Para as eleições de 2010, a Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97) passou a admitir, antes do início permitido de campanha eleitoral, a prática de alguns atos vinculados às eleições, sem que eles configurassem propaganda antecipada. As seguidas reformas (Lei n. 12.891/13, Lei n. 13.165/15 e Lei n. 13.488/17) aumentaram o rol de condutas permitidas no período de pré-campanha.
Conforme explica Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 8.ed. rev. ampl. e atual São Paulo: Editora Juspodivm, 2022, p. 415) a nova legislação confere uma prevalência ao direito à liberdade de expressão, prestigiando a antecipação dos debates políticos.
Atrelado ao abrandamento nas regras de propaganda eleitoral antecipada, a partir das eleições de 2016 houve o encurtamento do período de campanha eleitoral, que passou a ser permitida somente após o dia 15 de agosto, conforme previsão expressa no art. 36 da Lei das Eleições. Na prática, hoje a propaganda, antes admitida a contar do dia 6 de julho do ano da eleição, ficou reduzida para cerca de 45 dias, ou seja, houve uma diminuição pela metade do tempo fixado pela lei.
Com a evolução legislativa, atualmente é admitido amplo debate político, mesmo que vinculado a uma vindoura eleição, desde que o futuro postulante não se apresente como candidato e não promova ações que revelem pedido explícito de votos. É possível fazer menção à pré-candidatura, exaltação das qualidades pessoais de um pretenso candidato, divulgar ações políticas que já desenvolveu ou que pretende desenvolver, realizar reuniões e debates sobre eleições, entre outras práticas previstas no art. 36-A da Lei das Eleições.
Inegável que a vontade do legislador com a permissibilidade de um conjunto de ações no período de pré-campanha foi adiantar o diálogo político que, até então, somente era travado no período permitido de campanha eleitoral. Nesse contexto, não podemos esconder que, na prática, a pré-campanha é quase uma campanha eleitoral, apenas diferenciando-se na essência quanto à não apresentação de elementos ostensivos que indiquem a vontade manifesta de captar votos.
Nesse ponto, surge o seguinte questionamento: para realizar todos os atos permitidos na pré-campanha, a que fonte de custeio que os partidos e pré-candidatos poderiam se socorrer?
A pergunta se mostra oportuna, pois nessa fase que antecede a campanha eleitoral a norma não permite a arrecadação de recursos. Na verdade, a única previsão de levantamento de recursos é por meio da vaquinha eleitoral financiamento coletivo, que é admitida a partir do dia 15 de maio. Entretanto, referido recurso somente ficará disponível para o efetivo uso após o registro formal da candidatura com abertura de CNPJ e conta bancária (art. 22 da Resolução TSE n. 23.607/19). Logo, não servirá para os atos de pré-campanha.
A divulgação das ações antes do dia 16 de agosto do ano eleitoral demanda gastos financeiros, pois, para que haja a promoção de uma pré-candidatura, é necessário ter disponível uma estrutura própria, a exemplo de instrumentos e profissionais do marketing, apoiadores, meios de transporte. Em suma, um aparelhamento análogo ao de uma campanha eleitoral, principalmente nos dias atuais diante do curto período de campanha, que passou a exigir uma maior profissionalização dos atos direcionados ao processo eleitoral, a fim de convencer o ator principal das urnas de que determinada pessoa é a mais apta para um cargo eletivo.
A propósito, atualmente um dos meios mais eficazes de disseminação de uma informação é a internet, principalmente nas redes sociais Facebook e Instagram. Logicamente, para que uma publicidade tenha um sólido engajamento e impacto no público-alvo, o interessado tem à sua disposição uma ferramenta denominada de impulsionamento, cujo uso tem um custo financeiro.
Para as Eleições de 2022, o art. 3º-B da Resolução do TSE n. 23.601/19 passou a admitir o impulsionamento de conteúdo político-eleitoral durante a pré-campanha nos termos como permitido na campanha.
Já o art. 29 da Resolução TSE n. 23.610/19 prevê que o impulsionamento de propaganda eleitoral na internet é possível, desde que contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
Ademais, o art. 3º-A da mesma resolução afirma que configura propaganda antecipada a divulgação de atos de pré-campanha por meio, forma ou instrumento proscrito [proibido] no período de campanha. Nesse sentido, numa interpretação em sentido contrário deste dispositivo normativo, a lógica induz à conclusão de que os mecanismos que foram permitidos durante a campanha eleitoral também serão no período de pré-campanha.
Com efeito, valendo-se de uma interpretação sistemática dos dispositivos legais referidos, bem assim buscando manter uma sintonia com a real vontade da norma e do legislador, a interpretação mais acertada é a de que o partido político pode custear os gastos com todos os atos relacionados à pré-campanha, seja com impulsionamento ou outros meios análogos de publicidade, bem assim com instrumentos direcionados a atos com viés político-eleitoral.
Nesse contexto, arrisco afirmar que, inclusive, recursos do Fundo Partidário poderão ser utilizados para tal finalidade, pois o art. 44 da Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95) elenca entre as finalidades desse recurso a aplicação na propaganda doutrinária e política, em ações de promoção e difusão da participação política das mulheres e no custeio de impulsionamento.
Apesar de não existir regra clara acerca da fonte de custeio dos atos de pré-campanha - com a disponibilização de recursos do próprio partido para tais ações, em benefício de seus filiados pré-candidatos, o uso da verba partidária para tal finalidade garante a igualdade no processo eleitoral. Ao se proibir o uso desses recursos estar-se-ia privilegiando os pré-candidatos mais ricos, uma vez que estes teriam condições de empregar recursos a fim de garantir uma maior e aperfeiçoada disseminação de uma pré-campanha em detrimento daquele que não ostenta a mesma disponibilidade financeira.
Por outro lado, como os partidos têm o dever constitucional de prestar contas à Justiça Eleitoral, o uso de recursos partidário na pré-campanha traz a possibilidade de aferir o volume que está sendo empregado nesses atos e, assim, verificar a existência de algum uso imoderado de gastos, a ensejar uma futura ação por abuso de poder econômico.
Por fim, a pré-campanha se revela um mecanismo de antecipação do debate político e, por isso, deve estar ancorada nas mesmas balizas que norteiam a campanha eleitoral, especialmente preservando o afastamento da desigualdade entre os pré-candidatos, a transparência nas ações e o controle efetivo de abusos que comprometem a higidez da disputa eleitoral ou têm o potencial de interferir na vontade livre do eleitor.
Por Edirlei Souza - rondoniense, professor, graduado em Direito, pós-graduado em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e em Comunicação Pública, e servidor público federal.