de preservação permanente, sendo que a análise de demandas, sejam administrativas, cíveis ou penais, que envolvem este tipo de áreas, isto é, de preservação permanente, deve ser realizada sempre e sempre sob à luz dessas funções.
Nesse sentido, ações que visam punir o alegado transgressor ou buscar a reparação de suposto dano por intervenções em área de preservação permanente não merecem guarida quando o local objeto da demanda não cumprir as funções cogitadas pelo artigo 3º, II, da Lei n. 12.651/12.
Exemplo clássico são as áreas de preservação permanente em centros urbanos cuja ocupação é consolidada e antropizada, e a região densamente povoada, hipótese em que a área prevista em lei como sendo de preservação permanente perde sua função protetora.
Ora. Não há por que atribuir proteção a uma área isolada da natureza que perde sua função ecológica primitiva, não havendo sentido maior em impedir a ocupação.
1. DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL EM APP
Quando ausente a função ambiental da área de preservação permanente, temos defendido que carece de razoabilidade a imposição de demolição de construções, porque essa medida não teria o condão de trazer nenhum benefício ao meio ambiente local.
E, se aplicada, tal medida acarretaria ônus excessivo ao particular, seja na esfera administrativa, cível ou penal, sem a necessária contrapartida em termos de preservação ambiental, sendo, pois, injustificada.
Não se desconhece a importância da aplicação do Código Florestal, inclusive nas áreas urbanas, porém, a imposição da obrigação ao particular se justificaria na medida em que fosse possível resguardar as imprescindíveis funções ambientais exercidas pelas áreas de preservação permanente.
Na maioria das vezes, é de se questionar se a observância do disposto no art. 3º e no art. 4º, do Código Florestal, repercutiria, de alguma forma, na reversão do quadro quando houver a perda da função ecológica da área, mormente sob os pontos de vista axiológico e teleológico e considerando a interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
De se questionar ainda, se não estar-se-ia confrontando a aplicabilidade de tal regramento à luz dos princípios constitucionais, quais sejam, o da razoabilidade, proporcionalidade, igualdade e principalmente o atinente à dignidade da pessoa humana.
2. PROTEÇÃO DE APP NEM SEMPRE EXISTE
Com efeito, o art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal impõe ao Poder Público a criação de áreas especialmente protegidas ao prescrever que é vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Assim, perfeitamente admissível consignar que a sobredita regra inserta no art. 4º, do Código Florestal é constitucional no plano abstrato, já que, na maioria das situações, é apta a promover a finalidade para a qual foi criada, qual seja, a de assegurar a função ambiental dos recursos naturais.
Ocorre, todavia, ainda que se considere a proteção do meio ambiente, na maioria das vezes não há função ecológica a ser protegida, e a regra simplesmente perde a sua razão de ser, de existir.
Ou seja, a aplicação do Código Florestal em determinados casos concretos, configuraria medida inadequada e, portanto, destituída de proporcionalidade, além de injustificavelmente gravosa ao proprietário.
Isso ocorre, sobretudo, pelo fato de que em nada repercutiria sobre o quadro preexistente, de perda da função ambiental da vegetação original do local em virtude de intervenção realizada há anos.
Ademais, efetivamente, há que se reconhecer que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) é cláusula pétrea, inspiradora de nosso ordenamento constitucional e princípio basilar de todos os demais direitos, de sorte que sob sua inspiração devem ser interpretadas todas as demais normas.
3. CONCLUSÃO
Temos defendido que, quando reconhecida a ausência de função ambiental de uma área de preservação ambiental, descabe falar em recuperação da área mediante desfazimento (demolição) de edificações e, por consequência, também não há se falar em indenização por danos ambientais.
Assim, quando verificada que a degradação da área de preservação permanente está situada em centro urbano e a ocupação é maciça, restará inviabilizada a recuperação ambiental ao estado original, ou seja, do corredor de vegetação para manutenção da fauna e flora.
Isso porque, em casos tais, para a recuperar o meio ambiente seria necessária a remoção de ruas e todas as edificações e equipamentos públicos, ao contrário, a recuperação ambiental isolada apenas em determinado imóvel não traria benefício ecológico mensurável.
[1] Direito Ambiental, Editora Método, São Paulo, p. 202.
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