Direito Penal e psicopatia

24/06/2022 às 14:56
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RESUMO

Este trabalho monográfico objetiva analisar a responsabilidade penal das pessoas tidas como psicopatas pela ciência, direcionando a observação ao tratamento da legislação a respeito do tema. A partir de considerações acerca da psicopatia como um transtorno de personalidade, visa-se melhor compreender as definições científicas pertinentes à problemática. É essencial o estudo dessas pessoas em virtude da numerosa quantidade de crimes violentos praticados por esse grupo, em todas as camadas da sociedade, gerando, por conseguinte, um questionamento sobre como ele deve ser responsabilizado. O psicopata acaba sendo uma figura extremamente controversa no campo jurídico, que, como saída, busca se fundamentar nas bases científicas dos estudos sobre esse grupo de pessoas. A imagem do psicopata é retratada categoricamente pela mídia, através de casos emblemáticos, e pela teledramaturgia como um indivíduo de alta periculosidade. Diante dessa particularidade, o sistema penal brasileiro é dotado de poucos recursos na legislação para o tratamento da responsabilidade do tema, tendo como ponto central a análise das possíveis medidas a serem tomadas para a responsabilização. A doutrina e a jurisprudência são igualmente preenchidas de incertezas, uma vez que o tema é carente de respostas no Brasil, sendo, muitas vezes, atribuído ao psicopata institutos jurídicos típicos de pessoas com incapacidade mental ou desenvolvimento mental incompleto. Assim, o presente estudo aborda a sistematização dos institutos de aplicação das penas e as definições do que seja psicopata, objetivando um melhor entendimento acerca da responsabilidade penal. Para tanto, voltou-se à pesquisa de livros que se interessam pela compreensão do comportamento do psicopata, valendo-se ainda de doutrinas consagradas no direito penal.

Palavras-chave: responsabilidade; transtorno de personalidade; comportamento; crime; pena.

ABSTRACT

This monographic work aims to analyze the criminal responsibility of people considered psychopathic by science, directing the observation to the treatment of the legislation on the subject. From considerations about psychopathy as a personality disorder, we aim to better understand the scientific definitions relevant to the problem. The study of these people is essential due to the large numbers of violent crimes committed by this group, in all layers of society, thus generating a questioning on how they should be held responsible. The psychopath ends up being an extremely controversial figure in the legal field, which, as a way out, seeks to base itself on the scientific bases of the studies about this group of people. The image of the psychopath is categorically portrayed by the media, through emblematic cases, and by television drama as a highly dangerous individual. In face of this particularity, the Brazilian criminal system is endowed with few resources in the legislation for the treatment of the responsibility of the subject, having as a central point the analysis of the possible measures to be taken for accountability. The doctrine and jurisprudence are equally filled with uncertainties, since the theme is lacking answers in Brazil, being, many times, attributed to the psychopath legal institutes typical of people with mental incapacity or incomplete mental development. Thus, the present study approaches the systematization of the institutes of penalty application and the definitions of what a psychopath is, aiming at a better understanding of criminal responsibility. To this end, we turned to the research of books that are interested in understanding the behavior of psychopaths, making use also of established doctrines of Criminal Law.

Keywords: responsibility; personality disorder; behavior; crime; feather.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 

2 DO TRATAMENTO DADO PELO SISTEMA PENAL BRASILEIRO 

2.1 A definição da culpabilidade 

2.2 Da pena à medida de segurança 

3 A FIGURA DO PSICOPATA E SUAS CARACTERÍSTICAS 

3.1 A personalidade do psicopata 

3.2 As definições científicas da psicopatia 

3.3 Psicopatia e sua diferença da sociopatia e da psicose 

4 APLICABILIDADE DAS PENAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA ESFERA PENAL 

4.1 A figura do indivíduo psicopata e os parâmetros científicos que o qualificam como peculiar ao sistema punitivo 

4.2 Do tratamento jurídico dado à culpabilidade do psicopata 

4.3 O psicopata e sua responsabilização 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

REFERÊNCIAS 

  1. INTRODUÇÃO

A psicopatia é amplamente conhecida por meio das notícias veiculadas em jornais ou mesmo em séries e filmes televisivos, porém o tema é bem mais abrangente e de suma importância para a jurisdição e os estudos acadêmicos, sendo um assunto bem controverso, motivo pelo qual se pretende abordar, neste trabalho, o debate da responsabilidade penal dos agentes criminosos que possuem como particularidade esse traço pouco comum da psicopatia grave.

Para tanto, apoia-se em excelentes obras destinadas ao estudo do comportamento do psicopata, analisam-se as particularidades desse grupo de pessoas, seu modo de agir e de internalizar as ações, com base em obras de autores de referência nesse tema, tais como Ana Beatriz Barbosa Silva e Robert Hare, que trazem importante e enriquecedor conhecimento para a análise do modo de agir do criminoso com traços tão individuais e perigosos. Nesse cenário de imprecisão na legislação penal, surgem espaços para debates, e sugestões a respeito da forma como deve ser buscada a responsabilização ideal dos criminosos.

Essa problemática envolve de uma vez vários questionamentos sobre a forma de pensar e internalizar emoções do psicopata, além de explicações científicas e possibilidades oferecidas dentro do Código Penal (CP) para tratar criminosos psicopatas. Assim, a hipótese apresentada, neste trabalho, volta-se para estudos acerca da responsabilidade penal, apontando a medida de segurança e as penas presentes na legislação penal como possíveis saídas que, apesar de se mostrarem efetivas inicialmente, apresentam, de fato, pouco resultado e uma falta de parâmetros objetivos que possam servir como forma usual de responsabilizar os agentes.

Fica evidente, então, a flagrante ineficácia de solucionar de maneira mais sólida a responsabilização de pessoas com alto grau de periculosidade e infratores em potencial. Desse modo, a legislação penal brasileira ainda engatinha sobre esse tema, sendo ainda prematuras as respostas do direito penal ante pessoas com características tão distintas e modus operandi do crime peculiares em relação aos criminosos comuns, representando um perigo enorme à sociedade, muito em face do alto grau de níveis de reincidência criminal dos psicopatas.

Este trabalho, no tocante aos procedimentos técnicos, perfaz-se em uma pesquisa bibliográfica, conforme Gil (2008), ou seja, conta com embasamento teórico viabilizado por obras já publicadas, como livros, artigos científicos e trabalhos acadêmicos e outros materiais condizentes. Para tratar do tema em comento, organiza-se este estudo em três capítulos.

O primeiro capítulo aborda as características principais que tornam o psicopata um ser peculiar, seu modo agir e absorver os estímulos e sentimentos pouco compreendidos internamente. Versa-se acerca da classificação dada pela ciência ao funcionamento do cérebro desses indivíduos, que trazem evidências de pequenas formações exclusivas de partes ligadas a áreas do cérebro responsáveis pelas emoções, assim como reflexões sobre o comportamento dos psicopatas, que os colocam como seres opositores da comum convivência social.

O segundo capítulo trata de institutos do direito penal, passando, primeiro, pela definição de como se dá a culpabilidade, o que necessariamente leva a comentários acerca da imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade dos agentes que comentem condutas tipificadas como crime. Entender essas definições constitui-se um caminho para se chegar a possíveis respostas referentes a como devem ser tratados na sua individualidade os criminosos psicopatas. Por fim, perfaz-se uma explanação a respeito de medidas penais aplicáveis em tese a esses criminosos.

O terceiro e último capítulo trata dos desdobramentos da responsabilidade penal dos psicopatas, as medidas que são tomadas, as dificuldades de aplicar penas a essas pessoas, bem como a peculiar forma de submeter psicopatas a medidas de internação. Importa, nesse capítulo, enfatizar que a responsabilidade jurídico-penal é uma consequência natural do delito tipificado como crime e que aquele cometendo delito naturalmente deve ser responsabilizado por seus atos. Em suma, pontua-se que a inimputabilidade penal é um instrumento que existe, mas não necessariamente sempre se aplicará ao psicopata.

  1. DO TRATAMENTO DADO PELO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

A legislação brasileira trata a respeito da culpabilidade de uma forma bem clara, sendo uma análise que se perfaz conjuntamente à imputabilidade, formando entendimento que é de importância para compreender como se pune e o porquê se deve punir. Assim, este tópico pretende, de forma bem objetiva, percorrer uma definição acerca de quais são os parâmetros que são base para a culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo uma análise da imputabilidade, que vai definir um trajeto que leva à reflexão de como a figura central do presente trabalho, o psicopata, se torna uma particularidade no sistema penal brasileiro.

  • A definição da culpabilidade

Bonfim e Capez (2004) trazem definição interessante de que imputar deriva do latim imputare, que representa a formação do prefixo in com a sua extensão putare e significa julgar. Dessa maneira, imputar é como estabelecer um juízo sobre algum determinado fato, atuando de modo a separar o que for necessário se descartar, e atribuir da forma adequada o resultado desse juízo perpetrado a respeito de um objeto.

Para Busato (2015), a imputabilidade, em termos gerais, seria uma capacidade do indivíduo de ter uma compreensão e de valoração e, assim, uma forma de agir conforme essa compreensão. Então, essa compreensão, valoração e atuação levam em consideração, para o resultado, um conjunto de fatores físicos, biológicos, psíquicos e psicossociais. Para a aferição da imputabilidade do agente, é necessário, antes de mais nada, que seja feita a análise dessa etapa, consistindo na capacidade de intelecção e compressão da natureza ilícita da ação pelo comportamento que tenha realizado, bem como a análise da possível capacidade que tenha a pessoa de controlar a sua ação e atuar em acordo com a percepção.

Nessa toada, explana Jesus (2011) que essa imputabilidade pode ser excluída em dadas situações, por determinadas causas, ou seja, as conhecidas causas de inimputabilidade. Assim, não havendo imputabilidade, que é o primeiro elemento que forma a culpabilidade, não há como se falar em culpabilidade, e o resultado disso é que não haverá pena para o agente da conduta. Como se pode analisar, caso se constate a inimputabilidade, o agente que tenha praticado conduta antijurídica deve ter sua absolvição, sendo, então, aplicada a medida de segurança.

Sobre isso, Masson (2017) traduz o conceito de imputabilidade penal dissertando que o CP brasileiro adotou a tendência da maioria das legislações modernas e optou por não definir propriamente o que seja a imputabilidade, limitando-se, assim, a apenas apontar as hipóteses em que a imputabilidade não está presente, em que ficarão escancaradas as causas de inimputabilidade. O autor, então, conceitua a imputabilidade como a capacidade mental que a pessoa possui, no momento da prática da ação ou omissão definida como crime, de compreender o caráter ilícito e de se determinar conforme esse entendimento.

Ademais, Masson (2017) diz que a medida de segurança é a forma de sancionar que o Estado usa em seu direito de punir, cuja finalidade é exclusivamente preventiva e tem um caráter terapêutico. Dessa forma, destina-se a tratar inimputáveis e semi-imputáveis que têm certa periculosidade, bem como a premissa de prevenção de crimes, evitando, assim, que o paciente venha a cometer mais crimes.

Segundo Masson (2017), no direito penal brasileiro, existem uma clara distinção entre as penas privativas de liberdade e a aplicação das medidas de segurança, o autor esclarece que as penas têm uma finalidade mista, que combina a retributiva e preventiva, já as medidas de segurança têm como a finalidade destino a prevenir que ocorram novas infrações a norma penal.

Nessa esteira, Trindade (2010) diz que, mesmo que a psicopatia seja vista como patologia social sob o prisma da sociológica, como patologia ética pela ética e como patologia da personalidade pelo psicólogo, quando se leva em consideração o ponto de vista médico legal, não se pode pensar em uma doença no sentido clássico da definição. É possível observar uma tendência na comunidade global no sentido de esse grupo de pessoas, os psicopatas, serem capazes de entender, de maneira plena, o caráter ilícito das condutas cometidas por eles, tendo ainda a capacidade de comandar as suas próprias ações, isto é, agir conforme esse entendimento.

Trindade (2010) alerta que, mesmo havendo grande parte dos posicionamentos jurisprudenciais no sentido de adotar a posição de que os psicopatas teriam uma capacidade de responsabilização penal menor, definir a psicopatia com uma doença que o torna um indivíduo incapacitado a respeito das ações e cognição, fazendo com que essas pessoas, sob o crivo do Poder Judiciário, possam ser isentas das penas que poderiam ser acometidas, é uma situação que se assemelha a dar privilégios a pessoas que cometem crimes. Logo, seria como validar e dar votos para que possam continuar cometendo atos ilícitos.

Ao discorrer sobre a imputabilidade, Greco (2010) afirma que ela é formada por dois elementos, quais sejam: um intelectual, que concerne à capacidade que a pessoa possui de compreender que aquela conduta é considerada ilícita; um volitivo, que é a capacidade de se determinar, conforme esse entendimento, a respeito do elemento intelectual. Sendo assim, o primeiro elemento seria a capacidade de compreender que há proibições a certas condutas, e o segundo elemento é a capacidade que a pessoa teria para controlar a sua conduta, ou seja, de agir conforme esse entendimento.

Nessa ótica, explana Bitencourt (2014) que, desde que a dogmática jurídica penal da legislação brasileira adotou o pensamento sistemático, a responsabilidade que se atribui aos agentes criminosos é compreensível através de uma análise valorativa que vai escalonando a imputação. Assim, segundo o pensamento do autor, o delito é imputado ao comportamento humano praticado quando for possível este reunir as características elencadas que formam a tese aplicada. Então, para a formação do crime, analisam-se, como se sabe, a tipificação e a antijuridicidade.

Completa Bitencourt (2014) que não é somente ajustar aquela conduta praticada como típica e antijurídica para que se possa responsabilizar uma pessoa pela prática de um determinado crime, pois apenas esses dois atributos ainda não suficientes para se chegar à finalidade de punir. Para efetivamente punir, é necessário que se faça presente, ainda que seja feita uma observação, uma análise acerca das circunstâncias pessoais do autor da conduta, o que resulta, então, na segunda visão do autor, um acréscimo valorativo que torna o processo de imputação ainda mais complexo, com a característica da culpabilidade.

Conforme preleciona Jesus (2000), imputar é o ato de atribuir a uma pessoa a responsabilidade por alguma coisa que tenha ocorrido, sendo a imputabilidade penal um conjunto de condições da pessoa que são capazes de dar ao agente capacidade para que possa ser juridicamente imputada a ocorrência de um crime. Pode-se dizer, ainda, que o indivíduo imputável é aquele que mentalmente tem sã consciência e possui desenvolvimento completo, tendo, assim, a capacidade de perceber e saber que a conduta que tenha praticado é contrária aos ditamos sociais e à ordem jurídica posta.

Desse modo, Mirabete (2008) anota que, com a exclusão da imputabilidade por uma incapacidade total da pessoa de possuir o entendimento a respeito do caráter ilícito do fato, ou incapacidade de se autodeterminar, o autor do fato é absolvido e, nesse caso, aplica-se a medida de segurança com a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

Em sua obra, Masson (2017) define que a culpabilidade se refere a quem é capaz de diferenciar a conduta de uma pessoa considerada normal, com aptidão para o convívio em sociedade, possuindo, dessa forma, o devido conhecimento da ilicitude dos fatos tipificados como crimes, diferenciando-se das pessoas com um desenvolvimento mental incompleto ou retardado, bem como diferente dos seres desprovidos de racionalidade e das pessoas que não têm consciência do caráter ilícito do fato tipificado e não possuem outra maneira de agir de modo diverso daquele. Por conseguinte, segundo o autor, o primeiro indivíduo citado deve ser devidamente punido, visto que possuía a possibilidade de se adequar ao sistema jurídico, já os outros indivíduos e seres mencionados não podem ser punidos da mesma forma.

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Mirabete e Fabbrini (2008) tecem comentário de que é considerado inimputável aquele que, embora seja portador de alguma enfermidade mental ou possua desenvolvimento mental retardado ou incompleto, tenha a capacidade de compreender que a conduta que tenha praticado é ilícita e de se determinar, agir conforme essa razão. Então, segundo os autores, a inimputabilidade não se presume pelo fato de haver doença mental, e para que seja possível acolher a ideia de inimputável, esta deve ter provas que atestem, com absoluta certeza, tal condição de incapacidade de compreender os atos ilícitos.

Jesus (2013) traz importante noção da teoria de imputabilidade moral, a qual diz que o homem é um sujeito que possui liberdade e inteligência e, por isso, é responsável pelas suas próprias condutas, ao passo que, de forma inversa, aquele que não possui essas mesmas características, é considerado inimputável. Então, segundo o autor, o homem, sendo livre, tem a total condição de escolher entre a boa ação e a má ação; por conseguinte, ao escolher uma conduta que venha a lesar interesses da esfera alheia, ele deverá sofrer as consequências dos seus atos.

Da pena à medida de segurança

De acordo com o que está presente na legislação brasileira acerca do tratamento das normas penais, dispõe o CP de 1940 vigente até os dias atuais, em seu artigo 32, que as penas atribuídas aos agentes que cometem condutas vedadas pela norma penal incriminadora são divididas em três espécies: As penas são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa. (BRASIL, 1940, p. 1).

Capez (2020), em sua obra, aduz que a semi-imputabilidade do agente é a perda que ele tem da capacidade de entendimento e autodeterminação, que se dá em razão de uma doença mental ou em caso de desenvolvimento incompleto ou retardado. Dessa maneira, ela pode alcançar pessoas que possuam perturbações da mente e uma capacidade reduzida de determinar as suas próprias ações, bem como tenham uma resistência mais fraca em relação à prática de condutas criminosas. Segundo o autor, o agente não deixa de ser punível em si, pois ele é imputável de certo modo, porém a sua responsabilização é reduzida, por ter cometido a conduta com uma culpabilidade reduzida em consideração às suas condições pessoais.

Nessa linha, Masson (2017) pontua que existem, no CP brasileiro, duas espécies distintas de medida de segurança, a saber: a detentiva e a restritiva. A modalidade detentiva está prevista no inciso I do artigo 96 do CP e consiste em uma internação da pessoa em um hospital de custódia e que tenha tratamento psiquiátrico, o que, nesse caso, necessariamente importa em uma privação da liberdade do agente que cometeu a infração. Já a modalidade restritiva é lançada no inciso II do artigo 96 do CP, que sujeita a pessoa a um tratamento ambulatorial, isto é, nesse caso, o agente permanece em liberdade, mas precisa ser submetido ao tratamento médico psiquiátrico.

A medida de segurança, que se mostra como uma via possível em casos que ficam em um limite de fronteira na culpabilidade, está prevista no artigo 96 do CP de 1940, como segue: As medidas de segurança são: I - internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial. (BRASIL, 1940, p. 1).

Consoante Bitencourt (2017), o tratamento ambulatorial na medida de segurança é apenas uma das possibilidades que o instituto traz, as quais levam em conta as circunstâncias pessoais e do fato praticado e, assim, trazem a resposta se será conveniente, ou não, a sua aplicação.

O referido autor aponta que, quando se pune com pena de detenção, a privação da liberdade do agente, por si só, não é uma medida suficiente para que se possa fazer a técnica da medida de internação e para que seja realizada em tratamento ambulatorial. Para isso ser efetivado, faz-se uma análise da perspectiva pessoal do agente que cometeu o ato, a fim de revelar a compatibilidade com a aplicação da medida, que, em regra, é mais liberal do que a medida de internação. Então, ficando constatado que existem possibilidades, será aplicada a substituição da maneira exemplificada (BITENCOURT, 2017).

A medida de segurança apresenta-se como alternativa, sendo uma possibilidade que busca dar adequação à realidade da condição pessoal do agente que, nesse caso, se tem evidências que possuem menor capacidade de entender seus atos. Nesse sentido, veja-se como a legislação trata dessa medida, termos que dispõem os artigos 26 e 98, ambos do CP:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Redução de pena

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 

Substituição da pena por medida de segurança para o semi-imputável

Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. (BRASIL, 1940, p. 1, grifo do autor).

Sobre isso, Queiroz (2015) expressa que o CP pune aqueles que cometem crimes ou contravenção penal com a imposição de penas em espécie ou medidas de segurança, sendo as penas as sanções por excelência, são as que efetivamente, como o próprio nome leva a crer, pune o infrator, sendo aplicadas aos considerados imputáveis, aqueles que, segundo se estuda, têm a capacidade de ter o discernimento do caráter ilícito e a capacidade de autodeterminar conforme essa capacidade. Já a medida de segurança é destinada aos inimputáveis, que são aquelas pessoas que cometem condutas tipificadas como crime, porém não têm capacidade de compreender a ilicitude do ato, em razão de alguma doença mental que o acometa ou, então, por conta de um desenvolvimento incompleto ou retardado da mente, conforme se observa no artigo 26 do CP.

Jesus (2013) afirma que o CP brasileiro adotou o sistema biopsicológico para aferir a inimputabilidade conforme se depreende do entendimento do artigo 26 e do § 1º do artigo 28 do referido Código. Segundo o autor, o critério biopsicológico é formado pela soma do critério biológico e do critério psicológico, levando em conta a causa e o efeito da ação. Desse modo, só é possível considerar o sujeito inimputável em consequência de ele possuir uma anomalia mental e não possuir a capacidade de compreender que a conduta tem caráter ilícito ou de se determinar, agir conforme o entendimento. O autor pontua que a presença de uma doença mental, por si só, não é fundamento para a inimputabilidade, sendo necessário que se comprove que, em decorrência dela, o sujeito não possui capacidade de entendimento do caráter criminoso da ação.

Jesus (2013) explana que as penas e a medida de segurança constituem formas de sanção penal que o Estado impõe. Enquanto a pena tem uma natureza retributiva e preventiva, com uma tendência a readaptação do agente a conviver em sociedade, a medida de segurança tem uma premissa diferente, visto que possui uma natureza mais voltada à prevenção, ou seja, preventiva, no que se direciona a prevenir e evitar que a pessoa que tenha cometido conduta criminosa e demonstre periculosidade venha a reincidir no cometimento de novos crimes.

Jesus (2013) assevera que, no que se refere à duração da imposição da medida de segurança, o prazo de internação ou do tratamento ambulatorial terá um tempo indeterminado e perdurará enquanto permanecer a periculosidade do agente, que deve ser atestada através de perícia médica. Mesmo possuindo prazo indeterminado, a lei diz que o prazo mínimo será de um a três anos, sendo realizada a perícia médica ao fim do tempo mínimo fixado, devendo ter que ser repetida de ano a ano ou de acordo com o que o juiz da execução penal decidir.

Conforme Prado (2014), o CP de 1940 adota como critério, para responsabilizar os agentes que cometem crimes, a capacidade que estes possam ter de compreender o caráter criminoso da conduta e de se determinar conforme tal compreensão. Assim, o autor classifica que a inimputabilidade é aquela pessoa que é inteiramente incapaz de entender que cometeu uma conduta ilícita e se orientar em suas ações conforme o entendimento. No caso dos semi-imputáveis, são os que ficam em meio termo, não possuindo de forma plena o entendimento do caráter ilícito da conduta. Logo, para efeitos de responsabilidade penal, são aplicáveis aos semi-imputáveis a medida de segurança e a pena, enquanto, para os inimputáveis, é aplicada apenas a medida de segurança.

Bitencourt (2014), de forma semelhante, discorre sobre o tema, tratando que, na atualidade, o imputável que cometer uma conduta tipificada como crime está sujeito às penas correspondentes na lei, já o considerado inimputável está sujeito à aplicação da medida de segurança. Por sua vez, ao semi-imputável, o chamado limítrofe ou fronteiriço entre as duas anteriores, ficará a responsabilidade entre a aplicação da pena ou da medida de segurança, alternativamente, nunca cumulativamente as duas opções.

Observe-se, como se depreende do entendimento retratado anteriormente, que o psicopata fica como uma lacuna entre uma ou outra solução dada, pela jurisdição penal, no que tange à responsabilização pelos atos ilícitos praticados, o que leva a importantes debates na jurisprudência e na academia, com divergências sobre o tema e com a flagrante lacuna na própria legislação, que não tem atualizações seguras para a subsunção desse fenômeno.

Para definir melhor a responsabilidade na semi-imputabilidade, Prado (2014), em acordo com entendimento da interpretação da norma do CP, no caso de semi-imputabilidade, destaca que, quando o condenado precisa de tratamento especial curativo, o juiz da execução fará, então, a substituição da pena reduzida, para a aplicação da medida de segurança. Dessa forma, para que possa haver a substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança, é necessário, primeiro, que o julgador condene o autor do fato à pena privativa de liberdade reduzida e, após isso, a substitua pela medida de segurança.

A FIGURA DO PSICOPATA E SUAS CARACTERÍSTICAS

Compreender o objeto do presente trabalho é inevitável tarefa para que o debate se torne mais pertinente, de modo que a definição da psicopatia é o embrião necessário para que se possa expandir o debate sobre como responsabilizar agentes que possuem formas de agir e operar suas condutas tão singulares.

Nessa perspectiva, este tópico tem como premissa estudar e buscar definir, da melhor maneira possível, como o comportamento do psicopata se externaliza na sociedade, como ele tem características que o torna tão perigoso e astuto no cometimento de crimes, além de trazer definições científicas a respeito do singular funcionamento de zonas cerebrais responsáveis por influências na captação e no processamento de informações essenciais ao ser humano.

  • A personalidade do psicopata

A personalidade de uma pessoa é a parte aparente daquele ser, a qual pode ser percebida durante a convivência. Cada pessoa, ao longo da vida, depara-se com indivíduos que possuem personalidades distintas e, por mais que haja semelhanças entre uma e outra, cada ser humano tem uma personalidade dotada de individualidade. Diante disso, o estudo da personalidade, saber o que ela é efetivamente, é de suma importância para se compreender a ocorrência de pessoas com dissociações da personalidade que acabam causando reflexos, na maioria das vezes negativos, no convívio da sociedade.

A personalidade, conforme elucidam Fiorelli e Mangini (2020), seria definida como motivações, emoções, estilos interpessoais, atitudes e traços permanentes que formam um indivíduo, passando uma ideia de estabilidade e previsibilidade acerca da pessoa, levando em consideração a vida cotidiana sob condições normais; no entanto, essa estabilidade não implica necessariamente imutabilidade.

A personalidade é algo muito ligado à individualidade do ser humano; segundo Trindade (2010), é uma verdadeira referência à individualidade, uma característica individual dos modelos de pensamento, sentimento e comportamento da pessoa. Logo, trata-se de algo mais interno no indivíduo, mas que, além dessa face interna, tem uma manifestação global e possui componentes cognitivos, interpessoais e comportamentais, de modo que, nesses traços, se apresentam modelos comportamentais através do tempo e das situações vivenciadas.

Sendo um traço mais ligado ao comportamento, notadamente à personalidade, a psicopatia tem um elo maior com a personalidade do ser humano, em que o comportamento é o cerne. Como bem expressa Trindade (2010), a psicopatia não é propriamente um transtorno mental, como a esquizofrenia, o retardo mental ou mesmo a depressão. O autor pontua que o mais adequado é considerá-la uma dissociação, um transtorno da personalidade humana, que implica uma forma grave de desarmonia na formação da personalidade do indivíduo. Então, pode-se dizer, mesmo com algumas ressalvas, que a psicopatia não é, em si, um transtorno mental.

Segundo a competente autora Souza (2017), na psicologia, o termo personalidade tem a definição de uma organização de emoções, cognições e condutas que são determinantes para os padrões de comportamento de determinada pessoa. Nessa formação da personalidade, interferem tanto fatores biológicos, relacionados ao temperamento, quanto fatores ambientais e externos. A autora assinala, portanto, que o aspecto mais importante da personalidade, em relação ao temperamento e ao caráter, é que ambos estão incluídos nela.

A psicopatia, como bem se nota, não se trata pura e simplesmente de uma doença mental; diferente disso, observa-se ser algo mais amplo que essa conceituação, estando ligada intimamente à formação do indivíduo como pessoa, ao comportamento e à personalidade que este carrega intrinsecamente.

Trindade, Beheregaray e Cuneo (2009) reforçam pontuando que a psicopatia não é um transtorno mental, mas um transtorno de personalidade. Conforme os autores, por conta do comportamento do psicopata, que muitas vezes se manifesta de forma devastadora perante a sociedade, cria-se uma noção que leva à imensa maioria das pessoas a crer que todos esses indivíduos são os mais cruéis predadores da espécie humana e que geralmente constroem um extenso currículo de crimes, iniciados ainda na infância e indo até a vida adulta, sendo sempre um grau cada mais elevado a cada crime cometido de perversidade.

Entender sobre a psicopatia é entender um pouco mais acerca da personalidade, como observado a partir das definições do conceito e da explicação do termo. Desse modo, é observável que o psicopata tem uma personalidade que destoa das demais pessoas, possuindo peculiaridades inerentes à sua condição e traços de comportamento antissociais. Nota-se que o psicopata é peculiar e, até a cientistas e especialistas na área da neurociência e da psicologia, causa indagações de alta complexidade, pois estudar essas pessoas é uma tarefa desafiadora.

O psicopata, por vezes, é confundido com os assassinos em série; é uma confusão muito comum unir essas duas figuras como verdadeiros sinônimos. No entanto, por mais que existam muitos psicopatas que são assassinos em série, não é correto dizer que sejam todos estes psicopatas. Nesse bojo, Davidoff (2001), no livro Introdução à Psicologia, destaca que as pessoas com distúrbio de comportamento, como é o caso da psicopatia, são marcadas por uma trajetória de comportamentos antissociais, que começam antes mesmo dos 15 anos de idade, sinais que iniciam cedo. Assim, atitudes como roubo, mentira e vadiagem são típicos comportamentos na fase da pré-adolescência, bem como episódios de agressões, excessos sexuais e abusos no uso de álcool e drogas. A autora completa que, no desenvolver da pessoa com psicopatia, ao atingir a vida adulta, esses antigos padrões da adolescência continuam a aparecer e outros tendem a emergir, como fracasso em desempenhar atividades laborativas, no casamento e na paternidade.

Ademais, Davidoff (2001) explica que diversas características biológicas comuns entre psicopatas tem, provavelmente, origem biológica, muitos dos quais mostram tipos de atividade cerebral e irregularidades cardíacas que levam os cientistas a crer que as respostas do sistema nervoso autônomo são mais fracas que o normal. Em outros termos, um sistema nervoso autônomo que reage pouco, de maneira fraca, poderia tornar a pessoa, de certo modo, imune a estímulos sensoriais. Assim, os jogos perigosos e irresponsáveis que os psicopatas se motivam a viver podem ser motivados por uma necessidade de obter experiências sensoriais, como uma forma de compensação.

Acerca do comportamento dos psicopatas, Davidoff (2001) ressalta também que a resposta fraca do sistema nervoso autônomo poderia gerar uma característica marcante nesses indivíduos, que é a incapacidade de sentir dor ou ansiedade. O psicopata, dessa forma, não tem aquisição de medos, e esse traço de comportamento restringe a capacidade de entender situações erradas e de possuir sentimento de culpa e arrependimento por atitudes que causam sofrimento e destruição a outros. A título de complemento, a autora cita que os assassinos psicopatas tendem a mostrar níveis relativamente baixos de um importante neurotransmissor, a serotonina, de onde é possivelmente herdada tal característica.

De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição (DSM-V) da American Psychiatric Association (2014), a característica marcante do transtorno da personalidade é uma indiferença que tais pessoas possuem em relação à violação dos direitos de outros indivíduos, que geralmente surge ainda na infância ou mesmo no início da adolescência e continua na fase da vida adulta.

Nessa esteira, Feldman (2015) expressa que os psicopatas são pessoas que não apresentam qualquer consideração pelas regras morais e éticas daquele dado contexto que ele se insere. Segundo o autor, muito embora eles possam demonstrar ser bastante inteligentes e agradáveis, após um exame mais detalhado, mostram-se como verdadeiros manipuladores e enganadores, nem mesmo demonstram sentir culpa ou ansiedade a respeito das infrações que cometem. O autor segue dizendo que, quando propaga um comportamento que acaba por lesar outra pessoa, o psicopata até entende, através do seu intelecto, que causaram um dano, porém não sente remorso por isso.

Feldman (2015) pontua que as pessoas com esse transtorno de personalidade são impulsivas e não possuem a capacidade de lidar com as frustrações decorrentes, sendo ainda extremamente manipuladoras com os outros ao seu redor, e tem habilidades sociais aguçadas, são charmosas, atraentes e altamente persuasivas, o autor pontua que os melhores golpistas que existem, os mais bem-sucedidos aplicadores de golpes têm em comum possuírem personalidade antissociais.

A falta de empatia é, sem dúvidas, uma das principais características que distingue o psicopata das demais pessoas. Segundo Silva (2008), empatia é a capacidade que as pessoas possuem de considerar, no momento de suas atitudes, e respeitar os sentimentos alheios. É a habilidade que as pessoas possuem de se colocar no lugar de outras, de fazer o exercício de viver teoricamente o que o outro indivíduo sentiria em determinada situação e circunstância experimentada por ele. Conforme explica a autora, somente através da definição do que seja empatia fica bem perceptível que o sentimento de empatia é algo incapaz de ser sentido por uma pessoa com traços e uma personalidade psicopata.

Além disso, Silva (2008) alerta que as pessoas psicopatas veem as demais pessoas não com dignidade, mas como meros objetos ou coisas para o seu uso, que servem somente para serem usados e atenderem às necessidades de satisfação do seu prazer. Os psicopatas, como sinaliza a autora, zombam das pessoas sensíveis e generosas, pois, para eles, esse tipo de indivíduo é considerado fraco e vulnerável, o que as transforma em seu alvo preferido.

Com certeza, um dos psicopatas mais conhecidos de toda a história é o famoso Ted Bundy, psicopata amplamente conhecido por ser um assassino em série americano. Já no Brasil, tem-se, como exemplos notórios, o maníaco do parque, que fazia sucessivas vítimas, sendo, portanto, um assassino em série; pode-se citar, também, Suzane Von Richthofen, que matou os seus pais, considerada uma psicopata manipuladora, um exemplo de personalidade dissociativa, atraente e manipuladora.

Trindade (2010) assevera que os psicopatas são pessoas que não internalizam a ideia das leis, nem a transgressão e a culpa, enfatizando que, na verdade, se sentem acima da própria lei, o que, contudo, é ilusório, e fora do mundo da cultura posta. Completa o autor que analisar o psicopata sob a perspectiva de uma incapacidade de internalizar as normas e valores de convivência em sociedade e não sujeição a elas leva a crer menos em doença mental, nos moldes médicos como outros transtornos propriamente mentais, e mais nesse comportamento como caráter precário e escassa capacidade de realizar aquisições éticas, sendo indivíduos de pouca conformação às regras de convivência social.

Nesse sentido, Hare (2013) disserta que os assassinos psicopatas não são loucos; então, de acordo com os padrões da psiquiatria e jurídicos, não se pode dizer que psicopatas são pessoas loucas, já que as condutas deles não resultam de uma mente perturbada, mas são resultado de uma mentalidade fria e calculista, que se combina com uma capacidade de tratar as outras pessoas de forma indiferente, revelando uma incapacidade de vê-las como pensantes e dotadas de sentimentos, algo que visto como incompreensível socialmente e que deixa todos que presenciam tais atos desnorteados e impotentes diante de situações perplexas.

Em síntese, evidencia-se que o comportamento do psicopata e a sua forma de internalizar e de compreender o mundo ao seu redor são diferenciados, muito por conta da sua personalidade, que é disfuncional. Existe, nessas pessoas, uma personalidade que é formada, desde a infância até a fase adulta, com a presença de incoerência no tocante à capacidade de possuir sentimentos essenciais para que o ser humano possa conviver de maneira saudável, sobretudo a marcante ausência de empatia.

  • As definições científicas da psicopatia

Ao levar em consideração que a amígdala do cérebro é como um coração central do órgão cerebral, chega-se à compreensão, consoante Silva (2008), que os psicopatas atuam como sujeitos que não possuem um coração mental. Em outros termos, é como se o cérebro deles fosse frio e gelado, incapaz de absorver ou gerar emoções positivas, sendo indiferentes ao amor, à amizade, à alegria e a outros sentimentos essenciais para uma boa e harmoniosa convivência.

Silva (2008) pontua que essa característica seria como uma miopia emocional, de modo que, com a ausência de emoções positivas, sua amígdala do cérebro acaba por frear o caminho das informações nesse órgão, e o lobo frontal cerebral acaba por gerar no indivíduo ações e comportamentos que não são adequados. Além disso, chega-se menor quantidade de informação no sistema límbico e no centro que executa as ações no cérebro, deixando-o sem dados relacionados à emoção e gerando um estado que é totalmente ausente de afeto.

Como bem afirma Silva (2008), em casos mais extremos, os psicopatas cometem homicídio a sangue frio, com o uso de meios cruéis, sem qualquer demonstração de medo ou resquício de arrependimento. No entanto, o que a sociedade esquece é o fato de que a maioria dos psicopatas não são assassinos ou assassinos em série, sendo a maior parte, na verdade, pessoas que vivem com certa normalidade no meio social.

A ciência tem importante papel na tarefa tão complexa de conceituar a psicopatia, e o estudo dos transtornos de personalidade apresenta avanços que permitiram à comunidade internacional soluções mais específicas na responsabilização dos criminosos que guardam no seu íntimo tal personalidade. Dessa forma, o padrão comportamental dos psicopatas tem sido objeto de investigação dos profissionais da área da psicologia e psiquiatria. Como forma de melhor compreender esse cenário, convém observar os critérios adotados pelo DSM-V:

A. Um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo. Esse padrão manifesta-se em duas (ou mais) das seguintes áreas: 1. Cognição (i.e., formas de perceber e interpretar a si mesmo, outras pessoas e eventos); 2. Afetividade (i.e., variação, intensidade, labilidade e adequação da resposta emocional); 3. Funcionamento interpessoal; 4. Controle de impulsos. B. O padrão persistente é inflexível e abrange uma faixa ampla de situações pessoais e sociais. C. O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. O padrão é estável e de longa duração, e seu surgimento ocorre pelo menos a partir da adolescência ou do início da fase adulta. E. O padrão persistente não é mais bem explicado como uma manifestação ou consequência de outro transtorno mental. F. O padrão persistente não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica (p. ex., traumatismo cranioencefálico). (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2004, p. 646).

Os termos psicopata e assassino em série, como aponta Bonfim (2004), são inicialmente diferentes, mas que, em alguns casos concretos, podem se cruzar em uma única pessoa. Assim, em vários casos, é possível visualizar que o assassino em série é um psicopata de fato, o que leva a crer que um psicopata não necessariamente será um matador em série, uma vez que somente uma pequena parcela dos psicopatas atinge esse patamar mais grave de comportamento. Completa o autor expressando que, dos assassinos em série, grande parte não seria em si psicopata e que este é transgressor das normas sociais, mas não está fadado a se tornar um assassino em série, visto que isso depende do grau de psicopatia desse indivíduo, podendo praticar crimes de diversos gêneros.

Conforme pontua Silva (2008), é de suma importância ter em mente que, no geral, os psicopatas são perigosos, pois apresentam insensibilidade e desprezo pela vida humana. A autora ressalta que uma parcela de psicopatas que demonstra insensibilidade desproporcional em suas ações criminosas pode atingir perversidades pouco concebíveis. Diante disso, esses indivíduos são classificados como severos ou muito perigosos, os quais, inclusive, são os que mais despertam dúvida quanto a ações preventivas contra as suas condutas.

Silva (2008) enfatiza que os crimes cometidos por tais indivíduos não apresentam motivos aparentes, nem mesmo têm relação com suas situações pessoais ou sociais adversas que possam motivar as suas condutas criminosas. Isso porque os psicopatas têm um cérebro considerado peculiar em algumas observações clínicas, o que significa dizer que é como se o cérebro deles possuísse uma formação sutilmente diferente em relação às demais pessoas, e essa diferença acaba por influenciar diretamente a sua capacidade de agir.

Assim sendo, Silva (2008) explica que, com raras excepcionalidades que possam existir, as terapias às quais os psicopatas são submetidos, as chamadas terapias biológicas, que usam medicamentos, mostram-se inúteis, em um contexto geral, quanto ao resultado esperado e, até a atualidade, têm sido ineficazes para o tratamento dessas pessoas. Consoante a autora, esse fato intriga os profissionais da saúde e ocasiona um clima de desânimo para aqueles que buscam modos de tratar, visto que não dispõem de nenhum método eficaz que possa mudar a forma como o psicopata enxerga a sua realidade e se relaciona com os outros. Então, a tarefa de tratamento dessas pessoas é uma verdadeira batalha que leva a caminhos tortuosos.

Acerca disso, aponta Hare (2013) que grande parte dos tipos de terapia consiste em fornecer ao psicopata novas justificativas, desculpas e nacionalizações para o seu modo de se comportar e novos métodos de compreender a vulnerabilidade do ser humano. Contudo, ele acaba por aprender novas formas de manipular os outros ao seu redor e faz pouco ou nenhum esforço para mudar e compreender que as demais pessoas possuem sentimentos, necessidades e direitos como qualquer um. O autor é bem enfático ao dizer que as tentativas da terapia em ensinar ao psicopata a ter e sentir empatia pelo próximo ou mesmo a sentir remorso pelos seus atos são em vão.

Para melhor compreender, cumpre destacar a escala de Hare:

1 - Boa lábia:

O psicopata é bem articulado e ótimo marketeiro pessoal. Como um bom ator em cena, conquista a vítima bajulando e contando histórias mirabolantes de si. Com meia dúzia de palavras difíceis, se passa por sociólogo, médico, filósofo, escritor, artista ou advogado.

2 - Ego inflado:

Ele se acha o cara mais importante do mundo. Seguro de si, cheio de opinião, dominador. Adora ter poder sobre as pessoas e acredita que nenhum palpite vale tanto quanto suas ideias.

3 - Lorota desenfreada:

Mente tanto que às vezes não se dá conta de que está mentindo. Tem até orgulho de sua capacidade de enganar. Para ele o mundo é feito de caças e predadores, e não faria sentido não se aproveitar da boa-fé dos mais fracos.

4 - Sede por adrenalina:

Não tolera monotonia, e dificilmente fica encostado num trabalho repetitivo ou num casamento. Precisa viver no fio da navalha, quebrando regras. Alguns se aventuram em rachas, outros nas drogas, e uma minoria, no crime.

5 - Reação estourada:

Reage desproporcionalmente a insulto, frustração e ameaça. Mas o estouro vai tão rápido quanto vem, e logo volta a agir como se nada tivesse acontecido - é tão sem emoções que nem sequer rancor ele consegue guardar.

6 - Impulsividade:

Embora racional, não perde tempo pesando prós e contras antes de agir. Se estiver com vontade de algo, vai lá e consegue tirando os obstáculos do caminho. Se passar a vontade, larga tudo. Seu plano é o dia de hoje.

7 - Comportamento antissocial:

Regras sociais não fazem sentido para quem é movido somente pelo próprio prazer, indiferente ao próximo. Os que viram criminosos em geral não têm preferências: gostam de experimentar todo tipo de crime.

8 - Falta de culpa:

Por onde passa, deixa bolsos vazios e corações partidos. Mas por que sentir mal se a dor é do outro e não dele? Para o psicopata, a culpa é apenas um mecanismo para controlar as pessoas.

9 - Sentimentos superficiais:

Emoção só existe em palavras. Se namorar será pelo prazer e pelo poder sobre o outro, não por amor. Se perder um amigo, não ficará triste, mas frustrado por ter uma fonte de favores a menos.

10 - Falta de empatia:

Não consegue se colocar no lugar do outro. Para o psicopata as pessoas são apenas objetos para usar para o seu próprio prazer. Não ama: se chegar a casar-se e ter filhos, vai ter a família como posse, não como entes queridos.

11 - Irresponsabilidade:

Compromisso não lhe diz nada - tende a ser um mau funcionário, amante infiel e pai relapso. Porém, como a família e amigos são uma fonte de status, para cada erro já tem uma promessa pronta: Eu mudei. Isso não vai acontecer de novo.

12 - Má conduta na infância:

Seus problemas aparecem cedo. Já começa a roubar, usar drogas, matar aulas e ter experiências sexuais antes dos 12 anos. Seu sadismo não poupa nem mesmo coleguinhas, irmãos ou animais. (HARE, 2009, p. 10, grifo do autor).

De forma clara, conforme define Martins (1982), em dicionário da psicologia, o psicopata é, em verdade, um indivíduo motivado por seus impulsos, totalmente irresponsável, possuindo natureza bidimensional e apresentando traços de carência em demonstrar certos componentes emocionais, como culpa, arrependimento, empatia ao próximo, afeição. Embora ele possa imitar emoções normais e inventar apegos, suas relações sociais e até sexuais, com as outras pessoas, são superficiais e bem exigentes.

Martins (1982) aduz que a capacidade de juízo dos psicopatas é reduzida, ou seja, é limitada, e que ele se demonstra incapaz de adiar a satisfação de prazeres momentâneos e imediatos, pouco importando as causas dos atos ali praticados, tanto para si quanto para os outros. Uma característica marcante desse indivíduo, segundo o autor, é a constante busca de racionalização e a fuga das dificuldades, criando frequentemente uma rede de mentiras, com nuances teatrais, convencendo até a si mesmo que mudará. Muitos indivíduos psicopatas são marcantemente agressivos, entretanto outros, ao contrário destes, são verdadeiros parasitas na sociedade, os quais são manipuladores e se envolvem em diversas situações para que possam conseguir o que assim desejam.

Definir precisamente como são os psicopatas, como se observa, não é tão simples como se imagina, não se limitando à figura notória dos assassinos em série, nem mesmo a um estado de destruição total de tudo ao seu redor. Os psicopatas têm características marcantes, sendo uma das principais, como bem assevera Zanon (2017), a total ausência de remorso ou sentimento de culpa por parte deles em relação aos seus atos. Esses sujeitos não demonstram nenhuma forma de arrependimento ou mesmo preocupação com os resultados de suas ações perpetradas, visto que não têm nenhum traço ético ou remorso, como as pessoas naturalmente possuem.

Conforme aponta Zanon (2017), essa ausência de remorso do psicopata advém de sua capacidade de racionalizar suas condutas, ignorando totalmente qualquer tipo de possível responsabilização pessoal por conta de suas condutas. Portanto, demonstram total ausência de emoções e culpa, como é possível notar em entrevistas ou laudos recolhidos por profissionais a partir de relatos desses indivíduos.

Ademais, Zanon (2017) explica que o psicopata se apresenta como um indivíduo irresponsável, sendo incapaz de gerar compromisso e cumprir com as suas obrigações, sejam obrigações profissionais ou na sua vida social. No trabalho, é marcado por ser um faltante e transgressor das normas. A autora ressalta ainda que ele tem o costume de tratar as pessoas como objetos, descartando-as assim que entende que elas não terão mais a finalidade para a qual julgava servir. Essa falta de responsabilidade, aliada à ausência de culpa e remorso, faz com que esse indivíduo não sinta nenhum incômodo ou hesitação em praticar condutas cujos resultados podem causar sofrimento a outrem.

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