O respeito à dignidade da pessoa humana é o elemento essencial de toda civilização, e a adoção de mecanismos para sua implementação é o esforço primordial da sociedade, como meio de oferecer aos seus cidadãos uma existência digna.
Contudo, a defesa desse princípio vai além da vida do indivíduo, reconhecendo sua autonomia de vontade com relação às disposições sobre o seu fim, as quais deverão ser acatadas por todos.
Temos, nesse sentido, o testamento vital, que se configura como um instrumento de manifestação da vontade de um indivíduo quanto ao término de sua vida.
A pessoa humana deve ser soberana sobre a própria existência. Essa é a liberdade última! Com isso, a manifestação da vontade sobre o prolongamento de sua vida, por meio de métodos artificiais, tais como aparelhos ou medicamentos, enquanto se encontrar inconsciente, deve ser respeitada como um ato sagrado, independentemente de seu valor legal.
Cabe ao indivíduo decidir se deseja ou não prolongar sua existência por meio de métodos que não necessariamente lhe garantem uma cura clínica, mas que apenas mantêm suas funções vitais, mesmo que ele se encontre inconsciente para a realidade do mundo.
Dessa forma, é lícito à pessoa determinar, em vida e de forma expressa, seu interesse, ou não, quanto à aplicação de terapias prolongadoras de sua existência, podendo até mesmo requerer o desligamento de aparelhos ou a recusa a tratamentos médicos específicos, inclusive quanto a ser ressuscitada ou não, caso seja vítima de uma parada cardíaca.
Por força do testamento vital, o médico encontra-se vinculado à vontade do paciente, não podendo negar-lhe validade ou resistir à sua execução.
Não devemos confundir as disposições contidas em um testamento vital com atos de suicídio assistido ou de eutanásia, visto que os elementos que os caracterizam não possuem concordância ou semelhança.
Além disso, não se deve exigir uma fundamentação ou justificativa para a vontade expressa no testamento vital. A vontade da pessoa é, como já dissemos, soberana sobre a própria vida e sobre como esta deve terminar.
À parte dessas considerações, é importante frisar que o testamento vital é o documento por meio do qual uma pessoa, capaz à época de sua constituição, manifesta sua vontade quanto à execução ou não de tratamentos médicos que possam prolongar sua existência, na hipótese de se encontrar em estágio avançado de doença terminal ou incurável, que a impossibilite de se manifestar adequadamente.
Dessa forma, os elementos mínimos caracterizadores do testamento vital são: o agente capaz (à época de sua instituição) e a livre manifestação de vontade.
Um terceiro elemento, qual seja, a forma, embora não haja um ponto pacífico na doutrina quanto a esta, entendemos que deva ser materializada por meio de ato solene, mediante a lavratura de escritura pública, dado o caráter eminentemente importante do direito à vida, que é o seu objeto.
Sendo o ato praticado por escritura pública, perante tabelião regularmente investido, a referida manifestação de vontade, per se, produzirá efeitos contra terceiros, devido ao caráter público do ato, emprestando-lhe, assim, um maior vigor e poder diante de qualquer divergência de cunho familiar que possa surgir no momento de uma possível interrupção de tratamento, como, por exemplo, o desligamento de aparelhos de suporte à vida.
A solenidade da escritura pública resguarda não apenas a aferição da capacidade do agente, mas também sua livre vontade, uma vez que o tabelião se certificará de que a manifestação então proferida esteja livre de qualquer vício, conferindo ao ato maior solidez e caráter de incontestabilidade por terceiros.
Ainda, no quesito da vontade, poder-se-ia dizer que um testamento vital elaborado por pessoa induzida a fazê-lo, quando já se sabe de seu diagnóstico fatal, além de totalmente imprestável para a devida produção de efeitos, configuraria, em sentido amplo, para aquele que o induziu, a prática tipificada no artigo 122 do Código Penal, que trata da indução ao suicídio.
Como finalidade, podemos considerar que o testamento vital visa garantir ao seu instituidor uma morte digna, livre de sofrimentos desnecessários, em respeito à sua pessoa humana.
Toda a discussão acerca do testamento vital esbarra nas alegações de seus críticos sobre ser este uma forma de legitimação da eutanásia. Mas seria isso verdade? Seria ele o exercício ilícito sobre objeto nulo, calcado no princípio da autonomia da vontade, como sustentam aqueles que o desaprovam?
O testamento vital, como meio válido de manifestação de vontade, possui, além de fundamentação doutrinária, amparo legal. O artigo 15 do Código Civil preceitua que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento ou a intervenção cirúrgica.
Dessa forma, vemos que a Lei Civil ampara a pessoa humana na sua integridade, e, mais ainda, em sua vida, em consonância com a Constituição Federal, a qual proíbe os meios degradantes no trato da pessoa humana, já tratados neste texto.
Faz-se mister destacar o exercício da manifestação legítima da vontade, no seio do testamento vital, como prática da morte digna ou morte correta (ortotanásia), ao contrário da eutanásia (boa morte).
Diferente do que ocorre no testamento vital, a eutanásia, que etimologicamente significa "boa morte", dá-se quando profissionais de saúde, por meio de técnicas que permitam a morte antecipada do paciente de forma menos dolorosa, põem fim à vida deste por meio de condutas ativas.
A prática da eutanásia é considerada, pelo nosso ordenamento, como conduta típica, na forma do artigo 122, caput, do Código Penal, sendo considerada criminosa a conduta de induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.
Dessa forma, como já dissemos, não há meios de confundir a eutanásia com as disposições contidas no testamento vital, uma vez que aquela pretende encerrar a vida do paciente de modo artificial, antes do momento previsto pelo corpo, ao passo que a expressão de vontade contida neste se limita, tão somente, à autorização de suspensão dos tratamentos médicos que prolongam sua existência em casos incuráveis e irreversíveis.
O testamento vital carece, ainda, de regulamentação quanto à sua forma, abrangência e efeitos, por força legal, encontrando-se em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 149/18, que trata do assunto.
O ordenamento jurídico carece de comportar diretrizes normativas para o testamento vital, a fim de que se garanta, de forma incontestável, o pleno exercício da livre manifestação da vontade, calcado no mais nobre dos princípios constitucionais, que é a razão da existência do próprio Direito: a dignidade da pessoa humana.