Preconceito e discriminação contra pessoas com deficiência no Poder Judiciário e no Ministério Público Federal– a realidade brasileira com as bênçãos dos ministros do STF e membros do MPF

03/07/2022 às 23:08
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PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO PODER JUDICIÁRIO E NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A REALIDADE BRASILEIRA COM AS BÊNÇÃOS DOS MINISTROS DO STF E MEMBROS DO MPF

1.INTRODUÇÃO

O preconceito e a discriminação podem ocorrer por ações ou omissões que tenham os objetivos de excluir, segregar, banir pessoas com características específicas da sociedade.

Na atualidade é reconhecido e divulgado pelos meios de comunicações os efeitos negativos dessa prática funesta contra negros, estrangeiros, Membros de entidades religiosas, principalmente de matriz africana, e grupos minoritários que professam crenças pouco conhecidas, homossexuais e suas vertentes, dentre outros. Analisaremos especificamente preconceito contra pessoas com deficiência e, tendo em vista tratar-se de uma realidade no Poder Judiciário brasileiro e no Ministério Público Federal, recorreremos a definição legal para melhor compreensão das formas sutis que eles são constatados e seus efeitos corrompedores no Estado Democrático de Direito.

O artigo 4º§1º da Lei n.º 13.146/2015, reproduzindo texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência inserida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n.º 6.949 de 25 de agosto de 2009, define discriminação como:

§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

(grifos nossos)

Essa definição do que vem a ser discriminação em razão da deficiência retrata a selvageria de parte da sociedade visto que a Constituição Federal de 1988 já estabeleceu, há mais de três décadas, que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88).

Para pessoas comuns, leigas juridicamente, tratar alguém com dignidade já tem o sentido de evitar ações ou omissões que tenham o potencial de distinguir, restringir ou excluir qualquer indivíduo com o propósito ou efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais.

No contexto do fundamento constitucional já estão inseridas as noções de não discriminação para prejudicar, de respeito, de inclusão, de solidariedade, que são naturalmente compreendidos pela grande maioria da população brasileira de forma espontânea. Mas muitos Magistrados e Membros do Ministério Público Federal parecem não estarem incluídos nessa maioria, talvez seja esse o principal motivo para se consignar uma definição legal desse tumor social.

A Cartilha do Poder Judiciário elaborada pelo Supremo Tribunal Federal que busca dar a sociedade uma noção simplificada da sua função constitucional destaca que:

AO PODER JUDICIÁRIO COMPETE INTERPRETAR AS LEIS E APLICAR O DIREITO DE ACORDO COM OS CASOS A ELE APRESENTADOS, POR MEIO DE PROCESSOS JUDICIAIS QUE COMEÇAM POR INICIATIVA DOS INTERESSADOS.

(Cartilha do Poder Judiciário / Supremo Tribunal Federal. -- Brasília : STF, Secretaria de Documentação, 2018. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaGlossarioMirim/anexo/CartilhaPoderjudiciario_24092018.pdf)

(grifos nossos)

A definição apresentada destaca dois fatores importantes que mostram a ordem das coisas numa sociedade civilizada: as leis e a Constituição são os instrumentos de trabalho do Poder Judiciário e seus atores, sem elas não haveria razão de existência para essa função do Estado.

Todas as vezes que os operadores do direito diretamente envolvidos nas soluções de conflitos, atuando em nome do Estado, furtam-se ao dever de respeitar a vontade popular refletida nas legislações produzidas pelos representantes eleitos do povo, eles atentam contra a própria razão de existência das instituições democráticas e contra a própria democracia que fazem parte dessa vertente do Poder Estatal refletindo seus despreparos e indiferenças com a sociedade.

Num passado, não muito distante, no Brasil alguns grupos econômicos detinham o controle das informações por meio de veículos de imprensa que além de fazer uma espécie de seleção das divulgações de fatos relevantes para a sociedade, tinha no Estado e nas empresas estatais suas principais fontes de receita orçamentária.

Com o avanço da popularização das redes sociais, plataformas de streamings e do revolucionário YouTube, a população passou a ter acesso às informações que anteriormente eram usadas pelos meios de comunicações como barganha para sugar dinheiro público por meio de publicidades despidas de interesse social que tinham tão somente o objetivo de canalizar verbas oriundas de impostos para a iniciativa privada e bancar os supersalários de atores, atrizes, repórteres, apresentadores e, principalmente, empresários do ramo das comunicações milionários.

Naquela época havia revistas e programas de tvs, rádios e jornais que tinha por nicho divulgar as chamadas fofocas sobre personalidades e, também, recebiam recursos públicos, dentre outros patrocínios, para viabilizar suas produções.

Com a quebra do monopólio dos meios de comunicações pelos instrumentos que a internet viabilizou ocorreu tanto a queda das receitas orçamentárias dos antigos administradores da informação quanto um contra-ataque aos meios de comunicação e interação social que surgiram.

Aquilo que era fofoca passou a ser classificado como Fake News e aquelas informações que eram omitidas em troca de patrocínios publicitários com dinheiro público passou a serem tipificadas como atentado contra as instituições democráticas quando buscam conscientizar a população das condutas desvirtuadas atotadas por agentes públicos. Nesse cenário o vilipendio ao interesse público proliferam como um tumor cancerígena maligno que passa a sugar da sociedade seu sangue contribuindo para uma democracia anémica e debilitada que se definha a cada dia.

A democracia brasileira, se formos considerar seu início com o fim da ditadura militar com a eleição indireta para presidente de Tancredo Neves e seu vice José Sarney em 1985, é uma das mais jovens do cenário mundial com quase quatro décadas. No entanto já foi atingida por catástrofes político-sociais como cassação de dois presidentes, Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em 2016 e a prisão de outros dois presidentes por atos cometidos durante o desempenho do mandato, Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de abril de 2018 decorrente de execução de sentença penal condenatória e Michel Temer em 21 de março de 2019 em razão de mandado ordenado por um juiz singular.

Esses fatos históricos deixam claro que quando menor o grau de compromisso dos agentes públicos com os fundamentos e princípios que regem a sociedade, menor devem ser as garantias daqueles que são eleitos, indicados ou escolhidos para funções do Estado.

Nos casos específicos dos ocupantes de cargos nos Poderes Legislativo e Executivo há um limite temporal razoável de quatro e oito anos para sua reavaliação pelo detentor do Poder, o povo, que aferi o compromisso dos parlamentares e chefes do Executivo com o cumprimento e respeito ao interesse público durante o cumprimento dos respectivos mandatos. Ou seja, o poder é efetivamente devolvido ao povo.

Porém, não é assim no Poder Judiciário e esse talvez seja o fator que contribui para a manutenção e preservação de condutas preconceituosas e discriminatórias por seus Membros que, por arrastamento, contaminam o Ministério Público Federal.

A discriminação contra pessoas com deficiência no Poder Judiciário e no Ministério Público Federal é fato. Uma prova clara disso é que o único desembargador com deficiência aparente, o dr. Ricardo Tadeu da Fonseca, só pode acessar o cargo por meio do Quinto Constitucional em razão dos integrantes das Comissões de Concursos para a magistratura no Brasil usarem de meios escusos e deturpados para banirem essa parcela dos cidadãos brasileiros com proteção dos Membros do Conselho Nacional de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público Federal.

Hoje é possível observar a presença de procuradores estaduais, municipais, defensores públicos em todos os níveis das respectivas carreiras. Porém, isso não ocorre na magistratura e no parquet federal. Não se trata de falta de interesse dos candidatos ou ausência de qualificação, mas de parreiras ilegais impostas com objetivo preciso de impedir o acesso dessa parcela da sociedade aos cargos públicos das respectivas carreiras como se demonstrará a seguir.

2.DAS RESOLUÇÕES DISCRIMINATÓRIAS E SECREGATIVAS DO PODER JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A Constituição Federal de 1988 deu aos órgãos do Poder Judiciário e aos Ministérios Públicos Estaduais e da União a competência de legislar matérias específicas de seus interesses internos impondo limitações claras para essa atividade atípica.

Exemplos dessas competências legiferantes estão previstas nos artigos 96, I, a, 103-B, §4º, I, 130-A, §2º, I, da Constituição Federal de 1988 que versam:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus Regimentos Internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) Membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze Membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus Membros, cabendo lhe: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;    (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(grifos nossos)

O grande problema dessas competências legislativas atribuídas pela Constituição Federal de 1988 aos órgãos do Poder Judiciário e aos Ministérios Públicos está no descaso dos integrantes dos órgãos externos de controle do exercício dessas funções e do baixíssimo grau de compromisso dos seus Membros com as funções estatais e com a sociedade brasileira que, somente no ano de 2022, trabalhou quase cinco meses do ano para pagar impostos para sustentar, dentre outros, a máquina judiciária que é a estrutura mais cara do Estado brasileiro.

O artigo 52, II, da Constituição Federal de 1988 é claríssimo ao determinar que é competência do Senado Federal julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal por crimes de responsabilidade e, no decorrer desse artigo será, demonstrada a ocorrência de diversos delitos dessa modalidade. Porém, uma parte dos integrantes da Casa parecem mais atuarem como capachos dos Membros da corte do que como mandatários do povo brasileiro. O dispositivo constitucional versa:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os Membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Saliente-se que todos os Membros dos Órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal possuem nível superior, tendo plena consciência das suas ações e seus efeitos, cujos subsídios são referência para o teto das remunerações do serviço público nacional. E os cargos auxiliares excedem em mais que o dobro da renda salarial paga na iniciativa privada e, detalhe, com jornada de trabalho menor e qualificação cultural maior.

Vale destacar que: atualmente não há cargos com exigência inferior ao ensino médio completo nos Poderes Judiciários e no Ministério Público da União do qual faz parte o Ministério Público Federal.

Diante dessa realidade é perfeitamente compreensivo entender que as ações discriminatórias contra pessoas com deficiência praticados por Membros do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal analisados neste artigo são obras orquestradas intencionais e inexcusáveis por tratar-se de agentes públicos especialistas em solucionar conflitos sociais por profunda capacidade de compreender e aplicar as leis aos casos concretos. Tanto é assim que o Constituinte, como destacados nos dispositivos supratranscritos, concedeu-lhes competência legislativa limitada.

2.1.Das Resoluções Discriminatórias do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público

Os artigos 93, I, e 129§ 3º da Constituição Federal de 1988 determinam que o ingresso nas carreiras da magistratura e do Ministério Público ocorrerão por concurso público de provas e títulos e, nos termos do artigo 37, I e II, devem ser acessíveis a todos os brasileiros e providos por processos de seleção que respeitem os princípios constitucionais.

Em 25 de agosto de 2009 foi promulgado no Brasil a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 por meio do Decreto 6.949 que define, em seu artigo 2º, que:

Discriminação por motivo de deficiência significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;

(grifos nossos)

No artigo 4º, item 1, da norma internacional os Estados se comprometeram a revogar legislações que representam obstáculos à inclusão das pessoas com deficiência dispondo que:

Obrigações gerais 

1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:

a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção;

b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;

(grifos nossos)

Apesar dessa claríssima previsão legal publicada, no mesmo ano o Conselho Nacional de Justiça, sob a Presidência do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, aprovou a Resolução 75/2009 que, em seus artigos 73, 74 e 75, criava barreiras para a mera realização das provas dos concursos públicos para a magistratura brasileira por pessoas com deficiência e, se eles conseguissem superar tais barreiras, teriam que enfrentar novos obstáculos para o ingresso nos cargos de Membros da Magistratura. Os dispositivos versavam:

Art. 73. As pessoas com deficiência que declararem tal condição, no momento da inscrição preliminar, terão reservados, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total das vagas, vedado o arredondamento superior.

§ 1º Para efeitos de reserva de vaga, consideram-se pessoas com deficiência aquelas que se amoldam nas categorias discriminadas no art. 4º do Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999. (Redação dada pela Resolução nº 118, de 03.08.10)

§ 2º A avaliação sobre a compatibilidade da deficiência com a função judicante deve ser empreendida no estágio probatório a que se submete o candidato aprovado no certame. (Redação dada pela Resolução nº 118, de 03.08.10)

Art. 74. Além das exigências comuns a todos os candidatos para a inscrição no concurso, o candidato com deficiência deverá, no ato de inscrição preliminar:

I - em campo próprio da ficha de inscrição, declarar a opção por concorrer às vagas destinadas a pessoas com deficiência, conforme edital, bem como juntar atestado médico que comprove a deficiência alegada e que contenha a espécie, o grau ou nível da deficiência de que é portador, a CID (Classificação Internacional de Doenças) e a provável causa dessa deficiência.

II - preencher outras exigências ou condições constantes do edital de abertura do concurso.

§ 1º A data de emissão do atestado médico referido no inciso I deste artigo deverá ser de, no máximo, 30 (trinta) dias antes da data de publicação do edital de abertura do concurso.

§ 2º A não apresentação, no ato de inscrição, de qualquer um dos documentos especificados no inciso I, bem como o não atendimento das exigências ou condições referidas no inciso II, ambos do caput, implicará o indeferimento do pedido de inscrição no sistema de reserva de vaga de que trata o presente Capítulo, passando o candidato automaticamente a concorrer às vagas com os demais inscritos não portadores de deficiência, desde que preenchidos os outros requisitos previstos no edital.

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Art. 75. O candidato com deficiência submeter-se-á, em dia e hora designados pela Comissão de Concurso, sempre antes da prova objetiva seletiva, à avaliação de Comissão Multiprofissional quanto à existência e relevância da deficiência, para os fins previstos nesta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 118, de 03.08.10)

§ 1º A Comissão Multiprofissional, designada pela Comissão de Concurso, será composta por 2 (dois) médicos, 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil e 2 (dois) Membros do tribunal, cabendo ao mais antigo destes presidi-la.

§ 2º A comissão Multiprofissional, necessariamente até 3 (três) dias antes da data fixada para a realização da prova objetiva seletiva, proferirá decisão terminativa sobre a qualificação do candidato como deficiente e sobre os pedidos de condições especiais para a realização das provas. (Redação dada pela Resolução nº 118, de 03.08.10)

§ 3º A seu juízo, a Comissão Multiprofissional poderá solicitar parecer de profissionais capacitados na área da deficiência que estiver sendo avaliada, os quais não terão direito a voto.

§ 4º Concluindo a Comissão Multiprofissional pela inexistência da deficiência ou por sua insuficiência, passará o candidato a concorrer às vagas não reservadas.

(grifos nossos)

Na rifa que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes participou para concorrer a uma vaga de Ministro do Supremo Tribunal Federal não lhe foi exigido conhecimento da Convenção de Viena de 23 de maio de 1969 que, em seu artigo 18, impõe aos Estados, a partir da assinatura, o dever de abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade de um tratado.

O Brasil depositou o instrumento de ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 1ª de agosto de 2008, praticamente um ano antes do Conselho Nacional de Justiça editar a segregadora Resolução n.º 75/2009;

Quais eram os problemas da vergonhosa, vexatória disciplina que o texto da Resolução n.º 75/2009, obra do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, dava para a seleção de pessoas com deficiência que se atrevesse a participar dos concursos para a magistratura? Pelo menos seis pontos na norma segregadora buscavam impedir por meios escusos o acesso dessa camada da população brasileira à tais cargos públicos.

Primeiro, o caput do artigo 73 da Resolução 75/2009 trazia clara intensão de segregar quando dizia reservar 5% dos cargos para pessoas com deficiência, porém, determinava ser vedado o arredondamento superior. Ou seja, os candidatos com deficiência só teriam a opção de concorrer às vagas inclusivas nos concursos que houvesse mais de 20 (vinte) vagas previstas no edital.

A grande maioria dos concursos para a magistratura tinha autorização legal dada pelo caput do artigo 73 da Resolução 75/2009 para vetar, barrar a inclusão de pessoas com deficiência na magistratura brasileira. O caráter discriminatório da norma se torna mais gritante quando se compara seu teor com às diretrizes para seleção de candidatos com deficiência usados pelos órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo. Por exemplo, artigo 37§2º do Decreto n.º 3.298/1999 vedava o arredondamento para números de vagas inferiores a 5% expondo que:

Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.

§ 1o O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.

§ 2o Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este DEVERÁ SER ELEVADO até o primeiro número inteiro subseqüente.

(grifos nossos)

Em sentido oposto ao Poder Judiciário, os Poderes Legislativo e Executivo, com claro propósito de promover a política pública de Estado da inclusão das pessoas com deficiência vedavam qualquer fator que pudessem representar a exclusão dos integrantes desse grupo social. E não se tratava de fato isolado, pois o artigo 1º,§1º do Decreto n.º 9.508/2018 foi mais preciso ainda e determinou o oferecimento de vagas aos candidatos com deficiência no serviço público em percentual superior a 5% (cinco por cento). Em completa divergência da discriminatória Resolução n.º 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça, a redação versa:

§ 1º Ficam reservadas às pessoas com deficiência, NO MÍNIMO, CINCO POR CENTO DAS VAGAS OFERECIDAS para o provimento de cargos efetivos e para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, no âmbito da administração pública federal direta e indireta.

(grifos nossos)

São claríssimas as diferenças entre os objetivos das normas segregativas e discriminatórias do Poder Judiciário com aquelas inclusivas adotadas pelos Poderes Legislativos e Executivos. Enquanto os Membros da Magistratura buscam excluir as pessoas com deficiência de seus cargos, os outros Poderes, com elevado grau de civilidade buscam a inclusão delas.

O segundo elemento que destaca o caráter segregador e discriminatório da Resolução n.º 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça está na própria linguagem adotada, observe que se usa termos desprovidos respaldos científicos. Na linguagem usada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes consideram-se pessoas com deficiência aquelas que se amoldam nas categorias discriminadas.

Não há categorias discriminadas na literatura médica para classificar deficiências, trata-se de obra de mentes doentias desprovidas de noção de civilidade e noção de interação social.

A história nos ensina que quem usou esse método de classificar seres humanos em categorias, ou como utilizou o termo a Resolução n.º 75/2009 - categorias discriminadas -, foram os Nazistas que, nos campos de concentrações como em Auschwitz, atribuíam símbolos a fim de identificar prisioneiros que faziam parte de grupos sociais específicos com objetivo de organizar os extermínios. Foram usados triângulos roxos, rosas, vermelhos, pretos, a estrela de Davi, de acordo com os microgrupos sociais discriminados que eram alvos do regime opressor.

O terceiro elemento segregador da norma está nos próprios requisitos de validade impostos, pela Resolução n.º 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça, aos relatórios médicos usados pelos candidatos para atestarem a deficiência. Os Membros do Poder Judiciário entendem que a patologia científica não passa de uma deficiência alegada que, em termos processuais, exige comprovação. Porém, o atestado médico emitido por profissional da saúde não configura prova válida para assegurar o direito dos candidatos concorrerem às vagas destinadas às pessoas com deficiência.

A norma exigia, diferente de todos os demais órgãos públicos que selecionam candidatos para cargos públicos, que o candidato com deficiência fosse submetido em dia e hora designados pela Comissão de Concurso, sempre antes da prova objetiva seletiva, à avaliação de Comissão Multiprofissional quanto à existência e relevância da deficiência.

Ou seja, enquanto todos os candidatos faziam suas inscrições nos concursos para a magistratura e passavam se dedicar aos estudos com propósito de obter o melhor desempenho possível, os que optassem por se declarar deficiente tinham que se deslocar até a capital onde seriam aplicadas as provas para serem submetidos à avaliação quanto ao que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes chamou de existência e relevância da deficiência.

Para os integrantes do Conselho Nacional de Justiça que ficam mamando às tetas do Estado e que têm seus gastos cobertos pelo erário público essa exigência seria irrisória, mas para grande maioria dos cidadãos brasileiros que tem que trabalhar para arcar com os custos das viagens, tratava-se de mais um meio escuso e deturpado de dificultar o acesso das pessoas com deficiência aos cargos da magistratura nacional. Frise-se que os trabalhadores desse país não têm a regalia de solicitar aviões da FAB para passear pelo Brasil como fazem os ministros do Supremo Tribunal Federal e, por consequência, o Presidente do Conselho Nacional de Justiça.

O quarto elemento segregador é observado em outra formalidade completamente inútil estabelecida pela Resolução n.º 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça. Ela impõe a exigência de que o relatório médico que ateste a deficiência seja emitido no máximo, 30 (trinta) dias antes da data de publicação do edital de abertura do concurso. Passado esse tempo, os responsáveis pela edição da norma entendiam que os candidatos poderiam ser milagrosamente curados e, como agentes do Estado, eles poderiam legitimamente impedir o gozo das garantias legais sem violarem às leis e à Constituição Federal embora a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 1º, fosse claríssima ao definir que:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. 

(grifos nossos)

Ou seja, longo prazo para os dirigentes do Conselho Nacional de Justiça refere-se a qualquer lapso temporal superior a 30 dias quando o objetivo é impedir que pessoas com deficiência ocupem os cargos de Membros da magistratura brasileira.

O quinto elemento discriminatório e segregante está na própria existência de uma tal Comissão Multiprofissional para realizar avaliação prévia de candidatos com deficiência. Tratava-se de uma verdadeira estrutura administrativa montada para torrar dinheiro público já que a Lei n.º 12.842/2013, em seu artigo 2º, parágrafo único, incisos II e III, determinam que o profissional responsável por diagnostico de deficiência é o médico que, nos termos do seu artigo 4º, XIII, é o único profissional legalmente habilitado para realizar atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas.

A precariedade da compreensão da diversidade social dos seres humanos por parte dos magistrados, especialmente do então Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Ferreira Mendes, é o sexto ponto discriminatório da Resolução n.º 75/2009 quando retirou do profissional de medicina e atribuiu a folclórica Comissão Multiprofissional a conclusão pela inexistência da deficiência ou por sua insuficiência.

Quais eram ou quais são os critérios científicos para se concluir que a deficiência é inexistente ou insuficiente? Talvez alguns dos ensinamentos de Josef Mengele ou procedimentos criados por ele nos campos de concentrações Nazistas. Isso porque a partir do momento em que todas as patologias são constatadas, seja deficiência ou não, ela recebe um número no sistema internacional chamado de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, abreviado como C.I.D. que busca padronizar os estudos sobre as patologias.

O reconhecimento internacional de uma deficiência pelo ramo da ciência especificamente voltada para este objetivo, a medicina, atestado pelo profissional legalmente reconhecido na legislação brasileira para tal finalidade, nas mentalidades do então Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Ferreira Mendes, e companhia eram insuficiente para motivá-los a promover a inclusão das pessoas com deficiência, pois de acordo com eles seria possível haver inexistência ou insuficiência nas patologias reconhecidas internacionalmente.

E para destacar que o Ministério Público Federal não adota postura diferente da magistratura nacional, trago à baila os artigos 10 e 11 da Resolução n.º 169/2016 do Conselho Nacional do Ministério Público que configura elemento estranho a ciência médica e, na definição do artigo 2º da própria Convenção Internacional sobre os Direito das Pessoas com Deficiência, discriminação por motivo de deficiência quando traz quase as mesmas exigências insanas para tentar inviabilizar a participação delas nos concursos para Procuradores da República ao disporem:

Art. 10 - As pessoas com deficiência que, sob as penas da lei, declararem tal condição, no momento da inscrição no concurso, terão reservados 10 % (dez por cento) do total das vagas, arredondado para o número inteiro seguinte, caso fracionário, o resultado da aplicação do percentual indicado.

§ 1º - Nesta hipótese, o(a) interessado(a) deverá, necessária e obrigatoriamente, juntar ao requerimento de inscrição preliminar relatório médico detalhado, emitido, no máximo, 30 (trinta) dias antes da data da publicação do edital de abertura do concurso, que indique a espécie e o grau ou nível da deficiência de que é portador(a), com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID) e à sua provável causa ou origem. O relatório médico, entregue pelo(a) candidato(a) no ato da inscrição preliminar, será imediatamente submetido à Comissão Especial de Avaliação para avaliação prévia antes de realizada qualquer etapa do concurso, que poderá, se for o caso, solicitar novos documentos.

§ 2º - Na falta do relatório médico ou não contendo este as informações acima indicadas, o requerimento de inscrição preliminar será processado como de candidato(a) sem deficiência mesmo que declarada tal condição.

Art. 11 - O(A)s candidato(a)s cuja deficiência, pela natureza das dificuldades dela resultantes, justifique a ampliação do tempo de duração das provas, deverão, necessariamente no ato da respectiva inscrição preliminar, formular, juntando parecer de médico especialista na deficiência, requerimento que será apreciado pelo Procurador-Geral da República, ouvida a Comissão Especial de Avaliação.

(grifos nossos)

A Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público destaca que no tocante a inclusão de pessoas com deficiência à sociedade, o Parquet Federal não passa de uma cópia do Poder Judiciário: fixa prazo de validade de 30 dias para relatórios médicos que atestam deficiência permanente, cria uma tal Comissão Especial de Avaliação prévia e atribui ao Procurador-Geral da República a concessão ou não de tempo adicional para os candidatos que tiverem indicação médica desse recurso. Essa é claramente a razão pela qual, em mais de 34 anos de redemocratização do Brasil, não se observa Procuradores ou Subprocuradores da República com deficiência aparente.

O preconceito e a discriminação contra pessoas com deficiência no Ministério Público Federal serão analisados mais profundamente quando formos analisar as omissões em relação a fraude no XVII Concurso Público para Juiz Federal Substituto promovido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região tanto na sua atuação administrativa quanto judicial.

A figura do Estado como macro sociedade exige dos agentes públicos o preparo e a capacitação para enxergar os elementos de conflitos internos e atuar para coibi-los e não ser um dos causadores desses dissídios, como explica o saudoso escritor Adriano de Cupis, verbis:

Todo o grupo social que tenha função de defesa em relação ao exterior, tanto nos períodos primitivos de civilização como nos mais evoluídos, não pode tolerar dissídios internos capazes de debilitá-lo em face dos outros grupos que possam ser encontrados em oposição com ele. A esta exigência acresce outra, sentida pelos Estados informados por princípios de natureza espiritual, e que é a de assegurar o quid minimum (um quê de mínimo) de ordem e de segurança interna que é indispensável à convivência civil.

(CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Campinas-SP: Romana, 2004.Pág. 72)

(grifos nossos)

A partir do momento em que um Estado realiza a adesão aos tratados ou convenções internacionais que versam sobre direitos humanos, ele se obriga, pelo princípio do não retrocesso, que foi justamente o que balizou a decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF 347 MC/DF, marco jurisprudencial que deu origem à implementação das audiências de custódia na Justiça brasileira, a não frustrar seu objeto. Vale destacar um trecho do voto do então Ministro Celso de Melo, que esclareceu:

Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público criar obstáculo artificial que revele a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e /ou político-administrativa o arbitrário, ilegítimo e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência e de gozo de direitos fundamentais (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004), a significar, portanto , que se revela legítima a possibilidade de controle jurisdicional da invocação estatal da cláusula da reserva do possível, considerada, para tanto, a teoria das restrições das restrições, segundo a qual como observa LUÍS FERNANDO SGARBOSSA (Crítica à Teoria dos Custos dos Direitos, vol. 1/273-274, item n. 2, 2010, Fabris Editor) as limitações a direitos fundamentais, como o direito de que ora se cuida, sujeitam-se, em seu processo hermenêutico, a uma exegese necessariamente restritiva, sob pena de ofensa a determinados parâmetros de índole constitucional, como, p. ex., aqueles fundados na proibição de retrocesso social, na proteção ao mínimo existencial (que deriva do princípio da dignidade da pessoa humana), na vedação da proteção insuficiente e, também, na proibição de excesso.

(STF. ADPF 347 MC, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031. DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016. Pág. 169)

(grifos nossos)

Observe-se que para os Ministros do Supremo Tribunal Federal a atuação do Poder Público em inviabilizar o gozo dos direitos fundamentais pelos indivíduos configura fraude, ato ilícito, ofensa a parâmetros constitucionais, retrocesso social quando não se trata de atuações dos magistrados e membros do Ministério Público Federal brasileiros discriminando pessoas com deficiência.

É perfeitamente constatável que as barreiras impostas pela Resolução n.º 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça tinha e tem claríssimo objetivo de discriminar, dificultar, excluir pessoas com deficiência dos quadros de Membros da magistratura. Pior, a principal instituição criada para atuar com fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público Federal, achou a norma segregadora bonitinha e copiou seu teor quando deveria, pela determinação da Constituição Federal de 1988, postular a extirpação dos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro por meio da ação constitucional específica.

A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal deixa clara a atitude segregadora, discriminatória, preconceituosa dos Membros da magistratura brasileira em todas as suas instâncias contra a inclusão de pessoas com deficiência e tanto o Ministério Público Federal quanto o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que seriam os responsáveis por definição Constitucional para impedir essa selvageria institucional, acomodam-se fazendo-se de desentendidos, cegos, surdos e não raras vezes tentando omitir esses atos da sociedade.

Está mais do que comprovado que, até então, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e seus agentes estão mais interessados no status social que lhes concedem esses cargos públicos do que com a efetivação dos interesses públicos que deram origem a criação das funções que exercem. Isso ficará mais claro, por incrível que pareça, quando formos tratar da fraude no XVII concurso Público para Juiz Federal Substituto promovido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

3.DA FRAUDE NO XVII CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO PROMOVIDO PELO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO COM OBJETIVO ESPECÍFICO DE ELIMINAR CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA EM OMITIR OS FATOS DO CONHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Quando se relata fraudes em concursos públicos no Brasil a imprensa normalmente divulga fatos apurados pelas autoridades policiais, denunciados pelos Ministérios Públicos e julgados pelo Poder Judiciário. O grande problema está no fato de que algumas dessas instituições podem ter Agentes ou Membros figurando como autores dos delitos que deveriam reprimir e combater, o que será o foco de abordagem deste tópico.

A Lei de Improbidade Administrativa traz regras específicas para coibir fraudes em concursos públicos tipificando, em seu artigo 11, IV e V, que são Atos de Improbidade Administrativa que atentam contra os Princípios da Administração Pública:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;       (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

(grifos nossos)

No Brasil há uma parcela da Administração Pública que, por décadas, frauda concursos públicos com propósito de evitar que pessoas com algum tipo de deficiência aparente venham a compor seus quadros de Membros: a magistratura e o Ministério Público Federal como se demonstrará a seguir.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região promoveu, entre os anos de 2018 e 2020, o XVII Concurso Público para Juiz Federal Substituto que foi fraudado pela Comissão Examinadora com práticas ilegais que objetivaram eliminar os candidatos com deficiência. O concurso tinha por objetivo selecionar candidatos para preencher dez cargos vagos, sendo um ilusoriamente reservado para pessoas com deficiência.

Além disso, houve o uso da influência dos cargos pelos integrantes da Comissão Examinadora e da Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região com propósito de criar fundamentos fáticos para a tese de defesa idealizada pelos desembargadores federais Abel Fernandes Gomes e Guilherme Calmon Nogueira da Silva com o então presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região André Fontes.

Esses agentes públicos por décadas transitaram nos meios de comunicação ostentando notoriedade excepcional em razão das funções institucionais que ocuparam por décadas que, como um véu, obstruía a visão de suas reais personalidades.

Desembargador Federal aposentado Abel Fernandes Gomes

Fonte da imagem: https://www.conjur.com.br/2021-mar-25/desembargador-abel-gomes-trf-aposentadoria

Desembargador Federal André Ricardo Cruz Fontes

Fonte da imagem: https://www10.trf2.jus.br/institucional/magistrados/desembargador-federal-andre-fontes/

Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Silva

Fonte da imagem: https://gerry.jusbrasil.com.br/noticias/126482458/guilherme-calmon-respondera-pela-corregedoria-nacional-de-justica-durante-julho

O objetivo dessas autoridades foi impedir a produção de provas em processos judiciais que foram propostas em face das ilegalidades do certame e influenciar no julgamento com escopo de validar o XVII Concurso Público para Juiz Federal promovido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região em violação à legislação em vigor.

Dois candidatos, o Autor da Ação Popular - Paulo Lima de Brito e a candidata Letícia Mendes Martins do Rego Barros por serem pessoas com deficiências, solicitaram uso de recursos compensatórios para amenizar as limitações impostas pelas respectivas patologias.

Eles solicitaram para a primeira fase das provas - tempo adicional de uma hora e auxílio para preenchimento do gabarito definitivo -, o que foi deferido. Já para a segunda fase do certame foram solicitados tempo adicional de uma hora e uso do computador para a digitação dos textos das respectivas provas.

A segunda fase do certame foi organizada, se é que se pode usar tal termo nesse contexto, pela própria Comissão do XVII Concurso Público para Juiz Federal substituto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região na sede da Corte no Rio de Janeiro e teria quatro horas de duração, mais uma hora adicional para os candidatos com deficiência amparados pela legislação em vigor.

Nos dias das provas da segunda fase 09, 10 e 11 de novembro de 2018 - não houve a preparação antecipada da Comissão do Concurso para atender os Candidatos que solicitaram uso dos recursos assistivos assegurados pelos artigos 2º, 3º, 4º e 5º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e artigos 3º, III e IV, VI, 4º, caput, 8º, 34, 37, da Lei n.º 13.146/2015.

O início da realização das provas pelos candidatos estava programado para começar às 09h00 do dia 09 de novembro de 2018. Porém, os candidatos sem deficiência começaram a fazer às provas muito antes dos candidatos que solicitaram adaptações por ausência de preparação antecipada da Comissão do Concurso para atender aqueles que necessitavam da tecnologia assistiva.

Para completar a presepada, por volta das 10h00, antes dos candidatos com deficiência iniciarem a realização das provas, a coordenadora administrativa do concurso mandou informar aos candidatos Paulo Lima de Brito e Letícia Mendes Martins do Rego Barros que eles não teriam o tempo adicional de uma hora concedido na primeira fase.

Isso mesmo! A tal coordenadora administrativa do concurso, para compensar sua incapacidade em cumprir com a função pública com eficiência, burlou a Constituição Federal e a legislação em vigor e revogou, na surdina, os recursos assistivos que os candidatos necessitavam, sem publicações em editais e muito menos lançando os incidentes nas atas da sala do primeiro dia de provas.

Mas a lambança não parou por aí, pouco depois das 14h00 a Condenadora administrativa do concurso mandou um dos fiscais desligar os monitores dos computadores que os Candidatos Paulo Lima de Brito e Letícia Mendes Martins do Rego Barros estavam digitando os textos. Eles ficaram aguardando por mais de meia hora a designação de um fiscal que iria transcrever os textos para os cadernos de provas definitivos, o que só começou por volta das 14h45.

A Fiscal designada para transcrever os textos do candidato Paulo Lima de Brito era uma senhora que aparentava ter pouco mais de 50 anos. Ela informou ao candidato que teria que terminar logo a transcrição porque estava escalada para uma sessão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que começaria às 17h00.

Esse fato era do conhecimento da Coordenadora administrativa do concurso, tanto que vários fiscais apareciam com frequência na sala para lembrá-la, a mando da tal Coordenadora, da sessão do Tribunal. Outros fiscais apareciam de supetão na porta da sala para adverti-la de que a Coordenadora mandou avisar que ela deveria escrever nos cadernos de provas apenas o que o candidato tinha escrito.

Por diversas vezes essas frequentes interrupções chegaram a assustar a Fiscal e o Candidato, tanto que os Cadernos de provas ficaram cheios de rasuras e, por esta razão, não foram juntados aos processos judiciais pela Comissão do Concurso, embora exaustivamente solicitados pelo Autor tanto administrativamente quanto nos autos dos processos judiciais da Ação Popular e da ação por reparação de danos que terão seus teores analisados nos próximos tópicos, em violação aos artigos 5º, LV, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, artigos 396 ao 400 do Código de Processo Civil, artigos 1º§5º e 7º, I, b, da Lei n.º 4.717/1965 e artigos 6º e 7º da Lei n.º 12.527/2011.

A malandragem dos integrantes da Comissão do Concurso foi tamanha que o desembargador federal Presidente da Comissão do concurso, Abel Fernandes Gomes, depois desse papelão pediu aposentadoria para tentar escapar da repercussão pública do vexame que comandou.

3.1.Da Condescendência do Ministério Público Federal por meio do 48° Ofício de Tutela da Cidadania e Minorias no Estado do Rio de Janeiro com a Fraude do XVII Concurso Público para Juiz Federal substituto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Na tentativa de obter uma solução para a fraude no XVII Concurso Público para Juiz Federal substituto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ainda na esfera administrativa, o candidato Paulo Lima de Brito acionou o Ministério Público Federal por meio do 48° Ofício de Tutela da Cidadania e Minorias no Estado do Rio de Janeiro por meio da Notícia de Fato nº 1.30.001.002244/2020-84.

O principal motivo para se acionar esse setor do Parquet Federal foi a descrição da finalidade de sua criação. Nos expressos termos descritivos da sua existência estava a de que lhe competia fiscalizar o respeito aos direitos das minorias, entre os quais está a inclusão das pessoas com deficiência à sociedade brasileira, a não discriminação, o acesso à informação, o acesso à Justiça, que foram violados pelos desembargadores federais do Tribunal Regional Federal da 2ª Região no exercício da atuação administrativa na condução do concurso público.

A página da Procuradoria Geral da República esclarece a finalidade da especialização do setor explanando que:

Apresentação

A Constituição Brasileira de 1988, denominada Constituição Cidadã, instituiu o Ministério Público Federal MPF como instituição independente, extra poder, dotada de independência funcional, administrativa e financeira, a teor do art. 129, II, com a função de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.

Esta função é exercida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão a quem cabe dialogar e interagir com órgãos de Estado, organismos nacionais e internacionais e representantes da sociedade civil, persuadindo os poderes públicos para a proteção e defesa dos direitos individuais indisponíveis, coletivos e difusos tais como dignidade, liberdade, igualdade, saúde, educação, assistência social, acessibilidade, acesso à justiça, direito à informação e livre expressão, reforma agrária, moradia adequada, não discriminação, alimentação adequada, dentre outros.

http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/institucional/sobre-a-pfdc/apresentacao

(grifos nossos)

Pelo desenrolar dos eventos parece tratar-se de uma informação Fake na página oficial da Procuradoria Geral da República. O que justifica essa conclusão foi o fato da Procuradora da República em exercício no 48° Ofício de Tutela da Cidadania e Minorias, Dra. ANA PADILHA LUCIANO DE OLIVEIRA, com nítido propósito de abafar o caso, arquivou o procedimento administrativo, em divergência dos artigos 27 do Decreto nº 3.298/1999, 69§3º da Lei 13.146/2015, 4º§2º do Decreto nº 9.508/2018 e 76 da Resolução n.º 75 do Conselho Nacional de Justiça, afirmando que:

Não há, no sistema jurídico brasileiro, direito à realização da prova com acréscimo de uma hora do tempo normal, sendo que no caso do autor foi utilizado tempo extra para viabilizar o cumprimento dos princípios que regem a atuação da Administração Pública, de modo a preservar a não identificação das provas realizadas pelos candidatos aptos à segunda etapa do certame.

(grifos nossos)

A Procuradora da República, Dra. ANA PADILHA LUCIANO DE OLIVEIRA, chegou a afirmar, em flagrante violação ao princípio constitucional da publicidade e a lei de acesso à informação (Lei n.º 12.527/2011), que a negativa de acesso aos documentos públicos que constituem os cadernos de provas usados para avaliar candidatos aos cargos de Juiz Federal Substituto é irrelevante justificando que:

Por último, não se vislumbra a real necessidade de apresentação do caderno de provas do reclamante, considerando que as informações lá contidas não corroboram em nada no esclarecimento dos fatos.

(grifos nossos)

Não se trata de erro ou desconhecimento dos princípios legais e constitucionais que regem o Estado Democrático de Direito, mas adesão intencional ao bonde do abafa que tentou encobrir a fraude no XVII Concurso Público Para Juiz Federal Substituto promovido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Trata-se de profissional extremamente qualificada que entende de forma notória a legislação em vigor sendo, inclusive, palestrante em eventos jurídicos.

Procuradora da República Ana Padilha Luciano de Oliveira

Fonte da Imagem: https://www.youtube.com/watch?v=LRmgk98hWeY

A Procuradora da República, no afã de contribuir para a manutenção da política do preconceito e discriminação das pessoas com deficiência demonstrou adesão a violação à lei de acesso à informação que, em seu artigo 5º, garante:

Art. 5º É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.

(grifos nossos)

Os cadernos de provas dos concursos públicos são documentos cuja publicidade é exigida pelo artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e é dever do Ministério Público Federal zelar pela sua observância na Administração Pública. O acesso a esses documentos é garantido à qualquer cidadão pelo artigo 7º, II, da Lei n.º 12.527/2011, que determina:

Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:

II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;

(grifos nossos)

A Procuradora da República, Dra. ANA PADILHA LUCIANO DE OLIVEIRA, demonstrou total descaso com o papel Constitucional do Ministério Público Federal estabelecido no artigo 129, II, da Constituição Federal de 1988 que inclui: zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. Não existe em uma democracia a função de Arquivadora da República como ela agiu.

Aderindo ao esquema do abafa a fraude no XVII Concurso Público para Juiz Federal substituto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região ela optou por fazer vistas grosas às ilegalidades motivadas pelo interesse em excluir, discriminar, segregar pessoas com deficiência da magistratura brasileira.

Para a Procuradora da República: 1)a violação à política de Estado de promoção da inclusão social das pessoas com deficiência, 2)a negativa de acesso a documentos públicos, 3)a recusa de fornecimento de adaptações para realização das provas que, nos termos do artigo 2º, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do artigo 4º§1º, da Lei n.º 13.146/2015, são legalmente tipificados como discriminação por motivo de deficiência não fazem parte da missão institucional do Ministério Público Federal nem do setor criado especificamente para atuar na defesa dos direitos das minorias.

3.2.Da Condescendência do Conselho Nacional de Justiça com a Fraude do XVII Concurso Público para Juiz Federal substituto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Iludido de que as instituições ligadas ao Poder Judiciário tivessem algum compromisso com a moralidade administrativa o Candidato acionou, ainda na esfera administrativa, o Conselho Nacional de Justiça por meio dos autos do Procedimento de Controle Administrativo n.º 0010172-98.2018.2.00.0000.

Na petição inicial o Autor alegou que a Comissão do XVII Concurso Público para Juiz Federal Substituto promovido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região havia violado os princípios constitucionais da publicidade, da legalidade, da garantia de acesso aos documentos públicos, além de violação à política de Estado da inclusão das pessoas com deficiência e a revogação do direito de fazerem uso de adaptações razoáveis para compensarem suas limitações durante a execução das provas na segunda fase do certame.

Entretanto, o Conselheiro ANDRÉ GODINHO arquivou liminarmente o processo sob o fundamento criado pela Comissão do XVII Concurso Público para Juiz Federal Substituto promovido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região afirmando que as violações apontadas se tratavam, na sua mentalidade primitiva, de matéria que busca tutelar direito eminentemente individual, sem repercussão geral para o Poder Judiciário.

Vale destacar a seguinte parte da r. decisão:

Nos termos em que posta a questão, verifica-se que a pretensão do Requerente objetiva tutelar direito eminentemente individual, sem repercussão geral para o Poder Judiciário.

Os relatos apresentados pelo Autor, bem como as informações prestadas pelo Tribunal, demonstram versões diversas para fatos ocorridos ao longo da segunda etapa do certame, de acordo com a ótica de cada uma das partes. Registre-se, inclusive, que comparando os relatos de Autor e Tribunal foi possível concluir que efetivamente foi assegurado ao candidato o tempo para realização da prova no computador, com tempo adicional para transcrição pelo fiscal designado para tal fim.

Constata-se, pois, que eventuais dificuldades para realização da prova estão relacionadas tão-somente ao candidato, não sendo possível divisar que outros portadores de deficiência tenham sido atingidos pelas opões adotadas pela Comissão de Concurso ou pelos fiscais que aplicaram as provas.

Sobre o autor
Paulo Lima de Brito

Escritor e Advogado desde 2009 em Brasília-DF militante nas áreas de Direito de Família, Direito do Trabalho e Direitos Humanos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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