Artigo original em https://advambiental.com.br/auto-de-infracao-ambiental-aplicado-contra-menor-de-idade-e-possivel/
O presente artigo é referente à responsabilização administrativa daquele que, sendo menor de idade, comete uma infração ambiental.
O conceito de menor de idade pode ser extraído do Decreto n. 99.710/90, que promulgou a Convenção sobre os Direitos da Criança, o qual conceitua criança como sendo todo o ser humano menor de dezoito anos de idade.
Anterior ao citado Decreto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), em seu artigo 2º, distingue criança de adolescente, adotando a idade máxima de doze anos de idade incompletos para as crianças e, entre doze e dezoito anos, para os adolescentes.
Esclarecido o conceito de criança, passamos a análise de sua responsabilização pelo cometimento de infração administrativa ambiental, o que pode parecer raro, mas na prática forense é bastante comum.
PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL E RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO INFRATOR AMBIENTAL
O poder de polícia ambiental é conferido ao Estado por força do dispositivo constitucional inscrito no artigo 225, § 3º da Constituição da República.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]
§3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Em face do dispositivo constitucional transcrito, depreende-se que as condutas lesivas ao meio ambiente poderão acarretar ao infrator uma tríplice responsabilização.
É que, caso também tipificado como crime, a ação ou omissão lesiva ao meio ambiente deverá gerar penalização a ser aplicada, necessariamente, pelo Poder Judiciário, em âmbito penal.
Soma-se a isso a imposição de sanções, em instância administrativa, e o dever de reparar os danos ambientais, acaso configurados, em âmbito civil. Nas palavras de Édis Milaré[1]:
O poder de polícia ambiental, em favor do Estado, definido como incumbência pelo art. 225 da Carta Magna, e a ser exercido em função dos requisitos de ação tutelar, é decorrência lógica e direta da competência para o exercício da tutela administrativa do ambiente.
O poder de polícia administrativa é prerrogativa do Poder Público, particularmente do Executivo, e é dotado dos atributos da discricionariedade, da autoexecutoriedade e da coercibilidade, inerentes aos atos administrativos.
Com vistas a concretizar o poder de polícia ambiental, a Lei n. 9.605/98, prevê no seu capítulo VI, as infrações administrativas, considerando-as toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Regulamentando a Lei, o Decreto n. 6.514/08, dispõe sobre as condutas infracionais, descrevendo-as e prevendo a aplicação de sanções ao responsável pelas ações e omissões ali previstas.
Diante disso, não se pode confundir a responsabilização administrativa, objeto do poder de polícia ambiental e prevista na Constituição Federal, na Lei n. 9.605/1998, e no decreto n. 6.514/2008, com as consequências penais, possivelmente advindas da mesma conduta.
De igual forma, também é distinto da responsabilização administrativa o dever cível de reparar os danos ambientais causados. As esferas de responsabilização são independentes e se sujeitam a regimes jurídicos próprios, com normas e princípios diversamente aplicados.
A questão da tríplice responsabilidade é bem compreendida por José Afonso da Silva[2]:
A violação de um preceito normativo pode dar origem a sanções de diversas naturezas, e a cada uma corresponde um tipo de responsabilidade civil, administrativa ou penal, conforme seus objetivos peculiares e, em conseqüência, as sanções diferem entre si.
A responsabilidade administrativa é decorrência de infração a regramentos administrativos, sujeitando-se o infrator a sanções de cunho administrativo, qual seja: advertência, multa simples, interdição de atividade etc.
DA INIMPUTABILIDADE PENAL DO MENOR DE 18 ANOS
Inicialmente, é preciso reconhecer a distinção existente entre imputabilidade e responsabilidade. O primeiro termo é comumente utilizado em âmbito penal, para qualificar a ação de imputar a alguém as penas previstas, em lei, para um determinado crime.
Assim, tanto o Código Penal, como a Constituição Federal vigente (art. 228), estabelecem que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Aos menores, portanto, que cometerem crime, não serão imputadas as penas previstas no Código Penal, mas ser-lhe-ão aplicadas as medidas sócio- educativas descritas na legislação especial, leia-se, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).
Isso não quer dizer que o menor será irresponsável pelos atos que praticar, pois inimputabilidade penal não significa irresponsabilidade penal.
Com efeito, responsabilidade provém do latim respondere, que representa a necessidade de se responsabilizar alguém por seus próprios atos. Conceitualmente, é a imposição legal ou moral de reparar ou satisfazer qualquer dano ou perda. A responsabilização, conforme Rui Stocco[3]:
É a situação de quem, tendo em vista uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de zelar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estarem previstas.
Logo, temos que a responsabilidade jurídica se divide em responsabilidade civil e penal. Esta pressupõe a defesa do interesse público, aplicando penas com o objetivo de inibir a prática de crimes e de restabelecer um equilíbrio social desfeito.
A responsabilidade civil, por sua vez, pressupõe a defesa de interesses privados, garantindo à sociedade reparação à violação do seu direito. Por sua vez, a responsabilidade administrativa decorre da prática de qualquer espécie de infração administrativa.
Segundo Bandeira de Mello[4], a razão pela qual a lei qualifica certos comportamentos como infrações administrativas, e prevê sanções para quem nelas incorra, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger o cumprimento das obrigatórias.
E continua, discorrendo que o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo.
Logo, para o doutrinador, quando uma sanção é aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar na sociedade.
Portanto, da tríplice responsabilização, pode-se extrair que os menores de idade possuem regras específicas para a imputação de penas, o que não significa, todavia, a irresponsabilidade por seus atos.
DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DO MENOR POR CONDUTAS LESIVAS AO MEIO AMBIENTE
Como visto, a Lei n. 9.605/98, devidamente regulamentada pelo Decreto n. 6.514/08, prevê a responsabilidade administrativa do infrator ambiental, fixando determinadas obrigações e proibições à sociedade, com vistas à defesa do meio ambiente.
Nenhuma relação direta existe entre a responsabilidade administrativa e as responsabilidades penal e civil, já que os fundamentos das obrigações, embora possam estar relacionados a um mesmo fato comum, geralmente não se identificam.
Conforme dito alhures, a responsabilidade administrativa se fundamenta no poder de polícia, inerente à Administração pública.
No que tange à imposição de sanções administrativas por infrações ambientais, atuam os órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, na forma prevista na Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981.
Dispõe a Lei n. 9.605/98:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
Isso significa que o autuado é aquele que participou da prática da infração, ou seja, que tenha externado conduta, comissiva ou omissiva, lesiva ao meio ambiente.
Celso Antônio Bandeira de Mello[5], ao tratar do sujeito infrator, explica que:
Tanto podem ser sujeitos da infração administrativa e do dever de responder por elas pessoas físicas como pessoas jurídicas, sejam de Direito Privado, sejam de Direito Público. O menor também pode se incluir em tais situações. Assim, caso desatenda aos regulamentos de uma biblioteca pública, incorrendo na figura infracional de retenção de livro além do período permitido, sofrerá suspensão, como qualquer outro.
Sendo o menor responsável pelos atos por ele praticados, não haveria razão para lavratura de auto de infração em nome de pessoa que não tenha participação, ainda que indireta, na prática da infração.
Nesse sentido, a indicação da pessoa responsável pelo menor como autuada representa vício que acarreta nulidade do auto de infração ambiental.
Concluímos, pois, que a lavratura de auto de infração deve se dar em nome daquele que efetivamente praticou a conduta infracional, sendo irrelevante a idade do autuado, para fins de responsabilização administrativa pelos atos praticados em detrimento do meio ambiente.
[1] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. Ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1132
[2] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000.
[3] STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil. 6ª edição. São Paulo: Editora RT, 2004. p. 118.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito administrativo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 807.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito administrativo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 807.
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