A (IR)RESPONSABILIDADE DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A NECESSIDADE DO CONTROLE AO ATIVISMO JUDICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

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27/06/2022 às 12:03
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THE (IR)RESPONSIBILITY OF THE DECISIONS OF THE SUPREME FEDERAL COURT INT DEMOCRATIC STATE OF LAW AND THE NEED TO CONTROL JUDICIALACTIVISM BY THE PUBLIC PROSECUTOR



RESUMO

Com a crescente importância midiática dada pela ao Supremo Tribunal Federal, a Corte constitucional está se utilizando do ativismo judicial para sanar anseios da sociedade, sem a devida percepção do direito. Desse modo, realiza-se o presente estudo de forma qualitativa, utilizando artigos e livros jurídicos, além da legislação vigente, nacional e internacional, bem como da jurisprudência, de modo a realizar uma análise das recentes decisões da Suprema Corte. Inobstante a isso, estuda um meio da participação do Ministério Público na atuação do descumprimento da Constituição e seu papel institucional para realizar a proteção dos direitos da sociedade.

Palavras-chaves: Sistemas civil law e common law. Supremo Tribunal Federal. Ministério Público. Ativismo Judicial. Princípio da Vedação ao Retrocesso Social.

ABSTRACT

With the growing media importance given by the Supreme Court, the Constitutional Court is using judicial activism to saline societys longings, without the due perception of the rights. Thus, this study is carried out qualitatively, using articles and legal books, in addition to current, national and international legislation, as well the jurisprudence, in order to carry out an analysis of recent Supreme Court decisions. Nevertheless, it studies a means of the participation of the Public Prosecutors Office in the performance of non-compliance with the Constitution, and its institutional role to carry out the protection of societys rights.

Key words: Civil law and common law systems; Supreme Court; Public prosecutor; Judicial Activism; Principle of sealing to social retrogression.

INTRODUÇÃO

As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) estão, atualmente, nos principais noticiários nacionais, nas páginas mais acessadas da internet e nas redes sociais, tendo o grande público dado tanta audiência à elas quanto aos filmes mais esperados do ano, ou até mesmo aos resultados de jogos de futebol de grandes clubes ou da seleção brasileira. Esse fenômeno se dá pelo crescente interesse social na crise política e institucional que assola o país.

Diante de soluções nada diplomáticas, os três poderes, quais sejam: o Executivo, Legislativo e Judiciário, travam batalhas entre si a fim de instalar desconfianças ou preferências no povo prejudicando de forma crescente a independência e a harmonia entre os Poderes determinadas no bojo da Constituição (CRFB/1988), e a credibilidade e confiabilidade das instituições.

Na prática, cada poder tem o direito e o dever de fiscalizar os demais para garantir a harmonia entre eles. Ao Judiciário, como função estritamente atípica e com a finalidade de evitar abusos, coube a obrigação de rever e anular atos e leis dos outros poderes, o que erroneamente tem sido interpretado, pelos próprios membros e pela sociedade, como uma espécie de supremacia deste sobre os demais.

Não se pode falar em poder moderador, pois o Estado Democrático de Direito adota a harmonia e independência entre os poderes, praticando o sistema de freios e contrapesos, contudo, políticos descumprem decisões judiciais impostas pelos Tribunais, ao passo em que levantam a hipótese de impeachment de ministro da Suprema Corte ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por crime de responsabilidade.

Em contrapartida, observa-se um judiciário contraditando sua própria jurisprudência ao realizar decisões teratológicas, como as prisões dos sócios da boate kiss, antes mesmo do

julgamento do recurso em segunda instância pelo tribunal competente, além da manutenção das prisões do parlamentar Daniel Silveira e do Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis.

Mesmo que o Brasil adote a família jurídica conhecida como civil law, se utilizando da lei como fonte imediata no caso concreto para resolver seus conflitos, as decisões do STF possuem efeito para todos, similar ao sistema common law, oportunidade em que os operadores do direito se utilizam dos precedentes locais ou nacionais em suas teses nos casos concretos, e os próprios tribunais levam em consideração resoluções anteriores para julgarem casos análogos.

Utilizando o método de pesquisa qualitativa, o presente estudo tem como escopo o confronto das decisões anteriormente mencionadas com a própria jurisprudência da Suprema Corte, fundamentando-se na doutrina, nas leis, nos tratados internacionais de direitos humanos, além de analisar o impacto das decisões do STF para a sociedade, com o controle do ativismo judicial em casos de descumprimento do direito e de seus princípios.

O papel do Poder Judiciário é fundamental para a democracia, já que a imparcialidade e funcionalismo de seus colaboradores visam reparar lesões a direitos, mesmo que ocasionados por membros do próprio poder. Decisões políticas devem ser atípicas nos casos concretos, já que sempre devem observar o ordenamento jurídico, bem como as fontes que regem o direito. O ativismo judicial leva na prática a atos que colidem com a harmonia dos poderes, mesmo que a temática ainda seja controversa, pois a razoabilidade e proporcionalidade do interesse social precisam estar fundamentadas na validade democrática.

1 ATIVISMO JUDICIAL E SEUS PRECEDENTES

O ser humano vive em sociedade desde os primórdios da existência, mesmo que sua natureza seja livre e independente. A busca por igualdade na união em forma de sociedade faz com que os membros de uma comunidade se sujeitem a um sistema político representativo, oportunidade em que um governo é eleito e a maioria decide a melhor maneira de efetivar os direitos dos cidadãos.1 Para tal, a representatividade do sistema foi dividida em poderes, com atribuições específicas, mas com funcionalidade harmônica, mesmo que independentes entre si. O objetivo é que o Legislativo elabore leis que guiem a sociedade, enquanto o Executivo aplica de maneira eficaz tudo que foi sancionado e o Judiciário proteja a população de abusos. Na teoria geral do Estado, forma-se uma engrenagem perfeita, esbarrando em um único problema: o fator humano.

Não há de se criticar a participação popular no processo de formação do governo, nem mesmo deixar para que softwares avançados elejam as melhores opções para cada um dos poderes, mas sim que o desejo próprio interfira no plural, ocasionando corrupção da Administração Pública na forma ampla da palavra.

O desvio da finalidade da função é uma das maiores corrupções que podem afetar uma sociedade, já que os representantes do povo devem seguir a lei, mas não somente isso, dar o pleno exemplo em seus atos públicos, seguindo critérios avaliativos para que essa representação democrática seja de fato eficaz.

O Poder Judiciário, diferentemente dos demais, exerce a representatividade indireta, mesmo que a nomeação dos ministros dos tribunais superiores e do STF seja realizada pelo princípio democrático, a verdade é que há um distanciamento entre a população e os magistrados, até mesmo pelo desconhecimento da legislação vigente, ou por parecer que os julgamentos são com base no convencimento do julgador e não no direito. Essa diferença pode ser percebida nos sistemas de Civil Law e Common Law, abordados mais à frente.

Tais críticas estão cada vez mais frequentes por decisões, no mínimo, equivocadas da Suprema Corte brasileira, já que existem contradições nos julgados que por vezes, no intuito de atender ao clamor social, tornam o direito aplicado e seus princípios correlatos meros coadjuvantes nos autos.

A inegável participação do Poder Judiciário nas decisões políticas do Brasil ficou mais evidente nos últimos anos, principalmente por casos emblemáticos, que também serão objeto de estudo deste artigo, todavia, tais feitos pelo STF implicam em certa complexidade nas funções constitucionais do tribunal, o que certamente traz uma desarmonia entre os poderes e a dinâmica política sofre abusos e ofensas ao princípio da separação dos poderes.

O ativismo judicial é algo que deve ser controlado para o bom funcionamento do governo e as decisões do Poder Judiciário devem observar a reserva do possível, a proporcionalidade e a razoabilidade dos atos da Administração Pública e não aspectos midiáticos de grande repercussão, mesmo que esteja, em questão, a aplicabilidade de direito fundamental ou social.

1.1 Os sistemas Civil Law e Common Law no Brasil

Nesse tópico é importante ressaltar que o Brasil adota a família do civil law, mas, na prática, os magistrados realizam suas sentenças observando também precedentes jurisprudenciais, característica inconfundível do common law, refletindo em um sistema misto. Salienta-se que tal prática não é proibida no país, mas causa rigidez nas decisões judiciais e influencia os magistrados, que abdicam do princípio do livre convencimento do juiz.

Com a ideia de um sistema híbrido no direito brasileiro, com um common law ligado ao processo constitucional e o civil law ao processo infraconstitucional, houve o surgimento de um controle necessário ao poder do Estado, limitando, na medida do possível, os atos administrativos do governo para com os seus governados, bem exemplificado na própria Constituição, em seu artigo (art.) 5o, II, estabelecendo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.2

Mesmo que a jurisprudência seja fonte do direito, o controle de constitucionalidade, que pode ser realizado por juiz, tribunal ou corte constitucional, deve ser observado na aplicação da lei para evitar decisões teratológicas e ilegais, mesmo que um julgamento seja precedente.

No caso concreto, um magistrado, inclusive de primeiro grau, pode negar a aplicabilidade da lei se estiver em desacordo com a Constituição, o que aproxima o civil law ao common law no Brasil, mas sem uma vinculação direta aos precedentes da unificação e da interpretação das leis infraconstitucionais.33 Desse modo, a revisão dos atos administrativos ou até mesmo das leis pelo Judiciário gera certo equilíbrio entre os poderes, para que o Legislativo não elabore leis em favor dos representados, não visando o bem social, bem como coíbe que o Executivo realize ações que violem os princípios da administração pública.

Neste diapasão, a influência norte-americana na Constituição é evidente, principalmente na política-constitucional e na importância dos tribunais constitucionais, o que faz com que os precedentes produzidos pelo STJ e STF sejam replicados em decisões judiciais pelo país.

Indiferente a este cruzamento entre sistemas, há uma antinomia nos julgados, seja com eles mesmos, seja com a lei infraconstitucional, ou com os tratados supralegais e com a própria CRFB/1988, já que a Suprema Corte cria precedentes, ignorando a influência da legislação e seu bloco de constitucionalidade, principalmente os influenciados pela Europa continental, como o direito privado, o direito público infraconstitucional (processual e administrativo) e o direito penal e processual penal.4

A racionalidade é utilizada para encontrar uma solução jurídica ao caso concreto, interpretando e reinterpretando as leis, não precisando alterá-las para que o ensejo da lide seja dissolvido. Entretanto, em um sistema fechado em que a norma deve ser aplicada no caso concreto e que a tese empregada resolva o conflito sem a necessidade de uma mutação do que já foi decidido, os julgamentos ficam dependentes do que já foi legislado. Fatos empíricos e costumes se tornam ultrapassados e por consequência, a jurisprudência.5 Portanto, admite-se essa comunicação entre os sistemas, enquanto houver a lacuna no direito.

O que não pode acontecer é que essas alterações jurisprudenciais sejam realizadas pelo simples interesse do Juiz ou Colegiado, prevalecendo o interesse pessoal do(s) julgador(es) para beneficiar ato político ou alguma das partes. Este, talvez, seja o maior problema do sistema common law, pois, já que não há uma legislação específica a ser seguida, com raras exceções, ao se mudar a Corte Constitucional, o mais provável é que se altere o entendimento, pelo menos em parte, de um caso anteriormente já julgado, principalmente se houverem interesses políticos ou grande clamor social.

A jurisprudência deve ser utilizada para fundamentar sim um caso concreto análogo ao que está sendo julgado, entretanto, quando se passa a ter interpretação constitucional, criando precedentes, deve ser seguido, já que a própria lei teve uma interpretação pela própria constituição através dos representantes de uma Suprema Corte e, portanto, possui efeitos para todos até que haja novo entendimento em sede de revisão constitucional.

A fundamentação para tal entendimento é o princípio da interpretação conforme a Constituição, já que o aplicador do direito, em ponderação a outros princípios constitucionais, como o da razoabilidade e proporcionalidade, deve vincular a lei ao texto constitucional e lhe dar compreensão mais favorável a Carta Magna, em sede de controle de constitucionalidade.

Para tanto, cita-se outro princípio, o da vedação ao retrocesso social e, portanto, se a norma infraconstitucional for mais benéfica à sociedade, deve ser adotada, mesmo que em contradição à Constituição.

Mesmo que essas exigências interpretativas sejam confusas ao olhar mais apressado, o entendimento é bem simples e pode ser retirado da lenda A espada de Dâmocles, que posteriormente ficou bastante conhecida nas histórias em quadrinhos do Homem-aranha, com a célebre frase com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.

A responsabilidade das decisões judiciais serão objeto de análise mais à frente, porém, nesse ponto, para ser coerente com tudo que será exposto mais adiante, é importante realizar uma síntese do que ocorreu no século IV a.C. e inspirou um dos temas abordados por Marco Túlio Cícero em seu livro Discussões Tusculanas, que é os riscos inerentes à posição de mando.

Dionísio II era rei na cidade-estado Siracusa e tinha como seu cortesão Dâmocles. Certo dia concedeu ao seu amigo um dia como majestade, tendo comida farta, vinhos requintados e músicas para uma grande celebração. Contudo, Dâmocles, após se deliciar parcialmente com o banquete oferecido, olhou para cima e percebeu que havia uma espada apontada para sua cabeça, presa por um único fio de crina de cavalo. Dionísio então lhe disse que as pessoas podem ficar enciumadas com seu poder e tentar matá-lo, ou mesmo pode haver guerra a qualquer momento, além de colocarem o povo contra o reino, seja por uma mentira espalhada, seja por uma decisão errônea.6

Entretanto, sabe-se que Dionísio II foi um tirano em sua época e que essa anedota conta, na verdade, que a maneira irresponsável em que o rei agiu, tanto com seus servos, quanto com seus governados, o fez temer por sua vida e sua riqueza. Se, por um acaso, esse poder dado ao governante tivesse sido utilizado de maneira responsável, sendo benevolente e justo, não teria medo por parte da população e seria admirado por seus companheiros de poder, sendo perseguido apenas por quem quer o poder apenas pelo usufruto que oferece.

A relação de poder e responsabilidade é explorada na parábola do servo fiel, ou do porteiro, contada por Jesus no novo testamento, em Mateus 24, Marcos 13 e Lucas 12. Mesmo que esses versículos tratem do retorno de Deus, ressalta-se que as pessoas devem agir conforme o pensamento divino exposto na bíblia e nos mandamentos, além de permanecerem virtuosos para poderem entrar no reino dos céus. Podemos citar, especificamente a passagem de Lucas 12:35-487, a seguir transcrita:

Estejam cingidos os vossos lombos, e acesas as vossas candeias. E sede vós semelhantes aos homens que esperam o seu senhor, quando houver de voltar das bodas, para que, quando vier, e bater, logo possam abrir-lhe. Bem-aventurados aqueles servos, os quais, quando o Senhor vier, achar vigiando! Em verdade vos digo que se cingirá, e os fará assentar à mesa e, chegando-se, os servirá. E, se vier na segunda vigília, e se vier na terceira vigília, e os achar assim, bem-aventurados são os tais servos. Sabei, porém, isto: que, se o pai de família soubesse a que hora havia de vir o ladrão, vigiaria, e não deixaria minar a sua casa. Portanto, estai vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais. E disse-lhe Pedro: Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos? E disse o Senhor: Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração? Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. Em verdade vos digo que sobre todos os seus bens o porá. Mas, se aquele servo disser em seu coração: O meu senhor tarda em vir; e começar a espancar os criados e criadas, e a comer, e a beber, e a embriagar-se, Virá o senhor daquele servo no dia em que o não espera, e numa hora que ele não sabe, e separá-lo-á, e lhe dará a sua parte com os infiéis. E o servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites; Mas o que a não soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos açoites será castigado. E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá.7

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Percebe-se que há uma advertência com responsabilização dos atos praticados no plano dos vivos e que os mais poderosos devem sempre manter suas responsabilidades diante dos que mais necessitam e que haverá castigos a estes se não cumprirem o que é ensinado por Deus. Então, mesmo que o conteúdo deste estudo não seja religioso, podemos verificar que esse debate é bastante antigo e que está além do direito e é necessário para um Estado democrático.

Podendo ser feita a analogia ao que ocorre no sistema common law, a jurisprudência deve verificar que quem está no poder, além de agir dentro da legalidade, deverá, por obrigação jurisdicional, observar os conceitos sociais e a forma como as comunidades nacional e internacional se comportam, não com o intuito de serem uma única nação, mas que as pessoas possuam direitos e garantias em todos os locais que frequentam.

No extenso rol de garantias fundamentais na Constituição, há uma necessidade de efetivação de direitos sociais, econômicos e culturais, oportunidade que o governo traça metas para, na teoria, o pleno desenvolvimento sustentável do país. Entretanto, com a falta de políticas públicas por parte dos poderes Legislativo e Executivo, ocorre a ineficiência do Estado, violando as normas constitucionais, ocasionando lacunas tanto na legislação constitucional, quanto na infraconstitucional. Mesmo que haja limitações formais ao agir político, a insuficiência de aplicações das normas gera descompasso em um sistema igualitário.8

Nesse diapasão, o Poder Judiciário se torna protagonista em um cenário de obrigação jurisdicional, pois, seguindo as normas constitucionais, aplica, em um caso concreto, os direitos a qualquer cidadão que o pleiteia judicialmente, obrigando ao Estado concretizá-lo. Além disso, também preenche lacunas legislativas, seja por decisões em mandados de injunção, remédio constitucional a ser utilizado nesses casos, ou mesmo em ações que se originem em Juiz de primeira instância e, por meio dos recursos pertinentes, cheguem a Corte Constitucional e, consequentemente, se tornem precedentes.

Mesmo que os sistemas de civil law e de common law sejam utilizados no Brasil, de forma híbrida e harmônica, a depender do caso concreto, ainda há de se preencher essa inanidade da Administração Pública, unindo a lei e a jurisprudência para formalizar a efetivação dos direitos fundamentais, porém, com a devida responsabilidade dos julgadores.

Vale a pena evocar que o direito é uma ciência e que sua aplicação gera resultados bondosos ou catastróficos a depender da situação. Sem a devida responsabilidade para formação e utilização dos precedentes judiciais, o magistrado implicará no desrespeito das normas constitucionais e infraconstitucionais da questão.

Contudo, pode-se abrir uma exceção, esquecendo-se da legislação, da jurisprudência e até mesmo da Constituição, se nelas não existir solução jurídica ou o dispositivo for ultrapassado, oportunidade em que o juiz pode julgar o caso concreto para resolver um dilema social, visando o bem coletivo ou a satisfação da sociedade, mesmo que de maneira irresponsável, criando, igualmente, precedentes para casos análogos.

Nessas ocasiões surge o fenômeno do Ativismo Judicial.

1.2 Breve relato histórico e conceito do Ativismo Judicial

Há certa divergência com o surgimento do ativismo judicial, bem como em seu conceito, já que a doutrina entende ser a permissão dada aos juízes para que suas decisões judiciais sejam realizadas em cunho pessoal, considerando-se a convicção dos magistrados para a aplicação de políticas públicas através dos julgamentos, ignorando precedentes para melhor função jurisdicional da própria Constituição, preenchendo as lacunas totais ou parciais dos outros Poderes, 9 entretanto, percebe-se que na aplicação prática há a violação de direitos fundamentais.

Para entendermos realmente o significado, é necessário ir para a sua origem. Ativismo é uma palavra derivada do latim activus, significando que age, enquanto o sufixo nominal

ismo, de origem grega, pode designar conceitos de ordem geral ou ideias de fenômenos linguísticos, advindo de sistema político, filosóficos, literários e afins. Desse modo, pode-se afirmar que ativismo judicial é um Poder Judiciário proativo, que age nos casos concretos de maneira direta, evitando que aqueles dilemas se tornem problemas irresolúveis e tragam danos à sociedade, aguardando, ainda assim, um certo posicionamento dos outros Poderes.

O que gera desequilíbrio no sistema de freios e contrapesos é que tais ações de um Judiciário atuante cria precedentes para que a Administração Pública, enquanto não resolver a lacuna de seus serviços, efetive as decisões judiciais impostas, inclusive para seus membros, ou para as demais pessoas nos entes federados. Nesse sentido, é necessário analisar o que foi solicitado ao Estado e se o Estado pode arcar com a concretização desse direito pleiteado.

Arcar, nessa situação hipotética, não é somente forma financeira, mas sim todos os outros meios para chegar a um fim, isto é, se está dentro dos limites da Administração Pública e seus princípios, bem como a satisfação plena da efetivação. Não se pode criar acessibilidade ou representatividade para pessoas com dificuldades de locomoção e deixar pessoas com transtorno de espectro autista de fora da equação, ou mesmo incluir pessoas negras em cotas de concurso público e esquecer que representam, atualmente, a maior população no sistema prisional e não serão aprovados por critérios avaliativos na averiguação de vida pregressa. Para que servem as reformas estruturais das cidades e dos bens públicos e a ressocialização dos presos?

Assim, o direito foi utilizado para guiar os poderes e criar exceções que culminaram no ativismo judicial, mesmo sem um estudo específico do que acarretaria em um sistema político nacional, já que, como já mencionado, cria-se precedentes utilizados na prática por magistrados de todo o país para a efetivação de direitos, irresponsavelmente satisfazendo a sociedade momentaneamente.

A plasticidade das normas constitucionais cria uma forma de alterar o texto da

Constituição informalmente, a denominada mutação constitucional. Tal mecanismo se esbarra no princípio a vedação ao retrocesso social, já que, como já estudado, o direito não pode retornar a uma época obscura e que não traga vantagens para uma sociedade, mas, caso respeite tal princípio, modifica o entendimento do texto através da interpretação realizada pelos poderes, em especial o Judiciário, considerando-se os costumes e as práticas políticas socialmente aceitas.

O ativismo judicial foi bastante utilizado nos Estados Unidos da América (EUA) na época da segregação racial, iniciando uma postura atuante do Poder Judiciário americano no final do século XIX e incício do XX, com decisões importantes da Suprema Corte relacionado aos direitos civis de seus cidadãos, em especial a população negra do país, como, por exemplo, a liberdade de utilizar qualquer estabelecimento, sem distinção da cor, na decisão Brown v. Board of Education.

A hierarquia das leis faz com que nenhuma lei ou ato normativo pudesse ser válido se for incompatível com a Constituição, seguindo seu princípio da Supremacia, entretanto, os Poderes Legislativo e Executivo possuem presunção de constitucionalidade, por promover os interesses públicos e, como o Poder Judiciário precisa ser provocado, respeitando o princípio da inércia, os legitimados competentes precisam se manifestar para levantar teses de inconstitucionalidade. Inobstante a isso, a interpretação conforme a Constituição permite ao Tribunal Constitucional a preservação ou não da lei infraconstitucional, desde que seja compatível com a Carta Magna, já que a Constituição é que dá unidade ao sistema jurídico, harmonizando as contradições entre normas jurídicas.

Igualmente a isso, o fundamento do devido processo legal e a ideia de justiça está ligada ao princípio da razoabilidade e/ou proporcionalidade, já que tal controle discricionário dos atos públicos é instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, permitindo invalidar atos legislativos ou administrativos que estejam incompatíveis com a Constituição. Por fim, a implicação na realização do direito é a atuação prática da norma, prevalecendo os valores e interesses tutelados em uma ordem constitucional, aproximando um dever-ser normativo e o ser em uma realidade social, compromisso esse que o princípio da efetividade permite uma atuação da vontade constitucional.

Como verifica-se, o Poder Judiciário possui diversas atribuições e sua função de controle aos atos dos outros poderes possui responsabilidade pelos seus membros, não podendo ser utilizado apenas pela convicção dos julgadores, mas também em respeito aos sistemas de normas e de precedentes, não se baseando nos princípios de interpretação constitucional para alterar precedente antigo apenas em um caso específico para atingir finalidade política.

1.3 Casos de Ativismo Judicial no Brasil

Para iniciar a temática sobre alguns casos brasileiros de ativismo judicial em análise política-jurídica das decisões do STF, é imprescindível abordar a efetividade dos precedentes e a previsibilidade de utilização dessa ferramenta. Ainda que não tenha ocorrido o apogeu da democratização, já muito se discute sobre a limitação dos poderes e o alcance dos julgamentos da Suprema Corte brasileira.

A consagração dos preceitos constitucionais no que se refere à concretização dos direitos fundamentais faz com que o Poder Judiciário saia do dever-ser-ideal e se torne apenas o ser, já que o direito só é socialmente aceito se for justo e, para conseguir uma finalidade de justiça, esquece-se os meios válidos e obrigatórios para chegar ao moralmente correto naquele instante e pelo sentido de moralidade do próprio julgador. O problema está exatamente nesse ponto, pois o surgimento de incompatibilidades com o ordenamento jurídico torna determinadas decisões nulas, por serem muito destoantes da legislação constitucional, supralegal, infraconstitucional e da própria jurisprudência.

Havendo vinculação estatal com a lei, não se pode abrir exceções nas jurisprudências em relação ao princípio da vedação ao retrocesso social, uma vez que a condução irregular dos trâmites processuais fazem com que direitos e garantias de um cidadão seja relativizado em prol de uma sociedade que anseia por justiça. Importante salientar que toda a prestação jurisdicional do Poder Judiciário deve chegar próximo da satisfação social, entretanto, os precedentes deixados no caso concreto podem deixar vícios inerentes ao procedimento, desfavorecendo acusados de crimes sem o trânsito em julgado.

Em matéria de direito penal, o julgamento deve ser norteado pela dignidade da pessoa humana, já que cria vinculação entre a legislação, seus princípios e o caso concreto, com o resultado da pena pelo cometimento de ato ilícito. A aplicação da penalidade é consequência jurídica necessária para a proteção da comunidade, mesmo que o delito tenha afetado apenas um indivíduo.10 Desse modo, a ausência de uma previsão legal não pode ser preenchida por meio de jurisprudência, mesmo que a hermenêutica das leis entende que o preenchimento de lacunas por interpretação análoga de dispositivo jurídico quando for em benefício do réu.

Aqui inicia-se a contradição, pois os poderes não podem realizar atos e normas que retrocedam os direitos já existentes, nem mesmo aplicar penas em processos que não respeitem princípios básicos da interpretação jurídica, gerando uma sentença nula e sem precedentes. Nesse ponto, expor-se-á, a seguir, de forma breve e sem juízo de valor, casos em que o STF cedeu à pressão político-social e gerou precedentes inconstitucionais.

1.3.1 Habeas Corpus no 2.244/1905

O Supremo Tribunal Federal foi criado no dia 10 de maio de 1808 e, mesmo com um poder moderador, conseguiu realizar diversas decisões resultantes de ativismo judicial, como, por exemplo, o do Habeas Corpus (HC) no 2.244/1905. Mesmo com 117 anos de diferença, a similaridade com os dias atuais não é mera coincidência, pois, na época ocorria uma epidemia de varíola, o que ocasionou a obrigatoriedade da vacina nos cidadãos brasileiros. Rodrigues Alves, então Presidente do Brasil, juntamente com o Congresso Nacional da época, promulgou a lei no 1.262/1904 e, posteriormente, os decretos no 1.151/1094 e no 5.156/1904, que regulamentavam sobre a obrigatoriedade da vacina. Entretanto, o ponto mais controverso se deu por causa do artigo 172 do último decreto, que permitia o agente sanitário entrar na residência do indivíduo, mesmo que sem a autorização do morador.

Com isso, espalhou-se mentiras relacionadas à vacinação, criando medo e tumulto entre as pessoas da época, conhecida como a revolta das vacinas. Desse modo, Manoel Fortunato então impetrou HC com fundamento no artigo 72, §o 11, da Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 (CREUB/1891), alegando ser a casa o asilo inviolável do indivíduo11 e por tal motivo não pode o paciente sofrer coação pela autoridade sanitária.

O HC foi julgado em 1905 pelo STF, tendo sido provido pelo fundamento jurídico alegado pelo paciente, em sede de controle de constitucionalidade em relação à lei federal, salvaguardado o direito do agente sanitário e do poder público a vaciná-lo caso saísse de sua residência. Por ter sido um caso de grande repercussão na época, o Supremo da época cedeu à pressão dos denominados antivacinas, que tinham como argumentos poucas mortes em decorrência da varíola e que a vacina traria prejuízos à saúde de quem tomasse.

Aqui o ativismo do STF foi utilizado para amenizar os ânimos populares, olvidando o poder do Estado para ter apoio da sociedade, pois a república tinha sido proclamada à pouco tempo e a aceitação do novo sistema político era essencial para os governantes.

1.3.2 Caso Daniel Silveira

O Deputado Federal Daniel Silveira foi eleito para representar o estado do Rio de Janeiro no pleito de 2018, com pouco mais de 30 mil votos. Polêmico em diversas declarações, o ex-policial militar estava em conversa ao vivo com seus seguidores através de

uma rede social e fez diversas ameaças aos Ministros da Suprema Corte brasileira, além de defender o Ato Institucional no 5 (AI-5). Dessa maneira, um crime em flagrante delito, qual seja a ameaça, o que ocasionou sua prisão no dia 16/02/2021, a mando do Ministro Alexandre de Moraes.

Tal precedente realizado pelo STF colide diretamente com a norma expressa na Constituição, em seu artigo 53, §o 2, que assegura ao parlamentar que, em cometimento de crime, só poderá ser preso se em flagrante delito e se o ato praticado for inafiançável.12

Mesmo que haja a possibilidade da prisão preventiva de político em exercício, porém é necessário o preenchimento dos requisitos previstos no disposto no artigo 312 e 313 do Código de Processo Penal (CPP/1941)13, a seguir exposto:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

§ 1o A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei n o 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; IV - (revogado). § 1o Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. § 2o Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.

Inobstante a isso, o artigo 302 do CPP/1941 considera que a prisão em flagrante poderá ser próprio, impróprio e presumido, enquanto a doutrina qualifica ainda os flagrantes preparado, forjado, esperado e prorrogado. Percebe-se que ao expedir mandado de prisão, o magistrado deve observar se há a possibilidade de aplicar medidas cautelares diversas da prisão.

Daniel Silveira foi solto em 09 de novembro de 2021 e, em último ato inconstitucional, o Ministro Alexandre de Moraes proibiu o parlamentar de dar entrevistas e ter acesso direto ou indireto às redes sociais, medidas essas impostas de forma cautelar como meio de suspender a prisão do deputado. As medidas cautelares são plenamente possíveis no ordenamento jurídico, mais especificamente no artigo 319 e 320 do CPP/194114, porém as mídias e as entrevistas são formas de contato direto entre representantes e representados, além de ninguém poder ser privado de direitos por motivos de convicção política.15

Tal precedente interfere diretamente no exercício da função de parlamentar, cria animosidade entre as instituições e ocasiona lesão ao princípio da separação dos poderes.

1.3.3 Caso DJ Ivis

Iverson de Souza Araújo exercia um trabalho por trás de grandes bandas nacionais, na forma de composição de letras e melodias para cantores famosos. Após sua ascensão, ficou conhecido em todo país como DJ Ivis, dessa vez aparecendo ao lado dos intérpretes de suas criações. Entretanto, em julho de 2021, vídeos compartilhados por sua ex-companheira tornaram público as agressões que ela sofria do artista, além de diversas ameaças e chantagens.

O caso logo repercutiu e medidas de contenção foram tomadas para proteger a vítima e a filha do casal. No dia 14 de julho de 2021, Iverson foi preso e permaneceu assim por 3 meses, até ser solto em outubro do mesmo ano, em determinação da Vara Única do município do Eusébio, localizado no estado do Ceará.

Antes disso, os advogados do DJ impetraram habeas corpus que foi julgado pelo Ministro Gilmar Mendes, que entendeu que a soltura do paciente colocaria em risco a integridade física e psicológica da vítima, que se encontra em situação de violência doméstica.16 Percebe-se que a fixação de teses e a modulação de seus efeitos diante postura adotada pelo STF em decisões de HC tornam o remédio constitucional com um dos principais meios formadores de precedentes do tribunal constitucional, com o intuito de tornar coerente a jurisprudência da corte, respeitando a legalidade e a efetivação dos direitos fundamentais, além de trazer segurança jurídica para o sistema.17

Entretanto, o HC tem por finalidade a ameaça a direito de locomoção,18 não podendo uma pessoa, mesmo que haja prova indiscutível sobre a autoria, ser considerada culpada antes do trânsito e julgado por sentença penal condenatória,19 além de não poder ser privado a liberdade de investigado ou acusado sem o devido processo legal.20 Lógico que existe a possibilidade do acusado ser preso provisoriamente e o tempo em que estiver preso ser descontado da pena final, porém, existem critérios avaliativos para que haja a manutenção da situação de prisão.

O DJ Ivis é uma pessoa conhecida e a probabilidade para fuga seria mínima, além de possuir residência fixa e sem antecedentes criminais, podendo o juiz do caso ter realizado as medidas cautelares provenientes ao caso concreto sem a continuidade da prisão pelo período de 90 dias. Nesse ponto, para casos análogos de violência doméstica, registra-se o precedente do Supremo Tribunal Federal para manutenção da prisão preventiva, o que não ocorre na prática.

1.3.4 Caso Boate Kiss

Em 27 de janeiro de 2013 ocorreu um incêndio em uma das casas noturnas mais frequentadas da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, levando a óbito 242 pessoas. O julgamento ocorreu em dezembro de 2021, e todos os réus do processo foram considerados culpados pelo júri, com penas que variam de 18 a 22 anos de prisão.

Baseado no art. 492, I, e do CPP/19412121 , o Juiz do caso decretou a prisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) concedeu liminar em sede de HC para que os réus respondessem em liberdade até o trânsito em julgado. O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPERS) ajuizou uma suspensão de liminar contra a decisão do desembargador Manuel José Martinez Lucas, direcionada ao presidente do STF, o Ministro Luiz Fux.

Aqui há de se esmiuçar no que diz respeito ao entendimento constitucional da demanda, uma vez que a presunção de inocência anteriormente explicado e a soberania do veredicto na instituição do júri2222 entram em conflito de princípios. O STF já se manifestou sobre a diferença entre a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP/1941 e especificidade do tribunal do júri, que julga crimes dolosos contra a vida e, por razão disto, a decisão dos jurados possui caráter intangível quanto ao mérito e assim deve ser cumpria de imediato.

O que não parece coerente é que diversos crimes que não passem pela instituição do júri e resulte em penas mais gravosas estão cobertos pelo precedente das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) de nº 43/DF, 44/DF e 54/DF, enquanto a prisão de um réu é automática após condenação do tribunal de jurados. A ponderação de princípios deve sempre ir pelo caminho mais benéfico ao indivíduo, inclusive a observância ao controle de constitucionalidade, assegurado o contraditório e a ampla defesa, além dos meios de recursos como forma de garantias judiciais previstos na Constituição.23

Já no âmbito internacional, a Convenção Americana de Direitos Humanos prevê que o Estado-membro deve adotar em sua legislação as normas ali acordadas e, caso haja alguma lacuna no direito interno, utilizar-se-á a norma interna ou alienígena, optando pela mais benéfica. Nesse diapasão, o art. 2º, 5º.1, 7º.1, 7º.2, 8º.1 e 8º.2.h, do tratado supramencionado, dispondo sobre direitos à integridade psíquica, liberdade, segurança pessoal, acesso à justiça, contraditório, ampla defesa, recurso e ser considerada inocente até o final do processo, até comprovada legalmente sua culpa.24

O controle de convencionalidade, que nada mais é do que a utilização das normas dos tratados internacionais em compatibilidade com a Constituição e com a legislação infraconstitucional no direito interno, deve ser observado, ressaltando-se o entendimento da supralegalidade dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos.

No caso que deu origem a súmula vinculante de nº 25, o contraste de normas constitucionais e internacionais se deu pela possibilidade da prisão do depositário infiel no âmbito da norma constitucional,25 enquanto a Convenção Americana de Direitos Humanos vedava tal prática em seu artigo 7o.7.26 Com o julgamento realizado pelo STF, se deu prevalência pela norma internacional, surgindo a anomalia jurídica denominada de norma supralegal.

O que se identifica é que nos casos em que há crimes dolosos contra a vida, por serem de grande repercussão midiática, como o caso citado neste tópico, o Poder Judiciário tende a manifestar-se pela vontade popular e sanar, por meio do ativismo judicial, o anseio geral, esquecendo da criação de precedentes ou mesmo da própria jurisprudência da corte, ocasionando insegurança jurídica aos operadores do direito.

2 A (IR)RESPONSABILIDADE DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FISCALIZAÇÃO DA LEI

Aberta a discussão sobre a responsabilidade do Poder Judiciário diante de suas decisões, aqui dialoga-se entre a ciência do direito e a moralidade deste diante da sociedade, além do dever de atuação do Ministério Público (MP) em casos evidentes de descumprimento da legislação vigente ou não recepcionada pela Constituição, além de suas outras atribuições .

O direito está em frequente mudança e, de certo modo, com tons progressistas, o que faz com que as extremidades dos pólos políticos gerem desgastantes atritos no cenário político e uma tarefa aparentemente democrática se torne um campo de guerra entre parlamentares. Tais discussões, bem afloradas hodiernamente, alimentam candidatos à mudanças, bem quistas por um lado e esculachadas pelo outro.

Ao atingir o Poder Judiciário, este deve se manter imparcial no seu dever e não resolver por lados, tampouco tentar solucionar a falta de políticas públicas sem a observação das reais condições econômicas de um país ou dar respostas à sociedade quanto à ações dos Poderes Legislativo e Executivo, o que cria uma crise institucional e insegurança jurídica dentro da própria esfera do direito.

Inobstante, cabe ao Ministério Público uma atuação para garantir a ordem jurídica, a democracia e os interesses individuais e coletivos indisponíveis, sendo comparado, muitas vezes, à um quarto poder da união. Comparações essas cessadas, o que tem-se por concreto é que o MP, por seu papel no Estado Democrático de Direito, está protegido pela Constituição como cláusula pétrea e qualquer intenção de suprimir ou eliminar suas funções por meio de Emenda Constitucional (EC) será ato atentatório aos direitos e garantias individuais, sendo objeto de controle de constitucionalidade e, portanto, inconstitucional.

Tal entendimento não é para gerar uma medição de forças entre o STF e membros do MP, mas sim uma atuação diante do problema do ativismo judicial com fins políticos e a inobservância do direito e, mesmo que essa atuação seja analisada pelo próprio Supremo e não gere efeitos na prática, não pode-se ter uma omissão do órgão nesse sentido, pelas suas obrigações constitucionais.

2.1 O ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal e a inobservância do Direito e de

Com a EC no 45/2004 o Brasil ficou ainda mais próximo da tradição do common law, antes até do que o atual Código de Processo Civil (CPC/2015), pois acrescentou a chamada súmula vinculante, visando a estabilidade jurídica nas decisões do Poder Judiciário, além de certa uniformização na atuação entre os poderes, o que não ocorre na prática, já que ainda há, por vezes, descumprimentos ao previsto nos enunciados das súmulas e contradições com a própria jurisprudência do STF.

Nesta diapasão, ressalta-se que, como visto no texto do artigo 103-A da CRFB/1988, o Supremo pode aprovar súmula a pedido ou de ofício, deixando discricionário ao próprio tribunal constitucional a relevância da matéria discutida, além da vinculação dos poderes, da administração pública direta ou indireta, seja na esfera federal, estadual ou municipal, tendo como legitimados para provocar a revisão ou cancelamento os mesmos da ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) e do descumprimento por ato administrativo ou decisão judicial caberá reclamação constitucional.27

Já na lei no 11.417/2006 percebe-se que a súmula vinculante obterá seus efeitos de forma imediata, mas o STF poderá decidir, por maioria de 23 dos seus membros, se a sua eficácia será em um momento futuro ao da sua publicação ou ex nunc, (a partir da publicidade da súmula) porém, não poderá retroagir, ou seja, não pode ter efeito ex tunc. Essa revisão é necessária pois o precedente obriga um juiz ou tribunal inferior a uma regra estabelecida pela Corte constitucional, sempre que uma questão semelhante surja em novas demandas, tendo que ser resolvidas da mesma forma em todo o sistema brasileiro.28

Porém, observa-se ainda que no CPC/2015, mais especificamente nos seus artigos 926 e 927, que o legislador atual se interessa em uniformizar a jurisprudência, relacionando todo o Poder Judiciário não somente com as súmulas vinculantes, mas também com as súmulas do próprio STF, em matéria constitucional, com as súmulas do STJ, em matéria infraconstitucional, cedendo, ademais, liberdade aos tribunais em editar súmulas que correspondem a jurisprudência dominante, tendo que o juiz de primeiro grau seguir a orientação jurisprudencial do órgão ao qual está vinculado.29

Parte-se para o ponto prejudicial dessa matéria, já que o mérito do direito em diversos casos está cada vez mais subjetivo, disfarçando-se em fundamentações distorcidas dos dispositivos legais e outras fontes jurídicas, como jurisprudências, até mesmo utilizando-se de correntes doutrinárias minoritárias, o que ocasiona em julgados baseados no entendimento moral e cívico de magistrados, enfraquecendo, por vezes, evoluções sociais anteriormente atingidas. Nesse ponto, argumenta Lênio Luiz Streck:30

Discutir Teoria do Direito significa compromissos teóricos e epistêmicos. Não se trata de saber qual a opinião político-ideológica dos juízes. Do contrário, aceitando essa premissa, não resta mais nada para o Direito. Do que adianta discutir princípios, separação de Poderes, interpretação jurídica, se, ao fim e ao cabo, o Direito depende exclusivamente das preferências pessoais do juiz? Parcela considerável da comunidade jurídica dirá que isso é assim mesmo. Afinal, juiz decide conforme sua consciência, dirão outros. De todo modo, se queremos discutir Direito, e não opiniões morais, devemos debater, com sinceridade, os seguintes pontos: (i) não faz sentido nenhum permitir que decisões políticas sejam transferidas da esfera legislativa para a jurisdicional, sob pena de alienarmos nossa cidadania por completo; (ii) o poder jurisdicional dos juízes não tem qualquer legitimidade política, na medida em que não a recebem pelo voto popular; (iii) o Direito fracassou, pois não conseguiu criar uma teoria da decisão que possa impedir que as decisões judiciais sejam tomadas a partir de critérios puramente privados.

Para se manter um discurso jurídico e racional, a ponderação dos princípios é uma hipótese a ser utilizada na argumentação da proposta de uma interpretação mais ampla dada a Constituição, além de certa prevalência das regras normativas para legitimar um incremento político nas decisões. Não se pode afastar em todo ou parcialmente as regras processuais como embasamento para violar os direitos fundamentais.31

. O conflito se dá quando entende-se que o Estado Democrático de Direito subordina todos os representantes dos poderes a um direito objetivo, com uma compreensão de justo, já que as leis servem para guiar a sociedade de forma ordinária, sem que o legislador coloque sua intenção na norma. Mesmo que haja uma ordem política por trás da elaboração de um ordenamento jurídico, a formação base está vinculada à utilização comum da norma, em sua concepção restrita, prevalecendo o que há na Constituição ou em norma mais benéfica atual, assegurada a garantia dos direitos expostos na carta magna.32

Portanto, em qualquer apreciação de um caso concreto quando se há ponderações de princípios constitucionais, dever-se-á o magistrado, em sua decisão, atentar-se a supremacia da Constituição e considerar uma interpretação mais benéfica conforme os direitos fundamentais para realizar seus julgamentos, afastando-se das influências externas e políticas para compreensão real da hermenêutica constitucional.

Não somente isto, mas para criar os precedentes, a Corte constitucional deve assegurar que o sistema ali adotado não poderá prejudicar o devido processo legal nem a presunção de inocência, tampouco inviabilizar a atividade de um dos representantes políticos eleito ou o exercício e de um dos poderes da união.

Contudo, com a escassez de recursos diante de abusos do Poder Judiciário, cabe ao Ministério Público o compromisso diante da sociedade para garantir a ordem pública e prevalecer os direitos fundamentais previstos na Constituição. Há certa dificuldade nesse ponto, pois mesmo que seja legitimado para propor diversas ações para realizar mudanças no corpo das decisões incompatíveis ao ordenamento jurídico brasileiro, cede-se, teoricamente, ao juiz competente a derrotabilidade ou superabilidade da norma, aplicando um fundamento peculiar ao caso concreto, tornando-o específico demais ao ponto de afastar a lei para solucionar o conflito do processo, o que ocasiona um tolhimento nas ações do MP ao se tratar de abusos cometidos pelo STF.

2.2 O papel do Ministério Público como possibilitador da execução dos direitos da Constituição e das leis e na observância dos controles de constitucionalidade e convencionalidade pelo Poder Judiciário

O Ministério Público é uma instituição permanente a qual, como anteriormente informado, incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.33 Por tal motivo, este órgão é constitucionalmente encarregado de elucidar e amparar judicialmente qualquer concepção que defraude a norma jurídica, por seu papel demandista e guardião da sociedade (custos societatis) e do próprio direito (custos iuris), visando por interesses inerentes a comunidade.34

Pode-se ainda mencionar que o órgão Ministerial é legitimado para propor a reclamação constitucional,35 diante, inclusive, do próprio STF, para rebater contradições jurisprudenciais, principalmente que gere conflito com direitos fundamentais. Ao se falar em ativismo judicial e certa derrotabilidade ou superabilidade da norma ou da jurisprudência, em um sistema que visa a uniformização dos seus julgados, soa contraditório e causa certa insegurança jurídica.

Não se pode confundir a derrotabilidade ou superabilidade das normas com a declaração de inconstitucionalidade, já que, mesmo que ambas afastem a incidência da regra, quando a lei é declarada inconstitucional gera efeito erga omnes, enquanto ao ser afastada pela especificidade do caso concreto, o dispositivo ou legislação é superado apenas momentaneamente pela anormalidade do caso concreto.36

Em consequência a isto, o conflito jurídico de decisões em todo o território nacional causa um afastamento da lei em casos episódicos, mesmo entendendo-se que o legislador não poderia prever cada demanda a ser ajuizada diante do Poder Judiciário, as opiniões políticas do julgado deve ser desconsiderada diante da técnica do direito. Tal exercício precisa ser fundamentado e não deliberadamente da vontade do julgador. Caso o faça, expande a abrangência do Poder Judiciário,37 o que pode gerar desarmonia entre os poderes.

Em uma análise mais filosófica, a intenção por trás de uma decisão política-jurídica acompanhada de uma argumentação técnica pode conter um paradoxo de fundamentos contingentes simultâneos, uma vez que o julgador compôs a redação de seu julgado com a intencionalidade de parecer justa, porém com diversos vícios relacionados à conduta moral deste, mesmo que pautado em um código ético e na ilicitude.38

Destarte, quando um julgador encontra-se perdido na sua interpretação inconstitucional, o Ministério Público possui função institucional para combater excessos por parte dos Poderes Públicos, como verificado no artigo 129 da Constituição,39 promovendo medidas valorativas ao ordenamento jurídico como um sistema de diversos ramos, matérias, normas e dispositivos, estruturado para funcionar em conjunto, mesmo que a norma seja analisada isoladamente, percebendo-se o contexto no qual foi criada e a observância dos demais dispositivos que dão compreensão ao seu significado.40

Com uma concepção de Estado Democrático de Direito, os Poderes precisam ser controlados por meio de órgãos imparciais e que não possuam interferência política, concepção esta utópica, porém ideal. O entendimento de controle, neste caso, está na delimitação de atos administrativos, ou ações que possuam natureza pública, que estejam desconexos com o texto constitucional e com as leis, ocasionando a deflagração de direitos e lesivos à sociedade. Desse modo, o MP possui mecanismos de controle da atividade administrativa e a observância das funções estatais, conferindo poder aos agentes ministeriais para agir quando há abuso de poder ou anomalias jurídicas.41 Neste diapasão, entende Mazzuoli, Faria e Oliveira:42

Sobre o autor
Pedro Henrique Silva de Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR Especialista em Direito e Processo Constitucional e em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC

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