Os regimes próprios de previdência social e a análise de seu caráter de política pública

29/06/2022 às 16:45
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Resumo: A previdência social é um direito fundamental de segunda geração, na medida em que nossa Constituição Federal garante a proteção na velhice, na doença, na viuvez, na maternidade. No Brasil, há três regimes de Previdência Social: Regime Geral de Previdência, Regime Próprio de Previdência e Previdência Complementar, sendo os dois primeiros de natureza compulsória. O presente trabalho pretende apresentar considerações acerca dos Regimes Próprios de Previdência Social e tentar estabelecer se tais regimes possuem natureza jurídica de Política Pública, na medida em que a ausência de gestão responsável fez com que muitos tornassem deveras deficitário, fazendo com que os entes subnacionais necessitem custeá-los com considerável parte de sua receita corrente líquida.

Palavras-chave: Regimes Próprios de Previdência Social; Déficit previdenciário; Equilíbrio Financeiro e Atuarial; Políticas Públicas; Direitos Fundamentais; Dignidade da Pessoa Humana.

Abstract: Social Security is a fundamental right of the second generation, insofar as our Federal Constitution guarantees protection in old age, illness, widowhood, maternity. In BRazil, there are threee Social Security Sistems: General Security Scheme, Own Social Welfare Security Schemes and Complementary Pension, the first two of which are compulsory. The presente work intends to presente considerations about the Own Social Welfare Regimes and try to establish whether such regimes have a legal nature of Public Policy, insofar as the absence of responsible management has caused many to became very deficiente, making subnational entities need defray them with a considerable parto f their current net income.

Keywords: Own Social Welfare Security Schemes; Social Security Deficit; Financial and Actuarial Balance; Public Policy; Fundamental Rights; Dignity of Human Person.

1 Introdução

Antes de ser um direito constitucional, a previdência está prevista na Declaração dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XXV, em garantia à proteção da dignidade da pessoa humana, visto que, conforme leciona a mesma Declaração Art. I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos., senão vejamos:

Artigo XXV

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (grifos nossos)

A seguridade social compreende o conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público com a participação da sociedade (trabalhadores públicos e privados) atuando na área de Saúde, Assistência Social e Previdência Social; é direito humano de segunda dimensão, ou seja, ligados às prestações que o Estado como sociedade avançada deve ao seu conjunto de integrantes (indivíduos).

Obteve status constitucional somente na Constituição Federal de 1988, integrando a Assistência Social, a Saúde e a Previdência.

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, através do Decreto 591, em diversos artigos faz referência aos direitos que compõem a seguridade social, ressaltando em seu art. 9° o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social, bem como em seu art. 12 o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.

A Previdência Social é um sistema elaborado para garantir o bem-estar dos segurados na velhice ou quando por algum infortúnio eles não estiverem em condições de trabalhar, além do amparo aos dependentes do segurado e, ainda, no auxílio-maternidade. Essa garantia de bem-estar, todavia, somente é dada para aquelas pessoas que fazem parte do sistema, ou seja, aquelas que estão inscritas regularmente na previdência (regime geral ou próprio) e que com ela contribuem os segurados.

Assim, com suporte nas lições de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (2000), o Regime de Previdência Social brasileiro deve ser entendido à semelhança do contrato de seguro, em que o segurado paga determinada contribuição, com vistas à cobertura de riscos futuros.

Nos últimos trinta anos, a previdência social passou por três grandes reformas, a primeira através da Emenda Constitucional nº 20/98, seguida da Emenda Constitucional nº 41/2003 e Emenda Constitucional nº 103/2019. Referidas reformas visam aplicar medidas de contenção do déficit previdenciário, realidade da maioria dos regimes.

Dito isto e, considerando o impacto financeiro negativo causado pelo déficit previdenciário nas contas públicas, na medida em que os aportes necessários para pagamento de benefícios obriga os entes subnacionais a deixarem de investir em outras áreas sensíveis da sociedade, questiona-se: o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS possui natureza jurídica de política pública?

2 O que é Política Pública?

De acordo com Bucci Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um conjunto de processos juridicamente regulados processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e determinados.

Do sobretido conceito, extrai-se que política pública só deve ser entendida como pública se contemplar interesses de uma coletividade. Para Bucci "Uma política é pública quando contempla os interesses públicos, isto é, da coletividade não como fórmula justificadora do cuidado diferenciado com interesses particulares ou do descuido indiferenciado de interesses que merecem proteção mas como realização desejada pela sociedade. Mas uma política pública também deve ser expressão de um processo público, no sentido de abertura à participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para a manifestação clara e transparente das posições em jogo".

Assim, podemos concluir que as políticas públicas devem ser instrumentos capazes de proporcionar, mediante a ação conjunta dos poderes públicos, a efetivação de direitos fundamentais sociais, conferindo aos cidadãos as condições necessárias para usufruírem a real liberdade e a igualdade material e, consequentemente, a dignidade humana. 

Nessa linha, Smanio preceitua:"As Políticas Públicas são instrumentos importantes para a concretização dos Direitos Fundamentais. Exigem atuação da Administração Pública, dos órgãos e Poderes do Estado na sua consecução. O arcabouço normativo que constitui as Políticas Públicas deve trazer a sua legitimação e eficiência.

E continua: (...) as Políticas Públicas têm sua legitimidade e eficiência ao garantir a efetivação da cidadania no Estado Constitucional".  

De acordo com Bucci, para que o Estado cumpra os compromissos constitucionais e promova a efetividade de tais direitos, há que pautar sua atuação governamental na elaboração de políticas públicas sob a dimensão coletiva. É importante, contudo, compreender a política pública como força originária, que se exterioriza no governo e tem sua forma institucionalizada por meio do direito que se reconhece no Estado.

Por seu turno, temos que a previdência constitui um direito fundamental de segunda geração, prevista no Capítulo II Dos Direitos Sociais de nossa Carta de Outubro, quando dispõe em seu inciso IV do artigo 7º que são direitos dos trabalhadores IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;.

Insta destacar que o texto constitucional trouxe três regimes de previdência: O Regime Geral de Previdência Social, o Regime Próprio de Previdência Social e o Regime de Previdência Complementar.

As regras atinentes ao Regime Próprio de Previdência Social foram externalizadas através do artigo 40 da Constituição Federal, sendo este um regime opcional para os entes federados mas que, em o criando, deve contemplar como segurados todos os servidores públicos detentores de cargo efetivo (e somente estes). Caso não adotem o Regime Próprio de Previdência Social, seus servidores públicos serão segurados/beneficiários do Regime Geral de Previdência Social RGPS.

No Brasil, os 26 (vinte e seis) estados e o Distrito Federal possuem RPPS; dos 5.568 (cinco mil quinhentos e sessenta e oito) municípios, 2.096 (dois mil e noventa e seis) municípios RPPS. A última reforma da previdência, através da Emenda Constitucional nº 103/2019, proibiu a criação de novos Regimes Próprios de Previdência Social.

A maioria dos Regimes Próprios de Previdência do Brasil têm apresentado déficits crescentes. De acordo com dados do IPEA[1], nos estados e no Distrito Federal a razão entre o ônus financeiro efetivo representado pelas despesas agregadas com pessoal ativo e inativo dos estados e a receita corrente líquida agregada desses últimos passou de 50,5%, em 2006, para 58,3%, em 2016. No consolidado de governo central, estados e Distrito Federal, as despesas com previdência e pessoal (ativos e inativos) consumiram, em 2016, cerca de 69,1% da receita líquida.

Assim em que pese a previdência social ser um direito fundamental de segunda geração, especificamente com relação aos Regimes Próprios de Previdência Social, trata-se de uma política pública, na medida que o pagamento de benefícios previdenciários a uma casta de trabalhadores em detrimento à coletividade?

Podemos entender como política pública um regime de previdência custeado por toda a população (desde os mais pobres até os mais ricos, através de seus impostos) em detrimento ao bem comum, vez que a necessidade de complementação dos valores necessários ao pagamento de benefícios faz com que o investimento em outras áreas seja diminuído ou inexistente?

3 Os Regimes Próprios de Previdência Social

Até a Emenda Constitucional nº 20/98, os Regimes Próprios de Previdência RPPS não possuíam o caráter contributivo-retributivo; a aposentadoria do servidor público era vista como prêmio pelo trabalho dedicado ao ente subnacional. Tanto é verdade que, até hoje, os servidores públicos aposentados são frequentemente denominados de servidor inativo e não como aposentado, como ocorre na iniciativa privada.

Nogueira (2012) destaca que os servidores públicos, ao historicamente levarem para a inatividade como proventos a remuneração dos ativos, refletiam uma postura do Estado que os diferenciava dos trabalhadores em geral, considerando a concepção de que aqueles que se dedicam ao Estado deveriam se beneficiar da proteção deste quando se aposentam, tal como um prêmio. A aposentadoria do servidor público historicamente foi difundida e encarada como uma política de recursos humanos, um benefício para atrair pessoas para o serviço público. Nesse sentido, verifica-se, no contexto pré-Constituição da República de 1988, que as contribuições dos servidores e respectivas instituições previdenciárias, em sua maioria, se destinavam a pagar pensões e pecúlios aos dependentes, uma vez que, com a morte do servidor, cessavam os proventos recebidos do Estado.

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Diante da ausência de medidas que garantissem a sustentabilidade financeira dos RPPS(s), muitos RPPS tornaram-se deficitários. Segundo Giambiagi (2007), em 1998, enquanto no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) o déficit era de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), nos RPPS, o déficit era de 3,7% do PIB. Levando-se em conta os regimes próprios de previdência em separado, o déficit federal era de 1,9% do PIB; os estaduais, de 1,5%; e os municipais, de 0,3% do PIB.

Assim, a primeira reforma da previdência foi instrumentalizada através da Emenda Constitucional nº 20/98, estabelecendo contribuição para os servidores públicos e regras aposentatórias mais severas, considerando que até então existia apenas o requisito tempo de serviço.

Rompeu-se, portanto, a herança da era patrimonialista em que reinava a ideia de relação pro labore facto, onde a previdência dos servidores públicos era tratada como uma extensão da política de pessoal dos entes federados.

Em que pese tais considerações, as ferramentas oportunizadas pelo legislador para contenção do déficit que havia se instalado ainda se mostram insuficientes para o atingimento do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS, obrigando os entes subnacionais a despenderem vultosos valores para fazer frente ao pagamento de benefícios.

Sob esse viés, temos que na medida em que os recursos públicos são utilizados para pagamento de benefícios previdenciários dos servidores públicos, visto que as contribuições não são suficientes para fazer frente ao pagamento dos mesmos, seria errôneo dizer que os RPPS não possuem caráter de política pública?

Como vimos, as políticas públicas são voltadas para garantir o bem-estar da população, os RPPS, se analisados sob o prisma supracitado, acabou por ser um fardo para os entes subnacionais, que acabam por mantê-los em detrimento da sociedade.

A maioria dos RPPS possuem o sistema de repartição simples, qual seja, as contribuições dos servidores em atividade são utilizadas para pagamento dos benefícios previdenciários.

Em não sendo suficientes, o ente subnacional é responsável pelo pagamento do déficit, para que a folha de aposentados e pensionistas seja honrada. Em não sendo possível, ocasiona-se grande problema não só para os beneficiários, mas para uma cadeia de pessoas que são mantidas também por esses recursos, v.g., comércios locais que sentirão a minoração do dinheiro em circulação.

Na verdade, a exemplo dos modelos das previdências complementares, o ideal seria um sistema capitalizado nos RPPS, administrado de forma que as contribuições do segurados seriam responsáveis pela pagamento de seus benefícios, até que finde o total acumulado, evitando que os entes subnacionais custeassem os benefícios de seus servidores aposentados e de seus pensionistas.

Em que pese as diretrizes legislativas, no sentido da implantação de um modelo capitalizado para os RPPS, as soluções de equacionamento propostas têm se tornado inócuas, diante do alto custo imediato que se impõe aos entes subnacionais.

Enquanto não se equaciona o déficit, os entes subnacionais, em sua maioria, mantêm-se custeando boa parte dos benefícios dos servidores públicos aposentados e de seus pensionistas, obviamente com recursos públicos que poderiam ser destinados para saúde, educação, segurança pública, entre outras frentes.

Isto posto, questiona-se: O RPPS é uma política pública? Ao que tudo parece, não.

Cumpre-nos ressaltar como estava o ambiente organizacional existente na época (1998) da criação do arcabouço normativo-regulatório dos RPPS, primeiramente através da Lei nº 9.717/1998 e, após, através da EC nº 20/1998.

Em 1995, havia um enorme desequilíbrio fiscal e uma busca de ajuste das contas públicas, situação impulsionadora das reestruturações nas áreas administrativa, previdenciária e tributária. Até então, não havia qualquer tipo de instituição formal que disciplinasse a questão do equilíbrio financeiro e atuarial dos sistemas de previdência no Brasil, especialmente os dos servidores públicos.

Esta nova ótica surgiu num ambiente no qual a cultura predominante era a da previdência do funcionalismo público como meio de recompensar a lealdade ao Estado e de demarcar o status social deste grupo. Segundo Esping-Andersen (1991), no passado, segundo a tradição corporativista (welfare state como sistema de estratificação social), foram criados benefícios previdenciários diferenciados para os servidores públicos.

No entanto, tais benefícios não podem mais ser usados como instrumento de estratificação social, haja vista o movimento mundial de redução das desigualdades e os modelos contemporâneos da previdência social, quais sejam, os princípios da contributividade, retributividade e solidariedade, bem como a necessidade de adoção de medidas que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.

Importante destacar ainda que, além da contribuição descontada dos servidores para os RPPS, há ainda a contribuição previdenciária de responsabilidade dos entes federados; tal contribuição advém de recursos públicos, cobrados da sociedade civil sob a forma de tributos, tarifas, etc.

Nunca é demais ressaltar que o salário do servidor público de onde são descontadas as contribuições previdenciárias também se origina de recursos da sociedade. Assim, trocando em miúdos: a sociedade custeia, além da remuneração dos servidores públicos em atividade, as aposentadorias e pensões dos RPPS e, em sendo deficitários, seu financiamento ocorre em detrimento ao bem da coletividade.

De outro norte, as decisões para redução do déficit da previdência são politicamente onerosas. Para muitos políticos, não vale o ônus presente perda do eleitorado de idosos e daqueles com expectativas de aposentadoria sob determinada regra em detrimento de benefícios de longo prazo ou de uma conta futura que não lhes importa (GIAMBIAGI; TAFNER, 2010). Dessa forma, a problemática das despesas com previdência, apesar de apresentar uniformidade na sua conceituação aplicando-se a todo o território nacional, se potencializa a nível subnacional, na medida em que problemas decorrentes de escolhas que podem comprometer a capacidade de financiamento da previdência se multiplicam em todos os entes, que estabelecem, por exemplo, as políticas de carreira, remuneração de pessoal e regras específicas para policias e bombeiros militares no caso dos Estados e do Distrito Federal.

Caetano (2014) e Varsano e Mora (2007) destacam adicionalmente que os problemas que geram aumento dos gastos com previdência não são somente em decorrência de variáveis demográficas, mas também frutos de decisões políticas, dentre elas, a vinculação da correção de benefícios à correção do salário mínimo, que, desde a introdução do Plano Real, apresentou ganhos reais expressivos, bem como concessões a grupos específicos e baixa disposição em realizar reformas.

Sendo administrados como estão, os RPPS continuarão a retirar recursos orçamentários e financeiros de outras despesas, transferindo o custo dessa alocação para os eventuais beneficiários das políticas prejudicadas ou contribuindo para a ampliação do endividamento público e inflação, o que tem consequências graves para a economia. Cabe à sociedade refletir: até que ponto vale a pena sacrificar o futuro para garantir o presente?

Ao que tudo parece, os RPPS não possuem natureza jurídica de políticas públicas, mas de uma política de governo, criada para beneficiar uma determinada casta de trabalhadores em detrimento da sociedade, sendo esta quem realmente custeia o regime.

Resta clara a necessidade de minorar, cada vez mais, a diferença existente entre o Regime Geral de Previdência Social, a consolidação das previdências complementares e o escoamento dos gastos previdenciários, sob pena de sua inviabilização e prejuízo dos seus beneficiários e das consequências negativas para a sociedade.

A condição prejudicial dos RPPS para os entes subnacionais é ponto pacífico, na medida em que o Governo Federal, através da Emenda Constitucional nº 103/2019 proibiu a criação de novos RPPS. Também, através do mesmo dispositivo, traçou medidas que aproximam cada vez mais os RPPS do RGPS. Mas até o atingimento do tão almejado equilíbrio há um longo caminho a ser percorrido, tempo este em que a sociedade continuará custeando a previdência dos servidores públicos.

Destarte, não é forçoso afirmar que a manutenção do RPPS não foi e não é uma política pública em sentido estrito. Na verdade, o RPPS, analisado sob a ótica ora proposta, tornou-se um fardo para sociedade que a custeia.

Por óbvio que referida condição foi imposta aos servidores públicos, considerando que tanto o RGPS quanto o RPPS são compulsórios; também é óbvio que a falência do Regime com a impossibilidade de pagamento dos benefícios geraria consequências nefastas em cadeia. Mas também é imperioso que sejam voltados os olhos para os RPPS para que as reais políticas públicas sejam retribuídas à sociedade e referidos regimes possam atingir o tão almejado equilíbrio e sustentabilidade, sem o qual, invariavelmente, todo o sistema será negativamente atingido.

Considerações Finais

O presente trabalho buscou traçar um paralelo entre a função social do Estado, na garantia do bem comum e o financiamento dos Regimes Próprios de Previdência, relativamente aos que são deficitários e dependem da transferência de boa parte da receita corrente líquida dos entes subnacionais para fazer frente ao pagamento de benefícios previdenciários dos servidores públicos.

Na medida em que os RPPS são custeados com recursos públicos tanto direta como indiretamente, considerando que a remuneração dos servidores públicos, das quais são descontadas as contribuições previdenciárias, advém da população e, em não sendo suficiente, há aportes dos entes subnacionais para pagamento dos benefícios.

Nunca é demais lembrar que o serviço público remunera algumas categorias de servidores públicos com salários vultosos, muito maiores que a maioria da população pode auferir, mas que são custeados por esta população em detrimento ao que os entes subnacionais poderiam oferecer de benfeitorias, deixando de fazê-lo para custear referidas remunerações, seja através do pagamento de salário, seja através do pagamento de benefícios previdenciários.

Analisando-se sob este prisma salta aos olhos verdadeira injustiça social, levando-nos a refletir: é salutar para a sociedade a manutenção de Regimes Próprios de Previdência Social pelos entes subnacionais?

É certo que os servidores públicos não têm culpa da má-gestão destes Regimes. Sabemos que o déficit instalado em muitos tem contexto histórico, oriundo de ausência de contribuição e a tentativa de equilíbrio ocorreu quando o desequilíbrio já havia se instalado.

Sob os aspectos supracitados, tudo leva-nos a crer que os Regimes Próprios de Previdência Social deixaram de ser uma política pública em sentido estrito, passando a ser uma política de governo e que deve ser administrado com vistas à melhoria das reais políticas públicas a serem devolvidas em prol da sociedade que as custeia.

O Governo Federal iniciou a tentativa de contenção do déficit da previdência através da Emenda Constitucional nº 20/98 e, desde então, implanta medidas para tal equacionamento.

A discussão acerca da sustentabilidade da previdência, certamente, ainda gerará grandes controvérsias, sobretudo quando restringem benefícios e aumento de contribuições. No entanto, é de clareza solar que o problema deve ser encarado, com atuação em prol das políticas públicas, sob pena de inviabilização dos regimes e prejuízo não só a estes, mas a toda sociedade.

Referências

BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico, p. 39

BUCCI, Maria Paula Dallari. Op. cit., p. 97.

CAETANO, Marcelo Abi-Rama. Dinâmica fiscal da previdência social brasileira. In: Novo regime demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea, 2014.658.

ESPING-ANDERSEN, G. As três economias políticas do welfare state (trad.). Revista lua nova, CEDEC, São Paulo, n. 24, p. 85-115, 1991.

GIAMBIAGI, F. A reforma da previdência: o encontro marcado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

GIAMBIAGI, Fabio; TAFNER, Paulo. Demografia a ameaçam invisível: o dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encara. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010

NOGUEIRA, Narlon G. O Equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS: de princípio constitucional a política pública de Estado. Brasília, MPS, 2012. 336 p. -- (Coleção Previdência Social. Série Estudos; v. 34). Disponível em . Acesso em: 15 jun. 2022.

REZENDE, Fernando. A política e a economia da despesa pública: escolhas orçamentárias, ajuste fiscal e gestão pública: elementos para o debate da reforma do processo orçamentário. Editora FGV. Rio de Janeiro, 2015.

SMANIO, Gianpaolo Poggio. O direito e as políticas públicas no Brasil, p. 12.

VARSANO, Ricardo e MORA, Mônica. Financiamento do Regime Geral de Previdência Social. In TAFNER, P. e GIAMBIAGI, F. (Orgs.). Previdência Social no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

Sobre a autora
Renata Raule Machado

Procuradora Autárquica, atuante no Regime Próprio de Previdência Social do Estado de Mato Grosso do Sul desde 2008. Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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