O companheiro e o status de herdeiro necessário: Repercussão Geral n° 809 do STF.

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O presente artigo vem tratar da Repercussão Geral n°809, do STF, que definiu que não pode haver distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, mas que não tratou da relação do rol de herdeiros necessários.

Quando se trata da União Estável no direito contemporâneo, quando tal tema é apresentado relacionado com o direito sucessório, ainda há uma grande insegurança jurídica, pois, há discussão sobre o reconhecimento ou não do companheiro como um herdeiro necessário.

O CC/02 trouxe a previsão do artigo 1.790 a qual tratava da sucessão pelo companheiro. Todavia, em sede de Recurso Extraordinário nº 878.694 o qual se transformou na Repercussão Geral n. 809 do STF, o Companheiro passou a ter o mesmo tratamento que o cônjuge, conforme o artigo 1.829 do cc/02.

A previsão do artigo 1.790 do Código Civil de 2002 foi declarada pelo STF como sendo inconstitucional, não podendo haver distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros. Apesar disso, o STF modulou os efeitos da decisão para aplicá-la "aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública".

A ministra Nancy Andrighi, afirmou que sendo incompatível com a CF/88, a lei incorre em vício insanável e, portanto, nulo, e, como regra, a declaração da sua inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc (retroativos). Entretanto, ela lembrou que, excepcionalmente por motivo de força maior como a proteção à boa-fé, tutela da confiança e previsibilidade , pode ser conferida eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade da lei.

A Ministra ainda ressaltou:

"As interpretações subsequentes da modulação de efeitos devem ser restritivas, a fim de que não haja inadequado acréscimo de conteúdo exatamente sobre aquilo que o intérprete autêntico pretendeu, em caráter excepcional, proteger e salvaguardar".

Segundo Nancy Andrighi, a preocupação do STF, ao modular os efeitos de sua decisão no Tema 809, foi a de tutelar a confiança e conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas isto é, nas ações de inventário concluídas em que foi aplicado o artigo 1.790 do CC/2002.

O Relator Ministro Barroso firmou a seguinte tese acerca do tema: 

No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/02.

A partir da fixação da referida tese, a decisão parecia ter solucionado grande controvérsia jurídica, cônjuges e companheiros deveriam ter os mesmos direitos na sucessão. Ocorre que não ficou clara como seria essa aplicação do artigo 1.829, que regula a ordem de vocação hereditária. Acerca do tema, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) pediu esclarecimentos ao STF, em sede de embargos de declaração.

A entidade pediu esclarecimentos sobre qual seria o alcance da tese de repercussão geral, no sentido de mencionar as regras e dispositivos legais do regime sucessório do cônjuge que devem se aplicar aos companheiros.

Os embargos foram rejeitados pelo STF porque, segundo o Ministro Barroso: 

(...) a repercussão geral reconhecida diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis. Não há omissão a respeito da aplicabilidade de outros dispositivos a tais casos.

A Doutrina vem se encarregando de tratar sobre o tema, sendo a majoritária posição no sentido de conferir status de herdeiro necessário ao companheiro alegando que não pode haver tratamento desigual. 

Ana Luiza Nevares adepta da doutrina majoritária alega que:

 (...) tecnicamente, eu não consigo enxergar a matéria de outro jeito. Se é inconstitucional tratar eles (cônjuge e companheiro) de forma diversa, então ambos têm que ter os mesmos direitos sucessórios e continua: Para mim, a ratio decidendi, a razão de decidir do Supremo, foi muito clara: na sucessão hereditária, ambos são tratados de forma igual, se o cônjuge é herdeiro necessário o companheiro também deve ser. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou no sentido de que a repercussão geral estabelecida pelo STF leva, necessariamente, a posição do companheiro como herdeiro necessário. Mas é verdade que essa manifestação ainda não se deu em sede de uma decisão vinculante, pode ser que o STJ mude a sua posição. Eu penso que a razão de decidir da repercussão geral foi a igualdade plena de direitos sucessórios entre cônjuge e companheiro, eu já tenho uma posição da corte superior a respeito da legislação infraconstitucional, já tenho uma posição do STJ no sentido de que o companheiro é herdeiro necessário, então, apesar da decisão do STF nos embargos, a posição que prevalece é a de que o companheiro é herdeiro necessário. Evidentemente, o debate está na mesa e seria muito importante que a gente tivesse uma decisão que resolvesse de uma vez essa questão.

Por outro lado, uma outra parte da Doutrina, como o professor Conrado Paulino Rosa, acredita que não deveria ser dado o status de herdeiro necessário ao companheiro haja vista que para sê-lo é preciso apenas um ato-fato, já para ser cônjuge exige-se maior formalidade.

O advogado Mário Luiz Delgado adepto a doutrina minoritária, afirma que: 

(...) a tutela estatal abrangente das entidades familiares típicas e atípicas não provoca a equiparação da respectiva moldura normativa, posto que em sendo diversas as suas características, imperioso reconhecer a diversidade de regimes legais, sem que se incorra no equívoco da hierarquização, e continua, mesmo após a decisão do STF, não cabe a aplicação do art. 1.845, com elevação do companheiro sobrevivo ao status de herdeiro necessário. Primeiro porque ser herdeiro necessário decorre do preenchimento das formalidades próprias do casamento, dispondo a lei, de forma explícita, que somente quem possua o estado civil de casado portará o título de sucessor legitimário, ostentando a qualificadora restritiva da liberdade testamentária. Segundo porque o art. 1.845 é nítida norma restritiva de direitos, pois institui restrição ao livre exercício da autonomia privada e, conforme as regras ancestrais de hermenêutica, não se pode dar interpretação ampliativa à norma restritiva. O rol do art. 1.845, portanto, é taxativo. Da mesma forma que só a lei pode retirar qualquer herdeiro daquele elenco, somente a lei pode ampliar o seu conteúdo, não sendo permitido ao intérprete fazê-lo.

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Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, 

Se equiparar cônjuge e companheiro em todas as premissas, incluindo o de ser herdeiro necessário, estará tolhendo a liberdade das pessoas de escolherem esta ou aquela forma de família. Poderia, na verdade, sucumbir ao instituto da união estável. Se em tudo é idêntica ao casamento, ela deixa de existir, e só passa a existir o casamento. Afinal, se a união estável em tudo se equipara ao casamento, tornou-se um casamento forçado. Respeitar as diferenças entre um instituto e o outro é o que há de mais saudável para um sistema jurídico. Um dos pilares de sustentação do Direito Civil é a liberdade. Se considerarmos o (a) companheiro (a) como herdeiro necessário, estaremos acabando com a liberdade de escolha entre uma e outra forma de constituir família, já que a última barreira que diferenciava a união estável do casamento já não existiria mais.

Segundo o advogado Flávio Tartuce, diretor nacional do IBDFAM, o STF não apreciou a questão da distinção entre cônjuge e companheiro na sucessão, no julgamento dos embargos. Ele afirmou o seguinte:

Entendo que o julgamento dos embargos de declaração pelo STF não mergulhou na análise de ser o companheiro herdeiro necessário ou não. Houve a sua rejeição (dos embargos) por uma razão processual e o debate continua nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Na minha visão, predomina a resposta positiva na doutrina. Ademais, existem julgados do STJ na mesma linha. Porém, para que haja uma pacificação do tema e nos termos do art. 927 do CPC/2015, a questão precisa ser solucionada pela Segunda Seção do STJ ou pelo próprio STF em outro julgado.

Diante do exposto, percebe-se que uma grande parte da doutrina tem entendido nesse momento que se deve fazer uma interpretação extensiva do que foi decidido na Repercussão Geral nº 809 do STF, aplicando aquela decisão para questões hereditárias, colocando o companheiro no rol de herdeiros necessários, tendo, inclusive, decisão do STJ a respeito decidindo nesse sentido. 

Apesar disso, e aqui declino a minha opinião, uma outra parte da doutrina enxerga que igualar a união estável como um todo ao casamento seria uma mácula a esta entidade familiar, não dando oportunidade de escolha às pessoas em relação ao tipo de entidade familiar que elas querem formar. Até porque hoje sabemos que há diferenças de exigências entre as entidades familiares aqui abordadas (casamento e união estável) e acredito que o rol dos herdeiros necessários deva ser um rol taxativo. 

E diante de tudo que foi exposto, acredito que, de certo, o posicionamento do advogado Flávio Tartuce deve ser bem acolhido, no sentido de que o tema precisa ser abordado e solucionado pela Segunda Seção do STJ ou pelo próprio STF em outro julgado.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 878.694 MINAS GERAIS. RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO. Tribunal Pleno, DJe de 10/05/2017. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14300644 . Acesso em: 18/10/2021.

 

DELGADO, Mário Luiz. Apud. Equiparação de cônjuge e companheiro na sucessão ainda gera polêmica e promove o debate. Acesso: https://ibdfam.org.br/noticias/6813 em 18/10/2021.

 

NEVARES, Ana Luiza. Apud. Equiparação de cônjuge e companheiro na sucessão ainda gera polêmica e promove o debate. Acesso: https://ibdfam.org.br/noticias/6813 em 18/10/2021.

 

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Apud. Equiparação de cônjuge e companheiro na sucessão ainda gera polêmica e promove o debate. Acesso: https://ibdfam.org.br/noticias/6813 em 18/10/2021.

TARTUCE, Flávio. Apud. Equiparação de cônjuge e companheiro na sucessão ainda gera polêmica e promove o debate. Acesso: https://ibdfam.org.br/noticias/6813 em 18/10/2021.

 

Sobre a autora
Isabella Cristina Guilherme de Araújo

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Advogada OAB/PE - Subsecção Olinda-PE. Tem formação em Mediação Judicial pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) (2017) e atuação como Conciliadora Judicial Voluntária no TJPE (2016-2019). Pós-graduada em Direito Público pelo Instituto Pan Americano de Educação, Ciências e Cultura - Faculdade Novo Horizonte em (2019-2021). Membro da Comissão de Mediação, Arbitragem, Conciliação e Direito Sistêmico da OAB/PE Subsecção Olinda (2019-2020). Conciliadora Judicial – CNJ. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário UniDom Bosco em parceria com Meu Curso (2021-2022).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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